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A geopolítica simbólica da sífilis: um ensaio de antropologia histórica

The symbolic geopolitics of syphilis: an essay in historical anthropology

Resumos

O presente artigo analisa certas idéias científicas que os médicos brasileiros, particularmente os especialistas em sífilis, ou sifilógrafos, desenvolveram a respeito da doença. Eles construíram, sobretudo ao longo da década de 1920, uma sífilis singularmente brasileira, discutindo com seus colegas estrangeiros a respeito da origem, das manifestações e da incidência da doença no país. Em suas formulações, a sífilis transformou-se em uma espécie de símbolo natural, através do qual expressavam-se simultaneamente suas pretensões a uma posição de destaque na comunidade científica internacional e seu esforço em re-situar o país na hierarquia das nações, retirando-lhe o fado de, por ser quente e miscigenado, estar condenado para sempre ao atraso e à barbárie.

antropologia médica; história da medicina; sexualidade; nacionalismo; sífilis


The article analyzes certain scientific ideas tbatBrazilianpbysicians, andparticularly sypbilologists, b ave bela about tbis disease. During tbe 1920's especially, tbese specialists constructed a uniqitely Brazilian version oftbe disease as tbey debated withforeign specialists on tbe origins, symptoms, and incidence of sypbilis in Brazil. In tbeirformulations, syphilis became a kind of natural symbol tbrougb whicb tbey expressed tbeirdesires to play a leading role witbin tbe International scientific community andputforth efforts to earn Brazil a new status in tbeworld ranking ofnations contesting tbe notion tbat Brazil was forever doomed to backwardness and barbarism becanse it was a tropical country with a racially mixed population.

medicai anthropology; history of medicine; sexuality; nationalism; syphilis


ANÁLISE

A geopolítica simbólica da sífilis: um ensaio de antropologia histórica

The symbolic geopolitics of syphilis: an essay in historical anthropology

Sérgio Carrara

Doutor em antropologia, pesquisador e professor do Instituto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(IMS/UERJ). Rua São Francisco Xavier, 524/7º bl. D, 20550-013 Rio de Janeiro — RJ

RESUMO

O presente artigo analisa certas idéias científicas que os médicos brasileiros, particularmente os especialistas em sífilis, ou sifilógrafos, desenvolveram a respeito da doença. Eles construíram, sobretudo ao longo da década de 1920, uma sífilis singularmente brasileira, discutindo com seus colegas estrangeiros a respeito da origem, das manifestações e da incidência da doença no país. Em suas formulações, a sífilis transformou-se em uma espécie de símbolo natural, através do qual expressavam-se simultaneamente suas pretensões a uma posição de destaque na comunidade científica internacional e seu esforço em re-situar o país na hierarquia das nações, retirando-lhe o fado de, por ser quente e miscigenado, estar condenado para sempre ao atraso e à barbárie.

Palavras-chave: antropologia médica, história da medicina, sexualidade, nacionalismo, sífilis.

ABSTRACT

The article analyzes certain scientific ideas tbatBrazilianpbysicians, andparticularly sypbilologists, b ave bela about tbis disease. During tbe 1920's especially, tbese specialists constructed a uniqitely Brazilian version oftbe disease as tbey debated withforeign specialists on tbe origins, symptoms, and incidence of sypbilis in Brazil. In tbeirformulations, syphilis became a kind of natural symbol tbrougb whicb tbey expressed tbeirdesires to play a leading role witbin tbe International scientific community andputforth efforts to earn Brazil a new status in tbeworld ranking ofnations contesting tbe notion tbat Brazil was forever doomed to backwardness and barbarism becanse it was a tropical country with a racially mixed population.

Keywords: medicai anthropology, history of medicine, sexuality, nationalism, syphilis.

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Recebido para publicação em agosto de 1996

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Nov 1996

Histórico

  • Recebido
    Ago 1996
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