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Crianças com encefalopatia crônica não evolutiva: avaliação audiológica e próteses auditivas

Resumos

OBJETIVO: avaliar a capacidade auditiva de crianças com encefalopatias crônicas não evolutivas (ECNE) independentemente de suspeita de perda auditiva e da etiologia e caracterizar o benefício do uso de prótese auditiva em crianças com ECNE que apresentaram perda auditiva. MÉTODO: avaliação neurológica, otorrinolaringológica e audiológica e aplicação do protocolo Parent's Evaluation of Aural / Oral Performance of Children (Peach). RESULTADOS: Das 46 crianças avaliadas, encontraram-se 22 (48%) sem perdas e 24 (52%) com algum grau de perda auditiva sensorioneural. Quanto às etiologias encontradas nas 46 crianças, a maior porcentagem é de encefalopatia hipóxica isquêmica seguida de processos infecciosos e kernicterus. Quanto à suspeita de perda auditiva, nas 16 (35%) crianças cujos pais tiveram suspeita, o percentual de algum grau de perda auditiva foi de 56%, e nas 30 (65%) cujos pais não a tiveram, a avaliação audiológica revelou que 50% apresentaram algum grau de perda auditiva. O protocolo Peach se mostrou um instrumento eficaz para avaliar o benefício da prótese auditiva. CONCLUSÃO: das crianças avaliadas, mais da metade apresentou perda auditiva, no entanto, não houve relação estatisticamente significante entre a etiologia e a suspeita de perda auditiva. Assim, consideramos que não é possível prever qualquer perda auditiva a partir da suspeita e recomendamos a avaliação auditiva em todas as crianças com ECNE, pois todas as crianças com perda auditiva examinadas neste estudo revelaram benefícios importantes com o uso da prótese auditiva.

Encefalopatia Crônica; Audição; Auxiliares de Audição


AIM: to assess the auditory abilities of children with non-progressive chronic encephalopathy (NPCE), independently of the presence or not of hearing loss, and of the etiology of the encephalopathy; to characterize the benefit of hearing aids in children with NPCE and hearing loss. METHOD: neurologic, otorhinolaryngologic and auditory assessments. Application of the Parent's Evaluation of Aural/Oral Performance of Children (PEACH) protocol. RESULTS: out of the 46 assessed children, 22 (48%) presented no hearing loss and 24 (52%) presented some level of sensorineural hearing loss. Regarding the encephalopathy etiology, most of the participants presented ischemic hypoxic encephalopathy followed by infectious process and kernicterus. The results also indicate that 16 (35%) parents suspected that their child had hearing loss; out of this total, 56% had the hearing loss confirmed. Thirty parents (65%) did not have any hearing complaints about their children. For these children the auditory evaluation indicated that 50% presented some level of hearing loss. The PEACH protocol proved to be effective to assess the benefit of hearing aids. CONCLUSION: the results indicate that over half of participants presented hearing loss. No correlation was observed between etiology and complaints of hearing loss. This means that it is not possible to predict hearing loss based on complaints. All children who presented hearing loss benefited from the use of hearing aids.

Chronic Encephalopathy; Hearing; Hearing Auxiliary Device


ARTIGOS ORIGINAIS DE PESQUISA

Crianças com encefalopatia crônica não evolutiva: avaliação audiológica e próteses auditivas* * Trabalho Realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Cilmara Cristina Alves da Costa LevyI,1 1 Endereço para correspondência: R. Dr. Emílio Ribas, 70 - Apto. 21B - São Paulo - SP - CEP 05006-020 ( cilmaralevy@uol.com.br). ; Sergio RosembergII

IFonoaudióloga. Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

IIMédico Neurologista. Livre docente pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a capacidade auditiva de crianças com encefalopatias crônicas não evolutivas (ECNE) independentemente de suspeita de perda auditiva e da etiologia e caracterizar o benefício do uso de prótese auditiva em crianças com ECNE que apresentaram perda auditiva.

MÉTODO: avaliação neurológica, otorrinolaringológica e audiológica e aplicação do protocolo Parent's Evaluation of Aural / Oral Performance of Children (Peach).

RESULTADOS: Das 46 crianças avaliadas, encontraram-se 22 (48%) sem perdas e 24 (52%) com algum grau de perda auditiva sensorioneural. Quanto às etiologias encontradas nas 46 crianças, a maior porcentagem é de encefalopatia hipóxica isquêmica seguida de processos infecciosos e kernicterus. Quanto à suspeita de perda auditiva, nas 16 (35%) crianças cujos pais tiveram suspeita, o percentual de algum grau de perda auditiva foi de 56%, e nas 30 (65%) cujos pais não a tiveram, a avaliação audiológica revelou que 50% apresentaram algum grau de perda auditiva. O protocolo Peach se mostrou um instrumento eficaz para avaliar o benefício da prótese auditiva.

CONCLUSÃO: das crianças avaliadas, mais da metade apresentou perda auditiva, no entanto, não houve relação estatisticamente significante entre a etiologia e a suspeita de perda auditiva. Assim, consideramos que não é possível prever qualquer perda auditiva a partir da suspeita e recomendamos a avaliação auditiva em todas as crianças com ECNE, pois todas as crianças com perda auditiva examinadas neste estudo revelaram benefícios importantes com o uso da prótese auditiva.

Palavras-Chave: Encefalopatia Crônica; Audição; Auxiliares de Audição.

Introdução

A encefalopatia crônica não evolutiva (ECNE) é o resultado seqüelar não progressivo de uma perturbação no sistema nervoso central no período peri, pré ou pós-natal. A privação de alguma estimulação seja motora, visual ou auditiva pode agravar as limitações da criança, e, analogamente, toda forma de ampliar os benefícios que ela receba poderá favorecer seu potencial1-2.

As limitações impostas pela privação auditiva poderão prejudicar mais ainda as crianças com ECNE. Assim, é preciso identificar qualquer grau de perda auditiva, a fim de se quebrar o estigma de incomunicabilidade de crianças com múltiplas deficiências, reduzindo as inseguranças de seu comportamento comunicativo/lingüístico3.

Diferentes autores no mundo todo fizeram avaliação audiológica em crianças de risco, encontrando várias com perdas auditivas, embora não as tenham relacionado à ECNE. No entanto, todos recomendam o monitoramento auditivo nessa população4-11. Outros autores referem ocorrência de perdas auditivas que variaram de leve a profunda em recém-nascidos de baixo peso ou prematuros12-15, e muitos discutem às implicações de uma perda auditiva na linguagem oral1-2,16.

A maior incidência encontrada é em intercorrências perinatais com a encefalopatia hipóxica isquêmica, comumente conhecida como anóxia neonatal, sendo esta a principal causa de dano cerebral difuso em recém-nascido17.

Outra ocorrência importante está relacionada a um elevado nível de bilirrubina não tratado a tempo, podendo criar uma impregnação do sistema nervoso central, chamada kernicterus18.Outros autores19-20 revelam que a deficiência auditiva e a ECNE são as principais seqüelas do kernicterus, além dos processos infecciosos, ressaltando-se a meningite bacteriana causada pelo Haemophilus Influenzae, por infecção meningocócica, citomegalovírus e toxoplasmose.

Uma prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora (AASI) trata-se de um dispositivo eletrônico que capta o sinal sonoro e o transforma em sinal elétrico, que é amplificado e retransformado em sinal acústico para a orelha21-22.

Assim, o uso da prótese auditiva, nos casos de deficiência auditiva e ECNE, é recomendado sempre que houver boas condições de teste e respostas satisfatórias. A equipe multidisciplinar e os familiares acompanharão os progressos, as vantagens e desvantagens que a protetização proporcionará2-3,23.

Para se avaliarem os benefícios do uso da prótese auditiva, foi realizada a avaliação audiológica em cabina e questionários de avaliação. O Parent's Evaluation of Aural/Oral Performance of Children** ** Avaliação Aural/Oral do Desempenho da Criança pelos Pais. (Peach) se baseia em observações sistemáticas dos pais24.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a capacidade auditiva de crianças com ECNE, independentemente da suspeita objetiva e, em casos de confirmação da perda auditiva, avaliar o beneficio da prótese auditiva.

Método

Entre fevereiro de 2006 e fevereiro 2007, avaliaram-se 90 crianças e se estabeleceram como critérios de inclusão crianças com idade de 1 a 15 anos, de ambos os sexos, com ECNE e, tendo capacidade de responder aos exames audiológicos, com ou sem suspeita de problemas auditivos. Foram excluídas 44 crianças. Permanecendo neste estudo 46 crianças portadoras de ECNE .

Quanto aos procedimentos, incluíram-se avaliações neurológica, otorrinolaringológica e fonoaudiológica (avaliação audiológica e avaliação do beneficio do AASI).

A avaliação audiológica incluiu:- avaliação tonal por via aérea (VA) nas freqüências de 250 a 8.000Hz; via óssea (VO) nas freqüências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000Hz (quando o limiar de VA foi superior a 20dB NA); limiar de reconhecimento de fala (LRF) / limiar de detecção de fala (LDF) por meio de figuras ou repetição de palavras/ ordens simples padronizadas, nos equipamentos audiômetro AC 40-Interacustics e Intera (GN Otometrics).

A timpanometria foi realizada com os equipamentos AZ7-R e AZ7 (Interacoustics) devidamente calibrados nas freqüências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000Hz.

A classificação das perdas auditivas quanto ao grau foi baseada na média dos limiares de VA nas freqüências de 500, 1.000 e 2.000Hz10.

As crianças em que se identificaram perdas auditivas foram submetidas a seleção e adaptação de AASI, cujo fornecimento foi garantido pela Portaria GM número 2.073, de 28 de setembro de 2004, na mesma instituição em que se fez a pesquisa, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Foi realizada a impressão do pré-molde da orelha da criança, sendo o mesmo enviado para um laboratório. Depois de uma semana de posse dos moldes da criança e dos AASI adequados, iniciava-se o processo de adaptação. Nesse primeiro momento, as regulagens eram feitas a partir das avaliações audiológicas e também do comportamento da criança frente à amplificação. As crianças levavam para casa os AASI no mesmo dia.

Com cada criança fez-se o ganho funcional (avaliação audiológica em campo livre, em cabina devidamente calibrada, com AASI) e, durante um ano, foi realizada terapia fonoaudiológica e orientação familiar semanal. Antes do início da seleção dos AASI e depois de seis meses de seu uso, aplicava-se o questionário Peach24, traduzido e adaptado pela própria pesquisadora, para avaliar a eficácia da amplificação nas crianças, a partir de observações sistemáticas dos pais. A aplicação do protocolo Peach seguiu rigorosamente suas diretrizes, trabalhando-se cada questão de forma explicativa e lúdica. Abaixo segue a tradução adaptada pela autora (Quadro 1).


O protocolo foi desenvolvido como uma medição do desempenho funcional no dia-a-dia, apoiada na observação sistemática feita pelos pais, em diferentes situações: seis em ambiente silencioso e cinco em ambiente ruidoso, com classificação em cinco escalas: nunca - 0 (%); raramente - 1 (25%); algumas vezes - 2 (50%); freqüentemente - 3 (75%); sempre - 4 (mais de 75%).

Classificação por idade

As crianças foram classificadas em três grupos, segundo as faixas etárias de 1 a 4 anos, de 5 a 9 anos e de 10 a 14 anos, tendo-se acompanhado seu desempenho oral/aural por meio das observações feitas pelos pais, conforme proposto pelo protocolo Peach, em ambiente silencioso (questões 1, 2, 5, 6, 9 e 10) e ruidoso (questões 3, 4, 7, 8 e 11).

Análise estatística

Para se avaliar a correlação entre as variáveis quantitativas dos grupos estudados, usou-se o teste de Qui-quadrado, tendo-se adotado 5% como nível de significância (p).

Resultados

Caracterização da amostra

A idade variou de 1 a 15 anos, com média de 7, 5 anos, 28 (60, 8%) crianças eram do sexo masculino e 18 (39, 2%), do feminino.

Quanto às etiologias encontradas nas 46 crianças, a maior porcentagem é de EHI perinatal, (27 crianças), seguida de processos infecciosos (nove crianças), kernicterus (seis crianças), EHI pré-natal (três crianças) e malformação (uma criança).

Quanto ao tipo de paralisia cerebral, encontrou-se maior concentração no tipo hemiparesia (26 crianças), seguida de diplegia espástica (18 crianças) e atetose dupla (duas crianças).

Das 46 crianças avaliadas por meio de audiometria tonal limiar por via aérea (VA), encontro-se 22 (48%) sem perdas (classificadas como "normal") e 24 (52%) com algum grau de perda auditiva sensorioneural. Destas 24, dez apresentaram grau profundo bilateral, sete grau severo, cinco grau moderadamente severo, uma grau moderado e uma grau leve.

Em 26 crianças, o limiar de reconhecimento de fala (LRF) foi obtido com a repetição de trissílabos e, em cinco crianças, por meio de ordens simples. O limiar de detecção de fala (LDF) foi realizado em 15 (33%) crianças com perdas auditivas sensorioneurais severas e profundas.

Na avaliação timpanométrica, 100% das crianças apresentaram curva tipo A. Em todas as crianças que não apresentaram perda auditiva encontrou-se respostas presentes do músculo do estribo descartando-se qualquer comprometimento de orelha média. As 24 crianças que não apresentaram resposta na avaliação do reflexo do músculo do estribo apresentaram perda auditiva.

Observou-se que, no total das 46 crianças distribuídas quanto a queixa de perda auditiva, embora não tenha havido queixa de perda auditiva por parte dos pais de 30 crianças (65%), a avaliação audiológica revelou que 50% destas apresentaram algum grau de perda auditiva. Entre as 16 (35%) crianças cujos pais suspeitaram de perda auditiva, o percentual de algum grau de perda auditiva foi de 56% (nove crianças). Não houve associação estatisticamente significante entre a queixa de perda auditiva e a perda de audição (p = 0,4612).

Na Tabela 1, mostram-se a porcentagem e a quantidade de crianças com e sem queixa de audição relacionada com o grau de perda auditiva. No grupo sem queixa de perda auditiva (30 crianças) encontraram-se 50% com perda auditiva, distribuídas em perda leve (3,3%), moderadamente severa (13,3%), severa (20%) e profunda (13,3%). Nas 16 crianças com queixa encontraram-se 56% com perda auditiva, sendo a maior porcentagem (37,5%), nas crianças com perda auditiva, de grau profundo. Não houve diferença entre os grupos em relação ao grau de perda.

A Tabela 2 relaciona os dois grupos com a etiologia. Os achados apontam maior porcentagem com etiologia EHI perinatal em ambos os grupos. No grupo sem queixa, a segunda maior porcentagem encontrada foi kernicterus (16%), seguida por processos infecciosos (13,3%), EHI pré-natal (10%) e mal formação em apenas 3,3% dos casos. No grupo com queixa, a segunda maior porcentagem está relacionada a processos infecciosos (31,3%), seguida de kernicterus encontrada em apenas um caso. Não houve diferença entre os grupos em relação à etiologia.

Na avaliação do benefício do AASI por meio do protocolo Peach apresenta-se a distribuição das crianças na faixa etária de: 1-4 anos; 5-9 anos e 10-14 anos em resposta ao protocolo Peach em ambiente silencioso e em ambiente ruidoso, ambos antes e depois do uso do AASI. Foi contatada a melhora do desempenho aural/oral em todos os grupos obtidos de acordo com observação dos pais.

Discussão

Avaliar a capacidade auditiva de crianças com ECNE, independentemente da suspeita de perda auditiva, é importante porque a modalidade terapêutica indicada varia de acordo com a classificação quanto ao tipo da perda, e essa classificação, por sua vez, depende do local da lesão no aparelho auditivo, além das necessidades singulares da própria ECNE.

A determinação da relação entre a deficiência auditiva e etiologia da ECNE favorece o diagnóstico global. Os achados do presente estudo indicam maior porcentagem de crianças com etiologia classificada como EHI perinatal tanto para ECNE quanto para ECNE associada a deficiência auditiva, concordando com7,13-15.

Outra etiologia de ECNE associada a perda auditiva é o kernicterus.A preocupação deve-se ao padrão audiológico descendente dos indivíduos. Como a criança pode ouvir os fonemas de freqüências mais baixas (os mais graves), e dependendo da estimulação comunicativa-social a que estiver exposta, seus pais podem supor que ela é desatenta, sem suspeitar que tenha algum problema auditivo. Isso pode ser verificado no presente trabalho, onde, das seis crianças com a etiologia de kernicterus, todas apresentam perda de audição, mas só uma tinha suspeita de perda auditiva por parte dos pais, por isso a preocupação dos autores18-20 em associar e identificar as possíveis seqüelas.

Neste estudo, as implicações neurológicas e sensoriais decorrentes de processos infecciosos foram de 37, 5% dos casos (sete meningite, um de CMV e um de toxoplasmose), estatística também encontrada em outros estudos1-2,16.

Fazendo uma comparação com outros estudos 4,7-8,13-14, os achados audiológicos mostraram que é possível quantificar a perda auditiva através de exames subjetivos e, juntamente com a imitanciometria e as EOA, fazer um diagnóstico diferencial das perdas auditivas sensorioneurais.

Os resultados das avaliações audiológicas têm implicações na escolha do AASI, assim como em sua programação e nas estratégias de comunicação. O conforto com a amplificação é também uma das preocupações quando se pensa em protetizar uma criança com ECNE, pois algumas limitações motoras, cognitivas e emocionais são importantes na intervenção terapêutica.

Assim, a prescrição do ganho e da saída do AASI depende da configuração da perda, mas são as observações dos pais sobre o uso do aparelho no dia-a-dia que permitem ao audiologista ajustá-lo nas medidas apropriadas para cada criança, inclusive respeitando seu limiar de desconforto auditivo. Para isso, é importante também pensarmos que o tempo de uso não é um fator limitante, mas um fator que concorre para as diversas acomodações que as crianças estabelecerão com essa nova condição21-22.

Quando se pensa em protetização, o primeiro passo é trabalhar o máximo possível o uso da audição residual, onde um dos objetivos é aprimorar o desenvolvimento da capacidade auditiva e, conseqüentemente, a capacidade lingüística. No entanto, vale ressaltar que o AASI é parte do trabalho, e não a solução dos problemas auditivos.

O tempo de adaptação das crianças aos AASI variou entre uma semana e três meses, ou seja, algumas usaram-no diariamente desde o começo e outras, depois de várias semanas (geralmente, em caso de perda auditiva profunda). Acredita-se que os princípios desse processo sejam a motivação e a expectativa, e não tanto o grau da perda auditiva ou o grau de comprometimento motor das crianças estudadas, pois algumas com perda auditiva profunda se adaptaram aos AASI em tempo bastante curto, mesmo que usassem línguas de sinais. Parece que os fatores que concorrem para o êxito do processo terapêutico que inclui a adaptação geram a transformação da expectativa real e a motivação contínua tanto por parte dos pais quanto dos terapeutas, concordando com a proposta dos autores deste protocolo24.

Foram estabelecidas essas faixas etárias (1 a 4; 5 a 9 e 10 a 14 anos) por acreditar que, em crianças com ECNE e com algum grau de perda auditiva, as expectativas de respostas pudessem fazer diferença no comportamento comunicativo. Assim, o objetivo não foi avaliar qual criança especificamente apresentou benefício de forma isolada em ambiente silencioso ou ruidoso, mas apresentar o conjunto da faixa etária como um todo e seu benefício na amplificação.

Nesse sentido, foi possível notar que o benefício em ambiente silencioso é maior do que em ambiente ruidoso, melhorando a relação sinal-ruído estabelecida pelo AASI.

Sendo assim, vale ressaltar que esse é um trabalho constante de estimulação e orientação para se aprimorarem as habilidades auditivas dessas crianças e favorecer seu desenvolvimento global. Sabemos que só o AASI não garante o êxito almejado nem para o audiologista, nem para a família dessas crianças. O trabalho terapêutico é intenso e constante e, sem ele, não seria possível avaliar esse conjunto de informações, pois, a cada sessão, encontrou-se a possibilidade de troca de experiências da vivência das crianças entre o terapeuta e a família, contribuindo para um olhar diferenciado, atendendo-se suas necessidades especiais.

Sabe-se que os pais passam a maior parte do tempo com as crianças com ECNE, numa peregrinação constante entre diversos profissionais, mas, por outro lado, podem não as estar vendo realmente, muitas vezes agindo apenas mecanicamente. Assim, a aplicação do protocolo Peach proporciona momentos de verdadeiro diálogo com as crianças, contribuindo para a constituição de uma cumplicidade entre pais e filhos. Ao mesmo tempo, foi justamente essa aproximação que acarretou incertezas com relação à possível surdez do filho, e a presença permanente dos pais junto às crianças os impediu de vê-las para além de suas impossibilidades motoras.

Como a surdez está intimamente ligada à comunicação, e, uma vez que esta seja prejudicada pelos comprometimentos neurológicos, parece que não se pode ver também um problema auditivo, inclusive porque a surdez que não é visível como, por exemplo, o comprometimento motor que passa despercebida aos pais e mesmo de muitos profissionais da saúde, que tentam cuidar do que é mais aparente. Embora, em casos em que o comprometimento neurológico seja grave, os profissionais da saúde devam ser cautelosos, no entanto, é igualmente certo que esses casos devem ser tratados de forma singular, pois, em face das inúmeras impossibilidades, ter a possibilidade de ouvir pode ser uma forma de manter um contato importante.

Conclusão

Não há dúvida de que o final deste trabalho não significa que se encerrou a questão, pois, dadas as singularidades de cada criança e de cada família, o monitoramento regular da programação do AASI, as dúvidas sobretudo com relação à audição e ao beneficio da amplificação por parte dos pais, as situações variam constantemente, exigindo sempre novas iniciativas e novas pesquisas. Seja como for, o benefício decorrente do uso de AASI é notório em todos os pacientes pesquisados.

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Recebido em 04.11.2007.

Revisado em 28.03.2008; 06.06.2008; 20.02.2009; 29.06.2009.

Aceito para Publicação em 31.07.2009.

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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    Trabalho Realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
  • **
    Avaliação Aural/Oral do Desempenho da Criança pelos Pais.
  • 1
    Endereço para correspondência: R. Dr. Emílio Ribas, 70 - Apto. 21B - São Paulo - SP - CEP 05006-020 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2009
    • Revisado
      29 Jun 2009
    • Recebido
      04 Nov 2007
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