Acessibilidade / Reportar erro

Sistema estomatognático e postura corporal na criança com alterações sensório-motoras

Resumos

TEMA: a literatura aponta a postura corporal como um aspecto importante no tratamento de crianças com alterações sensório-motoras. No caso do paralítico cerebral, os reflexos apresentam-se mais intensos do que as reações de retificação e de equilíbrio, inibindo-as, provocando assim um atraso ou impedimento do controle cervical, de tronco e de quadril, que se reflete no Sistema Estomatognático; OBJETIVO: verificar a relação entre a postura corporal e a adequação do Sistema Estomatognático nessa população, quanto à postura e funcionalidade e sua efetividade no processo terapêutico fonoaudiológico; MÉTODO: foram realizadas avaliação inicial, intervenção fonoaudiológica e reavaliação em dezessete crianças com alterações sensório-motoras, com idades entre um ano e seis anos e três meses. A intervenção terapêutica foi realizada durante dez meses, com sessões semanais individuais, sempre com a presença do cuidador. Todas as sessões foram transcritas em protocolo específico e a avaliação e a reavaliação foram gravadas em videoteipe; RESULTADOS: observamos melhora estatisticamente significante dos aspectos do sistema estomatognático em 100% das crianças, tanto nas estruturas isoladamente, quanto em conjunto. O mesmo foi observado com relação às funções; CONCLUSÃO: a adequação da postura corporal das crianças estudadas favoreceu de forma significativa o desenvolvimento e adequação do sistema estomatognático quanto à postura e a funcionalidade.

Sistema Estomatognático; Postura Corporal; Alterações Sensório-Motoras


BACKGROUND: literature points that body posture is an important aspect in the treatment of children with sensorimotor deficits. Considering individuals with cerebral palsy, reflexes are often more intense than reactions of rectification and equilibrium, causing, therefore, a delay or obstacle in cervical, torso and hip control. This delay has as a consequence an impact on the Stomatognathic System. AIM: to verify the relation between body posture and the Stomatognathic System in this population, regarding posture and function, and its effectiveness in the process of speech-language intervention. METHOD: 17 children with sensorimotor deficits, aged between 1 and 6:3 years, were submitted to an initial assessment, followed by speech-language intervention and re-assessment. Speech-language intervention occurred for a period of 10 months, with weekly individual sessions, always in the presence of the caretaker. All sessions were transcribed in a specific protocol and the assessment and re-assessment sessions were videotaped. RESULTS: a statistically significant improvement of stomatognathic system in 100% of the children was observed, not only of the isolated structures, but also of the whole system. The same was observed for the assessed functions. CONCLUSION: the improvement of body posture of the studied children favored significantly the development and improvement of the stomatognathic system regarding the aspects of posture and function.

Stomatognathic System; Body Posture; Children; Sensorimotor; Disorder


ARTIGOS DE PESQUISA

Sistema estomatognático e postura corporal na criança com alterações sensório-motoras* * Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório-Motoras da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Daniela Cristina do ValI,1 1 ( fga.danieladoval@pop.com.br) ; Suelly Cecília Olivan LimongiII; Fabíola Custódio FlabianoI; Ketley Cristine Linhares da SilvaI

IFonoaudióloga. Especializada em Linguagem - Área: Síndromes e Alterações Sensório-Motoras pelo Curso de Especialização em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Colaboradora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório Motoras da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIFonoaudióloga. Professora Associada do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Daniela Cristina do Val R. Arthur Soter Lopes da Silva, 456 - São Paulo - SP - CEP: 05367-140.

RESUMO

TEMA: a literatura aponta a postura corporal como um aspecto importante no tratamento de crianças com alterações sensório-motoras. No caso do paralítico cerebral, os reflexos apresentam-se mais intensos do que as reações de retificação e de equilíbrio, inibindo-as, provocando assim um atraso ou impedimento do controle cervical, de tronco e de quadril, que se reflete no Sistema Estomatognático;

OBJETIVO: verificar a relação entre a postura corporal e a adequação do Sistema Estomatognático nessa população, quanto à postura e funcionalidade e sua efetividade no processo terapêutico fonoaudiológico;

MÉTODO: foram realizadas avaliação inicial, intervenção fonoaudiológica e reavaliação em dezessete crianças com alterações sensório-motoras, com idades entre um ano e seis anos e três meses. A intervenção terapêutica foi realizada durante dez meses, com sessões semanais individuais, sempre com a presença do cuidador. Todas as sessões foram transcritas em protocolo específico e a avaliação e a reavaliação foram gravadas em videoteipe;

RESULTADOS: observamos melhora estatisticamente significante dos aspectos do sistema estomatognático em 100% das crianças, tanto nas estruturas isoladamente, quanto em conjunto. O mesmo foi observado com relação às funções;

CONCLUSÃO: a adequação da postura corporal das crianças estudadas favoreceu de forma significativa o desenvolvimento e adequação do sistema estomatognático quanto à postura e a funcionalidade.

Palavras-Chave: Sistema Estomatognático; Postura Corporal; Alterações Sensório-Motoras.

Introdução

O desenvolvimento neuropsicomotor normal caracteriza-se pela aquisição gradual do controle de postura, com o surgimento das reações de retificação e das reações de equilíbrio. Este processo depende da integridade do Sistema Nervoso Central (SNC) e evolui de forma ordenada, de tal modo que cada etapa é conseqüência da precedente e necessária à posterior.

O desenvolvimento das reações de retificação e de equilíbrio permite ao indivíduo manter sua postura e equilíbrio da cabeça, tronco e extremidades inferiores em todas as circunstâncias normais, contra a ação gravitacional, enquanto braços e mãos permanecem livres para a exploração do ambiente.

Na criança com alterações sensório-motoras, devido à lesão cerebral, essa evolução realiza-se de forma lenta e desorganizada, muitas vezes com a persistência do comportamento motor primário e o surgimento de padrões motores anormais. Assim como no desenvolvimento motor normal, a evolução dos sinais patológicos toma também uma direção céfalo-caudal (Bobath, 1984).

No caso do paralítico cerebral, os reflexos patológicos apresentam-se mais intensos do que as reações de retificação e de equilíbrio, inibindo-as, provocando assim, um atraso ou impedimento do controle cervical, de tronco e de quadril. Em decorrência, são observadas alterações relacionadas ao Sistema Estomatognático (Larnert e Ekberg, 1995; Aurélio et al., 2002; Fung et al., 2002; Redstone e West, 2004; West e Redstone, 2004).

O tônus, a postura e os movimentos dos órgãos fonoarticulatórios podem estar prejudicados na criança com paralisia cerebral, acarretando um déficit no desempenho das funções de sucção, deglutição, mastigação, respiração e na coordenação entre elas, bem como nas habilidades motoras orais necessárias para a articulação da fala (Seacero, 1999; Limongi, 2003).

A postura corporal vem sendo apontada na literatura como um aspecto importante, que deve ser levado em consideração, principalmente no tratamento de crianças com alterações sensório-motoras que apresentam controle postural reduzido e problemas alimentares de grau moderado a severo (Verzoni e Limongi, 1998; Seacero, 1999; Finnie, 2000; Gisel et al., 2000; Furkim et al., 2003; Limongi, 2003; Fung et al., 2004; Redstone e West, 2004; West e Redstone, 2004), muitas vezes sendo referenciados como disfagias infantis, que conduzem a quadros de infecções importantes no aparelho respiratório, como as pneumonias, em grande parte recorrentes e que, clinicamente acabam por trazer maiores complicações ao desenvolvimento dessas crianças (Sullivan et al., 2000; Motion et al., 2002; Gisel et al., 2003; Levy e Rainho, 2003; Sleigh et al., 2004).

O posicionamento inadequado da criança durante a alimentação pode ser o fator de maior contribuição para as disfunções alimentares, pois, se a cabeça não estiver alinhada com o pescoço e o tronco, a criança pode apresentar extensão ou flexão excessiva da cabeça e do pescoço, postura extremamente prejudicial a uma alimentação eficiente (Wolf e Glass, 1992; Schwartzman, 2000).

Assim, as posturas usadas durante a alimentação da criança com de paralisia cerebral devem visar a quebra dos padrões reflexos patológicos, de modo a tornar possíveis os movimentos isolados dos braços, cabeça, mandíbula, língua e lábios (Limongi, 1981).

Apesar da postura corporal ser descrita em diversos estudos como um fator associado a problemas na alimentação de crianças com alterações sensório-motoras, a relação entre esta e o Sistema Estomatognático ainda não foi investigada de forma precisa. Portanto, o objetivo do presente estudo foi verificar a relação entre a postura corporal e a adequação do sistema estomatognático quanto à postura e funcionalidade em crianças que apresentam alterações sensório-motoras e sua efetividade no processo terapêutico fonoaudiológico.

Método

Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa CAPPesq da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sob protocolo 078/03.

Participaram desse estudo dezessete crianças com alterações sensório-motoras de origens sindrômica e não sindrômica, com idades entre um ano e seis anos e três meses, freqüentadoras do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório-Motoras (LIF-SASM) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, todas com acompanhamento neurológico e/ou genético. A variável gênero não foi considerada como fator de exclusão, uma vez que esta não interfere na obtenção e tratamento dos dados. A participação somente foi considerada após a concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos responsáveis.

Na primeira fase do presente estudo foi realizada avaliação inicial, por meio da qual foram obtidos os dados referentes a aspectos do processo de alimentação, postura corporal da criança e condições anatomofuncionais do Sistema Estomatognático, que compõem o protocolo de avaliação do sistema estomatognático utilizado no LIF-SASM (Apêndice Apêndice ).

Na segunda fase foi realizada a intervenção fonoaudiológica durante o período de dez meses, aproximadamente, composta por terapias semanais com sessões individuais de 45 minutos, sempre com a presença do cuidador, para o qual foram dadas orientações quanto à adequação postural, principalmente durante a alimentação, a adequação de utensílios, tais como colher, copo, bico da mamadeira etc., e exercícios a serem realizados em casa durante a semana. Todas as sessões foram registradas em protocolo específico de nosso serviço (Limongi et al., 2000), contendo a descrição das situações, e gravadas em videotape a primeira (avaliação inicial) e a última (reavaliação) sessões. Durante as sessões de terapia foi abordado o trabalho de adequação da postura corporal, bem como a adequação das estruturas orofaciais quanto ao tônus, mobilidade, postura, responsividade a estímulos e adequação das funções estomatognáticas, incluindo orientações quanto ao tipo de alimentos, ritmo de apresentação e instrumento utilizado.

Na terceira fase foi realizada a reavaliação. Para analise dos dados, foram utilizadas as duas gravações em videotape e os protocolos descritivos das sessões, de forma que os dados fossem trabalhados qualitativa e quantitativamente.

A análise estatística envolveu dois testes: o Teste Qui-Quadrado para Independência, visando a associação qualitativa da postura corporal da criança com todas as variáveis referentes ao sistema estomatognático; e o Teste de Igualdade de duas Proporções, para comparar os dados obtidos na avaliação com os obtidos na reavaliação.

Para cada resultado foi denominado um p-valor. Por orientação do estatístico, trabalhamos com um nível de significância de 0,15 (15%), uma vez que o n de nossa amostra, apesar de significativo, é pequeno (n = 17). Além disso, verificamos que muitos estudos apontam que nessa população, uma melhora, mesmo que pequena, é muito significativa. E exatamente por conta da importância de todas as respostas positivas nessa população, consideramos os valores entre 15,1% a 29,9%, como dados tendenciosos.

A fundamentação teórica básica seguida neste trabalho foi dada pela abordagem Neuroevolutiva - Método Bobath.

Resultados

Inicialmente foi analisada a relação entre a postura corporal da criança (em avaliação e reavaliação) e os seguintes itens e respectivos sub-itens: estruturas estomatognáticas: lábios (postura, tônus e mobilidade), língua (postura, tônus e mobilidade), bochechas (tônus e mobilidade); funções estomatognáticas: sucção (vedamento labial, eficiência/força, preensão do bico/canudo e coordenação com a respiração e deglutição), mastigação (movimentação de mandíbula, movimentação de língua, eficiência, postura de lábios e coordenação com a respiração e a deglutição), deglutição (alimento líquido, alimento pastoso, alimento sólido e coordenação com a respiração). Cada um dos itens foi classificado como "adequado" (quando a maioria dos sub-itens apresentava-se adequada), "em evolução" (quando metade dos sub-itens apresentava-se adequada) e "inadequado" (quando a maioria dos sub-itens apresentava-se inadequada).

Ao compararmos os dados obtidos durante a avaliação com os obtidos durante a reavaliação quanto ao item postura corporal da criança, observamos melhora estatisticamente significante (p-valor = 0,001), sendo que a porcentagem de crianças que apresentavam postura corporal adequada passou de 35,3% na avaliação para 94,1% na reavaliação, como mostra o Gráfico 1.


Ao analisarmos as estruturas estomatognáticas em conjunto, observamos relação estatisticamente significante (p-valor = 0,004) ao compararmos os dados obtidos na avaliação com os obtidos na reavaliação. A porcentagem de crianças que apresentavam adequação das estruturas estomatognáticas passou de 11,8% na avaliação para 58,9% na reavaliação.

Ao analisarmos as estruturas estomatognáticas (lábios, língua e bochechas) individualmente, observamos uma melhora significativa quanto aos itens lábios e língua, ao comparamos os dados obtidos na avaliação com a reavaliação. A porcentagem de crianças que apresentaram adequação de lábios aumentou de 11,8% na avaliação para 58,9% na reavaliação e a porcentagem de crianças que apresentaram adequação de língua aumentou de 0% na avaliação para 29,4% na reavaliação. Em relação ao item bochecha, 5,9% das crianças apresentaram adequação na avaliação, porcentagem que se manteve na reavaliação. Porém, a porcentagem de crianças que apresentavam-se em evolução em relação ao item bochechas, passou de 23,5% na avaliação para 52,9% na reavaliação. Tal melhora foi estatisticamente significante para todos os itens (lábios, língua e bochechas), como pode ser observado na Tabela 1.

De acordo com a Tabela 2, referente à relação entre a postura corporal da criança e o item lábios, temos que, na avaliação, apenas uma criança (5,9%) apresentou o item lábios adequado em conjunto com postura corporal adequada e dez crianças (58,9%) apresentaram o item lábios inadequado em conjunto com postura corporal inadequada. Na reavaliação, estes números passaram para nove crianças (52,9%) e nenhuma criança (0%), respectivamente. Porém a associação entre o item lábios e a postura corporal da criança não foi estatisticamente significante tanto na avaliação (p-valor = 0,643) quanto na reavaliação (p-valor = 0,388).

A Tabela 3, referente à relação entre a postura corporal da criança e o item língua, nos mostra que, na avaliação, nenhuma criança (0%) apresentou o item língua adequado em conjunto com postura corporal adequada e onze crianças (64,8%) apresentaram o item língua inadequado em conjunto com postura corporal inadequada. Na reavaliação estes números passaram para cinco crianças (29,4%) e uma criança (5,9%) respectivamente. Porém a associação entre o item língua e a postura corporal da criança não foi estatisticamente significante tanto na avaliação (p-valor = 1) quanto na reavaliação (p-valor = 0,506).

Quanto à relação entre a postura corporal da criança e o item bochechas, notamos que na avaliação, nenhuma criança (0%) apresentou o item bochechas adequado em conjunto com postura corporal adequada e nove crianças (52,9%) apresentaram o item bochechas inadequado em conjunto com postura corporal inadequada. Já na reavaliação, estes números passaram para uma criança (5,9%) e uma criança (5,9%), respectivamente. Além disso, podemos observar que, na avaliação, três crianças (17,6%) apresentaram o item bochechas em evolução em conjunto com postura corporal adequada, número que aumentou para nove crianças (52,9%) na reavaliação. Os dados acima descritos revelam a existência de associação estatisticamente significante entre os itens postura corporal e bochechas apenas na avaliação, como podemos observar na Tabela 4.

Ao analisarmos as funções estomatognáticas em conjunto, observamos que, na avaliação, 47,1% das crianças apresentaram adequação deste item, porcentagem que aumentou para 52,9% na reavaliação. Porém, tal melhora não foi estatisticamente significante (p-valor = 0,492).

Analisando as funções estomatognáticas separadamente, observamos uma expressiva melhora qualitativa das funções de sucção, mastigação e deglutição ao comparamos os dados obtidos na avaliação com os obtidos na reavaliação. Em relação à função de sucção, a porcentagem de adequação aumentou de 52,9% na avaliação para 76,5% na reavaliação. Quanto à função de mastigação, a porcentagem de adequação aumentou de 23,5% na avaliação para 52,9% na reavaliação. Já em relação à deglutição, a porcentagem de adequação aumentou de 23,5% na avaliação para 41,1% na reavaliação. Porém tal melhora foi estatisticamente significante apenas para o item mastigação, como pode ser observado na Tabela 5.

Quanto à relação entre o item sucção e a postura corporal da criança, podemos observar que, na avaliação, cinco crianças (29,4%) apresentaram postura corporal adequada em conjunto com sucção adequada e outras cinco crianças (29,4%) apresentaram postura corporal inadequada em conjunto com sucção inadequada. Além disso, uma criança (5,9%) apresentou a função de sucção em evolução em conjunto com postura corporal adequada. Já na reavaliação, estes números passaram para treze crianças (76,5%), zero crianças (0%) e zero crianças (0%), respectivamente. A análise quantitativa dos dados revelou a existência de associação estatisticamente significante entre a postura corporal da criança e o item sucção, tanto na avaliação (valor-p = 0,114) quanto na reavaliação (valor-p = 0,001), como pode ser observado na Tabela 6.

Quanto à relação entre a postura corporal da criança e o item mastigação, observamos que, na avaliação, apenas uma criança (5,9%) apresentou mastigação adequada em conjunto com postura corporal adequada e oito crianças (47,1%) apresentaram mastigação inadequada em conjunto com a postura corporal inadequada. Na reavaliação, este número passou para nove crianças (52,9%) e uma criança (5,9%), respectivamente. A análise quantitativa dos dados revelou a não ocorrência de associação estatisticamente significante entre a postura corporal da criança e o item mastigação na avaliação (p-valor = 0,622). Porém, na reavaliação, observou-se tendência à associação entre estes dois itens (valor-p = 0,274), como pode ser observado na Tabela 7.

Quanto à relação entre a postura corporal da criança e o item deglutição, observamos que, na avaliação, duas crianças (11,8%) apresentaram deglutição adequada em conjunto com postura corporal adequada e oito crianças (47,1%) apresentaram deglutição inadequada em conjunto com postura corporal inadequada. Na reavaliação, este número passou para sete crianças (41,1%) e uma criança (5,9%), respectivamente. Além disso, na avaliação podemos observar que nenhuma criança (0%) apresentou o item deglutição em evolução em conjunto com postura corporal adequada. Na reavaliação, este número passou para uma criança (5,9%). A análise quantitativa dos dados revelou a não ocorrência de associação estatisticamente significante entre a postura corporal da criança e o item deglutição, tanto na avaliação (p-valor = 0,624) quanto na reavaliação (p-valor = 0,624). Tais resultados podem ser melhor visualizados na Tabela 8.

Discussão

Comparando-se os dados obtidos durante avaliação com os obtidos durante a reavaliação, podemos observar melhora estatisticamente significante quanto à adequação da postura corporal, bem como dos aspectos anatomofuncionais do sistema estomatognático. Assim, a adequação da postura corporal da criança levou à melhora anatomofuncional do sistema estomatognático em 100% dos sujeitos, porém, em diferentes graus, de acordo com a gravidade de cada caso.

Silva et al. (2004) apontam que a adequação da postura corporal também interfere na respiração tanto com relação ao modo quanto ao ritmo, favorecendo a coordenação desta com as demais funções do sistema estomatognático (sucção, mastigação e deglutição).

Em decorrência disso, observamos que o processo de alimentação tornou-se mais eficiente e seguro, impedindo a evolução de quadros de desnutrição (Troughton e Hill, 2001; Fung et al., 2002) e de infeções importantes do aparelho respiratório, como as pneumonias, ocasionadas pelas bronco-aspirações (Newman, 2000; Aurélio et al., 2002; Gisel et al., 2003; Fung et al., 2004; Sleigh et al., 2004; West e Redstone, 2004).

Tais resultados corroboram com a literatura, a qual aponta a postura corporal como um aspecto importante, que deve ser levado em consideração no tratamento de crianças com alterações sensório-motoras que apresentam controle postural reduzido e problemas alimentares de grau moderado a severo (Verzoni e Limongi, 1998; Seacero, 1999; Finnie, 2000; Gisel et al., 2000; Dusick, 2003; Limongi, 2003; West e Redstone, 2004).

Além disso, estes resultados sustentam a hipótese da existência de uma associação entre o controle postural global e as estruturas orais, havendo, portanto uma influência recíproca da postura corporal nas estruturas orais e destas na postura corporal (Gisel et al., 2000; Pinnington e Hegarty, 2000; Levi e Rainho, 2003; West e Redstone, 2004; Redstone e West, 2004).

Durante a avaliação, observamos uma elevadíssima porcentagem de crianças com alterações nas estruturas estomatognáticas (88,2%). A língua foi a estrutura que mais se destacou neste ponto (100% das crianças mostravam-se inadequadas), seguida pelos lábios (88,2%) e bochechas (70,6%). Na reavaliação, com a adequação da postura da criança, esses números foram reduzidos quase pela metade passando para 41,1%, 41,1%, 70,6% e 41,1%, respectivamente.

Nosso estudo apontou que 53,1% das crianças apresentaram, na avaliação, problemas quanto às funções estomatognáticas de sucção, mastigação e deglutição, encontrando respaldo em Reilly e Skuse (1992). Entretanto, com a adequação da postura corporal, esta porcentagem foi reduzida para 41,1%. Na avaliação, a mastigação foi a função estomatognática que apresentou maior porcentagem de alteração entre as crianças estudadas (76,5%), seguida da deglutição (70,6%) e da Sucção (29,4%). Já na reavaliação esses números foram reduzidos para 47,1%, 52,9% e 17,6%, respectivamente.

Segundo Wolf e Glass (1992), a qualidade do tônus muscular corporal e a postura da criança estão inter-relacionados com o controle fisiológico e o controle motor-oral durante a alimentação. Além disso, o tônus muscular da criança também pode influenciar a posição de alimentação, para a qual o alinhamento da cabeça, pescoço e tronco são cruciais. Para os autores, o alinhamento da cabeça e do pescoço com o tronco é o componente chave para se obter a posição ideal para a alimentação e, portanto, salientam que o posicionamento corporal inadequado pode ser o fator de maior contribuição para as disfunções alimentares.

Assim, a extensão excessiva da cabeça e do pescoço é geralmente prejudicial a uma alimentação eficiente, pois quando a cabeça está numa posição de hiperextensão, a habilidade de elevação da laringe para proteção da via aérea fica prejudicada, podendo resultar na aspiração laríngea do alimento. Da mesma forma, a extensão do pescoço pode levar a protrusão de língua ou padrões de retração, bem como a movimentações exageradas da mandíbula, resultando numa sucção ineficiente (Wolf e Glass, 1992; Larnert e Ekberg, 1995; Pinnington e Hegarty, 2000; Redstone e West, 2004)

Nosso estudo concorda com os autores acima descritos, pois a inibição dos reflexos patológicos tanto orais quanto posturais e o controle do tônus muscular possibilitaram a manutenção de uma postura mais adequada pela criança (alinhamento da cabeça e do pescoço com o tronco) no momento da alimentação, permitindo uma alimentação mais segura e eficiente.

Podemos verificar ainda, do ponto de vista da prática terapêutica, que o período de intervenção foi efetivo, ficando claro a importância de todo o trabalho realizado, tanto na terapia direta com a criança, quanto na terapia indireta, por meio das orientações dadas ao cuidador.

Esta relação também pode ser vista no trabalho de Haberfellner et al. (2001), o qual aponta melhora significante quanto às habilidades relacionadas à alimentação (incluindo ganho significativo de peso) após um ano de terapia intra-oral em vinte crianças com paralisia cerebral que apresentavam disfagia.

Durante a prática clínica, observamos o posturamento inadequado das crianças pelos cuidadores, muitas vezes devido à dificuldades no manuseio da criança com padrões corporais alterados. Posicionando-as de uma maneira mais inclinada, quase deitada, acreditam estar facilitando a alimentação de seu filho (Seacero, 1999). Esse posicionamento incorreto acaba acarretando a manutenção de padrões posturais patológicos, interferindo nas funções motoras orais, além de facilitar a ocorrência de penetrações laríngeas e aspirações (Larnert e Ekberg, 1995).

Lang (2002) apontam para a importância da participação dos pais no processo de tratamento de seus filhos. Em nosso estudo, a participação ativa dos pais/cuidadores nas terapias, transportando para a atividade familiar a experiência do postumamente correto da criança durante a alimentação, num momento lúdico ou até mesmo na locomoção, foi de fundamental importância. Essa participação propiciou um melhor desenvolvimento global das nossas crianças, tanto na questão alimentar, quanto na manipulação e exploração do seu ambiente de maneira mais eficiente.

Conclusão

A partir destes resultados, podemos concluir que a adequação da postura corporal das crianças com alterações sensório-motoras estudadas favoreceu, de forma significativa, o desenvolvimento e adequação do sistema estomatognático quanto à postura e a funcionalidade. Neste processo, a terapia fonoaudiológica mostrou-se um recurso eficiente e fundamental para a otimização de tais aspectos nessas crianças.

Recebido em 19.08.2004.

Revisado em 12.07.2005; 26.08.2005; 28.09.2005.

Aceito para Publicação em 28.09.2005.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

Apêndice - clique aqui para ampliar

  • AURÉLIO, S. R.; GENARO, K. F.; FILHO, E. D. M. Análise comparativa dos padrões de deglutição de crianças com paralisia cerebral e crianças normais. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 167-173, mar.-abr. 2002.
  • BOBATH, K. Uma base neurofisiológica para o tratamento da paralisia cerebral São Paulo: Manole, 1984.
  • DUSICK, A. Investigation and management of dysphagia. Semin. Pediatr. Neurol, v. 10, n. 4, p. 255-264, dec. 2003.
  • FINNIE, N. R. O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral São Paulo: Manole, 2000.
  • FUNG, E. B.; SAMSON-FANG, L.; SALLINGS, V. A.; CONAWAY, M.; LIPTAK, G.; HENDERSON, R. C.; WORLEY, G.; O'DONNELL, M.; CALVERT, R.; ROSENBAUM, P.; CHUMLEA, W.; STEVENSON, R. D. Feeding dysfunction is associated with poor growth and health status in children with cerebral palsy. Am. Diet. Assoc, v. 102, n. 3, p. 361-73, mar. 2002.
  • FUNG, C. W.; KHONG, P. L.; GOH, W.; WONG, V. Video-fluoroscopic study of swallowing in children with neurodevelopmental disorders. Pediatri. Int, v. 46, n. 1, p. 26-30, feb. 2004.
  • FURKIM, A. M.; BEHLAU, M. S.; WECKX, L. L. M. Avaliação clínica e videolfuoroscópica da deglutição em crianças com paralisia cerebral tetraparética espástica. Arq. Neuro-Psiquiatr, São Paulo, v. 61, n. 3A, p. 611-616, set. 2003.
  • GISEL, E. G.; SCHUWARTZ, S.; PETRYK, A.; CLARKE, D.; HABERFELLNER, H. Whole body mobility after one year of intraoral appliance therapy in children with cerebral palsy and moderate eating impairment. Dysphagia, v. 15, n. 4, p. 226-235, 2000.
  • GISEL, E. G.; TESSIER, M. J.; LAPIERRE, G.; SEIDMAN, E.; DROVIN, E.; FILION, G. Feeding management of children with severe cerebral palsy and eating impairment: an exploratory study. Phys. Occup. Ther. Pediatr, v. 23, n. 2, p. 19-44, 2003.
  • HABERFELLNER, H.; SCHWARTZ, S.; GISEL, E. G. Feeding skills and growth after one year of intraoral appliance therapy in moderately dysphagic children with cerebral palsy. Dysphagia, v. 16, n. 2, p. 83-96, spring 2001.
  • LANG, F. J. Deglutition disorders in early childhood. Rev. Med. Suisse Romande, v. 122, n. 6, p. 283-287, jun. 2002.
  • LARNERT, G.; EKBERG, O. Positioning in proves the oral and pharyngeal swallowing function in children with cerebral palsy. Acta. Pediatr, v. 84, n. 6, p. 689-692, jun. 1995.
  • LEVY, D. S.; RAINHO, L. Abordagem em disfagia infantil - proposta foaudiológica e fisioterápica. In: JACOBI, J. S.; LEVY, D. S.; SILVA, L. M. C. Disfagia: avaliação e tratamento Rio de Janeiro: Revinter., 2003. cap. 4, p. 37-65.
  • LIMONGI, S. C. O. Avaliação e terapia fonoaudiológica do paralítico cerebral. In: TABITH, A. Foniatria São Paulo: Cortz, 1981. cap. 10, p. 77-117.
  • LIMONGI, S. C. O. Processo terapêutico fonoaudiológico na paralisia cerebral. In: LIMONGI, S. C. O. Fonoaudiologia - informação para a formação: procedimentos terapêuticos em linguagem. São Paulo: Guanabara, 2003. cap. 5, p. 67-90.
  • LIMONGI, S. C. O.; CARVALLO, R. M. M.; SOUZA, E. R. Auditory processing and language in Down syndrome. J. Med. Speech-Lang. Pathology, v. 8, n. 1, p. 27-34, 2000.
  • MOTION, S.; NORTHSTONE, K.; EMOND, A.; STUCKE, S.; GOLDING, J. Early feeding problems in children with cerebral palsy: weight and neurodevelopmental outcomes. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 44, n. 1, p. 40-43, jan. 2002.
  • NEWMAN, L. A. Optimal care patterns in pediatric patients with dysphagia. Semin. Speech. Lang, v. 21, n. 4, p. 281-291, 2000.
  • PINNINGTON, L.; HEGARTY, J. Effects of consistent food presentation on oral motor skill acquisition in children with severe neurological impairment. Dysphagia, v. 15, n. 4, p. 213-223, sept. 2000.
  • REDSTONE, F.; WEST, J. F. The importance of postural control for feeding. Pediatric Nursing Journal, v. 30, n. 2, p. 97-100, mar.-apr. 2004.
  • REILLY, S.; SKUSE, D. Characteristics and management of feeding problems of young children with cerebral palsy. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 34, n. 5, p. 379-388, may. 1992.
  • SCHWARTZMAN, M. L. C. Aspectos da alimentação na criança com paralisia cerebral. In: LIMONGI, S. C. O. Paralisia cerebral: processo terapêutico em linguagem e cognição (Pontos de Vista e Abrangência). Barueri: Pró-Fono, 2000. cap. 3, p. 35-73.
  • SEACERO, L. F. Paralisia cerebral: características motoras orais e a relação entre o histórico alimentar e as funções neurovegetativas. 1999. 120 f. Dissertação (Mestrado em Reabilitação) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • SILVA, K. C. L.; Limongi, S. C. O.; Flabiano, F. C.; Val, D. C. Relação entre a postura corporal e a respiração em crianças com alterações sensório-motoras. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 9, n. 1, p 25-31, jan.-mar. 2004.
  • SLEIGH, G.; SULLIVAN, P.; THOMAS, A. Gastrostomy feeding versus oral feeding alone for children with cerebral palsy. Cochrabe Database System Review , 2004. 2 CD 003943.
  • Sullivan, P. B.; Lambert, B.; Rose, M.; Ford-Adams, M.; Johnson, A.; Griffiths, P. Prevalence and severity of feeding and nutricional problems in children with neurological impairment. Oxford Feeding Study. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 42, n. 10, p. 674-680, oct. 2000.
  • TROUGHTON, K. E.; HILL, A. E. Relation between objectively measured feeding competence and nutrition in children with cerebral palsy. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 43, n. 3, p. 187-190, mar. 2001.
  • VERZONI, L. D. N.; LIMONGI, S. C. O. A inter-relação entre os desenvolvimentos neuropsicomotor, cognitivo, de linguagem e do sistema miofuncional oral no período sensório-motor, por meio da análise de dois casos de crianças portadoras de paralisia cerebral. In: LIMONGI, S. C. O. Fonoaudiologia & pesquisa São Paulo: Lovise, 1998. cap. 3, p. 63-109. (Série Atualidades em Fonoaudiologia).
  • WEST, J. F.; REDSTONE, F. Alignment during feeding and swallowing does it matter? A Review. Perceptual and Motor Skills, v. 98, n. 1, p. 349-358, feb. 2004.
  • WOLF, L. S.; GLASS, R. P. Feeding and swallowing disorders in infancy: assessment and management. Texas: Therapy Skill Builders, 1992.

Apêndice

  • Endereço para correspondência
    Daniela Cristina do Val
    R. Arthur Soter Lopes da Silva, 456 -
    São Paulo - SP - CEP: 05367-140.
  • *
    Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório-Motoras da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
  • 1
    (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      28 Set 2005
    • Recebido
      19 Ago 2004
    • Revisado
      28 Set 2005
    Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Condomínio Alphaville Conde Comercial, Rua Gêmeos, 22, 06473-020 Barueri , São Paulo/SP, Tel.: (11) 4688-2220, Fax: (11) 4688-0147 - Barueri - SP - Brazil
    E-mail: revista@profono.com.br