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Aclimatização: estudo do reconhecimento de fala em usuários de próteses auditivas

Resumos

TEMA: a aclimatização refere-se ao período que sucede a adaptação dos amplificadores sonoros, quando ocorre uma melhora progressiva das habilidades auditivas e de reconhecimento de fala decorrente das novas pistas de fala disponíveis ao usuário da amplificação. OBJETIVO: verificar a aclimatização após adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) por meio de avaliações objetivas (testes de fala) e subjetivas (Questionário). MÉTODO: foram avaliados 16 deficientes auditivos no primeiro dia de adaptação de AASI e reavaliados mensalmente até o terceiro mês. Em todos os meses foram realizados os testes de fala Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF), por meio de monossílabos, e Limiar de Reconhecimento de Sentenças no Ruído (LRSR), por meio de sentenças, determinando assim a relação sinal/ruído (S/R). Também foi aplicado o Questionário Internacional de Avaliação de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual (QI - AASI) após um mês e três meses de adaptação das próteses auditivas. RESULTADOS: a comparação realizada entre o primeiro dia, primeiro, segundo e terceiro meses de adaptação das próteses auditivas mostrou uma melhora estatisticamente significante (p < 0,001) entre os resultados obtidos ao longo dos meses, tanto no IPRF, quanto na relação S/R. Não houve diferença estatisticamente significante nos resultados obtidos no questionário aplicado no primeiro e terceiro mês. CONCLUSÃO: a avaliação objetiva, por meio de tarefas de reconhecimento de fala, indica melhores resultados nos meses subseqüentes à adaptação das próteses auditivas evidenciando melhora progressiva das habilidades de fala a partir do primeiro mês de adaptação. A avaliação subjetiva não revela melhora entre o primeiro e o terceiro mês após a adaptação das próteses auditivas.

Auxiliares de Audição; Aclimatização; Audiometria da Fala; Questionários; Perda Auditiva


BACKGROUND: acclimatization is the period that succeeds the fitting of hearing aids, when a progressive improvement of the hearing and speech recognition abilities is observed due to the new speech cues that are available to the hearing aid user. AIM: to verify acclimatization after the fitting of hearing aids through objective (speech tests) and subjective (Questionnaire) evaluations. METHOD: 16 hearing impaired individuals were evaluated on the first day of hearing aid fitting and were monthly reassessed for three months. In all three months the following speech tests were used: PISR - percentage index of speech recognition through monosyllabic words and SRT - speech recognition threshold through sentences, determining the speech/noise ratio (S/N). The International Outcome Inventory of Hearing Aid (IOI-HA) was also applied in the first and third months after the hearing aids were fitted. RESULTS: the comparison between the first day, first, second and third months after the hearing aids were fitted revealed a statistically significant improvement (p<0.001) between the results, not only for the PISR but also for the S/N ratio. No statistically significant difference was found for the results obtained through the questionnaire applied in the first and third months. CONCLUSION: the objective evaluation, using speech recognition tests, presents better results in the months following the hearing aids fitting indicating a progressive improvement in the speech abilities from the first month onwards. The subjective evaluation does not reveal an improvement when comparing the first and third moths after the hearing aids were fitted.

Hearing Aid; Acclimatization; Audiometry; Speech; Questionnaires; Hearing Loss


ARTIGOS DE PESQUISA

Aclimatização: estudo do reconhecimento de fala em usuários de próteses auditivas* * Trabalho Realizado na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Letícia Pimenta Costa Spyer PratesI; Maria Cecília Martinelli IórioII

IFonoaudióloga. Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Fonoaudióloga do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

IIFonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Av. André Cavalcanti, 381, Apto. 204 Belo Horizonte - MG CEP 30430-110 ( lepcosta@uai.com.br)

RESUMO

TEMA: a aclimatização refere-se ao período que sucede a adaptação dos amplificadores sonoros, quando ocorre uma melhora progressiva das habilidades auditivas e de reconhecimento de fala decorrente das novas pistas de fala disponíveis ao usuário da amplificação.

OBJETIVO: verificar a aclimatização após adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) por meio de avaliações objetivas (testes de fala) e subjetivas (Questionário).

MÉTODO: foram avaliados 16 deficientes auditivos no primeiro dia de adaptação de AASI e reavaliados mensalmente até o terceiro mês. Em todos os meses foram realizados os testes de fala Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF), por meio de monossílabos, e Limiar de Reconhecimento de Sentenças no Ruído (LRSR), por meio de sentenças, determinando assim a relação sinal/ruído (S/R). Também foi aplicado o Questionário Internacional de Avaliação de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual (QI - AASI) após um mês e três meses de adaptação das próteses auditivas.

RESULTADOS: a comparação realizada entre o primeiro dia, primeiro, segundo e terceiro meses de adaptação das próteses auditivas mostrou uma melhora estatisticamente significante (p < 0,001) entre os resultados obtidos ao longo dos meses, tanto no IPRF, quanto na relação S/R. Não houve diferença estatisticamente significante nos resultados obtidos no questionário aplicado no primeiro e terceiro mês.

CONCLUSÃO: a avaliação objetiva, por meio de tarefas de reconhecimento de fala, indica melhores resultados nos meses subseqüentes à adaptação das próteses auditivas evidenciando melhora progressiva das habilidades de fala a partir do primeiro mês de adaptação. A avaliação subjetiva não revela melhora entre o primeiro e o terceiro mês após a adaptação das próteses auditivas.

Palavras-Chave: Auxiliares de Audição; Aclimatização; Audiometria da Fala; Questionários; Perda Auditiva.

Introdução

A redução nos índices de reconhecimento de fala, típica nos portadores de perdas auditivas bilaterais, é decorrente da privação auditiva ao longo dos anos de deficiência. Enquanto esses efeitos decorrentes da privação auditiva estavam sendo descritos em meados da década de 80, paralelamente começaram a surgir estudos evidenciando uma melhora progressiva nas habilidades auditivas após um período de uso de amplificadores sonoros. Dessa forma, observaram a presença de uma recuperação auditiva em novos usuários de próteses auditivas, onde o quadro da privação auditiva era interrompido com uma melhora significativa nas habilidades de fala após certo tempo de uso da amplificação. A esse fenômeno deu-se o nome de aclimatização (Almeida, 2003).

Na tentativa de explicar essas modificações perceptuais que ocorrem nos usuários de próteses auditivas, Philibert et al. (2002) hipotetizaram que a reabilitação auditiva de adultos com perdas auditivas neurossensoriais envolve a plasticidade funcional. Segundos os autores, o sistema nervoso central pode se reorganizar de acordo com as mudanças ambientais. Em seus estudos verificaram que usuários de prótese auditiva, quando comparados a não usuários, apresentavam melhor desempenho em tarefas de discriminação da fala e sensação de intensidade, atribuindo essa melhora à plasticidade funcional.

A aclimatização, portanto, se refere ao período que sucede a adaptação dos amplificadores sonoros, quando ocorre uma melhora progressiva das habilidades auditivas e reconhecimento de fala decorrente das novas pistas de fala disponíveis ao usuário da amplificação (Munro e Lutman, 2003). Segundo Almeida (2003), o uso da amplificação sonora pode melhorar o reconhecimento de fala ao longo do tempo após um período de seis a 12 semanas de uso da amplificação.

Como o sucesso na adaptação de próteses auditivas envolve múltiplos aspectos, não podemos restringir os benefícios da aclimatização apenas à melhora no reconhecimento de fala, mas também aos aspectos que envolvem toda a comunicação do usuário e o propicie um nível de satisfação quanto a sua nova condição de ouvinte (Humes et al., 2002).

A principal queixa do deficiente auditivo se refere à dificuldade na comunicação oral, sendo que esta queixa é persistente no novo usuário de próteses auditivas que, mesmo após a amplificação, apresenta dificuldade no reconhecimento dos sons. Dessa forma, a aclimatização torna-se um grande aliado ao fonoaudiólogo e ao seu cliente no processo de adaptação de próteses auditivas. Não descartando a importância de todos os aspectos que envolvem o processo de seleção das próteses auditivas, como suas características eletroacústicas e a habilidade do profissional em atender as necessidades do deficiente auditivo, a aclimatização, como um fenômeno natural e inerente a esse processo, é imprescindível a uma boa adaptação, considerando uso, benefício e satisfação do usuário (Bucuvic e Iório, 2004).

Isso explica o valor de todas as pesquisas que ajudam a verificar, validar e estimar como, quando ou por que a aclimatização ocorre. Considerando a existência de um período necessário de utilização da amplificação sonora para restabelecer as habilidades de fala e avaliar os benefícios obtidos com a amplificação, tornam-se necessários estudos que acompanhem o desenvolvimento da função auditiva no novo usuário dos dispositivos eletrônicos de amplificação sonora, a fim de verificar como e quando ocorre a aclimatização sonora, considerando as habilidades de fala, uso, benefício e satisfação do usuário. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi acompanhar os três primeiros meses de adaptação de próteses auditivas de novos usuários, e verificar a aclimatização por meio de avaliações objetivas e subjetivas.

Método

Este estudo foi realizado no Núcleo Integrado de Atendimento, Pesquisa e Ensino em Audição (NIAPEA) da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição, sob protocolo 0231/04. Todos os indivíduos da amostra assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para a participação voluntária neste estudo.

Os critérios de elegibilidade para a seleção dos pacientes neste estudo foram:

1. Idade superior a 18 anos.>

2. Portadores de perda auditiva neurossensorial simétrica, de grau leve a moderadamente severo (média dos limiares de audibilidade de até 70 dB NA nas freqüências de 500, 1.000, 2.000 Hz).

3. Perda auditiva adquirida no período pós-lingual.

4. Novos usuários de aparelho de amplificação sonora individual (AASI), sem experiências anteriores, e com indicação de adaptação bilateral.

5. AASI adquiridos no Hospital São Paulo, pelo programa de Adaptação de Próteses Auditivas do Governo Federal (APAC Auditiva-Portaria 432-00);

6. Ausência de alterações cognitivas perceptíveis, ou alterações de fala.

Dessa forma, participaram deste estudo 16 deficientes auditivos, sendo oito do sexo feminino e oito do sexo masculino, com idades compreendidas entre 31 e 69 anos, e média de idade de 52 anos. Em relação ao grau da perda auditiva, dois eram leve, dois moderado e 12 moderadamente severos. Todos os indivíduos adaptaram o mesmo modelo e tipo de AASI bilateralmente, sendo estes aparelhos digitais, não-lineares, regulados conforme a audiometria realizada previamente e a regra NAL-NL para adaptação de próteses auditivas.

Todos os indivíduos foram avaliados no primeiro dia de adaptação das próteses auditivas e reavaliados mensalmente até o terceiro mês. A avaliação constou da aplicação dos testes de fala Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) e Limiar de Reconhecimento de Sentenças no Ruído (LRSR). Também responderam o Questionário Internacional de Avaliação de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual (QI - AASI) no primeiro e terceiro mês após a adaptação.

Pesquisa do índice percentual de reconhecimento de fala (IPRF)

O índice percentual de reconhecimento de fala no ruído foi feito com a aplicação da lista de 25 palavras monossilábicas elaborada por Pen e Mangabeira-Albernaz (1973) e gravadas em CD (Avaliação do Processamento Auditivo, CD -1, faixa 2 em Pereira e Schochat, 1997).

As palavras foram apresentadas no silêncio, a um nível de intensidade fixo e confortável para o ouvinte, variando de 65 a 75 dBNA. O paciente foi instruído a repetir as palavras ouvidas. Anotaram-se os erros cometidos pelo paciente, e estabeleceu-se a porcentagem de palavras repetidas corretamente.

Pesquisa do limiar do reconhecimento de sentenças no ruído (LRSR) e relação sinal / ruído (S/R)

A avaliação do limiar de reconhecimento de fala foi feita com a aplicação do Teste de Sentenças em Português (Costa, 1998). O material de fala foi apresentado no ruído, utilizando as listas de sentenças na presença de ruído competitivo, com o objetivo de se estabelecer a relação sinal / ruído (S/R).

Antes da realização do teste o paciente foi treinado, tanto no silêncio quanto no ruído, utilizando as sentenças iniciais da lista 1A na mesma intensidade de realização do teste, de forma a garantir sua compreensão na tarefa solicitada.

O procedimento utilizado para a aplicação do teste foi a "estratégia seqüencial adaptativa ou ascendente-descendente" conforme sugerido pela autora do teste. Assim, determinou-se o Limiar de Reconhecimento de Fala no Ruído (LRFR), ou seja, o nível necessário para o indivíduo identificar corretamente cerca de 50% dos estímulos de fala apresentados na presença de ruído competitivo ipsilateral.

Conforme a estratégia adotada, a aplicação do teste consistiu na apresentação de um estímulo de fala em uma determinada intensidade. Quando a resposta era correta, diminuiu-se a intensidade de apresentação do estímulo seguinte. Quando a resposta era incorreta, a intensidade de apresentação do estímulo seguinte foi aumentada. Foram utilizados intervalos de 4 dB até a primeira mudança no tipo de resposta e, posteriormente, os intervalos de apresentação dos estímulos foram de 2 dB entre si até o final da lista.

Uma resposta só foi considerada correta quando o indivíduo repetiu, sem nenhum erro ou omissão, toda a sentença apresentada.

Para determinar o LRSR e, consequentemente, a relação S/R, a primeira sentença de cada lista foi apresentada numa intensidade de 65 dB A, já que todos os indivíduos da amostra, utilizando suas próteses auditivas, tinham limiares auditivos suficientes para perceber o estímulo de fala nesta intensidade. O ruído competitivo também foi apresentado na intensidade fixa de 65 dB A, de forma que o teste se iniciava com uma relação sinal/ruído (S/R) de 0 dB.

Os níveis de apresentação de cada sentença foram anotados durante a avaliação em um protocolo específico. Foi calculada a média destes valores a partir dos níveis de apresentação de cada sentença em que ocorreu a primeira mudança de resposta, até o nível de apresentação da última sentença da lista, determinando assim o limiar de reconhecimento de sentenças.

Para o cálculo da relação S/R, subtraiu-se o LRSR da intensidade do ruído apresentado, neste caso, 65 dBNA, lembrando que a relação S/R corresponde à diferença, em dB, entre o valor do LRSR (média das intensidades de apresentação da fala na presença do ruído) e o valor do ruído competitivo utilizado.

Condições de aplicação dos testes de fala

Os procedimentos desta pesquisa foram realizados em uma sala do NIAPEA, com tratamento acústico.

Para a apresentação das amostras de fala utilizamos um compact disc player portátil, modelo 4147 da marca Toshiba, acoplado ao hardware do sistema Aurical (Aurical Audio Diagnostic Fitting System) da marca Madsen Eletronics, que por sua vez, esta ligada a um computador de processador Pentium.

A plataforma de hardware do Aurical juntamente com os seus programas (software) e acessórios constituem o sistema Aurical completo, contendo todos os requisitos necessários para realizar a audiometria tonal liminar, testes de fala por meio de fones e campo livre, e ainda mensurações das características eletroacústicas de próteses auditivas, bem como conexões pra diferentes tipos de transdutores e outros acessórios.

Para aplicarmos os testes propostos por meio deste sistema, entramos no gerenciador de programas NOAH, selecionamos o audiometro Aurical (Aurical Audiometer) e fizemos os ajustes para o tipo de saída necessário conforme o teste aplicado, isto é, saída para dois canais independentes em campo livre nos testes de fala., com possibilidade de variar os estímulos de 2 em 2 dB.

As tarefas de fala foram realizadas em campo livre avaliando assim a audição binaural do indivíduo protetizado bilateralmente, posicionado de frente para o alto-falante, a uma distância de um metro a 0º azimute.

Toda amostra de fala bem como o ruído utilizado foram calibrados em dB A utilizando um medidor de nível de pressão sonoro da marca Rádio Shack, modelo 33-2055. Conforme sugerido por Costa (1998), foram medidos os níveis de pressão sonora, nos quais tanto a fala como o ruído estava chegando à orelha do individuo testado. O equipamento de medição foi posicionado num ponto médio entre as duas orelhas, a uma distância de um metro do alto-falante. Para as medições utilizamos a escala A, com respostas rápidas, por ser esta a mais indicada na mensuração de ruídos contínuos e na determinação de valores extremos de ruídos intermitentes.

Foram verificados os níveis de pressão sonora tanto do ruído como da fala. Para a obtenção do nível do ruído em campo livre, foi medida a intensidade deste entre as modulações, por tratar-se de um som contínuo, que apresenta uma pequena modulação de 1 dB. Como na fala temos uma diferença de 30 dB entre o som mais intenso e o menos intenso, houve a necessidade de um valor médio de referência, o qual foi obtido através do cálculo da média dos valores dos picos de maior amplitude de cada sentença da lista.

Após isso, a unidade de volume (VU) foi ajustada na posição zero durante a apresentação de um tom puro a 1.000 Hz gravado no inicio dos CDs, para garantir a reprodutibilidade das condições de apresentação.

Questionário internacional de avaliação das próteses auditivas

O preenchimento do Questionário Internacional de Avaliação dos Aparelhos de Amplificação Sonora Individual - QI - AASI (IOI - HA - International Outcome Inventory for Hearing Aids - traduzido para o Português falado no Brasil por Bevilacqua et al. ( Cox et al., 2002) foi realizado com a orientação direta do pesquisador junto ao indivíduo, garantindo a compreensão das perguntas e das respostas. O questionário, composto por sete questões, avaliou de forma subjetiva o resultado da adaptação do dispositivo eletrônico de amplificação sonora sob os seguintes aspectos: 1-Uso; 2- Benefício; 3- Limitação residual de atividades; 4- Satisfação; 5- Restrição residual de participação; 6- Impacto em outros; 7- Qualidade de vida.

O questionário oferecia opção de cinco respostas graduadas da esquerda para a direita, de forma que a primeira opção referia-se a um pior desempenho, pontuada como um; a última opção indicava um melhor desempenho, pontuada como cinco. O paciente foi orientado a optar por apenas uma resposta, aquela que mais caracterizava o resultado da adaptação do seu dispositivo eletrônico.

A análise do questionário QI-AASI foi feita considerando a pontuação de cada questão e a pontuação total obtidas nas sete primeiras questões. Em relação à pontuação obtida em cada análise é importante ressaltar que os itens de um a sete do questionário têm pontuação mínima de um e máxima de cinco. A pontuação total envolve a resposta dos sete primeiros itens perfazendo pontuação mínima de sete e máxima de 35. Uma maior pontuação indica melhores resultados em relação à adaptação da prótese auditiva.

Rotina de avaliação

Primeiro dia

O primeiro dia de avaliação do paciente foi realizado na mesma sessão de adaptação das próteses auditivas. Após a colocação das próteses auditivas e seleção de suas características eletroacústicas realizou-se a pesquisa do ganho funcional em campo livre a fim de certificarmos a audição mínima que o indivíduo possuía usando a amplificação sonora.

Em seguida, aplicou-se o teste IPRF e o teste LRSR. Neste primeiro dia de avaliação utilizou-se a lista 2B do teste LRSR. A lista do IPRF foi a mesma utilizada durante todos os retornos de avaliação.

Primeiro mês

Em torno de 30 dias após a adaptação das próteses auditivas os pacientes retornaram para realizar novamente a avaliação de reconhecimento de fala e aplicação do questionário QI-AASI.

Realizaram os testes de fala IPRF e LRSR, utilizando-se a lista de sentenças 3B.

Segundo mês

Em torno de 60 dias após a adaptação os pacientes retornaram para realizar novamente apenas os testes de fala. Neste momento, aplicou-se a lista de sentenças 4B na pesquisa do LRSR.

Terceiro mês

Após 90 dias da adaptação das próteses auditivas repetiu-se todo o procedimento de avaliação das tarefas de fala e aplicação do questionário QI-AASI.

Neste último retorno utilizamos a lista de sentença 2B na pesquisa do LRSR, a mesma utilizada no primeiro dia de adaptação, a fim de comparar a evolução do paciente na tarefa de reconhecimento de sentenças nas mesmas condições, e por meio do mesmo material de fala aplicado inicialmente. É importante afirmar que as três listas de sentenças utilizadas neste estudo são similares considerando o grau de dificuldade e a abrangência dos fonemas na língua portuguesa, garantindo a homogeneidade de avaliação, e confiabilidade nas comparações realizadas (Costa, 1998). Optamos por não repetir as mesmas sentenças ao longo dos três meses pela facilitação oferecida e redundância de conteúdo, o que contribuiria para a memorização das sentenças pelo paciente.

Para a pesquisa do IPRF a amostra de fala permaneceu invariável, pois consideramos difícil a memorização da lista das palavras, por parte do paciente, ao longo destes três meses, mantendo um material fiel de comparação.

É importante ressaltar que toda avaliação de fala foi realizada mantendo-se o as mesmas condições de aplicação do teste, já descritas anteriormente.

Tratamento estatístico

Em relação aos resultados obtidos nas tarefas de fala, estes foram analisados e comparados estatisticamente, utilizando o teste de Friedman (comparação das variáveis três a três) e o teste de Wilcoxon (comparação das variáveis duas a duas), estabelecendo uma significância de 5%.

A análise do questionário foi realizada utilizando a técnica Mann-Whitney, com significância de 5%.

Resultados

Seguem os resultados do IPRF e do LRSR (relação S/R), considerando os valores de média, mediana, desvio padrão e o p-valor obtido pelo teste de Friedman, estabelecendo uma comparação entre o primeiro dia e os meses subseqüentes. A aplicação deste teste nos permite comparar as quatro variáveis simultaneamente Tabela 1.

Para verificar quando ocorre uma diferença de resultados e/ou comparar os meses dois a dois, aplicou-se o teste de Wilcoxon. Desta forma a Tabela 2 apresenta os p-valores obtidos nas comparações feitas entre o primeiro dia e os meses subseqüentes, dois a dois.

As respostas obtidas no questionário QII-AASI foram comparadas entre o primeiro mês e o terceiro mês. A Tabela 3 no mostra os valores da média, mediana, desvio padrão, tamanho e p-valor das respostas obtidas em cada questão e a pontuação total obtida no questionário. Essa comparação foi feita utilizando o teste de Wilcoxon.

Discussão

Todos os 16 indivíduos foram avaliados no primeiro dia de adaptação de suas próteses auditivas e reavaliados mensalmente até o terceiro mês. A avaliação objetiva constou da aplicação dos testes de fala IPRF e LRSR.

A comparação realizada entre o primeiro dia, primeiro, segundo e terceiro meses de adaptação das próteses auditivas mostrou uma melhora, estatisticamente significante (p < 0,001) entre os resultados obtidos ao longo dos meses, tanto no IPRF quanto na relação S/R, evidenciando a aclimatização Tabela 1.

Vários estudos foram realizados com o objetivo de avaliar a aclimatização após um tempo de uso das próteses auditivas (Humes et al., 2002; Philibert et al., 2002; Humes e Wilson, 2003; Kuk et al., 2003; Munro e Lutman, 2003; Flynn et al., 2004). Todos destacaram uma melhora perceptível nas habilidades de fala ou benefício subjetivo após o uso contínuo da amplificação sonora. No entanto, os autores relatam diferentes experiências quanto ao intervalo de avaliação em que se pode notar a maior mudança significativa e a estabilidade desta melhora.

Na Tabela 2 analisamos quando essa melhora no reconhecimento de fala ocorreu. Dessa forma, comparamos os resultados obtidos entre os meses e verificamos, tanto no IPRF quanto no LRSR, haver diferença estatisticamente significante quando comparamos os resultados obtidos no primeiro dia e o segundo / terceiro meses, e entre o primeiro mês e o segundo / terceiro meses. Isso quer dizer que houve evidências de melhora no reconhecimento de fala após 30 dias de adaptação das próteses auditivas, e essa melhora foi otimizada até 60 dias de uso da amplificação sonora.

Quando analisamos a Tabela 2, tanto o IPRF quanto o LRSR, não houve diferença estatisticamente significante entre o primeiro dia de adaptação e os primeiros 30 dias, indicando que a Aclimatização só começa a acontecer após o primeiro mês de uso da amplificação sonora.

Quanto ao teste LRSR, observamos uma melhora na relação S/R contínua até 90 dias após a adaptação da prótese auditiva, evidenciada por diferenças estatisticamente significantes entre os meses subseqüentes. Isso indica que a habilidade de reconhecimento de fala na presença de ruído melhora até o terceiro mês, e não podemos dizer se após os 90 dias de adaptação o indivíduo continua a evoluir no seu processo de aclimatização, ou se alcança seu platô de melhora nesta habilidade.

Humes et al. (2002) acompanharam o primeiro ano de uso de próteses auditivas em 134 idosos, por meio de tarefas de fala e questionários. Foram avaliados após o primeiro mês, seis meses e 1 ano de adaptação. 49 destes indivíduos continuaram em acompanhamento até o segundo ano de uso da amplificação sonora. Observaram mudanças significativas entre os usuários ao longo dos meses. No entanto os resultados com maior mudança significativa ocorreram entre o primeiro e o sexto mês, quando comparado aos resultados obtidos com um ano de uso. Quanto aos pacientes acompanhados após o segundo ano, mudanças mínimas foram registradas.

Como forma de verificarmos a aclimatização por meio de medida subjetiva considerando uso, benefício e satisfação do usuário, aplicamos o questionário QI-AASI após o primeiro e terceiro meses de adaptação das próteses auditivas. Não houve diferença estatisticamente significante entre os resultados obtidos no questionário QI-AASI, não evidenciando melhora entre o primeiro e o terceiro mês de adaptação. Ao contrário do verificado neste estudo, Humes et al. (2002) relatou que as evidencias da aclimatização foram demonstradas, de forma significativa, principalmente por meio de medidas subjetivas (questionário de auto-avaliação).

No entanto, apesar do presente estudo não demonstrar os sinais da aclimatização por meio do questionário aplicado, pudemos observar um resultado positivo à adaptação auditiva, evidenciado pela alta pontuação obtida por questão (máxima pontuação possível é 5) e na avaliação total do questionário (máxima pontuação possível é 35). Dessa forma, não houve insatisfações evidentes quanto às questões abordadas no questionário desde o primeiro mês da adaptação, sendo essa mesma impressão confirmada na avaliação realizada após o terceiro mês. No entanto, apesar dos resultados positivos obtidos na avaliação subjetiva, nos preocupa afirmar tal satisfação, baseado nestes valores, pois isso poderia revelar uma atitude de humildade e de gratificação de nossos pacientes que receberam as próteses auditivas em nosso Serviço não tendo nenhum ônus financeiro durante este processo e, possivelmente, não se achando dignos de qualquer insatisfação.

No entanto, um outro estudo realizado em nosso Serviço por Bucuvic e Iório (2004) que avaliaram, por meio o questionário APHAB, o benefício subjetivo de novos usuários de próteses auditivas, também adquiridas por doação, após dois e três meses de uso, evidenciou melhora significante das dificuldades auditivas após dois e seis meses de adaptação. As autoras ressaltam que independentemente do tempo de uso da amplificação sonora as dificuldades auditivas dos usuários de próteses auditivas são maiores que a de indivíduos com a audição normal.

Cox e Alexander (2002) também verificaram uma alta pontuação dos indivíduos avaliados em seu estudo no questionário QI-AASI, sugerindo atitudes favoráveis em relação ao uso de suas próteses auditivas. Comentaram sobre a provável sensibilidade do questionário em detectar indivíduos com experiência negativa em relação às próteses auditivas.

Aplicamos o QI-AASI por ser um questionário breve, abrangente, acessível a diferentes fatores culturais e sociais para uso e comparações diversas (Cox et al., 2000) enfocando, neste estudo, a comparação da amplificação sonora linear e não-linear. No entanto, apesar do caráter auto-explicativo do questionário, elaborado para ser respondido sem qualquer ajuda adicional (Cox e Alexander, 2002), neste estudo ele foi aplicado pelo pesquisador responsável, para garantir o entendimento das perguntas e respostas, pois muitos usuários avaliados apresentavam dificuldades na leitura e interpretação das perguntas.

Conclusão

A avaliação objetiva, por meio de tarefas de reconhecimento de fala, indica melhores resultados nos meses subseqüentes à adaptação das próteses auditivas evidenciando melhora progressiva das habilidades de fala a partir do primeiro mês de adaptação. A avaliação subjetiva não revela melhora entre o primeiro e o terceiro mês após a adaptação das próteses auditivas.

Podemos concluir que a aclimatização é progressiva e decorrente da utilização de pistas acústicas fornecidas pelo uso de próteses auditivas. Dessa forma, podemos contar com os "efeitos do tempo" como aliado no sucesso da adaptação e aceitação das próteses auditivas por parte de seu usuário.

Recebido em 21.10.2005.

Revisado em 29.11.2005; 30.03.2006; 14.09.2006; 21.06.2006.

Aceito para Publicação em 21.06.2006.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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    (
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    Trabalho Realizado na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      21 Jun 2006
    • Revisado
      29 Nov 2005
    • Recebido
      21 Out 2005
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