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As fundadoras do Instituto de Matemática e Física da Universidade da Bahia

On the founders of the Institute of Mathematics and Physics, University of Bahia

Resumos

É surpreendente a presença de mulheres no corpo discente do curso de matemática da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia (FF/UFBA). Ainda hoje elas concentram-se em áreas tradicionalmente tidas como femininas e os homens predominam nas áreas matemáticas. Examinei depoimentos de algumas mulheres que cursaram matemática e que depois tornaram-se professoras da FF. Para elas, a matemática não significou apenas uma opção pelo magistério no ensino médio. Tornaram-se a maioria do corpo docente de matemática da FF e do Instituto de Matemática e Física (IMF), fundado em 1960. Sigo a trajetória delas, inicialmente como estudantes, depois como assistentes e professoras, e finalmente como fundadoras do IMF. Destaque especial para Martha Maria de Souza Dantas, organizadora do I Congresso Brasileiro de Ensino da matemática, evento que desencadeou o processo de fundação do IMF; e para Arlete Cerqueira Lima, articuladora do processo que resultou na fundação do IMF.

matemática; história; mulheres; Bahia; Instituto de Matemática e Física


The reduced number of female students of mathematics at the University of Bahia School of Philosophy (Faculdade de Filosofia, Universidade da Bahia - FF/UBa) is quite surprising. To date, they are concentrated in areas traditionally viewed as feminine whereas men predominate in the mathematical fields. I have examined interview data from a few women who graduated in mathematics and went on to teach at the University of Bahia School of Mathematics (Faculdade de Filosofia - FF) and at the Institute of Mathematics and Physics (Instituto de Matemática e Física - IMF), where they were soon to outnumber men and constitute the majority of the mathematics teaching staff. In this study, I have investigated the course of their careers over time: from their early student days, through their time as teaching assistants and professors, and finally as founders of the Institute of Mathematics and Physics, in 1960. Special reference is made to Martha Maria de Souza Dantas, organizer of the I Brazilian Conference on Mathematics Teaching, an event which has provided the groundwork for what was to become the Institute (IMF); and to Arlete Cerqueira Lima, the mastermind behind its creation.

mathematics; history; women; Bahia; Instituto de Matemática e Física (IMF)/Institute of Mathematics and Physics


As fundadoras do Instituto de Matemática e Física da Universidade da Bahia

On the founders of the Institute of Mathematics and Physics, University of Bahia

André Luís Mattedi Dias

Professor do Departamento de Ciências Exatas da

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

mattedi@e-net.com.br ou mattedi@uefs.br

DIAS, A. L. M.: 'As fundadoras do Instituto de Matemática e Física da Universidade da Bahia'. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. VII(3): 653-674, nov. 2000-fev. 2001.

É surpreendente a presença de mulheres no corpo discente do curso de matemática da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia (FF/UFBA). Ainda hoje elas concentram-se em áreas tradicionalmente tidas como femininas e os homens predominam nas áreas matemáticas. Examinei depoimentos de algumas mulheres que cursaram matemática e que depois tornaram-se professoras da FF. Para elas, a matemática não significou apenas uma opção pelo magistério no ensino médio. Tornaram-se a maioria do corpo docente de matemática da FF e do Instituto de Matemática e Física (IMF), fundado em 1960. Sigo a trajetória delas, inicialmente como estudantes, depois como assistentes e professoras, e finalmente como fundadoras do IMF. Destaque especial para Martha Maria de Souza Dantas, organizadora do I Congresso Brasileiro de Ensino da matemática, evento que desencadeou o processo de fundação do IMF; e para Arlete Cerqueira Lima, articuladora do processo que resultou na fundação do IMF.

PALAVRAS-CHAVE: matemática, história, mulheres, Bahia, Instituto de Matemática e Física.

DIAS, A. L. M.: 'On the founders of the Institute of Mathematics and Physics, University of Bahia'. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. VII(3): 653-674, Nov. 2000-Feb. 2001.

The reduced number of female students of mathematics at the University of Bahia School of Philosophy (Faculdade de Filosofia, Universidade da Bahia — FF/UBa) is quite surprising. To date, they are concentrated in areas traditionally viewed as feminine whereas men predominate in the mathematical fields. I have examined interview data from a few women who graduated in mathematics and went on to teach at the University of Bahia School of Mathematics (Faculdade de Filosofia — FF) and at the Institute of Mathematics and Physics (Instituto de Matemática e Física — IMF), where they were soon to outnumber men and constitute the majority of the mathematics teaching staff. In this study, I have investigated the course of their careers over time: from their early student days, through their time as teaching assistants and professors, and finally as founders of the Institute of Mathematics and Physics, in 1960. Special reference is made to Martha Maria de Souza Dantas, organizer of the I Brazilian Conference on Mathematics Teaching, an event which has provided the groundwork for what was to become the Institute (IMF); and to Arlete Cerqueira Lima, the mastermind behind its creation.

KEYWORDS: mathematics, history, women, Bahia, Instituto de Matemática e Física (IMF)/Institute of Mathematics and Physics.

11 Ao tornar-se responsável pelo curso de didática especial da matemática da Faculdade de Filosofia em 1952, Martha Dantas chegou à conclusão de que o principal problema do ensino desta disciplina, no Brasil, não era o estudo dos seus métodos, mas o isolamento dos seus professores e a falta de coordenação e orientação das iniciativas profissionais e institucionais. Foi então que solicitou à universidade e ao Estado permissão para observar o ensino da matemática e a sua organização na Bélgica, na França e na Inglaterra (Dantas, 1954). O que este fato significou para a época? Uma mulher, com aproximadamente trinta anos, ausentar-se do país, viajar a fim de observar como era praticado e organizado o ensino da matemática na Europa! Do ponto de vista das regras de sociabilidade determinadas pelas relações de gênero vigentes há cinqüenta anos, certamente foi algo inusitado, pois, como foi dito anteriormente, estas regras empurravam as mulheres para o casamento e a maternidade, sendo indesejável o exercício de uma profissão e, além disso, impunham uma separação rígida entre os sexos, de modo que, mesmo para as mulheres adultas, existia um controle ostensivo dos ambientes freqüentados. Do ponto de vista científico, pedagógico e acadêmico, a atitude de Martha Dantas também foi inovadora. Seu pioneirismo foi amplamente reconhecido no meio profissional quando ela foi escolhida como presidente de honra da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), no I Encontro Nacional de Educação Matemática (PUC, São Paulo, 1987). Ela dominava dois ou três idiomas estrangeiros, o que lhe permitia acompanhar os debates profissionais que eram travados nos periódicos europeus da época. Dessa forma, tanto lhe foi possível reconhecer como a questão do intercâmbio Bacharelou-se em matemática na terceira turma da FF em 1947 e licenciou-se em 1948. Na primeira turma, formada em 1945, haviam três mulheres e um homem; um homem formou-se sozinho em 1946; e um casal formou-se em 1947.

22 e do planejamento institucional eram fundamentais para o sucesso das atividades educacio-nais, acadêmicas e científicas, como também lhe foi possível projetar um exercício moderno, científico e profissional para a educação matemática. Eram inovações que começavam a ser implantada nos países mais desenvolvidos, na Europa e nos Estados Unidos, onde o ensino tradicional da matemática começou a ser substituído pela "matemática moderna". Como afirmou a própria Martha (1954, p. 133): "A matemática continua sendo ensinada como se fosse uma coberta de tacos: um pedaço de aritmética, depois um pedaço de geometria ou álgebra: esgota-se uma parte para começar a outra. Não se faz ensino paralelo, nunca se foi orientado para tal e a geometria é sempre a última parte a ser considerada." Isaías Alves (1952, p. 5), fundador e diretor da FF à época, destacou o "isolamento dos homens de estudo de nossa terra" e a necessidade da investigação das "causas de nossa pobreza bibliográfica, da penúria de nossas publicações científicas ... da ausência de cooperação entre nós mesmos, ou de comércio intelectual com outros meios científicos ou literários do país e do estrangeiro".

33 Contudo, aproveitando os dados registrados nos anexos da dissertação de Freitas (1992), é bom notar que, na área de matemática, das 12 teses de doutorado e de cátedra defendidas na FFCL, até 1954, somente duas foram feitas por mulheres, enquanto que, de 1936 a 1951, 42% (46 de 110) dos formados eram mulheres. Portanto, o fato mais interessante é que, na FF, não tivemos um ou outro caso isolado, mas uma predominância feminina, inclusive no nível docente. E, do nosso ponto de vista, o que mais importa é a atuação que elas tiveram nesse processo de transformação institucional da matemática. Pois foram justamente essas professoras assistentes que, participando das atividades do IMF, assistindo a alguns cursos ministrados por professores visitantes, ministrando outros para jovens estudantes da própria FF, se constituíram nos agentes locais de recepção e difusão de uma nova cultura matemática. De fato, algumas delas foram as primeiras a fazer cursos de atualização e aperfeiçoamento na USP, no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e no estrangeiro, retornando para atuar na FF, no curso de matemática e no IMF, na implantação dos novos cursos e na difusão dos novos conhecimentos com os quais tiveram contato em suas viagens (ver Anexo 2). Note-se que essas bolsistas, todas elas, tornaram-se professoras do IMF, umas antes, outras depois, mas logo no início da década de 1960. Todas tornaram-se participantes ativas das atividades do IMF desde o início: Segundo Maria Laura (1998), dos dez alunos da sua turma, quatro eram mulheres, sendo que ela e mais duas tornaram-se monitoras de geometria. Ela também se referiu a Marília Peixoto, aluna da Politécnica, que em 1950, um ano antes dela, seguiu para Chicago para fazer pós-graduação, e que se tornou membro da Academia Brasileira de Ciências em 1950, também um ano antes dela.

Agradeço a Lígia Kussama e a Maria Amélia Mascarenhas Dantas pelas críticas e sugestões apresentadas à primeira versão do texto.

Mulheres no curso de matemática

Constatei uma expressiva presença de mulheres no corpo discente do curso de Matemática da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia (FF). Desde 1945, quando se formou a primeira turma, até 1968, quando houve a Reforma Universitária e o curso deixou a FF, licenciaram-se ou bacharelaram-se 118 matemáticas, sendo que 70% eram mulheres e apenas 30% homens. Mais que isso, das 21 formaturas realizadas neste período, apenas em três delas formaram-se mais homens do que mulheres, enquanto que em 17 delas formaram-se mais mulheres que homens (Livro de registro de diplomados, 1945-68).

Esta constatação é surpreendente se for considerado que, embora a presença feminina nas atividades científicas tenha aumentado expressivamente nos últimos trinta anos, seja na pesquisa ou no ensino, nas universidades ou nos institutos de pesquisa, ainda hoje as mulheres concentram-se em áreas tradicionalmente tidas como femininas, permanecendo as matemáticas e engenharias, por exemplo, como áreas preponderantemente masculinas.

Em resumo, admite-se que as mulheres tiveram contribuição expressiva para a expansão do ensino superior a partir da década de 1960, embora a mesma tenha sido bastante seletiva. Além disso, seguindo um padrão comum às demais profissões, as mulheres sempre se concentram nos níveis básico e intermediário das carreiras docentes, acadêmicas e científicas, sempre progridem na profissão mais lentamente que os homens e dificilmente atingem as posições de maior prestígio e poder. As explicações apresentadas em geral minimizam as discriminações explícitas de sexo, ainda existentes em alguns casos, mas bem menos freqüentes que em outras épocas, enfatizando valores, normas e ideologias construídas que constituem o conjunto das relações sociais de gênero que, fundamentando a identificação sexual masculina ou feminina das pessoas, determinam as relações desiguais de poder entre os sexos (Azevêdo et al., 1989; Barroso, 1975; Tosi, 1981).

De fato, em recente levantamento sobre a situação da mulher feito nas universidades das regiões Norte e Nordeste (Passos, 1997b, p. 7), concluiu-se que as mulheres continuam buscando profissões com menores possibilidades econômicas, compatíveis com os papéis de mãe e de esposa, voltadas para a educação, para o cuidar e para o servir, sem rompimentos com a mentalidade coletiva a respeito dos papéis e ocupações femininas. Confirmou-se resultados de outras pesquisas, que apontam como redutos femininos os cursos de serviço social, nutrição, enfermagem, pedagogia, psicologia, letras e história, enquanto que cursos como as engenharias, física, matemática, agronomia, veterinária, economia e direito, entre outros, continuam se caracterizando como redutos masculinos.

Em particular, analisando dados dos anos de 1974, 1984 e 1994 da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Passos (1997b, p. 113, 122, 139) verificou que, embora nas últimas três décadas tenha sido expressivo o aumento do número de mulheres tanto no corpo discente quanto no corpo docente, elas continuavam concentradas em cursos ou departamentos tradicionalmente tidos como femininos, enquanto os homens ocupavam os setores de maior prestígio social e econômico. Mas, por outro lado, Passos também verificou uma tendência de mudança, com a entrada da mulher em algumas áreas tidas como masculinas e com o rompimento de preconceitos em relação aos desempenhos cognitivos, que estabeleciam o racional e abstrato como típicos do homem, e o emocional e concreto como típicos da mulher. Tanto que, observando atentamente os dados apresentados sobre a matemática na UFBA, verifiquei equilíbrio na distribuição da presença dos homens e das mulheres nesse curso, ora com maioria masculina ora com maioria feminina: as mulheres estudantes de matemática na UFBA foram 63% em 1974, 45% em 1984, e 34% em 1994; já as professoras do Departamento de Matemática da UFBA foram 54% em 1984 e 55% em 1994.

Uma das explicações apresentadas pela literatura para a concentração da grande maioria das mulheres universitárias em certos cursos considerados femininos busca no ensino médio algumas das raízes do problema. Segundo Barroso e Melo (1975), a distribuição desigual de homens e mulheres pelas várias modalidades de ensino de segundo grau, no período estudado (1955-70), expressava a existência de mecanismos seletivos que atuavam em relação ao sexo dos alunos e que se somavam a outros de natureza econômica. As mulheres geralmente enfrentavam obstáculos de natureza psicosocial, constituídos pelos valores e estereótipos relativos ao seu papel social, veiculados sutil ou ostensivamente pela família, pelos meios de comunicação e por outros grupos de referência, que eram reforçados pelo sistema escolar. Assim, verificou-se que a grande maioria das mulheres concluía o curso normal e que a grande maioria dos concluintes desse curso era de mulheres. Esse, segundo as autoras, era o principal indicador da estratificação sexual da clientela potencial do ensino superior.

Aqui, o que mais importa é a contribuição da matemática para essa situação. Velho e León (1998, p. 312) apresentam uma explicação segundo a qual os homens predominam nas áreas onde a matemática ocupa posição importante porque, desde a sétima série escolar, as meninas já manifestam menor habilidade para a matemática que os meninos, em decorrência dos processos de socialização onde estão ausentes modelos apropriados para serem adotados por elas. Em outras palavras, as expectativas e atitudes dos pais e professores têm função relevante para motivar os meninos, mas não as meninas, para a matemática, que passa a ser vista como algo apropriado para os meninos e conflitante com a identidade sexual das meninas, tornando-se mais difícil e menos útil para elas.

Portanto, a relação das mulheres com a matemática é algo socialmente construído desde os primeiros anos de suas vidas. Realmente, examinando um pouco mais de perto a história de algumas das mulheres que cursaram matemática e que, posteriormente, tornaram-se professoras da FF, verifiquei que, para cada uma delas, a atividade matemática sempre — ou a partir de algum momento decisivo — teve papel importante, tendo sido adequadamente incentivada, como exemplificam os seguintes depoimentos:

No ginásio ... a coisa mais deslumbrante dessa época foi o estudo da geometria; aluna de uma professora bastante rigorosa ... exigia dos pupilos a demonstração de todos os teoremas que integravam o programa. Partir das premissas e, através da lógica, ser empurrada para a conclusão, tinha para mim o sabor de coisa mágica ... . Na sala de aula comecei então a chamar atenção por dois motivos: o sotaque sergipano e a "genialidade matemática" ... nas férias do primeiro para o segundo ano colegial peguei o livro de matemática de Algacyr Munhoz — segundo ano — e descasquei-o de ponta a ponta, fazendo quase todos os exercícios e, ao iniciar o ano letivo, já dominava o programa de matemática que iria cursar ... passei a dar aulas remuneradas para boa parte dos meus colegas ... Depois desse evento elegi a matemática como minha matéria preferida e isso, certamente, motivou a escolha da minha profissão — passei a dar cursos (e mais cursos!) particulares de matemática para os filhos da alta sociedade baiana, resolvendo os meus problemas financeiros (Cerqueira Lima, 1985, p. 40).

O próximo depoimento destaca a influência familiar, a mascu-linização de certas carreiras e a presença marcante do professor Aristides Gomes, catedrático da FF, de quem voltaremos a falar mais adiante:

Ao terminar o terceiro ano do curso científico, em 1950, laureada e oradora da turma, estava em turbulência. Não sabia que rumo seguir. O apelo maior era a arte ... devido à oposição familiar, ignorava como assumir a arte como profissão ... . A falta de orientação foi absoluta ... . As faculdades de medicina, direito e engenharia eram redutos masculinos ... . A indecisão foi tanta que acabei não me inscrevendo em vestibular algum. No ano seguinte, já mais calma optei pelo meio termo entre arte e ciência e me inscrevi em ... arquitetura! Às vésperas do vestibular ... deparei-me com o prof. Aristides da Silva Gomes (mestre de uma irmã que cursava matemática) que me perguntou o que fazia ali. Ao explicar, ele riu aquela risada gostosa e simplesmente disse: "Você vai estudar é matemática, vou transferir seus papéis." Eu também ri e não me opus (Cerqueira, 1996, p. 35).

O depoimento seguinte reitera que muitas delas começaram como professoras primárias. Isso, de certa forma, não nega a regra geral, mas mostra também a importância que fazer o curso superior de matemática teve para elas:

Quando terminei o meu curso primário em 1935, uma mulher não tinha muitas chances de escolha. O caminho era o magistério primário e, como em Alagoinhas não havia Escola Normal, fui levada para o Colégio Nossa Senhora da Soledade, em Salvador, onde estudei durante seis anos como aluna interna ... . Nossos professores eram, na sua maioria, médicos e engenheiros. Afrânio Coutinho foi nosso professor de sociologia e Tobias Neto nos ensinou química. Este não se conformava em nos ver buscando um diploma de professora primária, queria nos ver na universidade ... . Diplomada em professora primária ... em dezembro de 1941, e aprovada em concurso para professor primário ... em janeiro de 1942, permaneci no magistério primário por três anos. Nesse período submeti-me aos exames do artigo 91 que davam um diploma de curso ginasial e cursei, à noite, o primeiro ano do curso de colégio, no Colégio Estadual da Bahia, sendo uma das quatro mulheres que naquele ano freqüentavam o curso noturno. Eu queria entrar na Faculdade de Filosofia e fazer o curso de matemática pois, além de não ter vocação para o magistério primário, eu nunca assumi a polivalência que, ainda hoje, se requer do professor primário ... . Eu não sentia dificuldade para estudar matemática e precisava trabalhar. Eu queria ser financeiramente independente. A filosofia me atraía, mas não tinha o mercado que a matemática oferecia (Dantas, 1993, p. 12).

Como o curso de matemática funcionava na FF, alguém poderia argumentar que o fato de terem optado pelo por ele seria algo irrelevante, pois, como explicam Barroso e Melo (1975) e Tosi (1981), a presença expressiva de mulheres em cursos universitários científicos não implicou maior presença feminina na atividade científica, pois, na maioria dos casos, essas mulheres seguiram para o magistério do ensino médio.

Um dos meus objetivos é tentar mostrar que, nesse caso, as coisas não foram tão simples assim, pois, além de maioria no corpo discente, estas mulheres ascenderam também como maioria do corpo docente de matemática da FF e do Instituto de Matemática e Física, fundado em 1960. Entretanto, antes quero destacar alguns aspectos gerais relacionados com a implantação das faculdades de filosofia no Brasil, com as mulheres e com a matemática.

As mulheres e as faculdades de filosofia

Trigo (1994) afirmou que a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL), em 1934, constituiu-se num marco histórico tanto para o ingresso das mulheres no ensino superior, como para a adoção de novos costumes e comportamentos que resultaram em novas regras de sociabilidade para as relações de gênero e em novas expectativas familiares e coletivas a respeito do lugar das mulheres na sociedade paulistana.

Segundo esta autora, as mulheres que ingressaram na FFCL durante as primeiras décadas de seu funcionamento foram, em geral, educadas dentro dos padrões tradicionais, que prescreviam o casamento e a maternidade como único destino possível para as mulheres; a separação rígida entre os sexos; e a família como eixo em torno do qual giravam os valores e os padrões de sociabilidade. Mas, ainda segundo ela, o ideário da faculdade, que propunha a divulgação de um saber desinteressado, contribuiu para que as famílias aceitassem o estudo universitário de suas filhas, que não seriam encaminhadas para uma profissionalização considerada masculina, incompatível com as funções femininas de mãe e esposa. Como essa adesão familiar não excluiu o projeto tradicional de casamento e maternidade, o resultado foi uma ambigüidade decorrente da vigência simultânea de novas e antigas práticas, que provocaram a tensão e o conflito que essas mulheres passaram a viver.

Segundo Trigo (op. cit.), pela primeira vez a sociabilidade acadêmica foi vivida por um grupo misto. Também as noções de hierarquia foram modificadas, pois o afastamento que caracterizava a relação professor_aluno em vigor nas faculdades tradicionais, foi substituído por uma sociabilidade comunitária, informal e amistosa que unia, para além dos muros da instituição, alunos e jovens assistentes. Entretanto, a autora destacou que as transformações significativas que ocorreram no espaço discente não se estenderam ao âmbito docente nas mesmas proporções, tendo ocorrido discriminação de gênero na escolha dos auxiliares e assistentes em muitos departamentos, embora essa discriminação não tivesse sido explícita. Os homens constituíam a grande maioria dos catedráticos e, embora muitas alunas tenham alcançado essas posições, apenas muito discretamente as mulheres conseguiram espaço no corpo docente.

Passos (1997a) concorda em parte com Trigo no que se refere ao acesso das mulheres ao ensino superior. Segundo ela, o papel das faculdades de filosofia seria diferente e oposto ao desempenhado pelas tradicionais faculdades de medicina, direito e engenharia: para as primeiras, a produção de um saber "elevado" e "desinteressado", em oposição ao saber "interessado", prático, produtivo e economicamente valioso, produzido e veiculado nas últimas. Da mesma forma, dedicação, diletantismo ou filantropia, de um lado, e profissionalização do outro. Assim, ainda segundo esta autora, as funções sociais distintas e opostas implicavam um perfil distinto para o corpo discente: mulheres predominavam nas faculdades de filosofia e homens nas faculdades tradicionais.

Mas, examinando o caso específico da FF, ela não chega à mesma conclusão que Trigo, não identifica qualquer tipo de contribuição do ingresso das mulheres nesta instituição para a transformação das relações de gênero. Baseada nas características dos objetivos da FF, definidos no seu estatuto; nas características do discurso de Isaías Alves, seu fundador e diretor por quase vinte anos, e na constatação da existência de uma divisão de trabalho, tanto entre professores quanto entre estudantes, segundo a qual os homens decidiam e as mulheres executavam, Passos (op.cit., p. 43) conclui que

As orientações da FF não se propunham a romper com os princípios básicos da formação da identidade dos gêneros, ao contrário, os homens continuavam se identificando com a figura do provedor, inteligente, criativo, empreendedor, enquanto que as mulheres, mesmo no nível universitário, deviam ser solidárias, companheiras, abnegadas. Em que consistiam, então, os "altos estudos", postos como sendo um dos objetivos da faculdade, se esta era majori-tariamente feminina? Certamente, se identificavam com o caminho da metafísica; com o desapego material; com a doação, com a solidariedade, com o não profissionalismo. Qualidades que são, historicamente, atribuídas ao sexo feminino, como fazendo parte de sua própria natureza.

Em seu trabalho mais recente, Passos (1999) aprofunda ainda mais a sua posição, propondo uma metáfora bastante elucidativa: ela identifica o "palco" como o espaço masculino e a "platéia" como o espaço feminino. Isto é, os homens, mesmo sendo minoria na FF, constituíam-se nos protagonistas das ações quando estava em jogo o poder de decisão e as questões políticas... enfim eram os atores no palco dos acontecimentos, enquanto as mulheres, mesmo sendo maioria, permaneciam na platéia, numa situação passiva, submissa, aceitando uma posição hierarquicamente inferior no jogo das representações de gênero.

Neste artigo pretendo argumentar que, no caso da matemática, esta divisão de espaços e papéis pode não estar correta. Tentarei mostrar, a seguir que as mulheres que constituíram a maioria do corpo discente do curso de matemática da FF também constituíram maioria do seu corpo docente e, dessa forma, contribuíram de forma efetiva e expressiva no processo de transformações institucionais e científicas da matemática, algumas delas sendo protagonistas desta história.

A matemática e as faculdades de filosofia

Durante o período da história brasileira delimitado pela implantação dos primeiros cursos militares e pela fundação das primeiras universidades, a matemática esteve ligada principalmente à engenharia, isto é, os matemáticos, os professores de matemática, as pessoas que dominavam um certo tipo de conhecimento matemático "superior" ou "escolar" geralmente eram engenheiros militares ou civis que "se doutoravam" nesta ciência, ao mesmo tempo que se formavam engenheiros. Por este motivo, as escolas politécnicas e as academias militares normalmente são destacados não como os únicos, mas como os principais espaços institucionais onde se desenvolveram a matemática "acadêmica" naquele período (Miorim, 1998; Valente, 1999; Silva, 1999; Silva, 1992). Portanto matemática e física foram atividades desenvolvidas quase que somente pelos homens durante aquele período não apenas porque certos valores sociais estabeleciam uma certa estratificação intelectual, que associava o científico, o abstrato e o matemático com o masculino, mas também porque as escolas politécnicas e as academias militares, por muito tempo redutos exclusivamente masculinos, constituíram-se nos principais espaços institucionais onde se desenvolveram atividades matemáticas e físicas de um certo tipo.

Com a fundação da Universidade de São Paulo (USP), e da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, com as suas respectivas faculdades de filosofia, a física e a matemática passaram por transformações institucionais expressivas: não apenas ganharam novos e importantes espaços institucionais, como também um novo status científico e social. Isto é, à medida que o matemático e o físico deixaram de ser identificados com o engenheiro e ganharam identificação profissional própria, independente, também as suas atividades assumiram pouco a pouco um novo estatuto científico e um novo significado social.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, ocorreu um processo de importação de cientistas estrangeiros que vieram intensificar, aprofundar e consolidar estas transformações, que já haviam sido iniciadas por brasileiros como Lélio Gama, Luiz Freire, Teodoro Ramos, entre outros. Com efeito, desde que Fantapié, Albanese, Mammana, Monteiro, Weil, Dieudonné, Zariski, e outros, aqui aportaram, dinamizou-se o processo de transferência de conhecimentos, técnicas, instrumentos, procedimentos, enfim, de institucionalização de uma certa cultura científica, de difusão de certas escolas matemáticas (Schwartzman, 1979; Hönig e Gomide, 1979; Castro, 1994; Silva, 1996).

Todavia, há de se considerar que esse processo de transformações institucionais se difundiu de forma diferenciada pelas diversas regiões do país, com peculiaridades próprias para cada um dos locais onde foi fundada uma faculdade de filosofia e onde foi implantado um curso de matemática ou de física. Na Bahia, por exemplo, não houve importação de especialistas estrangeiros nos primeiros vinte anos de existência da FF, mas seu corpo de catedráticos foi constituído por engenheiros, professores de matemática e física da Escola Politécnica (27%), médicos (40%), advogados (18%) e humanistas (15%), entre leigos e religiosos (Simões, 1990, p. 25).

No que se refere à caracterização da matemática como atividade tipicamente masculina, a criação das faculdades de filosofia, ao que tudo indica, não modificou a situação de forma significativa, exceto no caso da Bahia. É o que tentarei mostrar.

As fundadoras do Instituto de Matemática e Física (IMF)

Inicialmente, devo dizer que não considero a fundação de uma instituição como um fato, um momento, uma data ou evento, mas como um processo, que pode incluir uma série de fatos ou eventos que convergem para um certo fato ou evento particular, ocorrido numa certa data, como uma inauguração, uma solenidade, um ritual ou uma lei, que pode ser registrado como uma referência concreta ou formal da gênese de uma instituição que, entretanto, pode necessitar de algo mais, por exemplo, de mais uma série de fatos ou eventos para consolidar sua existência. São conhecidos exemplos de instituições natimortas, criadas no papel, mas que nunca existiram ou somente vieram a existir de fato tempos depois, como foi o caso da Escola de Minas de Ouro Preto (Carvalho, 1978).

Martha Dantas e o I Congresso de Ensino da Matemática

No caso do IMF, parece-me que uma boa referência inicial para o processo de sua fundação foi a realização do I Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, em Salvador, em 1955, sob a liderança da jovem professora de didática especial da matemática da FF, Martha Maria de Souza Dantas.

Martha Dantas discursa na abertura do I Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática.

Retornando desta viagem à Europa, Martha Dantas contou com o apoio do reitor Edgard Santos para a realização desse congresso, o que, ao meu ver, também se constituiu numa novidade, pois tratava-se de um evento incomum, com uma temática, no mínimo, inovadora e proposto por uma jovem professora (Dantas, 1996, p. 124). Mais adiante voltarei à questão das contribuições do reitor Edgard Santos para a fundação do IMF.

O Congresso de Ensino da Matemática tornou-se referência fundamental nesse caso porque foi nesse evento que se conheceram o professor Omar Catunda, à época catedrático de análise matemática da USP, e a recém-formada Arlete Vieira de Jesus (depois Arlete Cerqueira Lima) que, segundo depoimentos de pessoas que participaram do processo, alguns deles registrados nos Cadernos do IFUFBA, constituiu-se na principal articuladora da fundação do IMF, em 1960.

Arlete Cerqueira Lima e a Fundação do IMF

Em 1955, Omar Catunda (1985, p. 93) ficou impressionado com a situação da matemática baiana, chamando-lhe atenção "o enorme hiato existente entre os quatro professores catedráticos já idosos (da FF) e os jovens estudantes". Esta constatação foi um dos motivos do início de um importante e inédito intercâmbio entre jovens e recém-formadas professoras baianas e lideranças matemáticas paulistas e cariocas, que gerou tensão e expectativa para essas professoras. Para as jovens baianas e para as lideranças científicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, a situação local era de atraso, de anacronismo, seja pelos conteúdos do ensino, seja pela ausência de um certo modelo de pesquisa matemática sistemática, conduzida por profissional especializado e sem outras finalidades que não o desenvolvimento da própria ciência, como mostra o seguinte depoimento de Catunda (op. cit., p. 95)

Alguns comentários que ouvi a respeito do Instituto de Matemática e Física dão bem idéia do atraso em que se encontrava o meio acadêmico. Um professor da Escola Politécnica, muito conceituado como pessoa de grande cultura, insistiu comigo em que o instituto devia se limitar à formação de professores para suprir as necessidades das outras unidades, desistindo de ensinar teorias mais elevadas e principalmente de fazer pesquisas. Outro professor de física da mesma escola, criticando os programas de cálculo e de física propostos pelo instituto, afirmou que a idéia predominante entre seus colegas era de que devia ser reduzido ao mínimo o ensino das ciências básicas, dizendo que "a Bahia precisa de engenheiros em grande número, e basta que saibam consultar tabelas" ... . Outros combatiam o instituto alegando que a Universidade da Bahia devia ter uma orientação humanística e não técnica.

Essa noção de atraso, internalizada por elas, gerou uma expectativa de transformação, de inovação nas atividades matemáticas desenvolvidas na Bahia, que começou a se realizar, inicialmente, com os estágios de atualização e formação científica realizados pelas baianas em São Paulo e no Rio de Janeiro e, posteriormente, com a criação do IMF (Cerqueira Lima, 1985).

A primeira das baianas formada no curso de matemática da FF que seguiu para São Paulo com a finalidade de completar sua formação foi Arlete Cerqueira Lima (op. cit., p. 43):

Catunda abordou-me e fez a oferta; senti-me lisonjeada, mas reagi: meu ideal era ser professora secundária, adorava os meus alunos e tinha um entusiasmo enorme pelas aulas que dava; além disso, estava noiva, ia me casar ... . Catunda insiste, passa no CNPq e envia-me os formulários para a obtenção da bolsa, oferecendo-se para meu orientador; o noivo apóia e faz questão!

Novamente estamos diante das dificuldades e dos limites impostos pelas relações sociais de gênero da época para a trajetória e o sucesso profissional das mulheres em geral e para as mulheres cientistas, em particular. Para Arlete Cerqueira Lima, como no caso de Martha Dantas, deixar a Bahia para realizar estudos de pós-graduação em São Paulo também significou algo extraordinário! Mas estas foram apenas algumas das dificuldades enfrentadas, às quais foram acrescidas outras de ordem científica e acadêmica, como podemos ver em suas próprias palavras:

Em 1957 estou eu na USP entrando pela primeira vez em contato com a chamada matemática moderna: da teoria dos conjuntos às estruturas algébricas e topológicas. Quanto ao cálculo diferencial e integral, em um ano, em São Paulo, foi dado tudo que vi em quatro anos na Bahia, com o agravante de que, lá, o livro texto era o de Catunda e aqui, o de Granville. Eu estava perplexa com a minha ignorância, com o nível da matemática na Bahia!

Pessoal de matemática do Instituto de Matemática e Física da Universidade da Bahia: Arlete Cerqueira Lima, Albretch Hoppman, Eliana Costa Nogueira, Violeta Rogério Freire de Carvalho, Maria Augusta de Araújo Moreno, Eunice da Conceição Guimarães, Norma Coelho de Araújo, Nilza Rocha Medrado Santos, Martha Dantas, Neide Clotilde de Pinho e Souza, Renata Becker Denovaro e Rubens Gouveia Lintz (1960).

Como já dissemos, o contato com a realidade científica da USP fez nascer em Arlete uma expectativa de transformação da realidade matemática baiana. Nas suas idas e vindas para São Paulo, manteve contato com o CNPq, reivindicou bolsas para outras baianas, procurou o reitor Edgard Santos denunciando-lhe a situação e, finalmente, após alguns percalços, em 1959, obteve dele a incumbência de organizar um Instituto de Matemática!

Sou obrigado a perguntar novamente: o que esses fatos significaram para a época? Uma mulher, que ainda não completara trinta anos, recém-formada, intrometendo-se nas articulações político-acadêmicas, reivindicando e propondo junto a autoridades públicas federais, enfim, recebendo do reitor Edgard Santos tamanha responsabilidade! É certo que, naquela época, os projetos iconoclastas do próprio reitor já o deixavam isolado no âmbito da Universidade da Bahia, de modo que, para ele, era uma questão de sobrevivência política buscar novos aliados para se fortalecer no campo acadêmico (Pinheiro, 1994; Risério, 1995).

Devido às resistências que esse projeto gerou no âmbito da universidade, Arlete articulou-se com Ramiro Porto Alegre Muniz, físico e diretor da Escola de Geologia, e propuseram a criação do Instituto de Matemática e Física, cujo primeiro diretor, Rubens Lintz, tomou posse em 1960, tendo sido indicado por Leopoldo Nachbin, após intermediação da própria (Cerqueira Lima, 1985, p. 46).

Em 1963, Omar Catunda (1985, p. 92) retornou em definitivo para Salvador para assumir a diretoria do IMF, também por causa da atuação de Arlete, como ele próprio declarou: "Em 1962, minha vida particular entrou em crise e eu resolvi mudar de ambiente ... . Deixei a família ... e vim para Salvador ... já havia tido por correspondência, de Arlete Cerqueira Lima, a garantia de que ocuparia o cargo de diretor do Instituto de Matemática e Física."

Mas não se restringiu a isso a contribuição de Arlete Cerqueira Lima para a fundação do IMF. Além de ser responsável pela introdução dos primeiros cursos regulares da chamada "matemática moderna" (teoria dos conjuntos, álgebra linear, álgebra moderna, topologia dos espaços métricos, lógica matemática e funções analíticas) na Universidade da Bahia, ela e Martha Dantas desempenharam importante papel político para a sobrevivência do IMF depois da saída de Edgard Santos da reitoria e de sua morte:

Edgard Santos sai da reitoria, mas enquanto vivo protegia o IMF; após a sua morte, ganham corpo as manobras para extirpá-lo da UFBA. A figura da profa. Martha Dantas foi muito importante nesta fase. Social e politicamente bem relacionada, ela muito nos ajudou na defesa do IMF. Fomos juntas a Brasília para conseguir verbas. Falamos com autoridades políticas (Cerqueira Lima, 1985, p. 46).

Essa trajetória foi narrada pela própria Arlete em um depoimento, mas encontra respaldo em depoimentos de outros participantes desse processo citados neste trabalho, e foi reconhecida em 1995 quando recebeu o título de Professor Emérito da UFBA.

As contribuições de outras mulheres

Devido a essa forte oposição, o processo de consolidação da nova unidade universitária ainda prolongou-se durante alguns anos, quando também foi fundamental a participação de outras mulheres. Nesse período, o IMF funcionava nas dependências da FF, não sendo um órgão de ensino, mas um centro de estudos e pesquisas. Isso possibilitou um certo intercâmbio com as próprias professoras da FF, como relata Jolândia Serra Vila (1996, p. 56), professora aposentada do Instituto de Matemática da UFBA (IM/UFBA), ex-aluna e ex-professora da FF e do IMF:

Tendo iniciado o meu curso em março de 1960, tive a desilusão de ver toda a universidade parar de abril a outubro de 1960, por adesão a uma greve "estudantil" ... . Assim, estando sem aula, aproveitei o tempo para freqüentar o recém-inaugurado Instituto de Matemática e Física. ... Participei ativamente dos trabalhos ... freqüentei cursos, participei de seminários, enfim fiz excelente reciclagem dos meus conhecimentos e um produtivo contato com jovens professores vindos do Rio de Janeiro, São Paulo e do exterior ...

... era profunda minha ligação com o Instituto de Matemática e Física não só por ser bolsista dessa instituição por muitos anos, mas também porque meus professores no curso de matemática foram, numa porcentagem de aproximadamente oitenta por cento, os professores do Instituto de Matemática e Física.

Também Rubens Lintz (1996), o primeiro diretor do IMF, referiu-se à grande movimentação dos primeiros tempos:

Entretanto, um grupo de jovens talentosos se recolhia dentro das paredes do IMF e aí, como se tratasse de um movimento subversivo, faziam cursos e seminários de análise, álgebra, geometria e demais disciplinas básicas. O entusiasmo maior vinha de Martha Dantas e Arlete, somados a Ramakrishna e Nilza. Havia outros nomes mais jovens como Jolândia e Pepe da Física. Enfim, todos no IMF eram extremamente dedicados e ávidos de progredir.

Interessante notar que dos seis nomes lembrados por Lintz temos cinco matemáticos, sendo quatro mulheres. Isso não ocorreu à toa. Como já destaquei, era expressiva e majoritária a presença feminina no corpo discente do curso de matemática da FF. Parte dessas estudantes tornaram-se professoras, de modo que o corpo de assistentes também era majoritariamente feminino (ver Anexo 1 Anexo 1 ).

Despedidas de Yukiyosi Kawada: Valderez Lintz, Rubens Gouveia Lintz, Albretch Hoppman, Maria Augusta Moreno, Benedito Leopoldo Pepe, Ramakrishna Bagavan dos Santos, Jolândia Serra Vila, Arlete Cerqueira Lima, Martha Maria de Souza Dantas, Eliana Costa Nogueira, Eja da Silveira Souza, Renata Becker Denovaro, Maria Auxiliadora Sampaio Araújo.

O quadro de professores assistentes de matemática da FF é surpreendente, pois sua configuração não é bem consistente com os resultados normalmente apresentados pela literatura, que enfatiza as grandes dificuldades enfrentadas pelas mulheres para ascender à condição docente e a minoria feminina nessa posição, principalmente se for considerada a época, quase quarenta anos atrás, e a área, matemática, sempre mais favorável para o "sucesso" profissional masculino. Alguns autores consideram essas configurações como totalmente "anormais" e explicam essas ocorrências alegando que, em casos como esse, trata-se de posição ou função com pouco reconhecimento, visibilidade, importância ou status social, que não atrai interessados masculinos e que, por isso mesmo, teria uma predominância feminina (Velho e León, 1998).

Tenho notícias de que em instituições como a UFRJ ou a USP houve matemáticas que alcançaram posições semelhantes: Elza Furtado Gomide tornou-se assistente de análise matemática da USP na década de 1950, enquanto Maria Laura Mousinho Leite Lopes tornou-se assistente de geometria em 1943, livre-docente em 1949 e membro da Academia Brasileira de Ciências em 1951.

Quando foi criado o Instituto de Matemática e Física da UFBA ... participei de vários cursos ... (1) Variedades Diferenciais e Equações Diferenciais, ministrado pelo prof. Omar Catunda ... (2) Teoria de Galois (intensivo) pelo prof. Jacy Monteiro; (3) Funções Analíticas (intensivo) pelo prof. Jorge Barroso; (4) Espaços Métricos (intensivo) pela profa. Elza Gomide; (6) Análise Real pelo prof. Rubens Gouveia Lintz; (7) Topologia Geral pela estagiária Maria Augusta Araújo Moreno; (8) Álgebra Linear (seminário em rodízio), orientado pela estagiária Arlete Cerqueira Lima (Santos, 1996, p. 49).

Embora depoimentos como esse, de Nilza Medrado, professora aposentada da UFBA, ex-aluna e ex-professora da FF, sempre façam referência à presença de professores visitantes no IMF, eles, quase sempre, ministravam cursos intensivos, após os quais retornavam às suas instituições de origem — pois era muito difícil mantê-los na Bahia — enquanto permaneciam as "estagiárias" como constituintes do corpo local que, seguindo a liderança científica de Omar Catunda, tinham a incumbência de dar continuidade aos trabalhos iniciados (Dantas, 1993, p. 24).

Entretanto, para cumprir essas tarefas, elas enfrentaram dificuldades:

Ao retornar do 5º Colóquio (1965) quis adotar na FF como texto para os alunos do segundo ano, no segundo semestre, o texto do curso álgebra linear e geometria euclidiana dado por Alexandre Martins Rodrigues. Ao tomar conhecimento o prof. Aristides opôs-se e tentou me demover ... . Em Chicago sentira quão prioritário e básico era o estudo da álgebra linear que não pertencia ao currículo. Não cedi. Criou-se um impasse só resolvido com o trancamento da matrícula na disciplina pelos alunos e a boa vontade do então diretor (sucessor de Aristides, por sua vez de Isaías Alves de Almeida, o fundador da FF) prof. Thales de Azevedo (Cerqueira, 1996, p. 37).

Sobre essa passagem, alguns comentários: primeiro, Alexandre Martins Rodrigues é professor aposentado do Instituto de Matemática e Estatística da USP, pertencente à segunda geração de brasileiros que compuseram o quadro de matemáticos dessa instituição. É interessante notar que, segundo depoimento do próprio Alexandre (1998), o primeiro curso de geometria analítica seguindo um enfoque da álgebra linear somente foi ministrado na Politécnica da USP em 1958, por ele mesmo. Foi justamente esse curso que Maria Helena Lanat tentou introduzir na Universidade da Bahia, enfrentando oposição de professores e alunos.

Segundo, Aristides da Silva Gomes era o catedrático de geometria da FF, elogiado nos depoimentos que utilizo nesse trabalho como grande professor e didata, incentivador da carreira matemática de Maria Helena Lanat, desde que ela prestou o vestibular, sendo mais tarde sua assistente, até assumir a cadeira de geometria:

Para a disciplina complementos de geometria (até então lecionada pelo catedrático Elísio Lisboa) ... o prof. Aristides impôs do Annibale Caomessantti Lezioni di Geometria analítica e Projettiva, a parte projetiva — havia todo um processo: inicialmente eu traduzia cada capítulo e depois juntos corrigíamos a tradução; daí por diante desde enviar a correção à datilografa, conferir, colocar símbolos até entregar a apostila grampeada aos alunos, eu cuidava ... estava casada com a matemática (Cerqueira, op. cit.).

Entretanto, isso não foi suficiente para evitar uma controvérsia, no momento em que ela tentou inovar, substituindo o modelo proposto e ensinado pelo próprio mestre por outro, trazido das viagens feitas pelo mundo da matemática.

Na verdade, esse episódio é bastante representativo de todo o processo ocorrido com a matemática na Universidade da Bahia neste período que estamos examinando. Mulheres, como Maria Helena Lanat, que entraram no curso de matemática, concluíram-no e tornaram-se professoras graças, é certo, ao trabalho que desenvolveram, à competência que demonstraram, enfim, graças a um conjunto variado de fatores, das mais diversas ordens, entre os quais, não podemos ignorar, o trabalho, o ensino e o incentivo de professores como Aristides Gomes. Entretanto, eles eram representantes de uma cultura que estava sendo substituída ou transformada, sendo que elas foram agentes destacadas dessa transformação. Ele, um engenheiro que se fizera professor de matemática, ela matemática formada como tal. A matemática dele evoca Newton, Leibniz, Descartes, a dela, Cantor, Riemann, Boubarki... Uns, do tempo em que professor de matemática era homem, outras do tempo em que a ciência também pode ser vista de outras formas.

Conclusão

Comecei este artigo apresentando uma constatação surpreendente: a presença majoritária das mulheres no corpo discente do curso de matemática da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia. Surpreendente porque ainda hoje as mulheres optam por carreiras profissionais tradicionalmente aceitas como femininas, permanecendo as áreas vinculadas de alguma forma com a matemática como redutos masculinos.

As surpresas continuaram, pois parte destas mulheres ascendeu à posição de professoras de matemática da FF e do Instituto de Matemática e Física, constituindo-se na grande maioria do quadro docente destas instituições, contradizendo mais uma vez o que está dito na literatura sobre o assunto: as mulheres formadas pelas faculdades de filosofia destinavam-se ao magistério de segundo grau e minoritariamente ocuparam posições docentes no ensino superior.

Mais do que isso, destaquei ações de algumas professoras de matemática da FF que me permitiram caracterizá-las como fundadoras do IMF, ao final da década de 1950 e início da de 1960. Isto é, estas professoras não ocuparam posições secundárias na história recente da matemática na Bahia, mas desempenharam papéis de protagonistas desta história. Em especial, destaquei as contribuições de Martha Maria de Souza Dantas, coordenadora do I Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, e de Arlete Cerqueira Lima, idealizadora do processo que resultou na fundação do IMF.

Além de dar a merecida visibilidade às mulheres, que normalmente são esquecidas ou relegadas a segundo plano pelos historiadores das ciências (da matemática), aponto também para algumas possibilidades no âmbito da história das ciências (da matemática) no Brasil contemporâneo, visto que, além de mudar o foco da análise histórica para um centro normalmente avaliado como secundário ou sem importância (Nachbin, 1996, p. 31), aponto para certos tipos de relações, valores e normas sociais que somente há pouco tempo têm sido considerados com a devida atenção pelos historiadores das ciências: as relações de gênero.

Até que ponto a singular presença majoritária das mulheres no corpo docente do IMF contribuiu para que a Bahia permanecesse numa posição secundária no conjunto das instituições de pesquisa matemática no Brasil? Até que ponto os preconceitos e discriminações em relação às mulheres, tão comuns no meio científico, contribuíram para a trajetória matemática das mulheres baianas, refletindo-se também nos caminhos do IMF? Será que em algum momento as lideranças matemáticas brasileiras e os órgãos de fomento discriminaram o IMF por conta do singular perfil feminino do seu quadro docente?

Estas são algumas questões pertinentes que decorrem do que apresentei aqui e do que diz a literatura sobre ciência e gênero. São perguntas cujas respostas ainda precisam ser encontradas, seja por novos estudos sobre a história da matemática na Bahia, seja por estudos que comparem a história da matemática da Bahia com a de Pernambuco ou do Ceará, só para citar dois exemplos nordestinos. É possível que novas surpresas estejam reservadas para o futuro, pois, assim como constatei neste trabalho, as novas respostas obtidas poderão não se ajustar muito bem àquilo que está bem estabelecido na literatura.

Recebido para publicação em abril 2000.

Aprovado para publicação em julho de 2000.

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Anexo 1

Anexo 2

  • 1
    Ao tornar-se responsável pelo curso de didática especial da matemática da Faculdade de Filosofia em 1952, Martha Dantas chegou à conclusão de que o principal problema do ensino desta disciplina, no Brasil, não era o estudo dos seus métodos, mas o isolamento dos seus professores e a falta de coordenação e orientação das iniciativas profissionais e institucionais. Foi então que solicitou à universidade e ao Estado permissão para observar o ensino da matemática e a sua organização na Bélgica, na França e na Inglaterra (Dantas, 1954).
    O que este fato significou para a época? Uma mulher, com aproximadamente trinta anos, ausentar-se do país, viajar a fim de observar como era praticado e organizado o ensino da matemática na Europa! Do ponto de vista das regras de sociabilidade determinadas pelas relações de gênero vigentes há cinqüenta anos, certamente foi algo inusitado, pois, como foi dito anteriormente, estas regras empurravam as mulheres para o casamento e a maternidade, sendo indesejável o exercício de uma profissão e, além disso, impunham uma separação rígida entre os sexos, de modo que, mesmo para as mulheres adultas, existia um controle ostensivo dos ambientes freqüentados.
    Do ponto de vista científico, pedagógico e acadêmico, a atitude de Martha Dantas também foi inovadora. Seu pioneirismo foi amplamente reconhecido no meio profissional quando ela foi escolhida como presidente de honra da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), no I Encontro Nacional de Educação Matemática (PUC, São Paulo, 1987). Ela dominava dois ou três idiomas estrangeiros, o que lhe permitia acompanhar os debates profissionais que eram travados nos periódicos europeus da época. Dessa forma, tanto lhe foi possível reconhecer como a questão do intercâmbio
  • 2
    e do planejamento institucional eram fundamentais para o sucesso das atividades educacio-nais, acadêmicas e científicas, como também lhe foi possível projetar um exercício moderno, científico e profissional para a educação matemática. Eram inovações que começavam a ser implantada nos países mais desenvolvidos, na Europa e nos Estados Unidos, onde o ensino tradicional da matemática começou a ser substituído pela "matemática moderna". Como afirmou a própria Martha (1954, p. 133): "A matemática continua sendo ensinada como se fosse uma coberta de tacos: um pedaço de aritmética, depois um pedaço de geometria ou álgebra: esgota-se uma parte para começar a outra. Não se faz ensino paralelo, nunca se foi orientado para tal e a geometria é sempre a última parte a ser considerada."
  • 3
    Contudo, aproveitando os dados registrados nos anexos da dissertação de Freitas (1992), é bom notar que, na área de matemática, das 12 teses de doutorado e de cátedra defendidas na FFCL, até 1954, somente duas foram feitas por mulheres, enquanto que, de 1936 a 1951, 42% (46 de 110) dos formados eram mulheres.
    Portanto, o fato mais interessante é que, na FF, não tivemos um ou outro caso isolado, mas uma predominância feminina, inclusive no nível docente. E, do nosso ponto de vista, o que mais importa é a atuação que elas tiveram nesse processo de transformação institucional da matemática. Pois foram justamente essas professoras assistentes que, participando das atividades do IMF, assistindo a alguns cursos ministrados por professores visitantes, ministrando outros para jovens estudantes da própria FF, se constituíram nos agentes locais de recepção e difusão de uma nova cultura matemática. De fato, algumas delas foram as primeiras a fazer cursos de atualização e aperfeiçoamento na USP, no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e no estrangeiro, retornando para atuar na FF, no curso de matemática e no IMF, na implantação dos novos cursos e na difusão dos novos conhecimentos com os quais tiveram contato em suas viagens (ver
    Anexo 2 Anexo 2 ).
    Note-se que essas bolsistas, todas elas, tornaram-se professoras do IMF, umas antes, outras depois, mas logo no início da década de 1960. Todas tornaram-se participantes ativas das atividades do IMF desde o início:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2001

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2000
    • Recebido
      Abr 2000
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