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Potenciais evocados auditivos de média e longa latências em adultos com AIDS

Resumos

TEMA: potenciais evocados auditivos de média e longa latências. OBJETIVO: verificar a ocorrência de alterações nos potenciais evocados auditivos de média e longa latências em indivíduos adultos portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). MÉTODO: foram obtidos os potenciais evocados auditivos de média e longa latências em oito indivíduos com AIDS, de 10 a 51 anos de idade, que apresentavam audição normal ou até perda auditiva neurossensorial de grau moderado e resultados normais na Audiometria de Tronco Encefálico, comparando os resultados com os obtidos no grupo controle constituído por 25 indivíduos, de 19 a 24 anos de idade, sem queixas auditivas e com audição dentro da normalidade, bem como com resultados normais na Audiometria de Tronco Encefálico. RESULTADOS: foram analisadas as médias das latências e amplitudes da onda Pa, nas modalidades contralaterais C3/A2 e C4/A1, e da latência da onda P300. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes com relação às médias da amplitude e latência da onda Pa entre os grupos, embora tenha sido observado um aumento da latência e diminuição da amplitude de tal onda, ainda que não estatisticamente significante, para o grupo estudo na modalidade C3/A2. A latência da onda P300 mostrou-se significantemente aumentada para o lado esquerdo no grupo estudo, sendo também possível observar um aumento da latência, embora não estatisticamente significante, para o lado direito. CONCLUSÃO: indivíduos adultos com AIDS não apresentam alterações no potencial evocado auditivo de média latência e apresentam alterações no potencial cognitivo sugerindo, desta forma, comprometimento da via auditiva em regiões corticais e déficit no processamento cognitivo das informações auditivas nesta população. Tais achados reforçam a importância de uma investigação minuciosa da função auditiva em indivíduos com AIDS auxiliando, desta forma, no delineamento da conduta terapêutica junto a estes pacientes.

Potenciais Evocados Auditivos; Potencial Evocado P300; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida


BACKGROUND: middle and late latency auditory evoked potentials. AIM: to verify the occurrence of middle and late latency auditory evoked potentials disorders in adults with Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS). METHOD: middle and late latency auditory evoked potentials of 8 individuals with AIDS, with ages ranging from 10 to 51 years, with normal hearing, or with sensoryneural hearing losses up to moderate, and normal results in the Auditory Brainstem Response, comparing the results with the responses obtained for a control group which was composed by 25 individuals, with ages ranging from 19 to 24 years, with no hearing complaints and with normal hearing and normal results in the Auditory Brainstem Response. RESULTS: the Pa wave latency and amplitude averages in the C3/A2 and C4/A1 modalities, and the average of the P300 wave were analyzed. No significant differences were observed in the Pa wave amplitude and latency averages between the groups, although a non-statistically significant increase was observed in the latency and a decrease in the amplitude of such wave for the research group in the C3/A2 modality. The latency of the P300 wave was significantly longer to the left for the research group. It was also observed a longer latency to the right, although this was not statistically significant. CONCLUSION: adult individuals with AIDS do not present alterations in the middle latency auditory evoked potential and do present alterations in the cognitive potential, indicating a disorder in the cortical regions of the auditory pathway and a deficit in the cognitive processing of auditory information for this population. Such findings stress the importance of a careful investigation of the auditory function of individuals with AIDS, thus favoring the therapeutic planning.

Auditory Evoked Potentials; P300 Event-Related Potentials; Acquired Immunodeficiency Syndrome


ARTIGOS DE PESQUISA

Potenciais evocados auditivos de média e longa latências em adultos com AIDS* * Trabalho Realizado na Universidade de São Paulo.

Carla Gentile MatasI; Kleber Ramos de JuanII; Renata Agnello NakanoIII

IFonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Docente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIFonoaudiólogo. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIIFonoaudióloga pelo Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Av. Divino Salvador, 107 - Apto 32 São Paulo - SP - CEP 04078-010 ( cgmatas@usp.br).

RESUMO

TEMA: potenciais evocados auditivos de média e longa latências.

OBJETIVO: verificar a ocorrência de alterações nos potenciais evocados auditivos de média e longa latências em indivíduos adultos portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).

MÉTODO: foram obtidos os potenciais evocados auditivos de média e longa latências em oito indivíduos com AIDS, de 10 a 51 anos de idade, que apresentavam audição normal ou até perda auditiva neurossensorial de grau moderado e resultados normais na Audiometria de Tronco Encefálico, comparando os resultados com os obtidos no grupo controle constituído por 25 indivíduos, de 19 a 24 anos de idade, sem queixas auditivas e com audição dentro da normalidade, bem como com resultados normais na Audiometria de Tronco Encefálico.

RESULTADOS: foram analisadas as médias das latências e amplitudes da onda Pa, nas modalidades contralaterais C3/A2 e C4/A1, e da latência da onda P300. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes com relação às médias da amplitude e latência da onda Pa entre os grupos, embora tenha sido observado um aumento da latência e diminuição da amplitude de tal onda, ainda que não estatisticamente significante, para o grupo estudo na modalidade C3/A2. A latência da onda P300 mostrou-se significantemente aumentada para o lado esquerdo no grupo estudo, sendo também possível observar um aumento da latência, embora não estatisticamente significante, para o lado direito.

CONCLUSÃO: indivíduos adultos com AIDS não apresentam alterações no potencial evocado auditivo de média latência e apresentam alterações no potencial cognitivo sugerindo, desta forma, comprometimento da via auditiva em regiões corticais e déficit no processamento cognitivo das informações auditivas nesta população. Tais achados reforçam a importância de uma investigação minuciosa da função auditiva em indivíduos com AIDS auxiliando, desta forma, no delineamento da conduta terapêutica junto a estes pacientes.

Palavras-Chave: Potenciais Evocados Auditivos; Potencial Evocado P300; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

Introdução

Na Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), ocorre um comprometimento progressivo da resposta imune do indivíduo, tornando-o susceptível a inúmeras infecções oportunistas. Com o avanço da doença, pode ocorrer um comprometimento progressivo do sistema nervoso central (SNC), incluindo o sistema auditivo central, quer seja pela ação direta do vírus sobre as estruturas do SNC afetando o processo maturacional ou também decorrente de infecções oportunistas (Chow et al., 2005).

Do ponto de vista clínico, a infecção pelo HIV e AIDS são entidades distintas. Muitos indivíduos infectados pelo HIV apresentam um número normal de células imunológicas, permanecendo assintomáticos por longos períodos de tempo. Apesar de infectados pelo HIV, estes indivíduos não se enquadram na definição clínica da AIDS.

Para serem definidos clinicamente como tendo AIDS, estes indivíduos soropositivos devem apresentar uma baixa quantidade de células imunológicas (CD4 < 350) ou desenvolver pelo menos uma condição clínica que defina AIDS.

De acordo com Instituto Nacional de Saúde dos EUA, cerca de 75% dos adultos com AIDS apresentam algum tipo de disfunção auditiva, decorrentes de infecções oportunistas ou de tratamentos de efeito ototóxico.

A incidência de alteração auditiva em pacientes com HIV/AIDS varia aproximadamente de 20 a 40% (Chandrasekhar et al., 2000; Mata Castro et al., 2000; Khoza e Ross, 2002), sendo que perda auditiva pode ser decorrente de alterações de orelha externa, orelha média e/ou orelha interna.

Dentre as inúmeras infecções que podem acometer indivíduos com AIDS têm-se as otites, que podem provocar uma perda auditiva periférica temporária, devendo esta ser identificada o mais precocemente possível, para que se estabeleça o tratamento médico adequado.

Os indivíduos com HIV/AIDS podem apresentar também um comprometimento de orelha interna decorrente da ação direta do vírus (Chandrasekhar et al., 2000; Mata Castro et al., 2000; Khoza e Ross, 2002), bem como da utilização de drogas anti-retrovirais e/ou medicamentos com potencial ototóxico (Sindom et al., 2000; Williams, 2001; Rey et al., 2002), ocasionando uma perda auditiva neurossensorial.

Em decorrência destes comprometimentos, podemos encontrar anormalidades nos testes que avaliam o processamento auditivo central, refletindo dificuldades na atenção, discriminação, reconhecimento e na compreensão da informação auditiva (Roland Jr. et al., 2003).

Além das alterações nos testes auditivos centrais comportamentais verificam-se anormalidades nos potenciais evocados auditivos de média e longa latências acompanhando a progressão da doença.

Os potenciais evocados auditivos atualmente são de grande importância na prática audiológica, pois quando associados à avaliação auditiva comportamental, tornam mais preciso o diagnóstico de distúrbios auditivos centrais e/ou cognitivo (Junqueira e Frizzo, 2002).

O fato de poderem ser captados de forma objetiva e não invasiva, também viabiliza a utilização de tais potenciais para avaliar desordens do processamento auditivo (DPA). Tais respostas não dependem de habilidade lingüística do sujeito e, com exceção dos potenciais tardios, não demandam um processamento cognitivo do estímulo sonoro (Schochat, 2003).

A resposta auditiva de média latência (MLR) é um potencial evocado auditivo sincrônico que ocorre num espaço de tempo de aproximadamente 100 milissegundos (ms) após a estimulação auditiva, composta por uma série de ondas positivas e negativas. A primeira onda da MLR é a Na (ocorrendo em torno de18 ms), seguida pela Pa (30 ms), Nb (40 ms), Pb (50 ms) e, às vezes, Nc e Pc, sendo a onda Pa a maior em amplitude, a mais consistente e mais freqüentemente utilizada (Musiek e Lee, 2001).

A resposta de média latência tem múltiplos geradores, refletindo áreas primárias e não-primárias como por exemplo a formação reticular, divisões multissensoriais do tálamo; com uma maior contribuição das vias tálamo-corticais e com menor colaboração do colículo inferior (mesencéfalo) e córtex auditivo (Budinger e Scheich, 2000).

Os potenciais de longa latência são menos afetados pelas propriedades físicas do estímulo e mais afetados pelo uso funcional que o indivíduo faz do estímulo, sendo menos determinado pela freqüência ou intensidade e mais pela atenção ao estímulo sonoro. Tais potenciais originam-se nas áreas primária e secundária do córtex auditivo, sendo úteis no estudo das funções cognitivas e de atenção.

O P300, também denominado potencial cognitivo, é um potencial evocado auditivo de longa latência positivo gerado por uma série de estímulos (freqüentes) e pela ocorrência ocasional de um estímulo menos freqüente (raro) que aparece aleatoriamente. O estímulo raro ocorre de 15 a 20% do total de estímulos, devendo o sujeito identificá-lo contando mentalmente ou apertando um botão todas as vezes que o mesmo aparecer. A cada varredura são gravadas duas ondas, uma para o estímulo freqüente e outra para o estímulo raro.

O sistema auditivo habitua-se a ouvir o estímulo freqüente, e, portanto, menos neurônios respondem a esse estímulo. Com relação ao estímulo raro, por ser ouvido menos vezes, o sistema responde com mais neurônios, gerando portanto uma onda maior em amplitude. Subtraindo-se o estímulo raro do freqüente, obtém-se o P300 (Schochat, 2003).

A onda P300 é a maior onda positiva após o complexo N1-P2 ocorrendo entre 240 e 700 ms (Junqueira e Colafêmina, 2002).

Aumentos na latência ou diminuição na amplitude são evidências de problemas clínicos e subclínicos. De acordo com Picton (1992) se o P300 é pequeno ou atrasado, provavelmente existe algum déficit no processamento cognitivo. A latência é um indicador mais confiável que a amplitude, já que esta última é difícil de ser alterada em função da atenção.

Sabe-se que indivíduos com AIDS podem apresentar um comprometimento progressivo do SNC, incluindo o sistema auditivo central, pela ação direta do vírus sobre as estruturas deste sistema, levando à presença de anormalidades eletrofisiológicas nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico, de média e/ou longa latências incluindo o P300 (Reyes et al., 2002). Segundo Bankaitis et al.(1998), a ocorrência destas anormalidades acompanha a progressão da doença.

Os achados de Matas et al. (2000) e Matas et al. (2002) relataram uma maior incidência de desordens auditivas sugestivas de comprometimento auditivo central em crianças soropositivas para o HIV.

Vários outros estudos têm documentado alterações nos potenciais evocados auditivos em pacientes com AIDS (Martin et al., 2001; Polich e Basho, 2002; Chao et al., 2004; Tartar et al., 2004).

Como a AIDS tem se expandido nos últimos anos e as manifestações otorrinolaringológicas tem sido mais documentadas, vários trabalhos na literatura enfatizam a importância da avaliação audiológica destes pacientes, não apenas para um diagnóstico mais efetivo, mas também visando o processo de reabilitação.

O presente estudo teve como objetivo verificar a ocorrência de alterações nos potenciais evocados auditivos de média e longa latências em indivíduos adultos portadores de AIDS.

Método

O estudo teve início após a aprovação da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, protocolo número 1026/04. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido no qual estavam descritos todos os procedimentos a serem realizados.

Todos os indivíduos foram encaminhados pelo Setor de Audiologia para o Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sendo realizada previamente avaliação audiológica, bem como Audiometria de Tronco Encefálico.

O estudo foi composto por 33 sujeitos, entre 10 e 51 anos de idade. No grupo controle foram avaliados 25 sujeitos normais, sendo 5 do sexo masculino e 20 do sexo feminino com idades entre 19 e 24 anos.

O grupo estudo foi composto por 8 sujeitos com AIDS, sendo 4 do sexo masculino e 4 do sexo feminino, todos apresentando audição normal ou até perda auditiva neurossensorial de grau moderado, incluindo as freqüências de 3 a 6 kHz, e resultados normais na audiometria de tronco encefálico.

Os indivíduos foram inicialmente submetidos a uma anamnese, onde foram levantados dados relacionados à infecção do vírus, presença de fatores de risco para deficiência auditiva, queixas de otite, entre outras alterações relacionadas à orelha externa e orelha média.

Em seguida, foi realizada a inspeção do meato acústico externo por meio de um otoscópio, verificando as condições para realização dos exames eletrofisiológicos.

A avaliação eletrofisiológica foi realizada com o sistema portátil Traveler Express da marca Bio-Logic.

Para a obtenção dos potenciais evocados auditivos de média latência (MLR), foi feita inicialmente a limpeza da pele com pasta abrasiva, sendo os eletrodos fixados à pele do indivíduo por meio de pasta eletrolítica e fita adesiva (micropore) em posições pré-determinadas: A1, A2, C3, C4 e Cz, de acordo com a IES 10-20 (International Electrode System).

Foram verificados os valores da impedância dos eletrodos, devendo situar-se abaixo de 5 Kohms. O estímulo acústico foi apresentado por um par de fones, eliciando as respostas.

Para a obtenção da MLR, o estímulo utilizado foi o click apresentado monoauralmente a 70dB NA, numa velocidade de apresentação de 10 clicks por segundo, sendo empregado um total de 1000 clicks.

Os resultados da MLR foram analisados a partir da latência e amplitude da onda Pa, obtidas nas modalidades contralaterais (C3/A2 e C4/A1), pois segundo a literatura especializada a modalidade contralateral é a mais indicada para analisar as variáveis a serem estudadas (Hall, 1992).

Para a obtenção do P300, os eletrodos foram fixados à pele nas posições A1, A2, Cz e Fz também de acordo com a IES 10-20 (International Electrode System).

Os estímulos sonoros tipo tone-burst foram apresentados a 75dB NA. O estímulo raro, em 1500Hz, ocorria de 15 a 20% do total de 300 estímulos e foram apresentados de forma randômica pelo computador.

Resultados

Foram calculados inicialmente a média e desvio padrão das latências da onda Pa da MLR, para as modalidades contralaterais (C3/A2 e C4/A1) nos grupos controle e estudo.

A seguir, foi realizada a comparação das médias das latências da onda Pa entre os grupos controle e estudo utilizando o Teste t de Student, ajustado pelo Teste de Levene para Igualdade de Variâncias, com nível de significância de 0,05 (5%) (Tabela 1).

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes das médias da latência da Onda Pa entre os grupos controle e estudo, tanto para a modalidade C3/A2 como para a C4/A1.

Foram calculadas também a média e desvio padrão das amplitudes da onda Pa da MLR, para as modalidades contralaterais (C3/A2 e C4/A1) nos grupos controle e estudo.

Em seguida, foi realizada a comparação das médias das amplitudes da onda Pa entre os grupos controle e estudo utilizando o teste t de Student, ajustado pelo teste de Levene para igualdade de variância, com nível de significância de 0,05 (5%) (Tabela 2).

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes das médias da amplitude da Onda Pa entre os grupos controle e estudo, tanto para a modalidade C3/A2 como para a C4/A1.

Para a análise do P300, foram calculadas a média e desvio padrão da latência dessa onda quando se mostraram presentes nas orelhas direita e esquerda.

Para a comparação das médias das latências da onda P300 entre os grupos controle e estudo também foi utilizando o teste t de Student, ajustado pelo teste de Levene para igualdade de variâncias, com nível de significância de 0,05 (5%) (Tabela 3).

Foram observadas diferenças estatisticamente significantes das médias da latência da Onda P300 entre os grupos controle e estudo para o lado esquerdo.

Discussão

Diversos trabalhos na literatura ressaltam a importância da realização dos potenciais evocados auditivos em populações de risco para o desenvolvimento de desordens auditivas centrais, podendo-se incluir nestas populações os indivíduos com AIDS. Segundo Picton (1992), aumentos na latência ou diminuição na amplitude dos potenciais evocados auditivos são evidências de problemas clínicos e subclínicos.

No estudo do potencial evocado auditivo de média latência (MLR), as médias das latências da onda Pa para as modalidades contralaterais C3/A2 e C4/A1, quando comparadas entre os grupos controle e estudo, não revelaram diferenças estatisticamente significantes. A latência da onda Pa ocorreu por volta de 32 ms tanto para o grupo controle como para o grupo estudo na modalidade C4/A1. Para a modalidade C3/A2, enquanto que no grupo controle a latência da Onda Pa foi de 31 ms, no grupo estudo foi possível observar um pequeno aumento da latência dessa onda quando comparado com o grupo controle, estando presente ao redor de 34 ms. Tal fato coincide com a pesquisa de Schmitt et al. (1992) que relataram em seu estudo um aumento da latência da onda Pa na MLR de sujeitos com AIDS.

A comparação das médias das amplitudes da onda Pa nas modalidades contralaterais (C3/A2 e C4/A1) revelou que não ocorreu diferença estatisticamente significante das amplitudes desta onda entre os grupos estudados. No grupo controle, a onda Pa se mostrou com uma amplitude média de 1,4 V nas modalidades C3/A2 e C4/A1. Foi possível verificar uma tendência, embora não sendo estatisticamente significante, à diminuição da amplitude da onda Pa no grupo estudo, uma vez que essa amplitude foi de 0,8 V na modalidade C4/A1 e de 1,0 V na modalidade C3/A2.

Os resultados obtidos no presente trabalho por meio da análise estatística realizada, apesar de não serem os mais freqüentemente observados na literatura especializada que relata um aumento na latência das ondas da MLR em indivíduos com AIDS (Bankaitis et al., 1998), poderia ser justificado pelo número pequeno de sujeitos da amostra (N=8) e também pela grande variabilidade das latências das ondas da MLR inter-sujeito.

Tal fato demonstra que mais pesquisas devam ser realizadas nesta área.

No estudo do potencial evocado auditivo de longa latência, as médias das latências da onda P300 na orelha direita quando comparadas entre os grupos não revelaram diferença estatisticamente significante, podendo este achado também ser justificado pela grande variabilidade intra-sujeito do tempo médio de latência da onda P300. Ainda que estatisticamente não significante, foi possível observar no grupo estudo um pequeno aumento da latência dessa onda quando comparado com o grupo controle, encontrando-se presente ao redor de 355ms no grupo de indivíduos com AIDS e em torno de 309ms no grupo controle, para a orelha direita.

A análise dos resultados revelou uma diferença estatisticamente significante nas latências da onda P300 para a orelha esquerda. No grupo controle, tal onda apareceu ao redor de 308ms, enquanto que no grupo estudo foi obtido por volta de368 ms.

Segundo Picton (1992), a latência é um indicador mais confiável que a amplitude no P300, já que esta última é difícil de ser alterada em função da atenção, motivo pelo qual foi estudada apenas a latência da onda P300 no presente estudo.

Alterações no P300 em indivíduos com HIV/AIDS também foram relatadas por diversos autores.

No estudo de Tartar et al. (2004) em indivíduos com HIV positivo sintomáticos, assintomáticos e HIV negativo, foram descritas alterações da onda P300 nos dois grupos com HIV, sendo que as alterações mostraram-se mais evidentes em indivíduos sintomáticos, ou seja, com AIDS, acompanhando o declínio cognitivo dos mesmos. Concluíram que o P300 é um exame complementar útil para traçar o declínio cognitivo no diagnóstico e tratamento da AIDS.

Diferenças significantes na latência do P300 em pacientes com HIV positivo também foram referidas por Fein et al. (1996) e Polich et al., (2000). No primeiro estudo foi observado um atraso de 12ms do componente P300 em sujeitos com AIDS, estando a magnitude do atraso diretamente relacionada à severidade do comprometimento cognitivo de tais sujeitos. Para estes autores, o atraso da latência do P300 está associado à progressão da doença, visto que o declínio da capacidade cognitiva é considerado um dos sintomas que podem estar presentes em pacientes com AIDS, estando diretamente proporcional à taxa viral do indivíduo.

No estudo de Reyes et al., (2002) também foram encontradas, assim como no presente estudo, alterações estatisticamente significantes nos potenciais evocados auditivos de indivíduos com AIDS, sendo possível inferir, portanto, que o HIV pode ocasionar comprometimentos no sistema nervoso auditivo passíveis de serem detectados por meio dos potenciais evocados auditivos.

Conclusão

A partir dos dados obtidos no presente estudo, pode-se concluir que indivíduos adultos com AIDS não apresentam alterações no potencial evocado auditivo de média latência e apresentam alterações no potencial cognitivo sugerindo, desta forma, comprometimento da via auditiva em regiões corticais e déficit no processamento cognitivo das informações auditivas nesta população.

Tais achados reforçam a importância de uma investigação minuciosa da função auditiva em indivíduos com AIDS, visando a identificação de possíveis alterações que possam estar associadas a este quadro, bem como a caracterização do tipo de comprometimento e suas possíveis causas (comprometimento do sistema auditivo periférico - orelhas externa, média, interna e/ou sistema auditivo central), auxiliando, desta forma, no delineamento da conduta terapêutica junto a estes pacientes.

Recebido em 01.06.2005.

Revisado em 22.07.2005; 30.03.2006; 09.06.2006.

Aceito para Publicação em 26.06.2006.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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  • Endereço para correspondência:
    Av. Divino Salvador, 107 - Apto 32
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    (
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    Trabalho Realizado na Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      26 Jun 2006
    • Recebido
      01 Jun 2005
    • Revisado
      22 Jul 2005
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