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História, Ciências, Saúde-Manguinhos
Print version ISSN 0104-5970On-line version ISSN 1678-4758
Hist. cienc. saude vol.8 suppl.0 Rio de Janeiro 2001
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702001000500010
Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira On the physical and moral understanding of peoples: Iconography and Taxonomy in Alexandre Rodrigues Ferreira's Philosophical Journey
Ronald Raminelli Rua Domingues de Sá, 440/501
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Nas expedições científicas, antes do advento da fotografia, os desenhos constituíam fonte valiosa de informações para os naturalistas. Textura, cores e formas anatômicas internas e externas das espécies eram preservadas graficamente, enquanto o material desidratado ou guardado em álcool era enviado em caixas aos gabinetes e herbários. Por intermédio das imagens, preservar-se-ia ainda tudo aquilo que não pudesse ser transportado: grandes animais, árvores, rochas, grutas e paisagens. A história natural, portanto, dependia dos diários, remessas e desenhos produzidos nas áreas de investigação. O viajante-naturalista era treinado para compor esse material e preservar a qualidade dos indícios colhidos ao longo da jornada (Stafford, 1984). A viagem filosófica comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira percorreu as capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792, produzindo centenas de estampas dedicadas aos três reinos da natureza. Os temas dos desenhos eram encomendados pelos naturalistas que, por sua vez, seguiam as diretrizes científicas elaboradas por Vandelli. Havia dois riscadores nessa viagem: José Joaquim Codina e Joaquim José Freire, autores dos desenhos analisados neste artigo. Essa expedição forjou-se no Real Gabinete da Ajuda, que era composto por um horto botânico, museu de história natural, casa de risco e de gravura, além de biblioteca e cartório. Os riscadores eram previamente preparados para seguir nas viagens filosóficas. Para tanto, aperfeiçoavam a habilidade no desenho de seres vivos e paisagens. Em Coimbra, os alunos de história natural também recebiam aulas de risco, ensino indispensável para as funções que desempenhariam durante as investigações sobre os três reinos da natureza. Os desenhos eram concebidos em duas etapas: os riscadores iniciavam-nos durante as viagens, no terreno investigado, e posteriormente os finalizavam na Casa do Risco em Lisboa. Lá existiam condições para aperfeiçoar os desenhos e classificar as espécies segundo os ensinamentos de Lineu. In loco, os artistas compunham desenhos aquarelados e a nanquim, destinados a representar aspectos geográficos e etnográficos, sem descuidar de plantas e animais. Os desenhos comporiam, mais tarde, gravuras, que ilustrariam a História natural das colônias, obra idealizada por Vandelli, que não veio a público. Havia, no entanto, interesse das autoridades portuguesas na publicação das estampas, pois preservaram-se tanto os desenhos duplicados quanto as chapas de metal para reproduzi-los. A técnica de reproduzir imagens remonta ao século XV, período da invenção da imprensa e inovação nas artes gráficas. Mais tarde, elas tiveram enorme importância para os naturalistas, que divulgavam suas descobertas por intermédio dos livros (Rudnick, 1976, pp. 150-1). Naquele momento, uma vasta gama de objetos, desde máquinas, plantas até paisagens, foi reproduzida em xilogravuras, gravuras em cobre e metal. Por volta de 1800, uma nova transformação ocorreu nas artes gráficas, quando se tornou possível a impressão de aquarelas, gravuras em aço e litogravuras. Datadas desse período, as estampas compostas por José Joaquim Codina e Joaquim José Freire, certamente, beneficiaram-se de tais avanços. | |
1 Ver Alexandre Rodrigues Ferreira (Inventário geral e particulares de todos os produtos.... Seção de Manuscritos da BNRJ, 21,1, 10). As cifras variam entre os pesquisadores. Ângela Domingues (1992) menciona que Feire e Codina desenharam, in loco, cerca de 1.015 estampas de quadrúpedes, aves, peixes, insetos, plantas, alfaias de índios, paisagens e cartas geográficas. Edgar Cerqueira Falcão contabiliza 962 desenhos e aquarelas, em sua maioria, assinados pelos riscadores. Faria (1992b) inclui ainda 211 desenhos aquarelados encontrados no Museu Bocage, em Lisboa.
2 No acervo da BNRJ/Seção de Manuscritos (cód. 21,1,1A), as estampas não possuem legendas. Na publicação do Conselho Federal de Cultura (1971), as legendas foram acrescentadas, nem sempre com muito rigor. Por vezes, elas contrariam as legendas originais encontradas no Museu Bocage, em Lisboa. | De Codina pouco se sabe. Freire teve importante papel na Casa do Risco do Museu da Ajuda. Antes, porém, freqüentou aulas de desenho na Fundição do Real Arsenal do Exército e, em 1783, desembarcou em Belém como riscador da expedição (Faria, 1992a). No inventário de 1794, Ferreira reuniu cerca de 2.670 desenhos, dos quais 1.015 eram originais, produzidos durante a viagem ao Pará. Para assegurar a preservação dessas imagens, faziam-se cópias. Ao retornar a Lisboa, a viagem filosófica reunia cerca de 544 cópias. Na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, encontram-se 912 estampas, parte certamente copiada dos originais, encontrados no Museu Bocage em Lisboa.1 Vanzolini (1996, p. 200) considerou que a execução das estampas era de valor mediano. Os peixes foram muito bem representados, mas os mamíferos estão mal desenhados e identificados. Os desenhos de aves são "exemplares obviamente taxidermados, dobrados e comprimidos. Não fazem boa ilustração." De modo geral, as pranchas permitem identificação das espécies e estão de acordo com a qualidade das produções européias da época. A flora é a parte mais representativa do acervo. No Museu Nacional do Rio de Janeiro, existem 668 estampas sobre a flora, enquanto na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ) esse reino está presente em 680 estampas inéditas. Levando-se em consideração as memórias, diários, herbários e estampas, há cerca de 3.900 referências a plantas amazônicas (Martinelli, 1992, p. 100), demonstrando o nítido interesse da expedição pela flora. Vale lembrar que a botânica era o principal ramo do conhecimento científico setecentista (Foulcault, s. d., p. 185). Além de ser alvo das ilustrações, as plantas e a agricultura, sobretudo, tornaram-se a base das reformas de caráter fisiocrático, que pretendiam restabelecer a economia, debilitada pela queda na produção de metais preciosos. Nas estampas dedicadas aos índios, os riscadores demonstraram dificuldade em representar o corpo humano. Não estavam treinados a compor músculos, membros e troncos, mãos e pés de forma harmônica, traçar fisionomias diversificadas e expressar sentimentos. Essas formas anatômicas, presentes desde a Renascença nas gravuras européias, não foram empregadas para representar os índios da Amazônia. Os artistas não recorreram a esses clichês para compor os corpos. Essa característica repete-se nos riscos iluminados de Carlos Julião, que, como Freire, não recorreu às formas clássicas para compor corpos. Os desenhadores da história natural receberam, provavelmente, formação técnica na Fundição do Arsenal Real do Exército. Eles estavam, por certo, mais habilitados ao desenho técnico. Faria (1992a, p. 73) destaca ainda que as formas toscas dos índios devem-se às especificidades do desenho composto durante as viagens. Longe da Casa do Risco, os desenhistas executavam rapidamente as obras e enfrentavam a indisponibilidade dos índios em posar para os artistas. Confrontando os acervos do Museu Bocage e da BNRJ, Miguel Faria (idem, p. 69) teceu algumas considerações em relação às imagens dedicadas ao gentio: os originais, em boa parte, estão assinados, o que não acontece com as cópias; os originais possuem legendas detalhadas, demonstrando conhecimento direto sobre o material representado, enquanto as cópias possuem legendas curtas.2 Os copistas, portanto, não se preocuparam em passar as legendas originais para as cópias; os originais não possuem aperfeiçoamento do plano de fundo. Nas cópias, no entanto, esse aspecto provoca uma sensação artificial de encenação. |
Da descrição A descrição científica tornou-se tema de debate entre os naturalistas do Setecentos. Para Buffon, não se podia definir uma espécie sem descrevê-la detalhadamente: era mais importante traçar imagens vivas dos diversos tipos de animais do que apenas identificá-los (Mayr, 1998, p. 210). O texto e a imagem eram, portanto, empregados para difundir os conhecimentos e avanços científicos. Nesse período, ocorreu uma subdivisão das tarefas descritivas. A relação texto/imagem era concebida como pleonástica ou excludente. Reaumur considerou a prancha como auxiliar da descrição. Os desenhos comunicavam mais rapidamente e transmitiam um conteúdo idêntico ao da descrição. "Entre a descrição textual e a prancha, há freqüentemente um tipo de 'texto-tampão', cuja função é comentar a figura, destacando o quanto ela confirma o que se diz para além da descrição" (Reynaud, 1990, p. 315). Concebida como confirmação, a imagem deveria ser, ao mesmo tempo, independente e redundante, sempre amparada pelo texto para servir como discurso científico. Iconografia e taxionomia Denominados genericamente de Tapuio (ou Tapuia), os índios da Amazônia eram da "classe dos mamíferos, 1a ordem dos quadrúpedes, 1a divisão dos terrestres unguiculados, I- gênero: 1 Homo sapiens, Abá Mira Homem 1a) var. americanus, tapuia". A partir da nomeação, Ferreira (1972, pp. 67-204) dissertou sobre a constituição física, moral e política dos povos amazônicos (rios Amazonas, Negro e Madeira). Nas observações sobre os mamíferos, buscava encontrar pontos coincidentes entre os americanos, mas sobretudo entre os Tapuio. Para tanto, o naturalista recorreu aos testemunhos de viajantes, cronistas e estudiosos da América, cruzando informações, verificando similitudes, com a finalidade de compor uma "figura americana". Nas demais memórias, percorreu as várias nações indígenas, particularizando-as, sem buscar explicações para costumes e idiossincrasias; limitava-se a descrevê-las nos aspectos visíveis e extraídos dos acontecimentos. Essas memórias não possuem forma homogênea, não receberam padronização. Os temas tornam-se superficiais ou detalhados conforme as particularidades e 'excentricidades' dos povos. Mas há temáticas recorrentes, como as deformidades físicas, as roupas, a produção de armas e utensílios, localização geográfica e história dos contatos com os europeus. As análises de Ferreira investiam, portanto, em dois campos: o geral (Tapuia) e o particular (as nações). Nas estampas, também se percebe esse duplo movimento. Fisionomia O retrato fisionômico é uma composição estática, destinada a descrever algumas partes da constituição física. Esse tipo de estampa representa somente a cabeça, pescoço e tronco de um indivíduo-protótipo que se torna ícone de uma nação. Para além da tentativa de compor grupos distintos, entre os índivíduos-modelo havia alguns traços físicos comuns. Para Ferreira (idem, pp. 75, 82) o índio era, a princípio, "dócil, tranqüilo e tratável", porém, ao examiná-lo mais de perto, percebiam-se a desconfiança, o ar selvagem e sombrio. "Há, com efeito, em todos eles uma certa combinação de feições e um certo ar, tão privativamente seu, que nele se deve estabelecer a característica de uma figura americana."
Os Jurupixuna ou bocas-negras (do tupi 'juru' = boca, 'pixuna' = negra) distinguiam-se por suas máscaras. Para produzi-las, picavam o rosto com espinhos da "palmeira pupunha" e pulverizavam, sobre as feridas, cinzas da folha dessa planta. Os enfeites possuíam três formatos: linhas negras e curvas, máscaras na mesma cor em forma retangular e em forma de xadrez, entremeando partes negras e a própria pele. As linhas negras ligavam a boca à parte inferior da orelha. As máscaras possuíam tamanhos diversos e sua localização no rosto também variava sobre o nariz ou em torno dos lábios. Os índios ainda portavam zarabatanas e lanças características (Ferreira, 1974, p. 85; 1971, pranchas 104, 106, 108 e 124). Corpo O retrato corporal também é uma composição estática destinada a representar o corpo inteiro. A descrição corporal fornece elementos visuais sobre a proporção entre cabeça, face, testa, orelhas, nariz, boca, tronco e extremidades. Os índios situam-se em uma paisagem padronizada região árida com árvores, pedras e pequenas plantas rasteiras. Certamente, essa paisagem não é amazônica. A grande contribuição etnográfica dessas pranchas é apresentarem a indumentária dos grupos indígenas, servindo como uma outra forma de classificá-los. Alexandre R. Ferreira (1974, p. 72) considerou que a invenção das vestimentas fazia parte do progresso humano. Inicialmente, todos andavam nus; pouco depois, cobriram as "partes vergonhosas" e as demais que necessitavam de proteção contra o tempo e os animais. Recorreram, para tanto, às roupas compostas de folhas, penas e peles de animais. Aos poucos as roupas foram se fechando. De camisetas abertas e sem mangas, tornaram-se mais protetoras e tecidas com fios de lã, linho, algodão ou seda. A arte "ensinou a conhecer, cultivar, recolher, preparar, fiar e tecer cada uma destas substâncias". O retrato corporal aborda, portanto, o mencionado tema e procura inserir os índios nessa evolução.
Entre os Tapuia seminus, encontravam-se os índios Miranha, Maua e Uaupé (ou Curutu, conforme legenda da prancha do Museu Bocage). De tez clara, o Miranha (Figura 4, p. 681) apresenta uma corda em torno da cintura, onde se ata uma pequena tanga de tecido. Seus artefatos característicos são a zarabatana, as penas presas em orifícios artificialmente produzidos nas narinas e um cilindro onde acondicionavam peixe seco. Vestimenta semelhante cobre o índio Uaupé/Curutu, que carrega flechas, lanças e uma pequena borduna. Uma touca colorida é a sua maior identificação. O retrato corporal do Maua é, sem dúvida, singular. Sua identidade foi construída por intermédio de uma 'deformidade física' e pelos artefatos roupas e armas. Eles andavam "espartilhados ao uso das damas da Europa", com enfeite composto de lâminas de madeira avermelhada, que, por ser apertado, comprimia o ventre, deformando sua anatomia, deixando-os de cintura fina. Uma pequena tanga, colorida como o espartilho, cobria o pênis e os testículos. No pescoço, enfeitavam-se com um colar de contas de moçambique, na cor preta, que descia até a cintura. As armas são arco, flechas e uma espécie de remo, que se assemelha a uma grande e longa folha (Ferreira, 1974, pp. 31, 32).
Enfeites e deformidade corporal também caracterizavam os Uerequena (ou Warakena). Além de portar penacho colorido e tanga, esse grupo tinha o costume de perfurar as extremidades inferiores das orelhas, onde introduziam pequenos tornos de pau ou flechas. Os lóbulos iam se "dilatando cada vez mais, à proporção que lhe introduzem corpos mais volumosos, até chegarem ao ponto de trazerem nelas molho de palha; de sorte que, em alguns daqueles indivíduos lhes descem até aos ombros as extremidades das orelhas" (Ferreira, 1974, pp. 69, 71). O naturalista considerou esses sinais ou deformidades como industriais, ou melhor, uma ação humana sobre a natureza. Os gentios, generalizou, procuravam aperfeiçoar seus enfeites e possuíam uma "inclinação natural a alterar as formas naturais de seus corpos". Artefato No acervo da Viagem Filosófica, encontram-se estampas que representam a cultura material dos Tapuia. Ao contrário dos retratos, elas não se destinavam apenas a identificar os grupos indígenas. Havia outras finalidades para se reunir e reproduzir graficamente o material coletado por Ferreira ao longo da jornada. Esses objetos eram enfeites e utensílios empregados em ritos, instrumentos musicais, cerâmicas, armas, canoa e maloca. A lógica dessa classificação era, sobretudo, utilitarista. No diretório pombalino, ficara estabelecido que os índios deveriam se inserir na colonização como homens livres, exercendo atividades agrícolas, artesanais e comerciais. As mercadorias permitiriam, enfim, o incremento do comércio colonial e a civilização dos índios da Amazônia. Ao refletir sobre esses artefatos, Ferreira tocava em pontos da maior importância: comprovava a "rudimentar" capacidade indígena de produzir e avaliava a evolução das técnicas. Como agente do colonialismo e naturalista, o viajante procurava tanto dinamizar a economia regional, quanto traçar o perfil das técnicas nativas para compor a "história da indústria americana", desde seus primórdios até o "declínio de seu estado social e civil".
Sobre a estrutura da maloca Curutu, o naturalista-viajante destacou a forma circular e os compartimentos internos, divididos entre áreas comuns e áreas familiares. O sistema de circulação de ar e de iluminação dominava a parte superior da construção. Para evitar aves e morcegos, os índios inseriram nas aberturas uma engenhosa peça que procurava imitar uma serpente. Com o vento, folhas retorcidas de pindoba imitavam o ziguezague de uma cobra, impedindo os animais de entrar no recinto (Ferreira, 1971, pranchas 126, 127). As etapas da construção de canoas também foram representadas. Inicialmente, punham fogo no interior de um tronco, depois retiravam os excessos para permitir a instalação de compartimentos e assentos no barco. A capacidade de subordinar a natureza às necessidades humanas era um meio de avaliar a civilidade dos povos. Quadro O quadro, segundo Buffon, pretendia captar a dinâmica, o movimento dos fenômenos que não foram contemplados nas descrições estáticas. Os índios Guaikurú foram representados em plena ação, em um ambiente de rio e arvoredos. A cena descreve-os atravessando um rio e controlando cavalos. Ali encontram-se crianças, homens e mulheres nus ou cobertos por pequenas tangas. Os cavalos possuem arreios e rédeas, demonstrando aperfeiçoamento no controle da natureza (Figura 6). A prancha procurou simular o cotidiano indígena: a interação entre os indivíduos, os animais e o meio ambiente. Atua, portanto, como simulacro da realidade, onde existem várias ações simultâneas que buscam imitar a realidade. Essa composição não se encontra nas demais pranchas, que representam os índios de forma estática. Se nestas os corpos, os artefatos e as indumentárias constituem os principais temas, nas pranchas dinâmicas encontram-se o movimento e o cotidiano nas comunidades indígenas.
Na memória sobre esse gentio, Ferreira (1974, p. 79) fez o seguinte comentário: "A sua vida é de corso, tanto em terra como pelos rios; com a diferença que, em terra, andam montados a cavalos, donde lhes vem o nome de cavaleiros; e pelos rios navegam em ligeiras canoas que remam com incrível celeridade." Entre seus bens, os mais apreciados eram escravos, armas e cavalos, estes obtidos por intermédio de furtos aos espanhóis. Conclusão As viagens do século XVIII inauguram uma era de descobertas dos interiores, e a interiorização torna-se uma meta para manter a conquista. Se, inicialmente, os europeus dedicaram-se ao conhecimento dos contornos dos continentes, rotas marítimas e ligações entre oceanos, no Setecentos partiram para o domínio e controle sobre os recursos naturais localizados no interior dos territórios. Ocorreu, portanto, uma mudança na concepção que a Europa tinha de si mesma e de suas relações globais. Os naturalistas tiveram participação intensa nesse processo, concebendo textos descritivos especializados que, por vezes, continham nomenclaturas e taxionomias. Os relatos de viagem tornaram-se aprimorados e dedicados aos diferentes ramos do conhecimento. Os sistemas classificatórios do século XVIII, sobretudo depois de Lineu, tinham a tarefa de localizar as espécies do planeta, extraindo-as de seu nicho original, onde reinava o caos, e enquadrá-las em um sistema ordenado segundo as normas científicas. |
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Recebido para publicação em agosto de 2000.
Aprovado para publicação em fevereiro de 2001.