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A ecolalia no desenvolvimento da linguagem de pessoas autistas: uma revisão bibliográfica

Resumos

TEMA: a ecolalia é um dos sintomas mais comuns dentre as características da linguagem no Autismo. OBJETIVO: oferecer uma revisão bibliográfica detalhada sobre o papel da ecolalia no desenvolvimento da linguagem de pessoas autistas, seguida de discussão sobre seu uso na prática clínica fonoaudiológica. As pesquisas mostram classificações e critérios de análise da ecolalia no contexto discursivo. Alguns estudos se posicionam contra seu uso afirmando que a ecolalia não tem função comunicativa e, por isso, deve ser desestimulada; outros defendem que a ecolalia tem um valor comunicativo, podendo ser inclusive utilizada em terapia fonoaudiológica. CONCLUSÃO: a pesquisa nos leva a refletir sobre a importância de avaliar as condições em que a ecolalia ocorre, antes de classificá-la como comunicativa ou não.

Fonoaudiologia; Autismo; Linguagem; Ecolalia


BACKGROUND: echolalia is one of the most common symptoms among the language characteristics in Autism. AIM: to provide a detailed literature revision about the role of echolalia in the language development process of autistic individuals, and to discuss the use of this language feature in the speech-language clinical practice. The researches show classifications and analysis criterions of echolalia in a discursive context. A few of the analyzed studies are against the use of echolalia, pointing that it has no communicative function, and therefore should be discouraged. On the other hand, other studies indicate that echolalia has a communicative value and can be used as a communicative in speech-language intervention. CONCLUSION: this bibliographical review raises the issue about the importance of evaluating the conditions in which echolalia might occur before considering it as having a communicative value or not.

Speech Therapy; Autism; Language; Echolalia


ARTIGOS DE REVISÃO DE LITERATURA E REVISÃO SISTEMÁTICA

A ecolalia no desenvolvimento da linguagem de pessoas autistas: uma revisão bibliográfica* 1 Endereço para correspondência: Quadra 101, Lote 8 - Bloco B - Apto. 504 - Águas Claras - DF ( andressa_saad@yahoo.com.br).

Andressa Gouveia de Faria SaadI,1 1 Endereço para correspondência: Quadra 101, Lote 8 - Bloco B - Apto. 504 - Águas Claras - DF ( andressa_saad@yahoo.com.br). ; Marcia GoldfeldII

IFonoaudióloga. Mestre em Fonoaudiologia pela Universidade Veiga de Almeida - RJ

IIFonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo. Professora do Mestrado em Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida - RJ

RESUMO

TEMA: a ecolalia é um dos sintomas mais comuns dentre as características da linguagem no Autismo.

OBJETIVO: oferecer uma revisão bibliográfica detalhada sobre o papel da ecolalia no desenvolvimento da linguagem de pessoas autistas, seguida de discussão sobre seu uso na prática clínica fonoaudiológica. As pesquisas mostram classificações e critérios de análise da ecolalia no contexto discursivo. Alguns estudos se posicionam contra seu uso afirmando que a ecolalia não tem função comunicativa e, por isso, deve ser desestimulada; outros defendem que a ecolalia tem um valor comunicativo, podendo ser inclusive utilizada em terapia fonoaudiológica.

CONCLUSÃO: a pesquisa nos leva a refletir sobre a importância de avaliar as condições em que a ecolalia ocorre, antes de classificá-la como comunicativa ou não.

Palavras-Chave: Fonoaudiologia; Autismo; Linguagem; Ecolalia.

Introdução

Pesquisas sobre as características da linguagem de pessoas autistas têm sido mais freqüentes nos últimos anos. Entretanto, poucas se aprofundam em uma de suas características mais comuns e, ao mesmo tempo mais intrigante: a ecolalia.

Conhecer mais sobre as pesquisas nesta área pode ser de grande valia para o fonoaudiólogo, especialmente pelo fato de todos os autistas verbais passarem por um período de ecolalia1, e por ser o autismo a principal síndrome desencadeadora da mesma2.

Neste sentido este artigo propôs-se realizar uma revisão da literatura existente, trazendo diferentes visões sobre o assunto, apontando as especificações das pesquisas mais recentes e elaborando uma discussão com a prática clínica fonoaudiológica, ajudando o leitor a obter uma visão mais abrangente sobre o tema, podendo assim, relacioná-lo com sua vivência.

São expostos, a seguir, todos os estudos publicados em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Língua Espanhola, que constam nas bases de dados de: Medline, Lilacs, Sibi, Scielo e Apa, no período de 1969 a 2008, que tratam especificamente sobre a ocorrência da ecolalia na fala de pessoas autistas. Como mencionado, pesquisas específicas sobre a ecolalia são restritas e poucas foram escritas nos últimos anos. Estudos mais recentes que mencionam de alguma forma o aparecimento deste fenômeno na linguagem de pessoas autistas também foram reportados.

O desenvolvimento da linguagem em crianças autistas ocorre de maneira atípica3-8. A ecolalia, a inversão pronominal e a inflexibilidade interacional são características deste processo de desenvolvimento gestáltico de aquisição da linguagem9.

A ecolalia é comumente definida como "uma repetição em eco da fala". Este fenômeno lingüístico vem sendo relatado como característica da Síndrome Autística, desde suas primeiras descrições4 em 1943. Foi observado que essas repetições podiam ocorrer pouco tempo ou imediatamente após a afirmativa modelo, ou ainda, após um tempo significativamente maior de sua produção, sendo denominadas como ecolalia "imediata" e "tardia", respectivamente4. Desde então, estas têm sido consideradas as duas categorias gerais de ecolalias identificadas na linguagem de indivíduos autistas.

A pesquisa sobre a ecolalia mitigada foi iniciada em 19695 e se refere a qualquer modificação da emissão ecoada - podendo ser imediata ou tardia - para fins comunicativos.

Alguns pesquisadores consideraram a ecolalia como uma repetição sem significado, e sem propósito aparente, como uma indicação da severidade da desordem10-12, ou ainda, como uma fala indiferente ao outro e a qualquer interpretação13. Sob esta perspectiva o procedimento clínico adotado seria a tentativa de inibição da fala ecolálica.

Neste sentido uma pesquisa teve como objetivo ensinar um indivíduo autista de 21 anos11 a permanecer quieto antes, durante e depois de ouvir as perguntas, e ensiná-lo a usar dicas do ambiente (cartões com palavras ou resposta modelo) para aumentar a probabilidade de respostas corretas. Os resultados mostraram que as ecolalias raramente ocorreram depois que o sujeito foi submetido ao treinamento. Embora, nem sempre ele respondesse corretamente, usando respostas treinadas para outras perguntas freqüentemente. Este trabalho nos revela que a extinção indeterminada da ecolalia não facilitou o uso de respostas corretas pelo indivíduo.

Entretanto, outros estudos admitiram a ecolalia como uma tentativa primitiva de manter contato social, quando o indivíduo é confrontado com uma linguagem além de suas competências lingüísticas ou como um fator prognóstico positivo1,3,5-6,8-9,14-19.

O primeiro estudo que buscou pesquisar a existência de intenção comunicativa na ecolalia imediata, e quais seriam suas funções específicas, realizou a análise das enunciações de quatro crianças autistas, altamente ecolálicas16. Os resultados da pesquisa mostraram que realmente há intenção comunicativa nas ecolalias, e classificaram sete categorias funcionais para a ecolalia imediata. Aspectos segmentais, supra-segmentais, não verbais e ambientais foram levados em consideração na criação das categorias, que foram definidas como: não-focalizada; troca de turno; declarativa; ensaio; auto-regulatória; resposta afirmativa e pedido.

Os resultados desse estudo mudaram o rumo das pesquisas da linguagem e do comportamento de crianças autistas, levantado questionamentos em relação aos programas de modificação de comportamento que defendiam a extinção ou substituição da ecolalia imediata por estruturas treináveis.

A ecolalia tardia foi pesquisada em estudo realizado com o objetivo de estabelecer categorias funcionais à mesma14. Até então, segundo os autores, esta era menos estudada que a ecolalia imediata, por ser mais dificilmente identificável. Foram selecionados três sujeitos diagnosticados como autistas. Cada ecolalia tardia foi analisada em relação à sua interatividade, relevância no contexto lingüístico e situacional, independente da evidência de compreensão. Quatorze categorias de ecolalia tardia, baseadas nos vários aspectos citados foram criadas e divididas em dois grupos:

Ecolalias tardias não-interativas

. não-focada;

. associação situacional;

. ensaio;

. auto-diretiva;

. rotulação não-interativa.

Ecolalias tardias interativas

. troca de turno;

. conclusão verbal;

. rotulação interativa;

. prover informação;

. chamado;

. afirmação;

. pedido;

. protesto;

. diretiva.

Os resultados mostraram que todos os sujeitos produziram mais ecolalia tardia interativa do que não-interativa, evidenciando que a intenção comunicativa pode ou não estar subjacente à produção da ecolalia tardia.

Esta pesquisa nos aponta para o fato de que a ecolalia pode vir acompanhada de intenção comunicativa ou não, dependendo do contexto em que ocorre. Tal evidencia despertou o interesse de pesquisadores em investigar a ecolalia na prática clínica educacional, bem como variáveis lingüísticas e contextuais que possam influenciar na sua ocorrência, levou à realização de algumas pesquisas que serão descritas a seguir:

Em uma pesquisa com cinco crianças autistas1 foi observado que o tipo de questão do examinador influenciava a ocorrência de ecolalias, mais do que a compreensão de sentenças, pois nos casos em que não havia compreensão, as crianças poderiam escolher a não-emissão de resposta verbal. Perguntas que exigiam respostas do tipo sim/não freqüentemente causavam mais ecos que questões do tipo "QU" (O quê? Quem? Quando? De quem?) e estas, mais do que simples complementação de sentenças. As crianças que não manipulavam os aspectos prosódicos dos discursos foram consideradas lingüisticamente mais afetadas que aquelas que reestruturam seus ecos prosodicamente.

A freqüência da ecolalia imediata em seis crianças autistas foi investigada em ambientes com interlocutores e figuras de objetos, de diferentes graus de familiaridade, e, também, com diferentes tarefas20. Os achados mostraram que a maior ocorrência de ecolalia se deu na situação "pessoa não familiar/figura de objeto não familiar", seguida pela situação "pessoa familiar/figura de objeto não familiar", sugerindo que os estímulos estranhos estão associados à maior freqüência de ecolalias, que os tipos de interlocutores e de ambientes. O estudo acentua que se deve tirar proveito da ecolalia imediata em terapia, ressaltando seu valor comunicativo.

A análise das diferenças no uso da ecolalia imediata por crianças autistas em diferentes estágios do desenvolvimento da linguagem21, relacionou o nível de linguagem e o uso da ecolalia, em termos de quantidade e sua funcionalidade para a criança. Tal análise mostrou que a ecolalia imediata varia, em termos de uso, de acordo com o nível de desenvolvimento da linguagem; entretanto, a quantidade se mostrou ambígua, ocorrendo uma maior freqüência no nível intermediário de desenvolvimento de linguagem. No nível mais baixo, ocorreram poucas ecolalias porque as crianças produziam poucas expressões orais, sendo estas, em sua maioria compostas por ecolalias. No nível mais alto, ocorreram menos ecolalias, mas não necessariamente os sujeitos deixaram de produzi-las.

A investigação acerca da relação entre as habilidades de compreensão, ecolalia e ecolalia mitigada no discurso de dez crianças autistas22 revelou que a alta proporção de ecolalia no discurso está associada à baixa habilidade de compreensão, e que uma maior compreensão reflete uma maior mitigação da ecolalia.

Uma outra investigação examinou os efeitos de dois tipos específicos de enunciações antecedentes do adulto, alta e baixa restrição, em comportamentos verbais de três sujeitos com autismo23. Os resultados revelaram que as maiores porcentagens do total de produção de falas dos sujeitos pesquisados, independentemente do tipo, ecolálicas ou não, seguiram as enunciações de alta restrição. Os autores sugeriram que responder a este tipo de enunciação requer uma maior carga cognitiva de trabalho, o que faz com que, tanto crianças com desenvolvimento típico quanto autista, emitam mais ecolalias, a fim de diminuir a carga de trabalho. Eles propuseram a hipótese de que as crianças usam a ecolalia como estratégia compensatória para gerenciar mais eficientemente tais demandas lingüísticas, sociais e cognitivas.

Em um estudo posterior24 foram investigados as funções e os tipos de ecolalia (imediata ou tardia) seguintes a enunciações do adulto, de alta ou baixa restrição. A maior ocorrência de ecolalias imediatas seguiu as enunciações de alta restrição, já a maior proporção de ecolalias tardias seguiu as afirmativas de baixa restrição. A maioria das produções ecolálicas ocorreu com evidência de compreensão.

Investigando o uso da ecolalia como um recurso interacional25, foi realizado um estudo de caso de uma criança de três anos, em interações naturais com sua mãe. O uso de ecolalias tardias serviu à criança de forma importante em suas interações com a mãe, como meio de iniciar interações, trazê-la para o mundo dos desenhos e também para obter respostas dela. Sua mãe também fez uso das ecolalias tardias como um recurso para atrair a atenção da criança. Este estudo nos leva a refletir sobre como uma fala, por mais que se mostre patológica, pode vir a assumir uma função comunicativa para o indivíduo. Quando a fala ecolálica da criança é aceita, esta fica mais motivada e tende a usar mais falas criativas17.

Uma pesquisa do desenvolvimento da comunicação de dez crianças autistas com seus pais e uma terapeuta observou que as crianças do grupo verbal se comunicavam com seus pais principalmente através do uso da ecolalia. Após 20 meses de terapia estruturada, o mesmo grupo mostrou uma redução natural das ecolalias e um aumento das respostas e da comunicação espontânea26. Isso nos leva a concluir que a ecolalia é realmente uma etapa importante na aquisição da linguagem de pessoas autistas.

A mitigação da ecolalia pode servir como um indicador de sucesso ou falha nos programas de intervenção da linguagem em crianças autistas27. Crianças que apresentam ecolalia não-mitigada ou habilidades lingüísticas menores têm menos probabilidade de se beneficiar de terapias baseadas no discurso tradicional. Para essas crianças, o pesquisador sugeriu o uso de um sistema alternativo de comunicação, com uso simultâneo de sinais e fala, sendo este sistema denominado "comunicação total"27.

Pesquisa de base comportamental28 sobre o efeito facilitativo da incorporação da ecolalia no ensino de nomeação de caracteres chineses a crianças autistas revelou que a ecolalia contribuiu para a aquisição e manutenção da nomeação desses caracteres. O estímulo auditivo, produzido pela ecolalia auto-imposta do caractere requisitado, direcionou a atenção da criança para os aspectos gráficos específicos do símbolo, facilitando o casamento da imagem com seu nome.

Um estudo de caso buscou analisar a participação de uma criança autista ecolálica, em "Modelos de Grupos de Terapia Integrada", com crianças com desenvolvimento normal15. Por meio da facilitação do adulto na brincadeira dramatizada entre colegas, as ecolalias e as brincadeiras estereotipadas foram se tornando mais contingentes semanticamente, uma vez que na brincadeira é possível repetir o mesmo comportamento e/ou fala várias vezes, pois não há discurso inapropriado na "terra do faz-de-conta". A brincadeira intermediada oferece múltiplas oportunidades para a prática e domínio de um contexto não estigmatizado, permitindo a convencionalização de comportamentos, antes percebidos como estranhos, aumentando as chances de inclusão.

Uma pesquisa realizada no Brasil17 investigou de que forma diferentes tipos de discurso e de interlocutores, em brincadeiras diversificadas, poderiam influenciar a ocorrência da ecolalia, no desenvolvimento da linguagem de um menino autista de nove anos. As sessões com a criança foram gravadas em momentos de interação, com três tipos diferentes de interlocutores: mãe, fonoaudióloga e uma pessoa estranha, utilizando três tipos de brincadeiras com cada uma. A análise dos dados foi realizada com base nas transcrições das fitas, por meio de critérios quantitativos e qualitativos, levando em consideração aspectos lingüísticos e condições de produção.

Os resultados apontaram que a interação com diferentes interlocutores não parece ser o mais determinante na manifestação de ecolalias no discurso da criança pesquisada. Na análise da influência do tipo de enunciação, observou-se que emissões mais extensas utilizadas pelos adultos aumentavam a ocorrência de ecolalias. A maioria das ecolalias produzidas pela criança apresentou função comunicativa, representando para a criança pesquisada uma eficiente estratégia de comunicação.

Com o objetivo de investigar a organização interacional das práticas de repetição encontradas na fala de uma adolescente autista, suas falas foram gravadas durante seis horas de atividade dentro de um contexto educacional29. As amostras foram transcritas em detalhes e a análise da conversação foi utilizada para analisar o contexto situacional. Os resultados revelaram duas formas de repetição que ocorrem com mais freqüência na fala de "Helen":

1. Repetição dos itens lexicais finais do turno anterior (uma forma de ecolalia imediata);

2. Repetições dos itens iniciais do turno anterior reproduzido consistido inteiramente de itens repetidos das suas próprias falas (palilalias).

A pesquisa revelou que as duas formas de repetição co-ocorrem para demonstrar engajamento como turno anterior do interlocutor. Embora Helen tenha recursos verbais limitados, ela foi interacionalmente competente. A pesquisa ressaltou a relevância da análise da conversação para o entendimento das competências pragmáticas de crianças autistas e suas implicações na reabilitação, bem como para novas pesquisas.

Contrariando a maioria dos autores atuais, um estudo realizado no Brasil12-13, criticou o estabelecimento de funções comunicativas para a ecolalia e, questionou o emprego dos termos "ecolalia imediata", "tardia" e "mitigada", bem como as classificações das funções comunicativas atribuídas à mesma. Foi argumentado que o uso do termo "ecolalia imediata" seria redundante; "ecolalia tardia" seria inadequada e "ecolalia mitigada" soaria paradoxal, uma vez que diluiria a distinção entre o normal e o patológico. Para a autora, os estudiosos que atribuíram funções comunicativas às ecolalias mitigadas, se afastaram das primeiras descrições de ecolalia, que a definiam como repetição exata, automática, involuntária, sem sentido e não-comunicativa. Contudo, o texto não teve o intuito de abordar a condução das emissões ecolálicas no setting terapêutico.

Em uma nova pesquisa, a mesma autora realizou estudos de caso com dois pacientes com transtorno Global do Desenvolvimento13, onde destaca a importância da atuação fonoaudiológica na clínica com crianças ecolálicas, desarticulando e (re) significando suas falas.

Conclusão

Apesar de a ecolalia ser considerada por muitos estudiosos como uma característica ou sintoma das dificuldades comunicativas no autismo, não podemos entendê-la separadamente do contexto em que ocorrem, nem tampouco separadamente de quem está falando. Devido às dificuldades de interação de pessoas autistas descritas na literatura, consideramos esta estratégia comunicativa de grande valor. Estudos de diversos autores15,25,27-28 nos dão exemplos de como a ecolalia pode ser útil à prática clínica.

As repetições, no autismo, geralmente são mais literais e automáticas, notadas pelo seu extremo grau de perfeição, não sendo fácil distinguir a ecolalia de formas mais normais de repetição, deste modo, análises estruturais do comportamento ecolálico devem sempre ser acompanhadas de uma análise funcional, para que quaisquer decisões sobre as técnicas de intervenção adequadas sejam tomadas3. A extinção indiscriminada de todas as formas de ecolalia não é aconselhada, por causa das funções comunicativas que a mesma pode vir a assumir para a criança autista.

A noção de intenção comunicativa deve ser o foco inicial nos esforços de intervenção da linguagem6. Não é a produção de uma resposta adequada de um dos interlocutores que determina o sucesso ou fracasso da comunicação no processo terapêutico, mas sim, o estabelecimento de uma situação de interação em que ambos exerçam trocas significativas6,10.

O presente estudo procurou introduzir elementos que estimulem a reflexão sobre o papel da ecolalia no desenvolvimento da linguagem de pessoas autistas. Por meio de uma revisão da literatura, este trabalho nos faz refletir sobre a importância da realização de pesquisas mais aprofundadas sobre o assunto.

O estudo também nos leva a pensar sobre a importância de se realizar uma boa avaliação das funções comunicativas que a fala ecolálica pode vir a assumir para cada indivíduo, uma vez que várias pesquisas apontam que a ecolalia pode funcionar como uma importante ferramenta comunicativa, podendo ser utilizada como recurso estratégico no contexto terapêutico-fonoaudiológico.

Não são em todas as situações que a ecolalia apresenta uma intenção comunicativa. Em dados momentos ela se apresenta como uma fala estereotipada e não comunicativa. Numa situação de avaliação, um vocabulário amplo copiado da fala dos adultos pode, por exemplo, ser entendido como um sinal de competência lingüística e não como linguagem estereotipada e, desta forma, retardar o fechamento do diagnóstico real30. Entretanto, o simples fato da ecolalia aparecer na fala de pessoas autistas, já é um ponto de partida para a atuação fonoaudiológica. Independente da terminologia utilizada (ecolalia mitigada, palilalia, etc.) há um consenso para a maioria dos autores no sentido de que quando começa a haver algum tipo de mudança na estrutura da fala ecoada, mesmo que seja somente na prosódia, há evidências de intenção comunicativa. É no uso da ecolalia que se alcançam fala mais criativas. Inibir a ecolalia é inibir fala. Aceitar, compreender, contextualizar é inseri-la no contexto comunicativo.

Finalmente, este estudo coloca em evidência a importância da presença do fonoaudiólogo em equipes transdisciplinares de atendimento à pessoa autista, no sentido de alertar toda a equipe, bem como as famílias, para as possíveis intenções comunicativas de cada paciente, promovendo uma comunicação mais global e efetiva em todos os contextos em que está inserida, independente do tipo de estratégia comunicativa utilizada por ela.

Recebido em 03.04.2008.

Revisado em 04.07.2008; 06.07.2009.

Aceito para Publicação em 20.07.2009.

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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  • *
    Trabalho Realizado na Universidade Veiga de Almeida.
  • 1
    Endereço para correspondência: Quadra 101, Lote 8 - Bloco B - Apto. 504 - Águas Claras - DF (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Revisado
      06 Jul 2009
    • Recebido
      03 Abr 2008
    • Aceito
      20 Jul 2009
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