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Habilidades auditivas e desenvolvimento de linguagem em crianças

Resumos

TEMA: relação entre anemia e desenvolvimento. OBJETIVO: comparar o desenvolvimento auditivo e de linguagem de crianças anêmicas e não anêmicas entre três e seis anos de idade de uma creche pública de Belo Horizonte. MÉTODO: estudo transversal do tipo caso e controle unicego. Foi realizada punção digital em todas crianças para detecção da anemia (hemoglobina = 11,3g/dL). O grupo caso foi constituído de 19 crianças anêmicas e o controle, de 38 crianças saudáveis, selecionadas por amostragem aleatória pareada. A audição das crianças foi avaliada com emissões otoacústicas, imitanciometria e avaliação simplificada do processamento auditivo. O desenvolvimento de linguagem de cada participante foi observado, utilizando o roteiro de observação de comportamentos de crianças de zero a seis anos. Foram criados índices de desempenho para qualificar as respostas de linguagem das crianças. RESULTADOS: os grupos não diferiram quanto à idade, gênero, aleitamento materno e escolaridade materna. As seguintes variáveis apresentaram diferenças estatisticamente significantes: valores de hemoglobina (10,6g/dL, 12,6g/dL); presença do reflexo acústico (63%, 92%); índices de desempenho de recepção (72,8 - 90,1), emissão (50,6 - 80,6) e aspectos cognitivos da linguagem (47,8 - 76,0) nas crianças anêmicas e não anêmicas, respectivamente. As habilidades auditivas de ordenação temporal para sons verbais e não verbais e localização sonora mostraram-se inadequadas em grande parte das crianças, especialmente, as anêmicas. CONCLUSÕES: as crianças anêmicas diferiram estatisticamente das crianças não anêmicas no que diz respeito às alterações do reflexo acústico e dos índices de desempenho de linguagem, e apresentaram maior prevalência de alterações na avaliação auditiva periférica.

Anemia; Audição; Linguagem; Creches


BACKGROUND: the relationship between anemia and development. AIM: to compare the auditory and language development in anemic and non-anemic children, with ages ranging from three to six years, of a public daycare center in Belo Horizonte city. METHOD: a transversal study; blind case and control format. A digital puncture was performed in all children to detect iron-deficiency anemia (hemoglobin = 11.3g/dL). The research group was composed of 19 anemic children and the control group of 38 healthy children, selected through randomized paired sampling. The children's hearing was evaluated through otoacoustic emissions, tympanometry and a simplified evaluation of the central auditory processing was performed. The language development of each child was observed using the behavior observation guidelines for children with ages from zero to six years. Performance indexes were created in order to classify the language responses of the children. RESULTS: the groups did not differ in terms of age, gender, breast-feeding and mother's literacy. The following variables presented statistically significant differences: hemoglobin values (10.6g/dL, 12.6g/dL); presence of the acoustic reflex (63%, 92%); reception performance indexes (72.8, 90.1); emission (50.6, 80.6) and cognitive aspects of language (47.8, 76.0) in anemic and non-anemic children respectively. The hearing abilities in the verbal and non-verbal sequential memory and the sonorous localization were inadequate in most of the children, especially in those with anemia. CONCLUSION: anemic children differed statically from non-anemic children in terms of alterations in the acoustic reflex and language development and also presented a higher prevalence of alterations in the hearing evaluation.

Anemia; Hearing; Language; Child Day Care Centers


ARTIGOS ORIGINAIS DE PESQUISA

Habilidades auditivas e desenvolvimento de linguagem em crianças* * Trabalho Realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Apoio FAPEMIG e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Juliana Nunes SantosI,1 1 Endereço para correspondência: Rua Coronel Pedro Jorge, 170 - Apto. 201 - Belo Horizonte - MG - CEP 30410-350 ( juliana.santos@fead.br) ; Stela Maris Aguiar LemosII; Silmar Paulo Moreira RatesIII; Joel Alves LamounierIV

IFonoaudióloga. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da FEAD

IIFonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana. Professor Adjunto do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais

IIIMédico. Mestrando em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Pediatria da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana

IVMédico. Professor Titular do Departamento de Pediatria do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

TEMA: relação entre anemia e desenvolvimento.

OBJETIVO: comparar o desenvolvimento auditivo e de linguagem de crianças anêmicas e não anêmicas entre três e seis anos de idade de uma creche pública de Belo Horizonte.

MÉTODO: estudo transversal do tipo caso e controle unicego. Foi realizada punção digital em todas crianças para detecção da anemia (hemoglobina = 11,3g/dL). O grupo caso foi constituído de 19 crianças anêmicas e o controle, de 38 crianças saudáveis, selecionadas por amostragem aleatória pareada. A audição das crianças foi avaliada com emissões otoacústicas, imitanciometria e avaliação simplificada do processamento auditivo. O desenvolvimento de linguagem de cada participante foi observado, utilizando o roteiro de observação de comportamentos de crianças de zero a seis anos. Foram criados índices de desempenho para qualificar as respostas de linguagem das crianças.

RESULTADOS: os grupos não diferiram quanto à idade, gênero, aleitamento materno e escolaridade materna. As seguintes variáveis apresentaram diferenças estatisticamente significantes: valores de hemoglobina (10,6g/dL, 12,6g/dL); presença do reflexo acústico (63%, 92%); índices de desempenho de recepção (72,8 - 90,1), emissão (50,6 - 80,6) e aspectos cognitivos da linguagem (47,8 - 76,0) nas crianças anêmicas e não anêmicas, respectivamente. As habilidades auditivas de ordenação temporal para sons verbais e não verbais e localização sonora mostraram-se inadequadas em grande parte das crianças, especialmente, as anêmicas.

CONCLUSÕES: as crianças anêmicas diferiram estatisticamente das crianças não anêmicas no que diz respeito às alterações do reflexo acústico e dos índices de desempenho de linguagem, e apresentaram maior prevalência de alterações na avaliação auditiva periférica.

Palavras-Chave: Anemia; Audição; Linguagem; Creches.

Introdução

Os primeiros anos de vida são considerados os mais importantes para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem, pois nesse período ocorre a maturação do sistema nervoso, com maior crescimento cerebral e formação de novas conexões neuronais1. Também este momento coincide com o período de maior prevalência da anemia2, a qual atinge mais de 50% das crianças entre seis meses e cinco anos de idade nos paises em desenvolvimento3.

A principal conseqüência da deficiência de ferro no organismo é o déficit no desenvolvimento neuropsicomotor, cujas repercussões podem ser percebidas mesmo após uma década do tratamento adequado desta carência4-5. Estudos em populações de crianças anêmicas mostram efeitos, principalmente, no desenvolvimento das capacidades cognitivas e motoras, influenciado a linguagem e aprendizagem das mesmas6-7.

Os processos da linguagem e da aprendizagem são bastante complexos, envolvem redes de neurônios distribuídas em diferentes regiões cerebrais e se relacionam à percepção da fala, sendo dependentes da integridade auditiva periférica e central7-9. Pesquisas com avaliação eletrofisiológica da audição em anêmicos sugerem atraso na mielinização do sistema nervoso auditivo6,10.

No Brasil a prevalência da anemia entre crianças pré-escolares varia de 30,2%11 a 80,6%12. Este índice também é elevado em crianças freqüentadoras de creches públicas13, atingindo 37,5% das crianças de creches da Regional Leste do município de Belo Horizonte14.

A elevada prevalência da anemia em pré-escolares e suas repercussões no desenvolvimento cognitivo e de linguagem nos levam a questionar o modo como se processam as informações auditivas nesta população. Sendo assim, o objetivo do presente estudo é comparar o desenvolvimento auditivo e de linguagem de crianças anêmicas e não anêmicas de uma creche pública municipal.

Método

Trata-se de estudo transversal do tipo caso e controle unicego, com avaliação de desenvolvimento de linguagem e das habilidades auditivas de crianças anêmicas e não anêmicas entre três e seis anos de idades, regularmente matriculadas em uma creche pública conveniada com a prefeitura municipal de Belo Horizonte. A Instituição é responsável pelo cuidado em tempo integral de crianças de baixo nível sócio-econômico. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob o protocolo 380/05.

Os pais das crianças foram esclarecidos quanto ao caráter voluntário do estudo, seus objetivos e repercussões e assinaram o termo de consentimento. No mesmo momento, responderam a um questionário contendo dados de identificação e informações acerca da história de vida e desenvolvimento da criança.

Procedimentos

A primeira etapa do estudo consistiu na avaliação de anemia. As crianças foram avaliadas através de punção digital para determinação do nível de hemoglobina (Hg), utilizando-se o espectrofotômetro de alta precisão HemoCue©. Com uma microcuveta obteve-se o volume preciso de sangue em contato com a quantidade exata de reagente seco. A microcuveta foi, então, inserida no HemoCue©, determinando-se o valor da hemoglobina entre 15 e 45 segundos15. Com este método conseguiu-se um valor confiável do nível de hemoglobina a partir de pequena amostra. Aquelas crianças com níveis de hemoglobina inferiores a 11,3g/dL (11,0g/dL + 0,3 da variação do aparelho HemoCue©) pelo método digital foram consideradas anêmicas, segundo critério utilizado pela Organização Mundial da Saúde16.

Posteriormente, foi realizada a avaliação auditiva em todas as crianças, constituída dos seguintes testes: emissões otoacústicas transientes (EOAT) e medidas de imitância acústica. Os equipamentos utilizados para avaliação audiológica foram: otoscópio marca Heidji, aparelho de EOAT, AUDIX I, marca Biologic, modelo 580-AX2191, imitanciômetro CATZA42. A princípio, as crianças foram submetidas a meatoscopia e, posteriormente, ao exame de EOAT, cujo critério utilizado foi passar ou falhar. Estes critérios obedeceram aos parâmetros de relação sinal/ruído maior ou igual a 3dB e reprodutibilidade maior ou igual a 50%17. Foi também realizado exame imitanciométrico para medidas de timpanometria, compliância estática e pesquisa do reflexo acústico 18. Os valores de pressão considerados normais para o pico timpanométrico foram entre -100 e +50daPa. A interpretação das curvas timpanométricas foi feita de acordo com os dados da literatura19. Todos os procedimentos foram realizados na creche, em uma sala silenciosa, cujos níveis de pressão sonora não ultrapassaram 45dBNPS, mensurados pelo decibelímetro. Evitou-se, assim, a produção de artefatos ou contaminação por ruído.

As crianças anêmicas foram selecionadas para constituírem o grupo caso (n = 24). Destas, três foram excluídas do estudo por apresentarem alterações no período peri-natal e dois por apresentarem ausência de EOAT, critérios de exclusão no presente estudo. Sendo assim, o grupo caso do estudo foi constituído de 19 crianças e o grupo controle, foi selecionado por amostragem aleatória pareada, sendo constituído de 38 crianças saudáveis entre três e seis anos.

Num segundo momento, as crianças foram avaliadas pela pesquisadora, sem o conhecimento dos níveis de hemoglobina. Para avaliar o processamento auditivo foi utilizado o protocolo da avaliação simplificada do processamento auditivo (ASPA)20. A avaliação foi realizada em uma sala silenciosa na própria creche e foram testados os mecanismos fisiológicos de discriminação dos sons não-verbais em seqüência com o teste de memória seqüencial não verbal (MSNV), discriminação dos sons verbais em seqüência com o teste de memória seqüencial verbal (MSV); e o mecanismo de discriminação da direção da fonte sonora com o teste de localização sonora (LS) em cinco direções. Cada habilidade foi avaliada isoladamente, utilizando critérios definidos por Pereira20, a qual classifica os mecanismos fisiológicos em adequados ou inadequados21.

Finalmente, foi realizada avaliação de linguagem, em uma sala própria para observação na creche, em sessão individual de aproximadamente 40 minutos, e no ambiente de recreação, quando necessário, utilizando o roteiro de observação de comportamentos de crianças de zero a seis anos22. O desenvolvimento de linguagem foi observado e classificado segundo duas grandes áreas: aspectos comunicativos (recepção e emissão) e aspectos cognitivos da linguagem. Os registros das respostas referentes aos comportamentos esperados para cada idade foram feitos em fichas individuais, assinalando-se sim ou não, respectivamente, de acordo com a presença ou ausência dos mesmos.

Embora o instrumento utilizado não seja um teste padronizado, e sim um protocolo de observação de comportamentos, foram criados índices de desempenho (ID) a fim de qualificar as respostas das crianças. Para cada criança, foram calculados os IDs, em porcentagem em cada área, com valor máximo de 100%. Considerou-se índice de desempenho nos aspectos cognitivos (IDAC) os aspectos elencados pela autora na casela de aspectos cognitivos da linguagem, índice de desempenho na recepção (IDR) e índice de desempenho na emissão (IDE), os aspectos contidos nas caselas de recepção e emissão da linguagem, respectivamente. Os ID foram analisados em relação à presença ou ausência de anemia nas diferentes faixas etárias (Figura 1).


Para análise dos dados foi utilizado o software EPI-INFO - versão 6.04 e os Testes Qui-quadrado, T de Student e Anova.

Resultados

Foram avaliadas cinqüenta e sete crianças da creche, de três a cinco anos de idade (média = 51 meses ± 1,2). A distribuição das variáveis gênero, idade das crianças e níveis de hemoglobina mensurados na avaliação e os dados coletados no questionário respondido pelos responsáveis estão apresentados no Tabela 1.

Todas as crianças (100%) apresentaram EOAT presentes bilateralmente. Os resultados da avaliação auditiva encontram-se no Tabela 2.

Os mecanismos fisiológicos de ordenação temporal para sons verbais e não verbais, discriminação da direção da fonte sonora e avaliação de linguagem das crianças estão descritos no Tabela 3.

Discussão

As crianças avaliadas nesta pesquisa possuem características sócio-ambientais muito homogêneas. Os grupos caso e controle são semelhantes na distribuição do gênero, idade, presença de aleitamento materno, ausência de alterações ao nascimento e/ou alterações do estado de saúde atual, com exceção para a presença da anemia. Do ponto de vista da percepção materna da aprendizagem da criança, as crianças estão expostas aos mesmos fatores ambientais (Tabela 1).

Existem evidências de que a anemia esteja associada a muitos fatores sócio-econômicos, os quais podem, também, afetarem o desenvolvimento da criança23, sendo a baixa escolaridade materna considerada um fator de risco para anemia11. No presente estudo, estes fatores de confusão foram minimizados já que as famílias residiam na mesma região sócio-demográfica e possuíam semelhante grau de instrução.

Os métodos de avaliação auditiva utilizados têm sido empregados em programas de triagem auditiva neonatal e em pré-escolares24. As EOA apresentam altos índices de sensibilidade e especificidade comparados com a audiometria tonal25, e são encontradas em 98% dos indivíduos com limiares normais17. No presente estudo, embora todas as crianças tivessem presença de emissões otoacústicas, foi necessário repetir os exames EOA e/ou timpanometria num segundo momento em 26 crianças (45,6%) para alcançar este resultado (Tabela 2).

O elevado índice de reteste na avaliação auditiva é fator atribuído também à presença de alterações como as otites, rolhas de cera, disfunções tubárias, presenças de corpos estranhos no meato auditivo, os quais constituem perdas auditivas transitórias, freqüentemente encontradas no ambiente de creche26. Quando comparado à freqüência de reteste entre os dois grupos, observou-se diferença clinicamente significante (p = 0,08), mostrando que os anêmicos falham mais (52%) na primeira avaliação auditiva do que os não-anêmicos (28%). Estudos mostram que o índice de reteste em programas de triagens pré-escolares é elevado26, não se levando em consideração o estado nutricional. Desse modo, observou-se maior vulnerabilidade das crianças anêmicas para alterações auditivas periféricas.

Na timpanometria, também se observou maior proporção de crianças do grupo caso (26%) com alterações de orelha média do que as crianças do grupo controle (10%). Na análise geral, a ocorrência destas alterações entre os avaliados foi de 15%. Ao correlacionarmos presença do reflexo acústico entre os grupos, observou-se diferença estatisticamente significante (p = 0,01), mostrando que os anêmicos apresentam mais alterações no reflexo acústico do que os não anêmicos. A literatura relaciona a ausência do reflexo à presença de alterações do processamento auditivo27. Embora não tenham sido encontrados estudos específicos de processamento da informação auditiva utilizando testes comportamentais em anêmicos, pesquisas com avaliação eletrofisiológica mostram maior lentidão na condução do estímulo auditivo ao sistema nervoso central nos indivíduos ferro-deficientes6,10.

Os mecanismos fisiológicos de discriminação da direção da fonte sonora, discriminação dos sons verbais e não verbais em seqüência foram melhores nos indivíduos não anêmicos, embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significante (Tabela 3). A porcentagem de acertos de ambos os grupos nas provas envolvendo processamento auditivo mostrou-se em conformidade com as etapas de maturação do sistema auditivo, a qual acontece primeiro no sistema auditivo periférico, depois nas vias auditivas de tronco cerebral e, finalmente, no córtex28. A localização sonora foi a habilidade de melhor desempenho em todas as crianças, habilidade esta atribuída, em grande parte, à estrutura do complexo olivar superior, localizado na parte bulbar do tronco encefálico, o qual possui neurônios sensíveis a diferença de fase interaural. As demais habilidades auditivas avaliadas, assim como os aspectos envolvidos na linguagem das mesmas mostraram-se progressivamente piores, já que estas habilidades mais complexas acionam níveis mais elevados de neurônios na via auditiva29.

Verificou-se ainda que crianças anêmicas apresentaram pior desenvolvimento de linguagem quando comparadas com crianças não anêmicas (p < 0,05) nas tarefas envolvendo os aspectos de recepção, emissão e aspectos cognitivos da linguagem (Tabela 3). Tais achados estão em concordância com a literatura internacional, em estudos realizados no Chile4 e Costa Rica5, os quais encontraram piores escores nos testes de desenvolvimento cognitivo e neuropsicomotor em anêmicos.

Contudo, neste estudo pôde-se observar que as crianças anêmicas mostraram maior vulnerabilidade às alterações do componente periférico do sistema auditivo, às alterações do reflexo acústico e às alterações nas habilidades auditivas, sendo todos estes fatores considerados de risco para alterações do processamento auditivo11. A literatura expõe uma estreita associação entre processamento auditivo e desenvolvimento de linguagem9, já que a comunicação é um processo central complexo no ser humano e envolve, além dos processos auditivos, processos multimodais, cognitivos e sociais28.

Pode-se supor então, que as crianças anêmicas sejam mais vulneráveis a alterações do processamento auditivo30. A audição envolve a participação de redes neurais complexas e diferentes habilidades auditivas capacitam o sistema nervoso a processar a informação sonora. Tais processos como as de atenção e memória são bases para qualquer aprendizado9. Deste modo, não há como negligenciar a avaliação da audição e seu processamento em crianças, principalmente, as anêmicas, que apresentam maior vulnerabilidade a atrasos no desenvolvimento4-6 e às freqüentadoras de creche em período integral16. Torna-se necessário instrumentalizar os profissionais da saúde e educação para que possam se envolver na prevenção primária dos distúrbios nutricionais e, também, dos distúrbios da linguagem oral e escrita.

Conclusão

As crianças anêmicas diferiram estatisticamente das crianças não anêmicas no que diz respeito às alterações do reflexo acústico e do desenvolvimento de linguagem e apresentaram maior ocorrência de alterações na avaliação auditiva periférica.

As habilidades da ordenação temporal mostraram-se inadequadas em grande parte das crianças da creche, independente do estado nutricional, o que aponta para a necessidade de programas de promoção da saúde escolar na creche, evitando posteriores conseqüências educacionais e sociais desfavoráveis.

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Recebido em 20.03.2008.

Revisado em 08.06.2008; 18.08.2008.

Aceito para Publicação em 03.10.2008.

Artigo Original de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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    Trabalho Realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Apoio FAPEMIG e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
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    Endereço para correspondência: Rua Coronel Pedro Jorge, 170 - Apto. 201 - Belo Horizonte - MG - CEP 30410-350 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      20 Mar 2008
    • Revisado
      08 Jun 2008
    • Aceito
      03 Out 2008
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