Acessibilidade / Reportar erro

Influência de paradigmas temporais em testes de processamento temporal auditivo

Resumos

TEMA: processamento temporal auditivo. OBJETIVO: comparar o desempenho de crianças, em testes de processamento temporal auditivo de acordo com diferentes paradigmas temporais como intervalo inter-estímulos, duração do estímulo e tipo de tarefa solicitada (discriminação ou ordenação). MÉTODO: foram avaliadas 27 crianças de 9 a 12 anos. Para analisar o efeito de cada variável temporal, foi desenvolvida e aplicada uma adaptação do teste americano "Repetition Test", contendo quatro testes de discriminação e de ordenação de frequência, e quatro testes de discriminação e de ordenação de duração. Para investigar a variável "tipo de tarefa solicitada", foram elaborados testes envolvendo discriminação e ordenação de frequência e discriminação e ordenação de duração. Para investigar a variável "duração do estímulo", foram elaborados testes de discriminação e ordenação de freqüência com estímulos de 200ms e 100ms e testes de discriminação e ordenação de duração com estímulos de 200/400ms e 300/600ms. Para investigar a variável "intervalo inter-estímulos", foram elaborados testes com intervalos inter-estímulos variáveis aleatoriamente entre 50ms e 250ms. RESULTADOS: em relação à variável intervalo inter-estímulos, não houve diferença estatisticamente significante entre a média de acertos quando os intervalos variavam de 50 a 250 ms, em todos os testes realizados; em relação à duração do estímulo, o grupo apresentou pior desempenho para estímulos com menor duração (100ms) em comparação com estímulos maiores, mas apenas nos testes envolvendo freqüência; em relação à ordem solicitada, o grupo apresentou pior desempenho nas tarefas de ordenação, se comparada com discriminação. CONCLUSÃO: variáveis temporais como duração do estímulo e tipo de ordem solicitada (discriminação e ordenação) podem interferir no desempenho de crianças em testes de processamento temporal auditivo.

Audição; Testes Auditivos; Criança


BACKGROUND: auditory temporal processing. AIM: to compare the performance of children in auditory temporal processing tests according to different temporal variables such as inter-stimulus interval, stimuli duration and type of task (discrimination or ordering). METHOD: 27 children, with ages between 9 to 12 years, were evaluated. In order to analyze the effect of temporal variables, an adaptation of the American "Repetition test" was developed, containing four tests of frequency discrimination and ordering, and four tests of temporal discrimination and ordering. In order to investigate the variable 'type of requested task', tests involving frequency and temporal discrimination and ordering were elaborated. In order to evaluate the variable 'stimulus duration', frequency discrimination and ordering tests were elaborated, with stimulus durations of 200ms and 100 ms. In addition, temporal discrimination and ordering tests were carried out, with stimulus durations of 200/400ms and 300/600ms. In order to evaluate the variable 'inter-stimulus interval', tests were elaborated with randomly variable inter-stimulus intervals, ranging between 50ms and 250ms. RESULTS: regarding inter-stimulus interval, there was no statistically significant difference between the average number of correct answers when intervals varied between 50 and 250ms, in all of the tests. Regarding stimulus duration, the research group presented a poor performance for when stimulus had a shorter duration (100ms), compared to those with longer duration, but only in the tests involving frequency. Regarding order, the research group presented a poor performance in ordering tasks when compared to discrimination tasks. CONCLUSION: temporal variables such stimuli duration and type of task (discrimination and ordering) can interfere in the performance of children in tests of auditory temporal processing.

Hearing; Hearing Tests; Children


ARTIGOS DE PESQUISA

Influência de paradigmas temporais em testes de processamento temporal auditivo* * Trabalho Realizado no Centro de Docência e Pesquisa do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Cristina Ferraz Borges MurphyI,1 1 Endereço para correspondência: Avenida Padre Antonio José dos Santos, 313 - Apto. 134 - São Paulo - SP - CEP 04563-010 ( crist78@yahoo.com) ; Eliane SchochatII

IFonoaudióloga. Doutoranda em Ciências da Reabilitação pelo Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIFonoaudióloga. Professora Livre-Docente do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

RESUMO

TEMA: processamento temporal auditivo.

OBJETIVO: comparar o desempenho de crianças, em testes de processamento temporal auditivo de acordo com diferentes paradigmas temporais como intervalo inter-estímulos, duração do estímulo e tipo de tarefa solicitada (discriminação ou ordenação).

MÉTODO: foram avaliadas 27 crianças de 9 a 12 anos. Para analisar o efeito de cada variável temporal, foi desenvolvida e aplicada uma adaptação do teste americano "Repetition Test", contendo quatro testes de discriminação e de ordenação de frequência, e quatro testes de discriminação e de ordenação de duração. Para investigar a variável "tipo de tarefa solicitada", foram elaborados testes envolvendo discriminação e ordenação de frequência e discriminação e ordenação de duração. Para investigar a variável "duração do estímulo", foram elaborados testes de discriminação e ordenação de freqüência com estímulos de 200ms e 100ms e testes de discriminação e ordenação de duração com estímulos de 200/400ms e 300/600ms. Para investigar a variável "intervalo inter-estímulos", foram elaborados testes com intervalos inter-estímulos variáveis aleatoriamente entre 50ms e 250ms.

RESULTADOS: em relação à variável intervalo inter-estímulos, não houve diferença estatisticamente significante entre a média de acertos quando os intervalos variavam de 50 a 250 ms, em todos os testes realizados; em relação à duração do estímulo, o grupo apresentou pior desempenho para estímulos com menor duração (100ms) em comparação com estímulos maiores, mas apenas nos testes envolvendo freqüência; em relação à ordem solicitada, o grupo apresentou pior desempenho nas tarefas de ordenação, se comparada com discriminação.

CONCLUSÃO: variáveis temporais como duração do estímulo e tipo de ordem solicitada (discriminação e ordenação) podem interferir no desempenho de crianças em testes de processamento temporal auditivo.

Palavras chave: Audição; Testes Auditivos; Criança.

Introdução

A forma como o cérebro humano consegue perceber e discriminar os complexos e rápidos componentes dos sons da fala ainda são discutidos (Frisina, 2001), mas, apesar disso, sabe-se que a codificação de informações temporais do som como sua duração, intervalo e ordem de aparecimento dos estímulos, provê informações vitais para o sistema nervoso. Isto porque, na fala contínua, os segmentos de fala são coarticulados, ou seja, seu padrão acústico é modificado em relação à duração, intensidade e freqüência. Assim, cabe ao ouvinte a tarefa de analisar as pistas acústicas que o falante emitiu, organizando os segmentos de fala do ponto de vista acústico numa ordem seqüencial definida pelos padrões da língua que aprendeu (Balen,1997).

Atualmente, sabe-se que o ouvido humano é capaz de perceber dois sons quando estes estão separados por um intervalo maior do que 2 milisegundos (Hirsh,1959). Os sons também podem ser ordenados quando o intervalo entre eles é de 20 a 40 milisegundos, aproximadamente (Kanabus et al.,2002), mas este limiar pode variar dependendo dos parâmetros utilizados na tarefa, como os intervalos inter-estímulos, por exemplo (Kanabus et al.,2002). Além disso, em certas populações como em idosos (Mendelson e Riccketts, 2001; Neves, 2002) e em crianças com alterações de linguagem (Rosen e Manganari, 2001, Borges e Schochat, 2005a, Furbeta e Felippe, 2005), em que é encontrado a alteração de processamento auditivo, este limiar também pode ter outro valor.

Mendelson e Riccketts (2001) afirmam que uma alteração no processamento rápido de pistas acústicas complexas pode ser uma das razões para a pobre discriminação de fala em idosos. Em suas pesquisas, os autores conseguiram relacionar a idade do indivíduo com o decréscimo da percepção da velocidade de mudança de freqüência dos sons da fala, o que levaria a uma pobre discriminação.

Em relação aos transtornos de linguagem, uma das hipóteses relacionada à etiologia do problema diz respeito à existência de problemas de bases perceptuais. Estas dificuldades envolvem o processamento temporal de estímulos auditivos, visuais e sensório-motores, apresentados de maneira rápida e em sequência. Esta teoria tenta conciliar déficits auditivos e visuais através de uma única base, o processamento temporal (Rosen e Manganari, 2001).

Pesquisas também mostram que a experiência lingüística pode interferir na habilidade de perceber as características temporais do sinal acústico (Klein et al., 2001; Gandour et al., 2002).

No Português, pelo fato dos fonemas serem discriminados mais facilmente se comparados com o Inglês, há um esforço menor do sistema auditivo, o que resulta em uma discriminação mais pobre em tarefas temporais envolvendo freqüência e duração (Schochat e Musiek, 2006).

Considerando o fato do processamento temporal auditivo estar intimamente relacionado à percepção da fala, passa a ser de extrema importância a aplicação de testes envolvendo habilidades temporais em indivíduos com queixas relacionadas à linguagem oral e escrita e na bateria de testes que avaliam o processamento auditivo (Samelli, 2005). Assim, a investigação sobre os parâmetros temporais presentes nos testes também é importante.

Chermak e Lee (2005) por exemplo, compararam o desempenho de crianças americanas em quatro diferentes testes de processamento temporal auditivo com o objetivo de analisar se diferenças entre os estímulos ou tarefas solicitadas em cada teste, poderiam interferir no diagnóstico obtido por cada criança. Os testes analisados foram: RGDT (randon gap detection test), AFTR (auditory fusion test-revised), GIN (gap in noise) e BFT (binaural fusion test). Os resultados mostraram que todas as crianças apresentaram resultados dentro dos padrões da normalidade em todos os testes aplicados, o que demonstrou não haver diferenças significantes entre os parâmetros temporais utilizados em cada teste.

No Brasil, não há um critério quanto à seleção dos testes temporais utilizados na avaliação do processamento auditivo, bem como pesquisas que mostrem a interferência de parâmetros temporais no desempenho para cada um. Assim, o objetivo desta pesquisa é comparar o desempenho de crianças em testes de processamento auditivo de acordo com diferentes paradigmas temporais como intervalo inter-estímulos, duração do estímulo e tipo de tarefa solicitada (discriminação ou ordenação). Desta forma, será possível analisar de que forma variáveis temporais influenciam no desempenho de crianças, em testes de processamento temporal auditivo.

Método

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 9/10/2002, sob o Protocolo de Pesquisa número 649/01.

Sujeitos

A coleta de dados foi realizada no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Processamento Auditivo do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de janeiro a maio de 2004. Os 27 participantes foram provenientes de escolas particulares próximas à região na qual os dados foram coletados. As crianças deveriam apresentar idades entre nove e doze anos e onze meses e resultados dentro dos padrões da normalidade na avaliação audiológica básica (audiometria, logoaudiometria e imitanciometria). Por meio de investigação realizada em anamnese, foi constatado que todos os participantes não apresentavam sinais de alterações cognitivas, psicológicas, neurológicas e oftalmológicas. Além disso, também não apresentavam queixas escolares, histórico de otites ou conhecimento musical. Todos os participantes consentiram com a realização desta pesquisa e a divulgação de seus resultados.

Material

Os indivíduos foram submetidos a uma série de procedimentos: história clínica, avaliação audiológica completa composta por meatoscopia, imitanciometria, audiometria tonal limiar e vocal. Após estes procedimentos, foram excluídas as crianças que não se enquadravam aos critérios descritos e, quando necessário, foi realizado o encaminhamento ao profissional responsável. Selecionado o grupo, o conjunto de testes a seguir foi aplicado:

Teste temporal progressivo auditivo (Borges e Schochat, 2005b)

Os oito testes relacionados ao processamento temporal auditivo foram aplicados em sala isolada e silenciosa, por meio de um CD executado em um computador LG, programa Windows Media Player, fone Pioneer modelo SE-A20. O CD, que contém a gravação do teste, foi gravado no Laboratório de Rádio da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo. A execução foi realizada através do programa Software Sound Forge 4.5. Para a gravação, foi utilizada mesa de som MACKIE SR 32-4 e gravador de CD HP 8100. A gravação foi realizada diretamente no Hard Disc do computador com processador Pentium. A introdução dos testes (nomeação) foi feita por uma locutora, por meio de um microfone SM81-LC.

Para que cada variável temporal fosse analisada separadamente, oito testes foram aplicados. A diferença entre cada um dos testes é descrita na Tabela 1.

Os intervalos inter-estímulos escolhidos (50 a 250ms) foram baseados nos resultados encontrados por Tallal (1980). Este intervalo parece ser crítico em tarefas de discriminação e ordenação de estímulos, tanto em grupo controle, quanto em crianças com alterações de linguagem falantes do Inglês. Assim, para poder analisar diferentes valores considerando este intervalo, optou-se por variá-lo em passos de 50ms, apresentados aleatoriamente.

As outras variáveis como duração do estímulo e freqüência foram baseados em estudos pilotos realizados com crianças falantes do Português.

Cada teste de discriminação contém 40 tentativas, ou seja, 40 pares de estímulo, e cada teste de ordenação contém 30 tentativas, ou seja, 30 pares de estímulo. Cada estímulo apresenta subida e queda (rise and fall) de 5ms.

O participante e o pesquisador permaneciam lado a lado, em frente ao computador. Na tela, era possível visualizar o programa utilizado para a leitura do CD (faixa executada, segundos tocados e restantes). Os testes eram aplicados em intensidade confortável que, de acordo com a medição realizada por meio de um Medidor de Nível de Pressão Sonora, corresponde a aproximadamente 70dBA. Os estímulos são binaurais, ou seja, apresentados simultaneamente nas duas orelhas. O tipo de resposta foi verbal; nos testes de discriminação, os participantes deveriam dizer se os estímulos eram iguais ou diferentes e nos testes de ordenação, a ordem de aparecimento (fino / grosso ou grosso / fino).

Resultados

O efeito das três variáveis temporais foi analisado separadamente, utilizando-se a ANOVA.

Em relação aos intervalos inter-estímulos (IIEs), o número de respostas corretas para cada intervalo foi totalizado para cada participante e, posteriormente, foi feita a média de acertos para o grupo, que é demonstrado na Figura 1 em porcentagem. Não houve diferença estatisticamente significante entre a média obtida para cada intervalo inter-estímulo analisado (p = 0,61). Também não houve grande desvio padrão para cada intervalo inter-estímulo (IIE) analisado, dado que pode ser observado por meio dos limites superiores e inferiores da figura.


A análise do efeito da duração dos estímulos também foi analisada (Figura 2). A duração um corresponde a 200ms nos testes envolvendo frequência e 300/600ms nos testes envolvendo duração e a duração dois corresponde a 100ms e 200/400ms. Assim, foi comparado o desempenho do grupo em relação à duração um e dois nos testes envolvendo freqüência e duração. O grupo apresentou diferença estatisticamente significante para todas as comparações: entre os testes de discriminação de freqüência, (p = 0,004), testes de discriminação de duração (p = 0,006), testes de ordenação de duração (p < 0,001), exceto para o teste de ordenação de freqüência (p = 0,715), sendo que para testes com estímulos de maior duração o desempenho é melhor.


O tipo de tarefa solicitada (discriminação x ordenação) também foi comparado (Figura 3). Assim, a Figura 3 demonstra a comparação entre o desempenho nos testes de discriminação e ordenação de freqüência com duração menor (200ms), que representa freqüência um, e duração maior, que representa freqüência dois (200ms). Também foi comparado o desempenho nos testes de discriminação e ordenação de duração um (300/600ms) e duração dois (200 / 400ms). Os resultados demonstram diferenças significantes apenas entre os testes envolvendo freqüência (pfreq.1 < 0,001, pfreq.2 < 0,001), sendo que a tarefa de discriminação (disc.) apresentou melhor desempenho, comparado com ordenação (ord.). Já os testes envolvendo duração não apresentaram diferenças significantes em relação à tarefa solicitada (p dur.1 = 0,836 e p.dur.2 = 0,320).


Discussão

O presente estudo teve como principal objetivo analisar o efeito de variáveis temporais presentes em uma bateria de testes de processamento temporal auditivo em crianças. As variáveis analisadas são os intervalos inter-estímulos, duração do estímulo e tipo de ordem solicitada.

Em relação aos intervalos inter-estímulos, foram analisados os intervalos de 50 a 250ms em oito testes. Os resultados mostraram que estes não influenciaram o desempenho obtido pelo grupo.

Resultado diferente foi encontrado por Kanabus et al. (2002). Os pesquisadores realizaram tarefas de ordenação de freqüências em adultos. Os pares de estímulos apresentavam 300 e 3000Hz e duração de 15ms. Os intervalos inter-estímulos considerados foram 5, 10, 20, 40, 80, 150, 300 e 500ms. A porcentagem de respostas corretas aumentou sensivelmente com o aumento dos IIEs, sendo que, no seu estudo, o intervalo na qual houve um grande aumento no número de respostas corretas esteve entre 40 e 80ms. Assim, no presente estudo, deveria ter sido encontrada esta diferença entre 50 e 100ms, aproximadamente.

Mas, Kanabus et al. (2002) também descobriram que o limiar de IIEs requerido para a ordenação de estímulos auditivos (75% de respostas corretas) está próximo a 40ms. Na pesquisa atual, para todos os IIEs analisados, a porcentagem de acertos esteve acima de 75% mesmo para 50ms. Isso mostra que talvez se tivesse sido incluído IIEs com duração menor, talvez fossem encontradas diferenças no desempenho para cada um deles. Talvez acima do limiar não há diferenças significantes em relação aos níveis de dificuldade.

Outra hipótese a ser considerada é a influência de outros parâmetros temporais, como a duração do estímulo. Kanabus et al (2002) utilizaram estímulos com 15ms, enquanto na pesquisa atual foram utilizados estímulos com 100 ou 200ms. Talvez haja uma correlação entre estas diferentes variáveis temporais, hipótese que pode ser aceita se considerarmos os fenômenos de integração temporal, que demonstram haver uma relação entre a duração de um estímulo e o seu limiar de detecção (Shinn,2003, Pulgati,2001).

A interferência da língua em questão também deve ser considerada. Não foram encontrados estudos semelhantes a este em falantes do Português, mas testes semelhantes já foram aplicados em falantes do alemão (Heim et al., 2001). Heim et al (2001) também não observaram influência dos IIEs variando de 8 a 305ms, em grupo controle.

Portanto, embora sejam utilizados estímulos não verbais, em pesquisas como as citadas, o modo como esse estímulo é processado por falantes de línguas diferentes pode variar (Chermak e Musiek,1997). Isto porque cada língua requer uma percepção acústica particular, já que cada uma apresenta características fonéticas específicas. Assim, parece que línguas como o Inglês, que apresentam um maior número de fonemas se diferenciando a partir da variável frequência, apresentarão falantes com uma percepção acústica mais sensível a este aspecto do que os falantes do Português, que apresentam um maior número de fonemas se diferenciando a partir da variável duração.

Apesar de não ter sido incluído na pesquisa o pressuposto limiar de ordenação, não há consenso quanto ao limiar para outras diferentes populações como crianças com alterações de linguagem e idosos. Borges (2005) realizou os mesmo testes em crianças com transtornos de leitura. Estas apresentaram muita dificuldade para realizar os mesmos testes (porcentagem de acertos abaixo de 75% de acertos para todos os IIEs), mas também não houve diferença entre os IIEs analisados. Assim, talvez o limiar de crianças com esta alteração esteja acima dos IIEs analisados, ou seja, acima de 250ms. Outro exemplo são os achados de Tallal e Piercy (1973), em pesquisa semelhante, na qual o grupo de crianças com alterações de linguagem apresentou aproximadamente 75% de acertos para IIEs de 300ms aproximadamente (limiar de ordenação).

Fazendo uma comparação dos testes analisados com os testes utilizados na prática clínica e, normatizados para o Português Brasileiro (Schochat et al.,2000; Balen,2001), observa-se que a versão Audiology Illustrated (Musiek,1994) contém os testes de padrão de freqüência, apresentando IIEs de 200ms, e o teste de padrão de duração, com IIEs de 300ms. Assim, comparando com os dados de Borges (2005) e Tallal e Piercy (1973), é fácil perceber que os parâmetros presentes na versão Audiology Illustrated (freqüência), dificultam a realização do teste; ou seja, a análise da tarefa de ordenar pode torna-se impossibilitada pelos parâmetros do teste em questão.

Os testes comercializados por Auditec of Saint Louis apresentam na versão infantil e adulto, para frequência e duração, IIEs com duração de 300ms. Assim, há uma maior possibilidade de uma melhor aplicação em populações com transtornos de linguagem (Branco-Barreiro, 2003) ou mesmo crianças usuárias de implante coclear (Frederigue, 2006)

Assim, percebe-se que, nos dois testes aplicados, os parâmetros presentes são responsáveis pelo grau de dificuldade do teste apresentado, impedindo muitas vezes a realização e conseqüente conclusão do diagnóstico. Talvez, em termos clínicos, o mais indicado seria a aplicação de testes com parâmetros variados (testes psicofísicos), para que assim fosse possivel avaliar o desempenho do individuo de acordo com os parâmetros presentes. As desvantagens deste tipo de teste são o longo tempo de aplicação requerido e a dificuldade para se estabelecer os parâmetros de comparação.

Estes diferentes parâmetros também podem explicar o fato de encontrarmos muitas vezes resultados dentro dos padrões da normalidade em testes de padrão de freqüência e resultados alterados em testes de padrão de duração e vice-versa, apesar de ambos avaliarem a mesma habilidade.

O efeito da variável duração do estímulo também foi analisado. Os achados mostram que houve diferença significante entre as porcentagens de acertos obtidas para os testes com duração um (200ms, 300 / 600ms) e dois (100ms, 200 / 400ms), sendo que, quanto maior a duração do estímulo, melhor o desempenho. Apenas no teste de ordenação de freqüências, não foi encontrada diferença estatisticamente significante. Este resultado demonstra que esta variável pode interferir no desempenho encontrado pelo indivíduo a ser testado.

Thompson et al. (2001) também analisaram o desempenho de crianças e adultos em tarefas de discriminação de freqüências utilizando estímulos com diferentes durações (20ms, 50ms e 200ms). O pesquisador descobriu que a duração do estímulo é inversamente proporcional ao limiar de diferença entre as freqüências discrimináveis, ou seja, quanto maior a duração do estímulo menor é a diferença, em Hz, entre os estímulos discrimináveis.

Wittmann e Fink (2004) discutiram a utilização de diferentes tipos de estímulos, com relação à sua duração, em pesquisas envolvendo distúrbios de linguagem. De acordo com pesquisador, a condição mais utilizada para esse tipo de população é a de 75ms, em testes psicofísicos.

Tallal e Piercy (1973) compararam o desempenho de crianças com atraso de aquisição de linguagem em dois testes de ordenação de frequência, sendo que cada teste apresentava três estímulos para serem ordenados, com 75ms e 250ms de duração. Quando os estímulos apresentavam 75ms de duração, todas as crianças do grupo controle apresentaram desempenho dentro do padrão esperado, e apenas 17% do grupo estudo apresentou desempenho semelhante ao grupo controle. Já quando os estímulos apresentavam duração de 250ms, 83% do grupo estudo apresentou desempenho semelhante ao grupo controle. Análise semelhante foi realizada por Heiervang et al. (2002), utilizando estímulos de 75 e 250ms de duração, em testes envolvendo discriminação e ordenação de frequência. Os resultados mostraram que ambos os grupos apresentaram desempenho inferior, quando os estímulos apresentavam duração de 75ms, se comparado com 250ms, mas esta piora foi mais acentuada no grupo de crianças disléxicas. Os pesquisadores discutem, portanto, a importância da duração do estímulo como variável a ser considerada em pesquisas envolvendo dislexia.

Considerando-se novamente os testes utilizados na prática clínica, a versão Audiology Illustrated (Musiek,1994) contém os testes de padrão de freqüência, apresentando duração constante de 150ms, e o teste de padrão de duração, com durações de 500 e 250ms. Já os testes comercializados por Auditec of Saint Louis apresentam para a variável freqüência versão infantil duração de 500ms e 300ms para adultos. Nos testes de ordenação apresentam durações de 250ms e 500ms. Percebe-se, portanto, que apenas os testes envolvendo freqüência apresentam diferentes níveis de dificuldade em relação aos parâmetros duração do estímulo.

A última variável a ser considerada é o tipo de tarefa solicitada. Os resultados mostraram que o desempenho do grupo, nos testes envolvendo frequência, apresentou influência do tipo de tarefa (discriminação x ordenação), sendo que a tarefa de ordenar apresentou maior grau de dificuldade (Figura 3). Já nos testes envolvendo duração, não houve diferença significante.

Uma das hipóteses para não terem sido encontradas diferenças entre os testes envolvendo duração seria a existência de respostas aleatórias (chutes). Eddins et al. (2001), por exemplo, afirmam que a memória e a atenção poderiam contribuir para a grande variabilidade no desempenho em testes envolvendo discriminação de pistas acústicas de duração.

Banai e Ahissar (2006) compararam o desempenho de grupo controle e com transtorno de aprendizagem em tarefas envolvendo freqüência. A pesquisadora não encontrou diferenças entre o limiar de discriminação entre freqüências nas duas situações, quando analisado grupo controle. A diferença só foi encontrada para grupo com transtornos de linguagem. A autora conclui que a tarefa de ordenação não foi mais difícil para o grupo controle.

Heiverang (2002) encontrou resultado semelhante. O pesquisador aplicou testes adaptados de Tallal e Piercy (1973) em crianças disléxicas e controle, e notou que somente o grupo estudo apresentou grande queda no desempenho das tarefas de discriminação, em relação às de ordenação.

Assim, uma das hipóteses para o resultado encontrado na pesquisa atual é a grande variabilidade de respostas para os testes de ordenação, diferente de outros testes de processamento auditivo que apresentam maior confiabilidade (Frasca, 2005). Esta hipótese também pode ser corroborada por Berwanger et al. (2004), por exemplo, que descobriram que a aplicabilidade de testes temporais em crianças, analisada em pesquisa através de teste-reteste, é discutida. Os autores afirmam que há uma grande variabilidade de respostas em crianças do grupo controle.

Conclusão

A pesquisa mostra que variáveis como duração do estímulo e ordem solicitada podem interferir no desempenho do indivíduo em testes temporais auditivos. Assim, em relação à duração do estímulo, quanto maior a sua duração, melhor o desempenho. Quanto ao tipo de tarefa, a habilidade de ordenação apresentou maior grau de dificuldade se comparado com discriminação, em testes envolvendo freqüência. Concluindo, é necessária uma maior preocupação com os parâmetros temporais presentes em cada teste, já que estes influenciam diretamente no desempenho do indivíduo e, talvez no diagnóstico encontrado, tema que deve ser melhor investigado em pesquisas futuras.

Recebido em 17.11.2006.

Revisado em 18.06.2007; 19.07.2007.

Aceito para Publicação em 19.07.2007.

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

  • AUDITEC. Central auditory processing. Disponível em: <http://www.auditec.com>. Acesso em: out. 2006.
  • BALEN, S. A. Processamento auditivo central: aspectos temporais da audição e percepção acústica da fala. 1997. 175 f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
  • BALEN, S. A. Reconhecimento de padrões auditivos de frequência e de duração: desempenho de crianças escolares de 7 a 11 anos. 2001. 175 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • BANAI, K.; AHISSAR, M. Auditory processing deficits in dyslexia: task or stimulus related? Cereb. Cortex, Oxford, v. 16, n. 12, p. 1718-1728, jan. 2006.
  • BERWANGER, D.; WITTMANN, M.; STEINBUCHEL, N.; SUCHODOLETZ, W. Measurement of temporal-order judgment in children. Acta Neurobiol. Exp., Warszawa, v. 64, n. 3, p. 387-394, 2004.
  • BORGES, C. F. Processamento temporal auditivo em crianças com transtornos de leitura. 2005. 166 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • BORGES, C. F.; SCHOCHAT, E. Fatores de risco para o transtorno do processamento auditivo. R. T. Desenv., v. 14, n. 80 e n. 81, p. 83-88, maio-jun. 2005a.
  • BORGES, C.F.; SCHOCHAT, E. Processamento temporal auditivo em crianças que estudam música. R. Soc. Bras. Fonoaudiol., v. 10, n. 4, p. 226-231, out.-dez. 2005b.
  • BRANCO-BARREIRO, F. C. A. Estudo do processamento auditivo temporal em alunos de escola pública com e sem dificudades de leitura. 2003. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • CHERMAK, G. D.; LEE, J. Comparison of children's performance on four tests of temporal resolution. J. Am. Acad. Audiol., Lewiston (NY), v. 16, n. 8, p. 554-563, sept. 2005.
  • CHERMAK, G. D.; MUSIEK, F. E. Central auditory processing disorders: new perspectives. San Diego: Singular Publishing Group San Diego, 1997.
  • EDDINS, A.; EDDINS, E.; COAD, M. L.; LOCKWOOED, A.; WATSON, C. Cognitive and sensory influence on the perception of complex auditory signals. J. Acost. Soc. Am., Lancaster (PA), v. 109, n. 5, p. 2475-2479, 2001.
  • FRASCA, M. F. S. S. Processamento auditivo em teste e reteste: confiabilidade da avaliação. 2005. 104 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • FREDERIGUE, N. B. Reconhecimento de padrões auditivos de freqüência e de duração em crianças usuárias de implante coclear multicanal. 2006. 158 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • FRISINA, R. D. Subcortical neural mechanisms for auditory temporal processing. Hear. Res., Amsterdam, v. 158, n. 1 e n. 2, p. 1-27, aug. 2001.
  • FURBETA, T. D. C.; FELIPPE, C. A. N. Avaliação simplificada de processamento auditivo e dificuldades de leitura-escrita. Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 17, n. 1, p. 11-18, jan.-abr. 2005.
  • GANDOUR, J.; WONG, D.; LOWE, M.; DZEMIDZIC, M.; SATTHAMNUWONG, N.; TONG, Y.; LURITO, J. Neural circuitry underlying perception of duration depends on language experience. Brain Lang., Orlando (FL), v. 83, n. 2, p. 268-290, nov. 2002.
  • HEIERVANG, E.; STEVENSON, J.; HUGDAHL, K. Auditory processing in children with dyslexia. Child Psychol. Psychiat., London, v. 43, n. 7, p. 931-938, oct. 2002.
  • HEIM, S.; FREEMAN, R. B.; EULITZ, C.; THOMAS, E. Auditory temporal processing deficit in dyslexia is associated with enhanced sensitivity in the visual modality. Neuroreport, Oxford, v. 12, n. 3, p. 35-42, mar. 2001.
  • HIRSH, J. Auditory perception of temporal order. J. Acoustic Soc. Am., Lancaster (PA), v. 31, p. 759-767, 1959.
  • KANABUS, M.; SZELAG, E.; ROJEK, E.; POPPEL, E. Temporal order judgment for auditory and visual stimuli Acta Neurobiol. Exp., Warszawa, v. 62, n. 4, p. 263-270, 2002.
  • KLEIN, D.; ZATORRE, R. J.; MILNER, B.; ZHAO, V. A cross-linguistic PET study of tone perception in Mandarin Chinese and English speakers. Neuroimage, v. 13, n. 4, p. 646-653, apr. 2001.
  • MENDELSON, J. R.; RICCKETS, C. Age-related temporal processing speed deterioration in auditory cortex. Hear. Res., Amsterdam, v. 158, n. 1 e n. 2, p. 84-94, aug. 2001.
  • Musiek, F. E. Frequency (pitch) and duration patterns tests. J. Am. Acad. Audiol., Lewiston (NY), v. 5, n. 4, p. 265-268, jul. 1994.
  • NEVES, V. T. Envelhecimento do processamento temporal auditivo. Psic. Teor. Pesq., Brasília, v. 18, n. 3, p. 275-282, dez. 2002.
  • PULGATI, G. H. Latência e acurácia de respostas a estímulos visuais de crianças portadoras de desordem do processamento auditivo central. 2001. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • ROSEN, S.; MANGANARI, E. Is there a relationship between speech and nonspeech auditory processing in children with dyslexia? J. Speech Lang. Hear. Res., Rockville (MD), v. 44, n. 4, p. 720-736, aug. 2001.
  • SHIN, J. B. Temporal processing: the basics. Hear. J., v. 56, n. 7, 2003.
  • SAMELLI, A. G. O teste GIN (Gap in noise): limiares de detecção de gap em adultos com audição normal. 2005. 197 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • SCHOCHAT, E.; MUSIEK, F. E. Maturation of outcomes of behavioral and electrophysiologic tests of central auditory function. J. Commun. Dis., New York, v. 39, n. 1, p. 78-92, jan.-feb. 2006.
  • SCHOCHAT, E.; RABELO, C. M.; SANFINS, M. D. Processamento auditivo central: testes tonais de padrão de frequência e de duração em indivíduos normais de 7 a 16 anos. Pró-Fono R. Atual. Cient., Carapicuiba (SP), v. 12, n. 2, p. 1-7, maio-jun. 2000.
  • TALLAL, P.; PIERCY, M. Developmental aphasia: impaired rate of non-verbal processing as a function of sensory modality. Neuropsychol., Oxford, v. 11, n. 4, p. 389-398, oct. 1973.
  • TALLAL, P. Auditory temporal perception, phonics and reading disabilities in children. Brain Lang., Orlando (FL), v. 9, n. 2, p. 182-198, mar. 1980.
  • THOMPSON, N. C.; CRANFORD, J. L. Hoyer Elmer Brief-tone frequency discrimination by children. J. Speech Lang. Hear. Res., Rockville (MD), v. 42, n. 5, p. 1061-1068, oct. 1999.
  • WITTMANN, M; FINK, M. Time and language - critical remarks on diagnosis and training methods of temporal-order judgment. Acta Neurobiol. Exp., Warszawa, v. 64, n. 3, p. 341-348, 2004.
  • *
    Trabalho Realizado no Centro de Docência e Pesquisa do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
  • 1
    Endereço para correspondência: Avenida Padre Antonio José dos Santos, 313 - Apto. 134 - São Paulo - SP - CEP 04563-010 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Revisado
      19 Jul 2007
    • Recebido
      17 Nov 2006
    • Aceito
      19 Jul 2007
    Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Condomínio Alphaville Conde Comercial, Rua Gêmeos, 22, 06473-020 Barueri , São Paulo/SP, Tel.: (11) 4688-2220, Fax: (11) 4688-0147 - Barueri - SP - Brazil
    E-mail: revista@profono.com.br