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Ensinando ciências sociais em uma escola de medicina: a história de um curso (1965-90)

Teaching social sciences at a medical school: the story of one course (1965-90)

Resumos

Este artigo analisa a história do curso de ciências sociais aplicadas à medicina ministrado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante 25 anos (1965-90). Identifica as influências sobre o referido curso dos seminários internacionais que, na década de 1950, redefiniram os rumos da educação médica, assim como o papel da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e de instituições nacionais na problematização da saúde como questão social. A história do curso é dividida em três períodos: as primeiras experiências, de 1965 a 1969; rumo a um projeto social em saúde, na década de 1970 ; e consolidação do projeto social em saúde na década seguinte. As diversas formas de enfrentar o ensino pretenderam incorporar a dimensão do social e sua dinâmica para a melhor compreensão do processo saúde-doença e da organização das práticas de saúde.

ciências sociais; ensino; história; sociologia da saúde; sociologia médica


This article analyzes the history of the course in social sciences applied to the field of medicine, offered at Unicamp’s Faculdade de Ciências Médicas for 25 years (1965-90). It shows how this particular course was influenced by the international seminars that defined new directions in medical education during the 1950s. It also explores the role played by the Pan-American Health Organization and by Brazilian institutions in posing health care as a social issue. This history is divided into three periods: initial experiences, from 1965 to 1969; construction of a social health-care project in the 1970s; and the 1980s consolidation of this project. The various teaching approaches always sought to incorporate the social dimension and its dynamics in order to gain a better understanding of the health-sickness process and the organization of health practices.

social sciences; teaching; history; sociology of health; medical sociology


Ensinando ciências sociais em uma escola de medicina: a história de um curso (1965-90)

Teaching social sciences at a medical school: the story of one course (1965-90)

Everardo Duarte Nunes

Departamento de Medicina Preventiva e Social

Faculdade de Ciências Médicas (Unicamp)

Cientista social, doutor em ciências (FCM/Unicamp), professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Médicas/Unicamp, pesquisador do CNPq

Rua Ítala Gomes Vaz de Carvalho, 60

13066-301 Campinas — SP Brasil

NUNES, E. D.: ‘Ensinando ciências sociais em uma escola de medicina: a história de um curso (1965-90)’. História Ciências, Saúde — Manguinhos, VI(3): 631-657, nov. 1999-fev. 2000.

Este artigo analisa a história do curso de ciências sociais aplicadas à medicina ministrado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante 25 anos (1965-90). Identifica as influências sobre o referido curso dos seminários internacionais que, na década de 1950, redefiniram os rumos da educação médica, assim como o papel da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e de instituições nacionais na problematização da saúde como questão social. A história do curso é dividida em três períodos: as primeiras experiências, de 1965 a 1969; rumo a um projeto social em saúde, na década de 1970 ; e consolidação do projeto social em saúde na década seguinte. As diversas formas de enfrentar o ensino pretenderam incorporar a dimensão do social e sua dinâmica para a melhor compreensão do processo saúde-doença e da organização das práticas de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: ciências sociais, ensino, história, sociologia da saúde, sociologia médica.

NUNES, E. D.:‘Teaching social sciences at a medical school: the story of one course (1965-90)’.História, Ciências, Saúde — Manguinhos, VI(3): 631-657, Nov. 1999-Feb. 2000.

This article analyzes the history of the course in social sciences applied to the field of medicine, offered at Unicamp’s Faculdade de Ciências Médicas for 25 years (1965-90). It shows how this particular course was influenced by the international seminars that defined new directions in medical education during the 1950s. It also explores the role played by the Pan-American Health Organization and by Brazilian institutions in posing health care as a social issue. This history is divided into three periods: initial experiences, from 1965 to 1969; construction of a social health-care project in the 1970s; and the 1980s consolidation of this project. The various teaching approaches always sought to incorporate the social dimension and its dynamics in order to gain a better understanding of the health-sickness process and the organization of health practices.

KEYWORDS: social sciences, teaching, history, sociology of health, medical sociology.

À memória de Ruth Lavras Biajoti

"...mas a história é total. É olhar para os problemas como problemas de transformação temporal, como uma tensão entre continuidade e mudança." Carl Schorske (1989)

Introdução

Outras histórias estão integradas à história do curso de ciências sociais aplicadas à medicina ministrado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que será relatada neste artigo: a da incorporação do ensino da medicina preventiva e social no currículo médico; a do papel desempenhado pelas instituições norte-americanas na introdução das ciências do comportamento; a da atuação da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) na discussão e difusão de um pensamento social em saúde na América Latina; e, obviamente, a própria história da instituição de ensino onde a experiência foi desenvolvida. Acrescento, ainda, as idéias veiculadas em algumas instituições brasileiras, como o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), a partir do final da década de 1970, problematizando a saúde como questão social e animando investigações em que se empenharam muitos dos docentes envolvidos no projeto pedagógico de que vou tratar.

De um modo geral, as trajetórias desse curso e de muitos outros que se instalaram na América Latina têm como solo comum uma história social e educacional cujos conteúdos ideológicos e teóricos refletem as profundas transformações ocorridas no mundo depois da Segunda Guerra Mundial e que constituem o ponto inicial para qualquer análise no campo da saúde e, no caso em questão, dos movimentos preventivistas.

O ano de 1965 é um marco histórico decisivo para o presente trabalho. O ensino da disciplina que vai ser aqui relatado tem o seu início relacionado às próprias origens do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp, que, por sua vez, retoma, em sua organização, o ideário preventivista difundido internacionalmente uma década antes (Arouca, 1975). A partir de 1965, o departamento procurou trazer para a análise da saúde as principais contribuições das ciências sociais, diversificando as disciplinas para obter o melhor aproveitamento tanto da teoria como das possibilidades de sua aplicação prática (Campos e Nunes, 1970; Nunes, 1985, 1984).

As disciplinas que constituem a área específica de análise do social foram criadas em diferentes momentos da história do departamento, frente às exigências que se impunham à formação do estudante de medicina e, posteriormente, de enfermagem, e para dimensionar de forma mais adequada conteúdos considerados relevantes. Assim, em 1965 foi criado o curso de ciências sociais aplicadas à medicina. Em 1970 tiveram início as atividades docentes do curso denominado introdução à medicina preventiva e social (conferências e seminários sobre temas de saúde e da prática médica), cujo conteúdo foi o mesmo até 1974. No ano seguinte, apareceram as primeiras preocupações no sentido de analisar a saúde e a doença numa perspectiva conceitual. Em 1976 foi organizado o primeiro curso sobre aspectos gerais da saúde no Brasil, em que se enfatizavam as análises demográficas, das estatísticas vitais, e as noções de organização dos serviços de saúde. Esse curso ganhou novo formato a partir de 1979, sob a denominação de população e saúde; passou então a enfatizar as noções introdutórias de demografia e os indicadores de saúde, incluindo uma primeira aproximação conceitual sobre classe social e modelos de explicação do processo saúde-doença. Foi ministrado até 1986, quando teve seu conteúdo modificado. Outro curso da área foi o de medicina social, que esteve inicialmente vinculado ao de clínica preventiva; introduzido em 1971, tornou-se disciplina autônoma em 1972. Seu conteúdo sofreu modificações nos anos seguintes, até 1987, quando passou a ser ministrado juntamente com as disciplinas de saúde ocupacional e saúde ambiental sendo, posteriormente, encerrado.

Este artigo tratará somente do curso de ciências sociais aplicadas à medicina — experiência de ensino que se estende por mais de três décadas. Quando necessário, serão feitas referências a outros cursos do departamento e à estrutura geral do currículo da Faculdade de Ciências Médicas. Utilizei como documentação básica os programas de ensino, trabalhos escritos sobre o assunto e minha experiência, pois acompanho essa atividade desde abril de 1967.

As primeiras experiências (1965-69)

Como já se disse, a disciplina denominada ciências sociais aplicadas à medicina (CSAM) foi a primeira, entre as disciplinas voltadas para o social, a ser criada no Departamento de Medicina Preventiva e Social. Isto em 1965, dois anos após a instituição da Faculdade de Ciências Médicas, em Campinas, através do decreto estadual no 41. 690, de 4 de março de 1963. A criação do Instituto de Morfologia, que ministraria as disciplinas do primeiro ano do ciclo básico de medicina e de outros cursos afins data de maio desse mesmo ano, sendo que a aula inaugural da faculdade foi proferida no dia 20 de maio. A instalação definitiva ocorreu só em 1965, quando entraram em funcionamento os departamentos de Clínica Médica, de Cirurgia e de Medicina Preventiva e Social.

É interessante ressaltar que, no momento de sua instalação, este último departamento, à semelhança de outros criados no Brasil no mesmo período, receberia as influências diretas das discussões e propostas que fizeram no plano internacional e, em especial, latino-americano sobre os novos rumos a serem dados à educação médica. São particularmente importantes os seminários realizados em Viña del Mar, em 1955, e em Tehuacán, em 1956 (OPAS, 1976). Algumas das idéias defendidas nesses dois fóruns vinham sendo apresentadas desde o início da década de 1950. Assim, a chamada "educação integrativa" tinha sido objeto de discussão na Conferência de Colorado Springs, realizada em 1953, e a medicina social era mencionada nos documentos apresentados na reunião de especialistas que a Organização Mundial de Saúde (OMS) convocou para a conferência realizada em Nancy, França, em 1952, na qual Sigerist (1960) apresentou trabalho de particular interesse para a área. Os documentos sobre a América Latina foram sistematizados e fazem parte de uma publicação da OPS/OMS sobre o ensino da medicina preventiva e social, publicado no final da década de 1970, englobando as reuniões realizadas em 1968 e 1974 (OPAS, 1976).

Como tem sido observado por estudiosos da educação médica (Andrade, 1978), esta preocupação com um novo modelo de educação médica estava associada a mudanças ocorridas após a Segunda Guerra Mundial. A influência européia, em declínio, cedia lugar à liderança norte-americana sobre países latino-americanos. Registra-se igualmente nesse período o estabelecimento de uma nova estrutura de poder no plano mundial, em que se produzia uma confrontação entre os sistemas capitalista e socialista. Ainda no pós-guerra, desencadeavam-se alguns processos que se acentuariam nos anos seguintes, em especial a industrialização e a urbanização que haveriam de se desdobrar em outras necessidades, particularmente aquelas relacionadas à expansão do ensino e à reformulação das propostas de seguridade social. Os reflexos destas questões atingiram a área da saúde, tanto no que se refere à expansão da rede hospitalar, como da própria organização dos profissionais médicos.

Qual era o novo modelo de educação médica proposto na segunda metade da década de 1950 com base nas orientações preventivistas? De forma resumida, tais orientações pautam-se na necessidade de se desenvolver um modelo pedagógico integral e integrado. A um ensino médico fragmentado e a um modelo clínico baseado num discurso biológico, tendo o leito hospitalar como local privilegiado de ensino, dever-se-ia contrapor um ensino que integrasse horizontal e verticalmente as disciplinas já existentes, que enfatizasse a prevenção e introduzisse novas disciplinas de caráter humanístico. Dessa forma, o ensino da psicologia, da sociologia, da ecologia e da antropologia era defendido como necessário à compreensão do paciente como um todo, da organização da atividade médica e dos serviços de saúde. A este quadro, juntavam-se outras disciplinas, com vistas a integralizar uma formação que abrangesse o conhecimento de medidas preventivas (níveis primário, secundário e terciário), epidemiologia e medicina quantitativa (metodologia estatística).

Convém lembrar que, até o momento em que se pretendeu introduzir as ciências sociais numa escola brasileira, apenas nos Estados Unidos haviam-se realizado experiências nesse campo, e, mesmo assim, de forma bastante embrionária (Badgley e Bloom, 1973).

Revendo o primeiro curso instituído em Campinas, verifico que foi estritamente teórico-conceitual. Ministrado aos alunos do terceiro ano médico, durante o primeiro semestre de l965, compunha-se de cursos distintos de antropologia, sociologia e psicologia social, com muito pouco conteúdo aplicado à saúde. Prevaleciam temas de medicina folclórica e discussões sobre as possibilidades de aplicação das ciências sociais ao campo da medicina. Mesmo no segundo semestre, o curso ministrado aos alunos do segundo ano pouco diferiu dessa primeira experiência.

As primeiras modificações ocorreram em 1966,1 1 No programa desse ano, além de ciências sociais foi oferecido um Programa de Educação Sanitária com os seguintes tópicos: a educação no campo da medicina preventiva, aprendizagem, métodos e procedimentos, recursos audiovisuais e planejamento da educação sanitária. quando, juntamente com a parte teórico-conceitual, acrescentou-se a realização de seminários para a discussão de textos específicos sobre assuntos relacionados à saúde,2 2 Os textos apresentados foram os seguintes: ‘As ciências do comportamento e a saúde pública’, de Hanlon; ‘As ciências sociais e as escolas médicas’, de Nilo Valejo; ‘A doença e o papel do médico: uma perspectiva sociológica’, de Parsons; ‘A família na formação do estudante de medicina’, de Hubbard, Mietchell, Poole e Rogers; ‘Aimorés: análise antropológica de um programa de saúde’, de L. F. Raposo Fontenelle. seminários sobre problemas sociais com a participação de especialistas,3 3 Os temas desenvolvidos foram os seguintes: planejamento familiar, a juventude na atualidade, aspectos médico-sociais da prostituição, o papel do médico na sociedade brasileira. e uma parte prática que consistiu no acompanhamento de uma família por dois estudantes, em um bairro urbano periférico. Significava isso, para o departamento, a incorporação de um dos pontos básicos do discurso preventivista da década de 1950, o que é claramente exposto pelos documentos que tratam do ensino da medicina preventiva e social: "Para desenvolver nos estudantes o conceito da relação entre o indivíduo e seu ambiente, a comunidade constitui o laboratório vital da cátedra de medicina preventiva" (OPAS, 1976, p. 14). Seria esta, como explicita o documento, a melhor maneira de mostrar ao estudante os problemas médico-sociais e tornar o ensino objetivo e proveitoso. O tipo de atividade que se tornou comum em programas extramuros dessa fase da medicina preventiva era a que se realizava em uma comunidade urbana, por estudantes na fase pré-clínica de sua formação, portanto sem conhecimentos de semiologia e patologia. Visava tal programação conduzi-los ao conhecimento sócio-econômico da realidade e também a prestar algum tipo de assistência às famílias envolvidas na atividade — assistência social e educação sanitária. Esses estudantes passaram a exercer o papel de "assessores de saúde", e, com a integração posterior dos estudantes já na fase clínica, pretendeu-se completar o diagnóstico médico-social da família. Com o fim de habilitá-los a esse trabalho foram oferecidas as disciplinas educação sanitária e educação sexual, no curso denominado de medicina construtiva. Este tipo de atividade prática foi uma constante até 1970. Verifica-se que, nos programas subseqüentes ao de 1966, à parte teórica veio incorporar-se uma temática mais bem definida e estruturada, inclusive colocando a proposta do curso dentro de um modelo, no caso o do cuidado integral, associado ao da história natural da doença.

O modelo do cuidado integral, originariamente desenvolvido durante a década de 1950 nos Estados Unidos sob o nome de comprehensive care, apresentava-se como uma proposta pedagógica que reagia à tendência crescente da especialização no campo médico. Com essa significação, desapareceu na década seguinte, embora alguns dos seus princípios tenham sido retomados como atributos dos programas governamentais, como o Medicare e o Social Security Act. Mas reapareceu no cenário educacional no final da década de 1960 e começo da de 1970, na esteira dos programas de atenção primária e de medicina de família. Seguramente, o documento mais antigo que se refere a essa questão data de 1949, onde se pode ler: "No trato das ações médicas num sentido progressivo, usa-se a palavra preventiva quando se pensa o que a medicina pode fazer antes que a patologia se desenvolva; construtiva quando se estabelece a ‘saúde positiva’ como seu objetivo; integral quando os médicos tratam com as pessoas como um todo e não em partes; social quando se percebe a pressão do ambiente humano sobre o indivíduo e espera-se que o médico seja no mínimo consciente disso" (Reader e Soave, 1976, p. 392).

De um modo geral, os programas que adotaram essa abordagem procuravam desenvolver junto aos estudantes um esforço de "exercitar habilidades e julgamentos na integração de vários serviços que fossem de encontro às necessidades dos pacientes individuais, incluindo atenção aos fatores emocionais e sociais, bem como aos fatores físicos, através de supervisão contínua do paciente em cada episódio da doença" (op. cit., p. 393). Procurava-se reverter a crescente absorção com a doença, colocando-se o paciente como centro das preocupações. Obviamente, um projeto com estas características não somente transcendia o nível de uma disciplina, como até mesmo o de um departamento dentro de uma escola médica, que dificultava a sua realização, pois a abrangência da proposta levaria, no mínimo, a que o departamento se transformasse num minicurso de medicina.

Como "movimento ideológico", a medicina integral encontra na "história natural da doença" um paradigma que se adapta perfeitamente às suas pretensões. Este modelo foi desenvolvido no final da década de 1940 e destinava-se originalmente a reformular a prática clínica, que, embora centrada no indivíduo, deveria voltar-se também para a família. Nas diversas análises realizadas sobre a história natural, sobressai o fato de que, nesse modelo, o social participa de maneira secundária, quer seja como fator causal relacionado ao hospedeiro, em termos de traços como renda, instrução, ocupação etc., quer seja como parte do meio ambiente, e, aqui, completamente indiferenciado de outros elementos (Arouca, 1975; Quadra, 1983).

Adotado pela medicina preventiva, o modelo da história natural da doença foi adaptado para o ensino das ciências sociais, por García (1971a), e foi amplamente divulgado pela OPAS. É bem conhecido o modelo original da história natural da doença que estabelece, para a compreensão da doença, dois momentos: o período pré-patogênico e o patogênico. A partir deste paradigma, elaborou-se um segundo, onde aparecem as medidas preventivas em três níveis: primário, secundário e terciário. Ao transpor este modelo para o ensino das ciências sociais, García (op. cit.) complementou-o com um terceiro paradigma que se volta para a conduta em cada uma das fases das medidas preventivas. Assim, tanto a tomada de decisão quanto a execução de medidas preventivas estão relacionadas a fatores que envolvem a profissão médica e a população a quem se destina a ação preventiva, tendo como matriz o contexto econômico, social, político e cultural. As justificativas que o autor estabelece para a sua démarche baseiam-se no fato de ter sido o modelo da história natural elaborado pela profissão médica, ser por ela conhecido e incorporar um grande número de variáveis. Com o fito de mostrar a plausibilidade da sua adaptação, o autor tomou as doenças venéreas como exemplo (García, 1971b).

Como instrumento de ensino, o modelo foi adotado por muitas escolas de medicina. Citem-se, entre outras, na Venezuela, a Escuela de Medicina José María Vargas, que o acolheu em 1970 (Machado de Palacios, 1971), e, no Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde ele passou a vigorar em 197l (Cordeiro et alii, 1974). No momento em que esses cursos de ciências sociais estabeleceram-se nas escolas médicas, havia um intenso trabalho de avaliação dos projetos de ensino. Assim, na Venezuela, quando se comparou o ensino através de um programa clássico com outro baseado na história natural da doença, verificou-se que o segundo foi tido pelos alunos como mais motivador e de maior interesse. No caso do curso brasileiro, a comparação entre dois grupos de estudantes submetidos ao mesmo conteúdo, mas com metodologias diferentes, não revelou variação estatisticamente relevante entre os estudantes.

Os aspectos críticos desse modelo não passaram despercebidos a García (1971a), mesmo quando da sua adaptação: ele alertou que o mesmo era uma "solução transicional na área das ciências sociais". Posteriormente, García (1972, p. 171) chamaria atenção para o fato de que muitos não discriminavam modelos teórico-científicos, modelos de aplicação e modelos de ensino. Já, em 1970, quando da realização do Seminário sobre Metodologia da Investigação em Ciências da Conduta, realizado pela OPAS, em Campinas, críticas foram feitas ao modelo. Elas seriam retomadas e desenvolvidas por Arouca (1975). Ao lado da naturalização da história, quando da sua aplicação às ciências sociais, ocorre simplesmente uma "nomeação do social", que não se converte em elemento explicativo. Esquece-se, também, que no campo sociológico há explicações que se fundamentam nos processos e nas estruturas e não simplesmente em sua redução aos fatores ou atributos que se manifestam ao nível do indivíduo.

Da mesma forma, o "cuidado integral" seria alvo de críticas. Silva (1973, p. 94) escreve o seguinte: "como projeto de adaptação, a ‘medicina integral’ busca a suavização de tensões em torno das ‘instituições médicas’, inadequadas para atender às necessidades de uma sociedade em rápida transformação e representa um esforço para preservar a medicina liberal como ‘instituição social’".

Durante o período 1965-69, adaptações em relação aos conteúdos teóricos e acréscimos à parte prática do curso foram realizados.

Em 1968, procurou-se reafirmar os objetivos traçados no programa anterior. Como pode ser visto no programa daquele ano, os objetivos do curso eram:

Possibilitar a compreensão do objeto das ciências sociais, de suas divisões, de seus métodos e técnicas e de suas relações com a medicina; possibilitar a compreensão do processo saúde-doença no qual os fatores sociais e culturais têm papel relevante, condicionando o aparecimento da doença, sua percepção pelo indivíduo e pela comunidade, e conseqüentemente, a escolha do curso de uma ação a ser seguido para o estabelecimento da normalidade, bem como de que forma esses fatores podem facilitar ou dificultar a terapêutica a ser seguida; possibilitar a compreensão das relações entre o sistema médico e o sistema social; possibilitar a compreensão desses sistemas com o sistema social global (Programa, 1968, p. 2).

Para se alcançar esses objetivos, a parte teórica do curso foi dividida em quatro grandes unidades: ciências sociais e a medicina; o papel das ciências sociais na compreensão da saúde e da doença como processo; o sistema médico: organização e estrutura; e as relações do sistema médico com o sistema social global.

Das modificações importantes introduzidas no ano de 1969, destaca-se a inclusão de um trabalho de campo realizado nas enfermarias do hospital-escola. Isto porque, ao ser tratada a questão do relacionamento médico-paciente, sentiu-se a necessidade de objetivá-la, colocando o estudante na posição de observador e entrevistador dos participantes no relacionamento, ou seja, médicos, estudantes e pacientes. Foi desenvolvido um detalhado esquema para este trabalho, com roteiros para observação e entrevistas, incluindo familiares do paciente hospitalizado. Fizeram-se também discussões teóricas abrangendo: o relacionamento médico-paciente; estrutura e organização do hospital; os profissionais de saúde; e planejamento social e saúde.

Durante o período 1965-69, as sucessivas avaliações mostraram que o curso caminhava para a sua consolidação, mas que alguns aspectos necessitavam ser modificados. Assim, verificou-se que, em 1966, de 62 alunos, 52 aprovavam a inclusão das ciências sociais no currículo médico; em 1967, 81% consideravam a contribuição das ciência sociais como muito importante para a formação médica; em 1969, a parte prática do curso, que abrangeu o estudo do relacionamento médico-paciente, foi considerada muito importante ou apenas importante por 77% dos estudantes, e o estudo de famílias feito na comunidade por 56,4% dos estudantes. A técnica da discussão em pequenos grupos foi sempre avaliada de forma positiva: assim, em 1969, 36% consideraram-na ótima e 48%, boa.

A década de 1970: em direção a um projeto do social em saúde

O panorama mostrava-se bastante promissor, mas algumas modificações impunham-se, especialmente quanto aos trabalhos práticos. Em 1970, quando se fez uma ampla avaliação do Programa de Clínica de Família, verificou-se que "os resultados deste tipo de trabalho não foram consistentes, pois um significativo número de estudantes não encontrou suficiente motivação e, sobretudo, se frustrou, pois os problemas levantados, muitos deles nem sequer percebidos pelas famílias, não puderam ser resolvidos, dada a carência de recursos, porém especialmente, pela falta de infra-estrutrura da comunidade". Esta questão, associada ao número restrito de docentes e à não integração de outros departamentos da escola médica no projeto de medicina comunitária, levou ao planejamento de um programa que utilizasse um centro de saúde polivalente integrado à rede de assistência do Estado e do município. Assim, em 1970, foram suspensos os trabalhos na comunidade e a parte prática do curso de ciências sociais foi realizada através do estudo e observação do relacionamento médico-paciente nos moldes já efetuados no ano anterior.

No ano seguinte, modificou-se novamente a atividade prática do curso, inaugurando-se uma experiência que, com algumas mudanças, foi adotada muitas vezes nos anos subseqüentes. Introduziram-se projetos de pesquisa que servissem de exemplificação e treino em metodologia e técnicas de investigação. Basicamente, o curso definiu como áreas básicas: os fatores sociais, culturais, psicológicos e ecológicos do processo saúde-doença; o sistema de saúde e os profissionais de saúde. Além de levar esses conhecimentos sob forma de informações previamente preparadas, procurou-se fazer com que o próprio estudante as obtivesse, através de projetos de pesquisa. Realizaram-se seminários com a apresentação do relato completo de uma pesquisa, a de Mechanic e Wolkart (1961), para a conceituação básica. Os estudantes, divididos em nove grupos, selecionaram um projeto4 4 Projetos desenvolvidos: ‘Definição de doença pelo estudante universitário’, ‘Paciente hospitalizado e análise de algumas características da procura de atenção médica, anterior à internação’, ‘Papel do auxiliar de enfermagem num hospital-escola’, ‘Conhecimento e condutas preventivas em relação à gonorréia — estudo realizado entre universitários do sexo masculino dos cursos de ciências exatas, ciências médicas e ciências humanas’, ‘Alguns fatores que influenciam a busca de atenção médica na população do núcleo habitacional da COHAB em Paulínia’, ‘Reação do paciente cirúrgico frente à cirurgia, segundo o grau de informação recebida’, ‘Aspectos religiosos relacionados com o nível de prevenção da doença’, ‘Aspectos psicológicos do paciente cardíaco’, ‘Fatores que interferem no seguimento da prescrição médica em pacientes de ambulatório’. que foi desenvolvido desde o seu planejamento, passando pelo trabalho de campo, até a redação do relatório final.

Alguns dados da avaliação realizada no final do curso proporcionaram uma visão desta experiência. As questões foram propostas com o fim de se verificar em que dimensão os objetivos haviam sido alcançados, utilizando-se uma escala de plenamente, regularmente, não atingidos. Assim, "introduzir o estudante numa conceituação básica de ciências sociais" recebeu 54% de plenamente e 12% de não atingidos; "fornecer ao estudante iniciação em metodologia de investigação", 49% plenamente e 45% regularmente; "demonstrar a importância dos fatores biopsicossociais no processo saúde-doença", 76% plenamente e 22% regularmente; "levar o estudante a uma análise reflexiva e crítica", 32% plenamente e 48% regularmente. Outros itens de avaliação, tais como "estimular atividade grupal", "dar oportunidade para organizar e expressar idéias" e "estudar de maneira mais aprofundada um determinado assunto" contaram com avaliações que estiveram em média (40% a 45%) entre plenamente e regularmente.

Sem dúvida, a possibilidade de realizar uma pesquisa em toda a sua extensão foi um dos pontos positivos deste trabalho pedagógico. Críticas a alguns textos e a iniciação abrupta em ciências sociais foram citados pelos estudantes como pontos negativos. A experiência não foi repetida da mesma forma, pois exigia a participação efetiva e contínua de um grupo de docentes, para que os projetos pudessem ser elaborados e discutidos em pequenos grupos. Posteriormente, projetos de pesquisa vieram a ser adotados em 1972 e 1973 como parte prática dos cursos, mas dentro de uma outra sistemática, não totalmente integrada à parte teórica, como fora a experiência de 1971. No período 1974-79, os trabalhos práticos consistiram de visitas a serviços de saúde, onde os alunos realizaram entrevistas com pacientes de ambulatórios e hospitalizados.

Um estudo mais detalhado dos programas mostra que, a partir de 1974, apesar de ainda figurar como orientação geral a questão do cuidado integral, procurava-se ampliar o papel das ciências sociais. Assim, pode-se ler no programa desse ano que

Entre outros aspectos, o ensino das ciências sociais nas escolas profissionais na área da saúde enfoca basicamente o estudo dos fatores sociais que afetam a manutenção da saúde, e a suscetibilidade à doença; como as pessoas percebem, definem e reagem à doença; os padrões de utilização de serviços de saúde e os aspectos relacionados à formação e utilização dos recursos humanos para a saúde; a crescente tecnologia e burocratização, as relações de poder e o processo de tomada de decisões que influenciam a organização da prática e dos serviços de saúde em vários sistemas médicos (Programa, 1974, p. 3).

É claro que, frente a essa proposta, o curso teria que abranger uma variada gama de temas, e a sua estrutura, na parte expositiva, era composta de uma parte téorico-conceitual e de uma parte complementar. O curso iniciava-se com uma análise introdutória dos serviços de saúde e uma visão geral das ciências sociais em saúde. Seguia uma apresentação dos conceitos de saúde, doença, assim como de normal e patológico. Nas aulas seguintes, abordavam-se temas que iam da análise da dinâmica populacional à questão do estresse; dava-se bastante ênfase à percepção, definição e reação a sintomas e doenças, assim como ao comportamento na saúde e na doença e ao papel do doente. Prosseguia o curso com os temas da utilização dos serviços de saúde, o perfil do estudante e de seus valores, o estudo das relações entre o médico e outros profissionais de saúde com o paciente. Analisavam-se ainda as relações entre as diferentes agências da saúde e a comunidade e estudava-se o hospital como instituição social.

Esse extenso programa era desenvolvido procurando-se conciliar aspectos gerais e específicos. Seminários e conferências procuravam dar conta de aspectos relacionados à educação médica, à nutrição, a determinadas patologias, à integração de serviços de saúde, à avaliação da qualidade da atenção médica etc.

Em relação à bibliografia, embora fossem estudados alguns trabalhos realizados no Brasil, dentro de uma perspectiva epidemiológica ou sociológica, a quase totalidade da literatura era de origem norte-americana, destacando-se entre outros: Parsons (1961), Field (1973), Blum (1960), Koos (1960), Kals e Coob (1966), Mechanic (1968), Bloom (1961), Rosen (1963), Donabedian (1968), e com alguma contribuição européia, Bott (1971), Bastide (1968). Outro ponto a ser destacado nos programas da década de 1970, além da preocupação com a atualização do material bibliográfico, foi transmitir os conceitos básicos das ciências sociais. De um modo geral, desde os primeiros cursos, os conceitos estiveram presentes, porém em certos momentos a teoria sociológica foi mais enfatizada; assim, nos cursos de 1976, 1977 e 1978 havia uma ampla parte teórica, que abrangeu: a sociologia como ciência — conhecimento sociológico versus conhecimento do senso comum; a sociologia e os valores sociais; conhecimento social e ideologia; a especificidade do social; o sistema social e seus componentes; os processos sociais básicos; as instituições sociais; estrutura e estratificação social; classes sociais, categorias sociais e estratos sociais; desenvolvimento e subdesenvolvimento. Com base nos clássicos da bibliografia sociológica (Durkheim, Weber e Marx), esta parte do curso era complementada com os textos que tratavam especificamente da saúde.

Foi a partir da década de 1970, em particular na segunda metade, que o programa teórico-aplicado se reestruturou, perdendo em grande parte a orientação funcional-estrutural que tinha sido a marca dos anos anteriores. Considere-se que, entre outros elementos que ajudaram a repensar a orientação, situava-se a própria crítica contra o funcionalismo que alguns seminários latino-americanos desenvolveram, como é o caso do que foi realizado em 1972, em Cuenca, sob os auspícios da OPAS, ocasião em que se procurou fazer um balanço dos estudos das ciências sociais na área de saúde (OPAS, 1974). Trabalhos que foram produzidos nesse período, como os de García (1989), Donnangelo (1975) e Arouca (1975), são importantes porque, ao se voltarem para a vertente do materialismo histórico, possibilitaram introduzir, no campo da saúde, estudos sobre as relações entre a medicina e a estrutura social, a medicina como prática social e o estudo crítico de alguns discursos sobre a saúde, seja o da medicina comunitária, seja o da medicina preventiva. Dentro dessa perspectiva, a literatura internacional que passou a subsidiar os cursos contou com a presença, entre outros, de Pollach (1971), Berlinguer (1978), Boltanski (1979), Laurell (1976), Foucault (1977). Acrescente-se que os cursos de pós-graduação criados no início da década de 1970 e alguns trabalhos realizados junto aos departamentos de Ciências Sociais de faculdades de filosofia tornavam pública, nesse momento, a sua produção através de algumas dissertações e teses, favorecendo a discussão com material nacional, que se volta já então para as duas áreas importantes que progressivamente iriam constituir o núcleo central da saúde coletiva: a determinação social do processo saúde-doença e a organização social das práticas de saúde.

Tomo como exemplo o programa de 1979. A unidade I — fatores sociais na doença — procurava incorporar o social na explicação da doença através de uma perspectiva histórica e incluía o estudo das principais orientações sobre a produção e distribuição da doença: estudos sócio-demográficos e estruturais, o papel dos eventos da vida e a doença — e a construção social da doença. A unidade II — a organização social da doença — abrangia os seguintes itens: a medicina como instituição; o cuidado médico contemporâneo; profissionais de saúde e paciente, uma relação social; o hospital como instituição social. A bibliografia era aquela já citada anteriormente, incluindo, também, teóricos que davam suporte a determinados temas, como, por exemplo, a ideologia (Marx, 1961), a estrutura social (Stavenhagen, 1973) etc.

O desenvolvimento do curso durante a década de 1970 revela a progressiva introdução de uma abordagem estrutural na análise dos problemas de saúde, não se devendo esquecer que os aspectos conceituais eram considerados da maior importância para a formação do estudante. A necessidade de complementar, em outro nível de discussão, a problemática nesse momento valorizada levou à introdução, no começo daquela década, de outra disciplina, a medicina social, com um programa macroanalítico. Assim, partia-se de uma perspectiva histórico-social da medicina e das suas práticas, adentrava-se a análise do desenvolvimento e do subdesenvolvimento e situava-se o planejamento em saúde no conjunto das preocupações da medicina social.5 5 Do curso de medicina social ministrado em 1971 constavam as seguintes aulas: o processo saúde-doença — doença em uma perspectiva macroanalítica (ecologia e saúde, população e saúde, desenvolvimento e saúde); recursos para a saúde; sistema de atenção médica (evolução do sistema de atenção médica, o sistema de atenção médica brasileiro, análise dos diversos sistemas de atenção médica); política de saúde; planejamento de saúde; administração sanitária, hospitalar e arquivo; medicina social. Além dessas aulas, havia uma unidade no curso que tratava da parte conceitual e incluía: mensuração da saúde, exames de coletividade e padronização da história clínica. A parte prática do curso consistia de treinamento com exames clínicos realizados junto a "pessoas supostamente sadias". De outro lado, não se podia ignorar que o Brasil, nos primeiros anos da década de 1970, sentia os efeitos da crise econômica, num quadro de crise política que impunha uma ampla discussão dos problemas nacionais. Do golpe militar, em 1964, até 1974, no que ficou conhecido como a fase do ‘milagre brasileiro’, a economia nacional tinha alcançado o seu crescimento, associando-se ao capital estrangeiro e através de forte concentração de renda. Com o Estado desempenhando papel central no processo de acumulação, justificava-se o crescimento econômico associado ao arrocho salarial pela teoria de que seria preciso "deixar o bolo crescer para então dividir". Ao se implantar um regime autoritário, excluía-se a participação dos trabalhadores, com intenso controle sobre o movimento sindical (Rocha e Nunes, 1993, pp. 124-5). No que se refere ao quadro sanitário, no Brasil do início da década de 1970 a expectativa de vida ao nascer era de 52,8 anos e a mortalidade infantil de 108,7 por mil nascidos vivos (em 1964, fora de 102,41 por mil nascidos vivos), e a porcentagem de acidentes de trabalho era de 20% para o total da população trabalhadora, o que colocava o país com uma das mais altas taxas de acidentes do mundo, além de apresentar 16% de mortes por doenças infecciosas e parasitárias, e 25% por doenças do aparelho circulatório. A deterioração das condições de vida da população era evidente, e em algumas regiões do Brasil o incremento do coeficiente de mortalidade infantil atingiu percentual de 83% em menos de dez anos.

Impunha-se, portanto, para a formação dos estudantes, a criação de espaços que permitissem a reflexão e a crítica da situação nacional, oferecendo não somente informações estatísticas, mas formas analíticas que dessem conta da problemática social e de saúde que se enfrentava, especialmente no estudo da organização dos serviços de saúde. Naquela conjuntura econômica e social, a assistência médica de caráter individualizado sobrepunha-se às medidas de caráter coletivo. Através da compra de serviços do setor médico privado, por meio de convênios com empresas, a Previdência Social (com os institutos unificados desde 1966), concorreu para a ampliação da rede privada de hospitais, sem criação de uma rede própria. Esta situação, como descreve Possas (1981), acabou por determinar a "transformação da assistência médica em mais um setor capitalista em que a produção dos serviços médicos tem por finalidade primordial a apropriação privada dos lucros".

Progressivamente, foi-se tornando inviável um projeto nacional baseado nos padrões defendidos pelo governo, e as denúncias fizeram-se freqüentes. Medidas relacionadas às políticas públicas de saúde foram tomadas em face da grave crise instalada no pós-74: construção de hospitais (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, FAS), ampliação de cobertura (Plano de Pronta Ação, PPA), distribuição de medicamentos (Central de Medicamentos, Ceme) e planos emergenciais, por exemplo, no caso do surto de meningite, que, tendo sido escondido pelo governo, somente veio a público em 1974, três anos após seu início (Barata, 1978). Nesse momento, o voto maciço da oposição nas eleições de 1974 testemunhou o evidente descontentamento com o regime de 1964. Entre os fatos que se destacam na área da saúde e que viriam a constituir, entre outros pontos, o pano de fundo para reflexão no plano pedagógico, citam-se: a criação da lei que dispôs sobre a organização do Sistema Nacional de Saúde (SNS), de 1975, a criação do Programa Nacional de Alimentação (Pronam), do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas).

Como tem sido analisado por alguns estudiosos, a partir de 1975 observa-se um amplo debate político sobre as questões da saúde concomitante à politização da saúde pelo Estado brasileiro, que busca a hegemonia servindo-se de políticas racionalizadoras. O debate era conseqüência tanto da produção científica no campo da medicina social, como dos movimentos sociais (Paim, 1984). Na segunda metade da década de 1970, além do Movimento de Renovação Médica (REME) e da realização das Semanas do Trabalhador (SEMSATS), dois movimentos importantes marcaram suas presenças e constituíram ponto de partida do movimento sanitário brasileiro: o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), criado em 1976, e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), que tem seu início em 1979. Ambos mostraram-se fundamentais para a discussão de um projeto de democratização do setor de saúde, de formação de pessoal e de reflexão sobre o ensino e a pesquisa da saúde coletiva.

No último ano da década de 1970, o curso de ciências sociais aplicadas à medicina recebeu a seguinte avaliação por parte dos estudantes: avaliação geral — 43%, regular, 22%, bom; interesse despertado — 33%, regular, 16% bom; incorporação de novos conhecimentos — 55%, regular, 32%, bom.

A década de 1980: a consolidação do projeto do social em saúde

Ainda que seja difícil estabelecer uma rígida periodização histórica em relação ao projeto de ensino das ciências sociais analisado neste artigo, assume-se que muitas das idéias de mudança já estivessem em curso no final da década de 1970, mas somente na de 1980 irão consolidar-se efetivamente. Antes de detalhar os programas desse período, é importante retomar alguns fatos registrados na segunda metade da década de 1970. O Departamento de Medicina preventiva e Social da Unicamp passou então por uma grave crise que redundou na perda de muitos professores, num momento em que vários de seus cursos apresentavam claras possibilidades de desenvolvimento. Existia no departamento uma evidente divisão de posições ideológicas quanto ao projeto preventivista. De um lado, a defesa intransigente da permanência de uma visão "preventivista-sanitarista", certamente ampliada em alguns aspectos, mas não o suficiente para encampar as críticas a esse modelo e adotar em toda a sua extensão o "modelo da medicina social". Embora a própria Faculdade de Ciências Médicas tenha tentado veicular em 1972-73 um modelo de escola renovada, que contou com a colaboração do Departamento de Medicina preventiva e Social e que iria ser ponto de apoio importante na elaboração do Projeto de Inserção do Ensino na Rede de Serviços para a criação do trabalho de comunidade em Paulínia (SP), esta foi uma experiência que ficou bastante restrita. A integração das diversas áreas clínicas, um dos pontos importantes do projeto, não se havia estabelecido em toda a sua extensão no momento em que a crise ocorreu. Em meados da década de 1970, a medicina social colocava-se tanto como um projeto político quanto como um projeto teórico em confronto com a medicina preventiva. Entende-se melhor esta oposição quando se assume que

a medicina preventiva aparece como uma prática ideológica, organicamente ligada aos grupos hegemônicos da sociedade civil e existindo como uma norma que não se instaura, por suas próprias contradições decorrentes da articulação da medicina com o econômico, na prática. E por outro lado, a medicina social, que tenta realizar uma ruptura com esta postura ideológica e delimitar um objeto de estudo a partir do qual pudesse produzir conhecimentos que contribuíssem para uma prática transformadora. Trata-se de um discurso que procura a sua organicidade na contradição das classes sociais, assumindo uma posição diante destas contradições na teoria (Arouca, 1975, pp. 142-3).

Às questões ideológicas sobre o campo de atuação da medicina preventiva somam-se o conflito entre a reitoria e o departamento e a intensa repressão desencadeada pela ‘caça aos comunistas’ feita pelos órgãos de segurança pública.

A crise institucional acarretou enormes dificuldades pela ausência de um pessoal altamente qualificado que não permaneceu no departamento,6 6 Em conseqüência da crise, deixaram o departamento os seguintes professores: Antônio Sérgio da Silva Arouca, Anamaria Tambellini Arouca, Célia Leitão Ramos, Joaquim Alberto Cardoso de Mello, Francisco Viacava e a auxiliar de enfermagem Laís Florentino. mas teve de ser trabalhada, já que não se podia anular um conjunto de idéias e programas que haviam sido amadurecidos durante tantos anos e que já haviam extrapolado as fronteiras nacionais. García (1985), muitos anos depois, escreveu que, para a América Latina, o desenvolvimento da medicina social aparecia, na metade da década de 1970, como um processo necessário e irreversível. Como foi dito anteriormente, assistia-se nesse momento a intensa crise no setor de saúde (baixa eficiência da assistência, altos custos e baixa cobertura dos serviços). Nenhum tipo de repressão, institucional ou extra-institucional, poderia negá-la e deixar de admitir que determinadas formas de abordar os problemas sócio-médicos estavam superadas.

Em setembro de 1974, a OPAS reconheceu que o projeto da medicina preventiva da década de 1960 não havia alcançado seus propósitos, mesmo considerando a dificuldade de avaliar com precisão se as falhas eram dos programas, ou se eram devidas à fixação de metas idealmente definidas. No documento elaborado, os autores afirmavam: "As ambiciosas metas de chegar a uma transformação das práticas de saúde, e especialmente da atenção médica, através da formação de um profissional capacitado para produzir estas mudanças, não conseguiram concretizar-se; em lugar disso, produziu-se a incorporação isolada de serviços de medicina preventiva dentro de alguns programas de atenção médica hospitalar" (OPAS, 1976, p. 41). Em alguns casos, como no da Faculdade de Ciências Médicas de Campinas, havia-se conseguido transferir os serviços para locais mais próximos à população, junto aos centros de saúde, e promover uma articulação entre o Estado, a universidade e a municipalidade.

Sem dúvida, o fundamental, nesse momento, era o sentido que os especialistas davam à passagem da perspectiva preventivista para a perspectiva de uma medicina social. Como veremos mais adiante, essa abordagem, quase dez anos depois, tomou dimensões que se ampliaram no sentido de estabelecer, de forma clara, a natureza política dessa área do conhecimento, no momento em que as forças sociais progressistas assumiam a defesa da saúde como direito do cidadão e dever do Estado, propondo ampla reforma no campo da saúde. Mas, voltando ao documento citado, em setembro de 1974 se apontava que:

Anteriormente a preocupação baseava-se em preparar um médico que estivesse capacitado a "ver" o doente de forma integral. Para isto, a medicina preventiva desenvolveu programas de ensino tendentes a formar no profissional uma mentalidade "preventiva" e chamou a atenção sobre os aspectos biopsicossociais das doenças. Agora trata-se de que a medicina social estude as instituições que proporcionam atenção à saúde e os esquemas de ação médica que delas resultam. Isto permitirá ao futuro profissional ter clara consciência do resultado de sua atividade dentro do contexto social em que se localizará (OPAS, 1976, p. 43).

Ao se definir o campo dessa disciplina, buscava-se trazer para o seu interior as preocupações que marcaram a fase inicial das discussões sobre o objeto da medicina social e a reordenação de conteúdos que pudessem dar conta das relações entre a sociedade e a prática médica. Chamava-se atenção para os determinantes históricos desta relação, que se estenderia à atenção médica de um modo geral e à saúde pública, enfatizando-se a análise do mercado de trabalho em situações concretas.

As principais questões da saúde e da organização do setor sanitário não podem ser vistas sem uma reflexão sobre a situação geral dos países latino-americanos, para os quais tais questões continuavam a apresentar-se como graves. Sentia-se, no final da década de 1970, a tendência recessiva das economias latino-americanas, tendência que atingiu seu ponto crítico por volta de 1982: escalada da inflação, aumento da dívida, aumento do desemprego, déficit fiscal. Para o Brasil, a expectativa de vida, em 1984, era de 63,6 anos e a mortalidade infantil, de 87,9 por mil nascidos vivos. Quanto aos acidentes de trabalho, os dados acusavam um declínio em relação aos anos anteriores: em 1984, chegaram a 901.238, sendo que, em 1980, haviam atingido 1.404.531. Os estudiosos, contudo, que apontam o aumento do número de acidentes graves, com incapacidade permanente, em relação ao número total de acidentes. Em 1987, o número de acidentes elevou-se para 1.174.850, com 5.238 mortes por acidentes e 6.382 casos de doenças profissionais (Dias, 1993). Outro indício do agravamento das condições de vida e saúde era a desnutrição, que atingia mais de 50% das crianças com menos de cinco anos de idade. A dramática situação impunha-se como um objeto de estudo, exigia tomadas de posição.

Quando afirmei que a década de 1980 constitui o período de consolidação de um projeto que tinha o social como ponto de referência e, em especial, de consolidação de um curso no interior de um departamento que havia passado por intensa crise, deve-se considerar que esforços foram feitos, após a crise, para que se conservasse a estrutura curricular e os cursos não sofressem solução de continuidade. Como foi visto, o curso de ciências sociais aplicadas à medicina deu prosseguimento a sua programação de 1975 a 1979, abordando os seguintes pontos: o processo saúde-doença era o tema da primeira unidade, em que se procurava associar aspectos históricos e as formas assumidas pelo processo em relação ao desenvolvimento sócio-econômico, assim como o papel dos eventos da vida e do estresse; trazia-se como ilustração uma doença ocupacional e a doença de Chagas no estado de São Paulo. A segunda unidade — os saberes sobre saúde e doença — incluía a produção do conhecimento médico na sua historicidade, teorias e práticas "não médicas alopáticas": medicina popular, religião e curas no Brasil e a questão da homeopatia. Na terceira unidade — a prática médica — analisavam-se a medicina e a estrutura social, a medicina como prática social, a emergência da medicina social, a produção dos serviços de saúde. Finalmente, na quarta parte, sobre o cuidado médico contemporâneo, abordavam-se as diferentes formas de organização e do exercício do cuidado médico em diferentes países, exemplificando-se com países de organização capitalista e socialista.

Esta programação não sofreu grandes alterações ao longo da década de 1980, a não ser algumas adaptações cujo fim era incluir temas que se tornaram relevantes ou partes de outras disciplinas que haviam sofrido mudanças (neste último caso, enquadra-se a absorção das questões demográficas e dos indicadores de saúde, temática de outro curso que passou a tratar dos aspectos organizacionais da assistência médica). Verifica-se que os conteúdos da disciplina ciências sociais aplicadas à medicina remetem sempre à idéia de que o conhecimento a ser transmitido deve sempre ter como referência a organização da prática médica e de saúde e a natureza social do processo saúde-doença. Em 1987, por exemplo, o curso iniciou-se com a apresentação das questões referentes à política de saúde, passou para os aspectos históricos da saúde pública, analisou a previdência social, estudou o mercado de trabalho em saúde. Num segundo momento, especificou os indicadores sociais e de saúde, voltando-se para delinear os problemas referentes à força de trabalho e à saúde do trabalhador, continuando integradas à sua programação as análises sobre representações e saúde, bem como a ênfase nos problemas sobre tecnologia e saúde.

Como salientei anteriormente, novos fatos políticos e sociais concorreram para que se fizessem revisões das questões a serem tratadas na área da saúde, procurando-se trazer para o interior dos cursos não somente a discussão política dos problemas enfrentados pela área, mas sua fundamentação através da literatura que foi sendo produzida. Observa-se, assim, que na bibliografia da década de 1980, ao lado de autores norte-americanos, como Mechanic (1968), que trata de status sócio-econômico e mortalidade, estresse e doença; do clássico Koos (1960), com a pesquisa sobre sintomas e classe social e de Cassel (1970), sobre doença física como resposta ao estresse, aparecem os europeus e latino-americanos. Dos primeiros, citam-se: Polack (1971), Boltanski (1979), Schneider (1977), Foucault (1977), Lévi-Strauss (1973) e, entre os segundos, Laurell (1976), Mercer (1976), Breilh (1976). Entre os brasileiros, Donnangelo (1975), Arouca (1975), Nunes (1980), Singer (1978), Loyola (1979). A partir de 1986, após a VIII Conferência Nacional de Saúde, incorporam-se à bibliografia os próprios Relatórios da Conferência e também novos artigos, como Médici (1986), Nogueira (1986), Canesqui e Queiroz (1988), Luz (1988).

Durante este largo período, as pesquisas foram retomadas como ponto importante na formação prática do estudante e como recurso para equilibrar as informações de caráter teórico através de aulas expositivas, considerando-se a impossibilidade de se realizarem seminários pelo elevado número de alunos (em média, cem) e a falta de docentes. Procurou-se, então, dividir a classe em quatro grupos para as atividades de pesquisa, contando com a colaboração de docentes do departamento que não tinham formação básica em ciências sociais. A diversidade de projetos foi a característica das atividades até 1988, quando se tomou como objeto de pesquisa um único tema: a organização dos serviços de saúde, a ser investigado em diferentes modalidades de serviços.7 7 Projetos desenvolvidos: em 1983, ‘A questão médico-social da mortalidade infantil: um estudo no município de Campinas’, ‘Modelos da abordagem da população em investigações de morbidade’, ‘A equipe de saúde no serviços de Saúde Pública na região de Campinas’, ‘Desemprego, condições de vida e saúde", "Profissão: camelô’, ‘Avaliação dos serviços de saúde’; em 1985, ‘A relação médico-paciente em diferentes instituições de saúde’, ‘A ocupação de empregada doméstica e suas implicações sobre a saúde’, ‘Representações sobre saúde e doença entre atendentes hospitalares’, ‘Levantamento de morbidade através de entrevistas domiciliares’, ‘A mortalidade na idade produtiva em Campinas’, ‘Atenção à saúde do trabalhador rural no município de Campinas’, ‘Projeto sobre avaliação de serviço hospitalar’, ‘Saúde do trabalhador rural: o modelo agrícola e sua repercussão na saúde dos trabalhadores’, ‘A equipe de saúde nos serviços de saúde pública’, ‘Análise da situação da tuberculose e da hanseníase no município de Campinas’.

Avaliações sucessivas foram realizadas ao longo dessa década. Em 1981, 48% dos estudantes avaliaram o curso como regular e 44% como bom; no ano seguinte, esses valores decresceram para 40% e 20%, respectivamente, sendo que, em 1983, atingiram 56% e 20%, para regular e bom. Nesses anos, a parte teórica do curso variou de 37%, para 32% e 45% como regular, e 44%, 13% e 15%, como boa; a parte prática teve as seguintes porcentagens: 26% e 23% como regular, e 32% e 42% como boa, em 1981 e 1983, respectivamente. Na avaliação realizada em 1990, quarenta dos 92 alunos que acompanharam o curso, 30% afirmaram que os objetivos do curso foram suficientemente atingidos, 40%, que foram medianamente atingidos, e 2,5%, que foram totalmente atingidos. Quanto aos objetivos da parte teórica, no que se refere aos conhecimentos adquiridos, 3% dos alunos situaram-se num ponto médio, numa escala de "muito elevado" e "nenhum". A parte teórica recebeu nota cinco de 28% dos alunos e notas entre seis e sete de 40% dos alunos; 18,05% conferiram notas de zero a quatro, e 5% deram ao curso nota oito. De um modo geral, a parte prática do curso recebeu avaliação positiva, com as seguintes porcentagens em relação às notas atribuídas: nota cinco, 20%, nota entre seis e sete, 43%, e 20% entre oito e nove. Quanto à importância daquele trabalho para a formação do estudante, 60% dos alunos consideraram ser a contribuição regular e grande.

Constituindo-se como matéria obrigatória do currículo médico, a disciplina ciências sociais aplicadas à medicina desde 1967 foi ministrada aos alunos do segundo ano do curso médico, até 1996, com uma carga horária de 120 horas. As avaliações dos alunos foram realizadas através de provas escritas e relatórios de pesquisas.

Conclusão

Este projeto pedagógico não se interrompeu em 1990. Em realidade, o objetivo deste trabalho, como se disse em suas primeiras páginas, era analisar 25 anos de um ensino, que, coordenado por diferentes professores, contou com a colaboração de grande número de docentes, especialmente na complementação das atividades práticas. O que foi realizado durante o longo percurso de duas décadas e meia pretende estar registrado e analisado de forma objetiva neste trabalho. A primeira conclusão que se pode tirar é que, apesar das dificuldades encontradas, sua manutenção foi garantida e sua consolidação pode ser comprovada. Hoje, não se trata mais de discutir a validade da introdução de um curso de ciências sociais na área de saúde. Inúmeras experiências, tanto na graduação como na pós-graduação, testemunham esta necessidade. Provavelmente, o que continua e continuará a ser problematizado é a adequação dos métodos e técnicas desse ensino, ou seja, como trabalhar o campo do social frente a condições muitas vezes adversas, especialmente no que se refere a competir com currículos de ensino cujas estruturas privilegiam o conhecimento a partir de uma perspectiva das ciências biológicas, cedendo pouco espaço às questões sociais, econômicas e culturais. Na experiência relatada, a busca de uma melhor adequação temática e de práticas sempre esteve presente, o que se evidencia pelas modificações introduzidas, assim como pela diversificação de disciplinas sobre o social ao longo do curso médico.

Em realidade, pode-se concordar com Brito (1988, p. 26), quando escreve que "a história do ensino do social em saúde está marcada por conflitos e problemas que se apresentam tanto nos domínios da teoria como no da prática, no institucional e no social, no político e no cultural". Embora este trabalho não se tenha dedicado a traçar o detalhado panorama do desenvolvimento das ciências sociais no campo da saúde, procurei destacar aqueles elementos estruturais e institucionais que estiveram presentes na emergência de uma prática pedagógica e que se articulam a problemas concretos da sociedade brasileira, assim como os diferentes quadros teóricos que deram sustentação a essa prática. Ao apontar que, na América Latina, a introdução do social em saúde é "uma história conflitiva", o autor citado entende ser preferível falar em "conflitos em uma perspectiva dinâmica e não de barreiras que supõem uma concepção estática e homeostática". Nesse sentido, a história aqui relatada aponta para as dificuldades encontradas e que estiveram associadas a determinados momentos históricos, mas cuja superação colocava em um novo patamar outros problemas a serem enfrentados.

O caminho percorrido pela aplicação das ciências sociais em saúde, especialmente pelo trabalho de pesquisa realizado e o gradativo acúmulo de conhecimentos desenvolvido, tem sido ascendente e, sob muitos aspectos, tem-se refletido no ensino. Para isso, torna-se imprescindível a formação de quadros profissionais que possam atender às demandas nos diversos níveis de docência. Não se pode, contudo, ignorar que a maior ou menor adesão a esse conhecimento por parte das instituições, e no caso específico das faculdades de medicina, está na dependência de sua reestruturação através de projetos que contemplem uma abordagem social do processo saúde-doença e das práticas de saúde. Nesse sentido, estudiosos da educação médica têm apontado a importância dos currículos sociocêntricos em contraposição aos biocêntricos (Ribeiro, 1991). Os modelos biocêntricos, embora já existentes antes das reformas propugnadas por Flexner, na primeira década deste século, encontraram a sua maior difusão no momento em que se divulgavam as idéias flexnerianas. O modelo da medicina comprehensive emergiu num momento intermediário, acrescentando as dimensões psicossociais ao modelo biológico. O modelo sociocêntrico pode ter um compromisso com o social, entendendo-o como externalidade, ou admitir que existe um compromisso social efetivo com a realidade. É importante lembrar que o modelo biocêntrico baseia-se, quase exclusivamente, na transmissão de conteúdos, ao passo que o modelo sociocêntrico dá ênfase a problemas.

Muitas das questões de ensino constituem ainda desafios, entre os quais sobressai a fragmentação presente nas estruturas curriculares, onde os campos de conhecimento tornam-se cada dia mais especializados. A interdisciplinaridade tem ainda um longo caminho a percorrer, não somente no interior de áreas aparentemente contíguas — como, por exemplo, a das ciências sociais — mas destas até às ciências biológicas. Como escreveu Berger, em estudo publicado pela OCDE/CERI (1972), com a disciplinaridade passa-se a aceitar passivamente um corte acadêmico e definitivo do saber, num sistema puramente hierárquico, onde o isolamento e a concorrência são amplamente favorecidos. Perpetua-se uma universidade de caráter tradicional, quando o desejável é a universidade interdisciplinar e inovadora, onde a reflexão e a crítica epistemológica estejam presentes e sejam superados os cortes universidade/sociedade, saber/realidade.

Procurei recuperar a história do curso de ciências sociais aplicadas à medicina tendo em mente a idéia de que essa experiência pudesse servir como subsídio para o contínuo repensar que a prática pedagógica impõe aos que a ela se dedicam.

Basicamente, o curso deve fornecer as bases teóricas e conceituais das disciplinas que formam o núcleo central das ciências sociais: sociologia, antropologia, economia política e ciências políticas. Assim, os conceitos de estrutura social, sociedade, cultura, processo de trabalho, produção, reprodução social, força de trabalho, Estado, poder, mudança, conflito, ideologia, consciência social, entre outros, devem contribuir para o dimensionamento de uma perspectiva crítica da sociedade. O estudo científico da realidade social e dos problemas de saúde deve ser produto da leitura, da pesquisa e do debate. O objeto de reflexão deve ser a saúde, mas sem conduzir a reducionismos teóricos e conceituais e mesmo a qualquer restrição da abrangência do tema. A experiência de cursos ministrados e as discussões realizadas em fóruns internacionais permitem-me afirmar que um programa mínimo de ciências sociais em saúde deve levar em consideração dois temas centrais: a organização das práticas em saúde e o processo saúde-doença como processo social. A partir desse núcleo se estabelecem subtemas que permitem analisar aspectos culturais, em especial as representações sobre a doença, as políticas de saúde e os movimentos sociais. Estas sugestões não invalidam nem substituem a suposição de que a abordagem de um pensamento e de uma prática social em saúde deverá ter como pano de fundo a historicidade dos processos, assim como a discussão sobre as principais correntes filosóficas, pois somente dessa forma pode-se estabelecer a relação entre ideologia, conhecimento e prática social e política, fundamental para a discussão das questões já relacionadas. Isto torna-se especialmente relevante num momento em que quando a idéia de crise de paradigmas atravessa não apenas as discussões sobre o conhecimento, mas os próprios modelos econômicos, políticos e sociais. Sem dúvida, a aproximação dialética continua a ser a forma ideal de equacionar os problemas sócio-médicos, que em grande medida poderá ser favorecida com a realização de projetos de pesquisas. Esta forma de atividade, tomando como objeto um problema de saúde, permite demonstrar que toda teoria é imanente a toda observação pertinente: "o processo científico não vai dos ‘dados’ à teoria, mas parte de determinadas informações, mediatizadas por uma problemática, para uma formulação epistemológica de problemas e, em seguida, desses problemas para um corpo de hipóteses que forma a base de toda teorização" (Bruyne et alii, 1977, p. 102). Estabelece-se, assim, um diálogo entre o concreto e o abstrato, entre o geral e o particular, obtendo-se explicações que se situam além da aparência dos fenômenos investigados. Habermas (1970, p. 29) sintetizou bem esta preocupação ao afirmar que: "a dialética nada mais significa do que a tentativa de conceber a cada momento a análise como uma parte do processo social analisado e como sua consciência crítica possível. Isso implica que se renuncie a supor entre os instrumentos analíticos e os dados analisados (uma) relação externa puramente contingente". Esta abordagem implica reconhecer que, para as ciências sociais, é essencial ter como orientação metodológica a especificidade do objeto. Esta especificidade é evidenciada pelo seu caráter histórico, pela identidade entre o sujeito e o objeto de investigação e por serem intrínseca e extrinsecamente ideológicas (Minayo, 1992, pp. 20-1).

Estes são os meus pontos de vista sobre as ciências sociais e seu ensino. Considerando o processo dinâmico que deve ser estabelecido entre o educador e o educando e diante das situações históricas que atravessam e determinam o real a ser trabalhado, acredito que, ao lado da estrutura básica de um conhecimento científico que necessariamente tem que ser transmitido, sempre haverá possibilidade para a inclusão das análises conjunturais e, no plano didático, para a introdução de adaptações que, tendo de responder ao momento por que passam as instituições de ensino, não abram mão do papel que compete às ciências sociais, que é o de ser, como diz Ianni (1989) "uma forma de autoconsciência científica da realidade".

NOTAS

Recebido para publicação em julho de 1998.

Aprovado para publicação em setembro de 1998.

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  • 1
    No programa desse ano, além de ciências sociais foi oferecido um Programa de Educação Sanitária com os seguintes tópicos: a educação no campo da medicina preventiva, aprendizagem, métodos e procedimentos, recursos audiovisuais e planejamento da educação sanitária.
  • 2
    Os textos apresentados foram os seguintes: ‘As ciências do comportamento e a saúde pública’, de Hanlon; ‘As ciências sociais e as escolas médicas’, de Nilo Valejo; ‘A doença e o papel do médico: uma perspectiva sociológica’, de Parsons; ‘A família na formação do estudante de medicina’, de Hubbard, Mietchell, Poole e Rogers; ‘Aimorés: análise antropológica de um programa de saúde’, de L. F. Raposo Fontenelle.
  • 3
    Os temas desenvolvidos foram os seguintes: planejamento familiar, a juventude na atualidade, aspectos médico-sociais da prostituição, o papel do médico na sociedade brasileira.
  • 4
    Projetos desenvolvidos: ‘Definição de doença pelo estudante universitário’, ‘Paciente hospitalizado e análise de algumas características da procura de atenção médica, anterior à internação’, ‘Papel do auxiliar de enfermagem num hospital-escola’, ‘Conhecimento e condutas preventivas em relação à gonorréia — estudo realizado entre universitários do sexo masculino dos cursos de ciências exatas, ciências médicas e ciências humanas’, ‘Alguns fatores que influenciam a busca de atenção médica na população do núcleo habitacional da COHAB em Paulínia’, ‘Reação do paciente cirúrgico frente à cirurgia, segundo o grau de informação recebida’, ‘Aspectos religiosos relacionados com o nível de prevenção da doença’, ‘Aspectos psicológicos do paciente cardíaco’, ‘Fatores que interferem no seguimento da prescrição médica em pacientes de ambulatório’.
  • 5
    Do curso de medicina social ministrado em 1971 constavam as seguintes aulas: o processo saúde-doença — doença em uma perspectiva macroanalítica (ecologia e saúde, população e saúde, desenvolvimento e saúde); recursos para a saúde; sistema de atenção médica (evolução do sistema de atenção médica, o sistema de atenção médica brasileiro, análise dos diversos sistemas de atenção médica); política de saúde; planejamento de saúde; administração sanitária, hospitalar e arquivo; medicina social. Além dessas aulas, havia uma unidade no curso que tratava da parte conceitual e incluía: mensuração da saúde, exames de coletividade e padronização da história clínica. A parte prática do curso consistia de treinamento com exames clínicos realizados junto a "pessoas supostamente sadias".
  • 6
    Em conseqüência da crise, deixaram o departamento os seguintes professores: Antônio Sérgio da Silva Arouca, Anamaria Tambellini Arouca, Célia Leitão Ramos, Joaquim Alberto Cardoso de Mello, Francisco Viacava e a auxiliar de enfermagem Laís Florentino.
  • 7
    Projetos desenvolvidos: em 1983, ‘A questão médico-social da mortalidade infantil: um estudo no município de Campinas’, ‘Modelos da abordagem da população em investigações de morbidade’, ‘A equipe de saúde no serviços de Saúde Pública na região de Campinas’, ‘Desemprego, condições de vida e saúde", "Profissão: camelô’, ‘Avaliação dos serviços de saúde’; em 1985, ‘A relação médico-paciente em diferentes instituições de saúde’, ‘A ocupação de empregada doméstica e suas implicações sobre a saúde’, ‘Representações sobre saúde e doença entre atendentes hospitalares’, ‘Levantamento de morbidade através de entrevistas domiciliares’, ‘A mortalidade na idade produtiva em Campinas’, ‘Atenção à saúde do trabalhador rural no município de Campinas’, ‘Projeto sobre avaliação de serviço hospitalar’, ‘Saúde do trabalhador rural: o modelo agrícola e sua repercussão na saúde dos trabalhadores’, ‘A equipe de saúde nos serviços de saúde pública’, ‘Análise da situação da tuberculose e da hanseníase no município de Campinas’.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2000

    Histórico

    • Recebido
      Jul 1998
    • Aceito
      Set 1998
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