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Transgênicos e produtividade na agricultura brasileira

Transgenics and productivity in the Brazilian agriculture

D E P O I M E N T O S

Transgênicos e produtividade na agricultura brasileira

Transgenics and productivity in the Brazilian agriculture

Depoimento de/General comments by
Paulo Cavalcanti Gomes Ferreira

Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Rua Padre Achotegui, 60/1004

22430-090 Rio de Janeiro — RJ Brasil

paulof@bioqmed.ufrj.br

A possibilidade de introduzir plantas transgênicas tem sido bastante discutida no país nos três últimos anos. Muitas vezes mais apaixonados do que racionais, os debates têm-se concentrado nos possíveis impactos ambientais que poderiam decorrer dessa decisão, além de aspectos relacionados à segurança alimentar e à rotulagem. Muito pouco ou nada se discute sobre possíveis efeitos da introdução de cultivares transgênicos na agricultura brasileira. De fato, o pano de fundo deste debate é: O Brasil vai adotar o plantio em larga escala de plantas transgênicas?; em caso positivo, o país vai plantar produtos resultantes de pacotes tecnológicos das grandes empresas ou vai tentar desenvolver também suas próprias variedades transgênicas?

A agricultura tem uma participação de aproximadamente 8,1% no produto interno bruto (PIB) brasileiro, e os produtos agrícolas, in natura ou processados, atingem 31% das exportações. Portanto, novas práticas agrícolas capazes de reduzir custos finais de produção podem ter grande impacto na economia. Além disso, em um cenário internacional muito competitivo, a exportação de produtos brasileiros tem dependido, pelo menos em parte, de ganhos contínuos de produtividade.

Nos últimos cinqüenta anos, os ganhos de produtividade na agricultura resultaram de dois fatores. O primeiro foi a introdução em larga escala de modernas técnicas agrícolas, especialmente a mecanização, o uso de insumos químicos e a irrigação. O segundo foi o uso intensivo de cultivares com alto potencial de produção, obtidos em programas de melhoramento vegetal desenvolvidos em universidades, institutos de pesquisa e, em especial, na Embrapa. Além disso, o uso de cultivares melhorados abriu novas regiões ao cultivo agrícola em larga escala, como ocorreu no cerrado, antes considerado de baixa produtividade por causa da composição dos seus solos (ácidos e ricos em alumínio). Entretanto, desde a metade da última década, não só no Brasil mas também em outros países, tem-se observado uma tendência a diminuir o ritmo de crescimento da produtividade. A principal causa parece ser o esgotamento da capacidade de obter variedades cada vez mais produtivas com as técnicas tradicionais de melhoramento vegetal.

O principal impacto das variedades transgênicas na agricultura tem sido justamente a possibilidade de obter ganhos significativos de produtividade por meio da redução do uso de insumos químicos (herbicidas e inseticidas). Por isso, aliás, nos países onde os cultivares transgênicos foram liberados para plantio em escala comercial, como Estados Unidos e Argentina, uma fração significativa de agricultores passou a empregá-los em curtíssimo período de tempo. A não ser que o Brasil encontre significativos nichos de mercado dispostos a pagar um prêmio por alimentos não-transgênicos, o país pode defrontar-se com problemas sérios para ofertar, em condições competitivas, seus produtos agrícolas em mercados internacionais. Uma vez equacionadas as questões de segurança para o meio ambiente e o consumidor — e não esquecendo que cada transgênico deve ser analisado caso a caso —, a introdução de cultivares transgênicos na agricultura brasileira certamente seria um dos caminhos para obter aumentos líquidos de produtividade na agricultura.

Ao contrário do que ocorre na tecnologia tradicional de melhoramento genético, o país está pelo menos uma década atrasado no que se refere ao isolamento de genes de importância agrícola. Quase todos esses genes estão nas mãos de poucas (e grandes) empresas multinacionais. Essa situação não ocorreu por acaso. Foi conseqüência de uma política extremamente agressiva, por parte dessas multinacionais, de investimento em ciência e tecnologia (C&T). O gasto de algumas dessas companhias é superior aos investimentos totais em C&T no Brasil. Além disso, esse gasto tem sido acompanhado da compra de companhias produtoras de sementes, de modo a, de um lado, acoplar pesquisa em biotecnologia e sistemas de produção e distribuição de sementes e, de outro, principalmente, ter acesso a patrimônio genético de elite. No Brasil, movimento semelhante ocorreu com a compra, por multinacionais, de companhias produtoras de sementes de milho. O exame — por espécies de plantas — das liberações pela CTNBio mostra que essas companhias produziram rapidamente cultivares de milho transgênicos.

Se o Brasil não está bem posicionado para isolar novos genes e se o investimento em C&T não acena com uma grande melhora nesse sentido, o que podemos fazer para possibilitar o acesso a novas tecnologias na área de transgênicos? O que o país possui como moeda de troca é um patrimônio genético de elite para um bom número de espécies de plantas, especialmente a soja e o arroz. Esse patrimônio é objeto do desejo das empresas multinacionais. Nas diversas regiões edafoclimáticas* em que se faz agricultura no Brasil, elas não podem plantar variedades transgênicas originárias de climas temperados. Então, que tipo de acordo se poderia propor às multinacionais, em troca de acesso ao patrimônio genético nacional para introduzir genes de interesse dessas empresas e que podem beneficiar a pesquisa tecnológica brasileira, com impacto significativo em nossa agricultura? Pode-se pensar em uma lista com as seguintes possibilidades:

1) Utilização de genes de interesse para transformar plantas de interesse nacional. Algumas plantas, como a mandioca e o feijão, são muito importantes na agricultura brasileira, especialmente na agricultura familiar, mas não têm nenhuma importância para as grandes empresas. Seria interessante negociar a cessão de alguns genes para introduzi-los em espécies selecionadas de plantas.

2) Condução de experimentos em colaboração. As grandes empresas tendem a concentrar sua pesquisa em projetos de aplicação global, como a obtenção de genes de resistência a herbicidas, insetos e algumas outras características de interesse, como qualidade dos alimentos. Problemas típicos de países menos favorecidos, como resistência a seca ou estresse salino, tendem a ser negligenciados, por falta de expectativa de retorno financeiro. Entretanto, os grandes bancos de dados armazenados nos laboratórios de pesquisa dessas empresas também servem para tentar estudar esses processos. Em um contexto marcado pela negociação, o custo de acesso para o Brasil seria muito mais baixo do que se o país vier a produzir os próprios bancos. Por exemplo, se todos os genes de uma planta estiverem imobilizados em slides e/ou membranas de alta densidade prontos para serem utilizados em experimentos de hibridização, seria relativamente simples lançar mão deles para identificar genes envolvidos em mecanismos de resistência a seca e/ou salinidade.

3) Treinamento. As multinacionais possuem centros de pesquisa altamente aparelhados e com pesquisadores capacitados nas mais modernas técnicas de biotecnologia. Alguns acordos podem ser acertados, tendo em vista curtos períodos de treinamento e capacitação tecnológica.

4) Tecnologia de transformação de plantas. Essas tecnologias são essenciais para obter plantas geneticamente modificadas. Com diferentes graus de eficiência, pesquisadores brasileiros dominam metodologias para transformar cultivos importantes, como soja, cana, algodão, arroz e feijão. Entretanto, apenas as grandes empresas dominam técnicas de transformação de vegetais também muito importantes no Brasil, como o milho e o eucalipto.

Seria interessante que acordos entre instituições de pesquisa e companhias multinacionais envolvessem algum tipo de acesso a essas tecnologias. O primeiro passo foi dado com a declaração pública da Monsanto, de que a utilização dos transgenes que produziram o arroz vermelho — rico em vitamina A — poderá ser disponibilizada para introdução em variedades locais de arroz, sem cobrança de royalties. Esse fato mostra que a indústria de biotecnologia está disposta a fazer acordos que envolvam a transferência de tecnologia e/ou cessão de propriedade intelectual. Ao Brasil, resta decidir em que direção quer seguir.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2000
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