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Validação de itens para uma escala de avaliação da inteligibilidade de fala

Resumos

TEMA: avaliação da inteligibilidade de fala. OBJETIVO: esta pesquisa objetivou desenvolver e validar itens para uma escala de inteligibilidade de fala a partir da fala de sujeitos com distúrbios fonológicos (DF) que apresentassem estratégias de reparo (ER) frequentes em Português Brasileiro (PB), através da testagem de sua eficácia para classificar a fala desses sujeitos. Também observou a inteligibilidade de fala gerada pelo uso das distintas ER e a possível interferência de variáveis como sexo, idade, escolaridade e contato com crianças entre os julgadores das amostras de fala. MÉTODO: assim, narrativas espontâneas de cinco crianças cujas falas representassem casos clínicos típicos e a de um sujeito controle foram apresentadas em compact disc (CD) a 103 juízes adultos, com habilidades auditivas normais, entre 18 e 39 anos de idade, com escolaridade fundamental, média e superior. RESULTADOS: os resultados demonstraram a validade estatística dos itens da escala e que o tipo de ER é fundamental no processo de inteligibilidade. Não houve interferência estatística das variáveis sexo, idade, escolaridade ou contato com crianças nos julgamentos realizados. CONCLUSÃO: os itens da escala foram validados e demonstraram eficácia na avaliação da inteligibilidade de fala dos casos estudados.

Fala; Inteligibilidade; Transtorno de Fala


BACKGROUND: speech intelligibility evaluation. AIM: to develop and validate items for a speech intelligibility assessment scale based on the speech of individuals with phonological disorder (PD) who present common phonological repair strategies (RS) in the Brazilian Portuguese language (BP), through the testing of its effectiveness in classifying the speech of these subjects. Also to observe the speech intelligibility generated by the use of RS and possible interference of factors such as gender, age, literacy and contact of the judges with children. METHOD: spontaneous narratives of five children with typical PD and one control subject were recorded in a compact disc (CD) and presented to 103 judges, with normal hearing abilities, with ages ranging from 18 to 39 years and with elementary, high-school and undergraduate backgrounds. RESULTS: results indicate the statistical validity of the scale and that the type of RS if fundamental for speech intelligibility. There was no statistical interference of the investigated variables of gender, age, literacy and contact with children in the performed judgments. CONCLUSION: the scale items were validated and demonstrated efficacy in the assessment of speech intelligibility of the studied cases.

Speech; Speech Intelligibility; Speech Disorder


ARTIGOS ORIGINAIS DE PESQUISA

Validação de itens para uma escala de avaliação da inteligibilidade de fala* * Trabalho Realizado na UTP.

Ana Paula Ramos de SouzaI,** ** Endereço para correspondência: R. Raposo Tavares, 134 - Apto. 401 Santa Maria - RS CEP 97015-560 ( ramos1964@uol.com.br) ; Jair Mendes MarquesII; Lisiane Collares ScottIII

IFonoaudióloga. Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC - RS). Professor-Adjunto do Departamento de Otorrino-Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria

IIMatemático e Engenheiro Químico. Doutor em Ciências Geodésicas pela Universidade Federal do Paraná. Docente de Estatística do Curso de Mestrado em Distúrbios da Comunicação da Unversidade Tuiuti do Paraná (UTP)

IIIFonoaudióloga. Mestre em Distúrbios da Comunicação pela UTP

RESUMO

TEMA: avaliação da inteligibilidade de fala.

OBJETIVO: esta pesquisa objetivou desenvolver e validar itens para uma escala de inteligibilidade de fala a partir da fala de sujeitos com distúrbios fonológicos (DF) que apresentassem estratégias de reparo (ER) frequentes em Português Brasileiro (PB), através da testagem de sua eficácia para classificar a fala desses sujeitos. Também observou a inteligibilidade de fala gerada pelo uso das distintas ER e a possível interferência de variáveis como sexo, idade, escolaridade e contato com crianças entre os julgadores das amostras de fala.

MÉTODO: assim, narrativas espontâneas de cinco crianças cujas falas representassem casos clínicos típicos e a de um sujeito controle foram apresentadas em compact disc (CD) a 103 juízes adultos, com habilidades auditivas normais, entre 18 e 39 anos de idade, com escolaridade fundamental, média e superior.

RESULTADOS: os resultados demonstraram a validade estatística dos itens da escala e que o tipo de ER é fundamental no processo de inteligibilidade. Não houve interferência estatística das variáveis sexo, idade, escolaridade ou contato com crianças nos julgamentos realizados.

CONCLUSÃO: os itens da escala foram validados e demonstraram eficácia na avaliação da inteligibilidade de fala dos casos estudados.

Palavras-Chave: Fala; Inteligibilidade; Transtorno de Fala.

Introdução

Os distúrbios da comunicação afetam boa parte da população infantil e adolescente, podendo apresentar uma prevalência de 29,1% de distúrbios de fala1. Alguns estudos abrangem o padrão familial2, aspectos genéticos3, o impacto na qualidade de vida e na relação com os famliares, bem como a participação desses no processo terapêutico4-9. Outros abordam características clínicas variadas como as neuropsicológicas10-15 as auditivas16-17, mas poucos investigam a consequência do distúrbio da fala na inteligibilidade da mesma por parte do interlocutor, devido à sua dificuldade de aferição18. Entre as variáveis que interferem na inteligibilidade da fala estão a tipologia e a frequência de erros fonêmicos, a similaridade ou não do segmento produzido com o fonema-alvo nas amostras de fala ouvidas. Em relação aos juízes que avaliam as falas, encontram-se sua experiência em ouvir fala infantil (típica ou atípica), seu conhecimento do falante e do contexto de enunciação18.

No Português Brasileiro (PB) vários estudos têm abordado o tema através do julgamento de juízes fonoaudiólogos19-21ou leigos22-23. A análise do impacto dos processos fonológicos sobre a inteligibilidade de fala e a avaliação de escalas que medem a inteligibilidade24 são temas comuns a esses estudos. Neste artigo, relata-se o processo de validação de itens para a escala de inteligibilidade de fala realizada no trabalho de Collares25.

A partir de tais considerações teóricas os objetivos principais foram desenvolver e validar itens para uma escala de inteligibilidade de fala e testar a eficácia dos itens da escala para classificar a fala desses sujeitos. Em relação aos juízes foram analisadas as possíveis interferências de variáveis como sexo, idade, escolaridade e contato com crianças nos julgamentos realizados pelos mesmos sobre as amostras de fala.

Método

Este projeto de pesquisa se insere no projeto: Desvios Fonológicos: caracterização, avaliação e terapia, de responsabilidade da Doutora Ana Paula Ramos de Souza, aprovado no Comitê de Ética Institucional sob o número 2002-107.

Casuística e critérios de inclusão e exclusão dos sujeitos cujas falas foram julgadas

Seis sujeitos participaram da pesquisa, um controle em aquisição fonológica típica e cinco sujeitos com DF na faixa etária de 4 a 9 anos. Todos eram falantes nativos monolíngues de PB. Os sujeitos com distúrbios fonológicos (DF) eram pacientes de clínica-escola da grande Porto Alegre e o sujeito-controle era da cidade de Porto Alegre. A seleção dos sujeitos com DF se deu com base na avaliação fonológica e seleção de estratégias de reparo (ER) comuns na aquisição fonológica do Português Brasileiro, e a partir de estudos acerca da prevalência de ER nesta população22-23. O sujeito-controle constituiu uma amostra de conveniência, ou seja, era uma criança conhecida de uma das autoras.

Os pais do sujeitos autorizaram a realização da pesquisa e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permitindo a coleta dos dados, tendo-lhes sido garantidos os direitos de sigilo e voluntariado.

O método de seleção dos sujeitos se deu com base nos resultados da avaliação fonológica da criança26, ou seja, suas falas foram elicitadas por figuras evocativas e gravadas, transcritas foneticamente, e foram analisadas quanto aos contrastes-alvo em PB e estratégias de reparo presentes.

Os sujeitos selecionados ficaram assim distribuídos quanto às ER:

. sujeito 1. Dessonorização: Este sujeito apresentava exclusivamente esta ER em 100% das produções de plosivas, fricativas e africadas sonoras;

. sujeito 2. Anteriorização de plosivas velares: ER na qual havia a substituição de /k/ e /g/ por /t/ e /d/, respectivamente;

. sujeito 3. Plosivização, apagamento, semivocalização de líquidas iniciais, finais e intervocálicas e redução do onset complexo: A plosivização ocorria em 65% das produções de fricativas e africadas. Os 35% restantes se distribuíam entre apagamentos, africações ou nasalizações de fricativas. Em 50% das possibilidades ele apagava as líquidas, 36% semivocalizava e 14% das vezes substituia a líquida não-lateral pela lateral. Os onset complexos eram reduzidos em 100% das possibilidades, em poucas vezes pelo uso de metáteses;

. sujeito 4. Com aquisição fonológica finalizada, sem ER.

. sujeito 5. Anteriorização de fricativa palatal - as fricativas palatais eram anteriorizadas em 100% das possibilidades para as alveolares /s/ e /z/.

. sujeito 6 - Apagamento da líquida não-lateral alveolar no onset medial e na coda, e redução do onset complexo: Esses processos ocorriam em 100% das possibilidades.

A partir de tal seleção foram utilizados alguns procedimentos para a construção da amostra de fala a ser julgada pelos juízes.

Procedimentos e materiais para a organização da amostra de fala a ser julgada

A partir da seleção realizada sobre a avaliação fonológica e da autorização efetivada pelos responsáveis, as amostras de fala do sujeitos foram coletadas. Para coletar a fala dos seis sujeitos foram utilizadas quatro seqüências lógicas com atividades de vida diária de um menino (dormir, acordar, alimentar-se, ir à escola) e de uma menina (brincando de caçar borboletas ou de jogar um osso para o cachorro). Quando necessário, o pesquisador deu um exemplo de relato para que as crianças tivessem um modelo. Também puderam ser feitas perguntas que auxiliaram os sujeitos a organizar o relato. Esse trabalho foi efetivado em um treino pré-gravação da amostra da fala de cada sujeito. Quando o sujeito sentiu-se em condições para efetivar um relato contínuo para gravação, ele foi então gravado.

As gravações foram realizadas em um MiniDisc (MD) Sony modelo MZ-R70, um gravador Digital de áudio MD Sony de 74 minutos e um microfone Leson MP68 modelo eletreto cardióide, de baixa impedância com chave e cabo, todos utilizados para gravar.

Preparação da amostra de fala para julgamento

Depois de gravados os relatos em MD, a amostra de fala de cada sujeito foi ouvida e transcrita para verificar se havia a percentagem de consoantes corretas ou não necessárias para que cada amostra de fala de cada sujeito ficasse equilibrada quanto à ocorrência de ER durante a audição, ou seja, de modo a equilibrar o mesmo número de palavras com ER para todos os sujeitos. O percentual de consoantes corretas (PCC) não foi utilizado como parâmetro porque, naturalmente, o sujeito 3 que possuía mais ERs teria um percentual menor de PCC. Em relação aos sujeitos 1, 2, 5 e 6 tal percentual foi equilibrado, salvaguardando a manutenção do sentido de mensagem.

A amostra de fala dos seis sujeitos foram salvas via software Sound Forge 6.0 e um modelo Toshiba Satellite 1805-S207, e editadas para retirar barulho de fundo e aglutinar a fala de modo a compor tempos iguais de audição de 40 segundos e 20 segundos de intervalo entre cada fala. Depois desta edição, os dados foram transferidos para um compact disc (CD).

Os relatos dos sujeitos com DF, pela pobreza de vocabulário e criatividade, demandou o uso mais de uma sequência lógica para produzir a fala encadeada. Já o relato do sujeito controle obteve o número de palavras necessárias a partir da evocação de uma sequência lógica. Todas as falas ficaram com cerca de 85 palavras, salvaguardando a necessidade de manter o significado.

O CD foi gravado com duas sequências de apresentação para o teste e reteste, de modo a não induzir respostas semelhantes aos juízes. No primeiro mês os juízes ouviram a sequência:

1. S1, S2, S3, S4, S5, S6 para o reteste foi apresentada a sequência.

2. S3, S6, S5,S1, S4 e S2, três meses depois.

Procedimentos de construção dos itens para a escala de inteligibilidade

Os procedimentos para construção dos itens para a escala de inteligibilidade foram: consulta a literatura sobre escalas de likert, escolha de termos que comumente são observáveis ou acessíveis no diálogo ordinário quando o assunto abrange a inteligibilidade de fala. Por isso, utilizou-se o termo "entender" como definição do item da escala e prefiriu-se o termo compreensível a inteligível para o item da escala.

A partir de tais escolhas, a escala de likert foi constituída por cinco itens, dispostos na Quadro 1.


Casuística e critérios de inclusão e exclusão para a constituição da amostra de juízes

Considerando os aspectos que a literatura apontava como influentes em relação ao juiz, realizou-se um questionário com dados de identificação, ocupação, número de filhos e suas idades.

A amostra de julgadores foi constituída de adultos entre 18 e 39 anos, com audição e intelecto normal, estudantes do ensino fundamental (supletivo), médio e universitário. A média de idade foi de 26,78 com desvio padrão de 6,44.

Foram, portanto, critérios de inclusão não apresentar presbiacusia, suspeita de deficiência auditiva ou cognitiva, ou distúrbio psíquico, não ser profissional que atue diretamente com crianças, individualmente ou em grupo. Tais foram observados em entrevista informal realizada pelo pesquisador, bem como através da informação fornecida pelos professores do grupo. Os voluntários que referiram dificuldade para ouvir ou demonstraram dificuldades durante a entrevista inicial foram eliminados da amostra. Aqueles que possuíam dificuldades psíquicas ou cognitivas evidentes também.

A partir de tal perfil, 52 homens (50,5%) e 51 mulheres (49,5%), totalizando 103 julgadores, falantes nativos do PB e não relacionados a profissões que trabalham diretamente com crianças ou fala desviante como pedagogia e fonoaudiologia. Cerca de 40% cursavam o ensino fundamental, 34% o médio e 26% eram universitários. Em relação ao estado civil 40% eram casados, 49% solteiros, 6% divorciados, 5% outros estados. Quase metade da amostra não tinha filhos (48%) e os demais tinha um filho (28%), dois (17%), três (6%) e quatro (1%) filhos. Destes cerca de 91% tinham filhos entre três e nove anos de idade, com maior concentração entre três e seis anos (60%), período em que está sendo concluída a aquisição fonológica.

Procedimentos de coleta junto aos juízes

Para apresentar aos julgadores foram utilizados um Sony Discman, modelo D-172CK, fones de ouvido Sony e o CD com a gravação na sequência escolhida inicial e modificada no reteste.

Os juízes foram convidados a participar diretamente em suas salas de aula e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Após tal concordância, responderam ao questionário inicial e a seguir passaram a ouvir as amostrars de fala, sujeito a sujeito e atribuíam um valor de um a cinco na escala de likert e o pesquisador marcava. Antes de iniciar a audição e após cada audição era possível ler e reler os itens da escala, pois permaneciam visualmente disponíveis.

Teste foi feito no primeiro mês de coleta e o reteste três meses depois.

No teste,125 juízes estiveram presentes, mas houve uma perda de 22 no reteste, finalizando os 103 juízes no reteste.

As instruções fornecidas eram: "você vai ouvir seis crianças e depois de ouvir cada uma irá atribuir um valor conforme você achar na seguinte escala". Eram então lidos os cinco itens da escala anteriormente citada, que permaneciam visíveis a cada audição em um cartão.

Métodos de análise dos dados

Os testes quantitativos utilizados foram o Teste do Qui-quadrado, que analisa a dependência das questões na escala e o Coeficiente a (alpha) de Cronbach para acessar a significância no reteste. Tais testes foram efetivados sobre as respostas dos juízes para verificar a concordância entre as 103 respostas obtidas no teste e as 103 obtidas no reteste, bem como para analisar a interferência ou não das variáveis dos juízes como sexo, idade e ter contato com crianças pequenas em tais respostas.

Visto que o objetivo deste estudo foi a validação dos itens e não a generalização de conclusões acerca do tipo de ER analisado na fala das crianças, a análise da importância das respostas obtidas considerando cada tipo de ERs, deu-se de modo qualitativo. A amostra de seis sujeitos para a constituição das amostras de fala não reflete uma realidade estatística do grupo estudado na cidade na qual o estudo foi realizado .

A interpretação qualitativa dos dados fonológicos a partir do confronto com a literatura foi possível, visto que houve alta concordância na atribuição de classificações no teste e reteste. No entanto, generalizações acerca da classificação de cada ER necessitam de um número maior de sujeitos avaliados pela escala, calculado a partir da prevalência exata da ER e da prevalência do grupo com DF na cidade na qual o estudo seja realizado. Este trabalho só será possível a partir da validação dos itens da escala e deverá ser efetivado na continuidade desta pesquisa.

Resultados

A Tabela 1 apresenta os resultados do teste estatístico aplicado à concordância de atribuição de itens na escala nas condições de teste e reteste, por cada amostra de fala de cada sujeito.

O primeiro procedimento analítico se deu pelo Teste de correlação de Sperman para o teste e reteste da fala de cada sujeito, que demonstrou haver alta correlação entre as duas condições, visto que, para um α = 0,05 (5%), verificou-se p < α. Tanto no teste quanto no reteste o valor de α foi superior 0,7, o que demonstra que o reteste praticamente duplica o teste. Já o teste qui-quadrado demonstrou alta significância em que p < α para todos os itens testados, o que demonstrou a validade dos itens da escala na avaliação das amostras de fala. Nessas análises foi desconsiderado o sujeito 4, que não demonstrou variação alguma entre teste e reteste. Tais resultados estão sintetizados na Tabela 1.

As respostas atribuídas à fala de cada sujeito no teste e no reteste estão distribuídas na Tabela 2 que demonstra concordância quase total entre teste e reteste. É importante observar que S3, o sujeito com maior número de ERs, foi o único a receber o valor um da escala (nada compreensível) por 79 dos 103 julgadores e pouco compreensível pelos 24 restantes. Tal sujeito apresenta ERs que abrangem a plosivização e simplificações de líquidas. Já os sujeitos 2, 5 e 6 receberam o valor três (compreensível) como seu valor de base. O sujeito 1 recebeu a atribuição de inteligibilidade entre três e quatro na tabela de likert, correspondentes a compreensível e muito compreensível. Portanto, todos os sujeitos com DF, exceto o sujeito três, estão em uma faixa em que a fala é compreensível ou muito compreensível, mas nenhum foi totalmente compreensível como o sujeito quatro que tem a aquisição fonológica concluída.

Em relação às variáveis sexo, escolaridade e ter contato com crianças, não houve significância estatística em relação ao julgamento de inteligibilidade atribuído pelos juízes após aplicação do teste estatístico de correlação de Sperman, considerando α =0,05 (5%).

Discussão

Conforme observa-se na Tabela 1, os itens propostos para a classificação de inteligibilidade de fala apresentaram-se válidos, considerada a alta significância no teste e reteste.

A validação da escala, no entanto, deverá ocorrer a partir de sua aplicação diante de um número maior de juízes e com um número maior de amostras de fala de sujeitos com DF e outras patologias de fala.

Os resultados expostos na Tabela 2 indicam a seguinte ordem crescente de inteligibilidade quanto às ERs investigadas: inteligibilidade com plosivização e simplificação de líquidas < anteriorização de velares=anteriorização de fricativas palatais=simplificação de líquidas < dessonorização. Esses dados são índices do que precisa ser confirmado com uma amostra maior de fala de sujeitos com DF, pois os valores de classificação de cada ER também precisam de confirmação estatística, com amostras calculadas a partir da prevalência de cada ER na população estudada e esta definida pela prevalência do DF na cidade estudada.

Os dados sugerem que o sujeito com maior número de processos (S3) foi o sujeito com pior inteligibilidade. Embora não se tenha analisado o percentual de consoantes corretas (PCC) como variável de análise, este resultado confirma outros resultados20-21 que afirmam uma relação direta entre a gravidade medida em PCC e a inteligibilidade.

Em relação ao perfil de fala apresentado pelos sujeitos, os sujeitos 5 e 6 se encaixam no perfil descrito como atraso fonológico23, no entanto, não houve a confirmação de que isso traria impacto menor sobre a inteligibilidade por se tratarem de ERs evolutivamente tardias22. Ao contrário, os sujeitos um e dois com ERs, que usualmente são suprimidas mais precocemente, tiveram atribuição de valores de inteligibilidades iguais (S2) ou superiores (S1) aos sujeitos 5 e 6. A análise demonstra que apenas a presença de um número maior de ERs se materializou em uma alteração maior da inteligibilidade, somando os efeitos de ERs que alguns autores encontraram como impactantes na inteligibilidade20-21.

Em relação às variáveis sexo, escolaridade e contato com crianças, fica claro que não há interferência das mesmas no julgamento das falas. Esse fato demonstra que o juiz, salvo conviva com a criança com DF, pode não sofrer interferências em uma situação de audição da fala fora de contexto, já que nesta situação não é socorrido por pistas contextuais18. Assim pode-se afirmar que as variáveis lingüísticas apontadas pelos autores se apresentaram mais relevantes nesta pesquisa.

As implicações clínicas da pesquisa são o redimensionamento do conceito de inteligibilidade tanto em termos de avaliação quanto em termos de intervenção clínica.

Em termos de avaliação, viu-se em Ramos et al.22 que o sujeito 3, com plosivização e alteração de líquidas, é um sujeito cuja a fala não é tão frequente no perfil de sujeitos com DF (no máximo 30% do grupo). Por isso, ao atribuir-se o rótulo de ininteligível ao grupo de sujeitos com DF no geral, pode-se incorrer em um erro importante que não reflete a realidade vivida pelo sujeito.

Os dados também sugerem a necessidade de a escala de inteligibilidade fazer parte da avaliação do sujeito, sobretudo para avaliar a reação familiar à fala do mesmo. Quanto mais compreensível esta fala for ao familiar, menos este pode estar sinalizando rupturas na comunicação de modo a motivar o sujeito com DF a mudar seu padrão de fala.

A implicação em termos de intervenção clínica parece estar no âmbito da motivação para a mudança na própria fala. Esta pesquisa sugere que 70% dos sujeitos com DF, considerando a frequência de ERs em grupos maiores de DF22, não devem sentir sua fala pouco inteligível ao interlocutor. Isto porque os sujeitos portadores de ERs mais freqüentes tiveram suas amostras de fala classificadas como compreensíveis ou muito compreensíveis. Portanto, o fato de o interlocutor possivelmente não estar sinalizando rupturas comunicacionais pode estar na raiz da resistência de alguns sujeitos em aderir ao trabalho fonológico.

Conclusão

Em relação aos objetivos de desenvolver e validar os itens para uma escala de inteligibilidade, os resultados foram positivos, visto que os itens criados foram eficazes para avaliar a inteligibilidade das amostras de fala julgadas. Os itens apresentaram-se fidedignos tanto no teste quanto no reteste.

As variáveis sexo, escolaridade e ter contato freqüente com crianças não se apresentaram significativas no julgamento da intelibilidade da fala para o grupo estudado.

Considerando a inteligibilidade de fala de sujeitos com DF, observou-se que a escala pode avaliar a mesma e diferenciar ERs.

Recebido em 21.03.2009.

Revisado em 07.02.2010; 14.04.2010; 17.05.2010; 24.07.2010; 02.08.2010.

Aceito para Publicação em 01.09.2010.

Conflito de Interesse: não

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    Trabalho Realizado na UTP.
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    Endereço para correspondência: R. Raposo Tavares, 134 - Apto. 401 Santa Maria - RS CEP 97015-560 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Revisado
      02 Ago 2010
    • Recebido
      21 Mar 2009
    • Aceito
      01 Set 2010
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