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TESES

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"É preciso ser piedoso": a imagem social do médico de senhoras — Belo Horizonte, 1907-39

Rita de Cássia Marques

Tese de doutoramento, 2003 Universidade Federal Fluminense (UFF) Departamento de História cmarques@lcc.ufmg.br

O processo de medicalização no Brasil foi tratado por muitos autores como "avassalador". O discurso médico facilmente se sobrepôs aos demais. Nessa tese, procura-se relativizar a força do discurso dos médicos frente às influências da moralidade e da religião, que envolviam o estabelecimento da relação médico-paciente na ginecologia.

Institucionalizar a medicina em Belo Horizonte, no início do século XX, exigiu dos médicos mais do que criar hospitais, faculdade de medicina e normas para o funcionamento da sociedade. No trato das "senhoras", os médicos precisavam ganhar a confiança das mulheres e, principalmente, de seus familiares masculinos, verdadeiros guardiões do corpo feminino. Para ter essa confiança, o bom médico, católico fervoroso ou não, precisava, além de dominar a técnica, ser piedoso, ter compaixão de seus clientes, respeitar a moralidade e os costumes da sociedade, fazer gestos constantes de caridade, ser muito sigiloso e ter desprendimento. Em busca da imagem do homem perfeito, que, em última instância, os confundiam com os santos, os médicos foram se estabelecendo na cidade.

As fontes utilizadas para mapear o crescimento da confiança no trabalho médico vieram, fundamentalmente, do arquivo privado de Francisco e Hugo Furquim Werneck, pai e filho ginecologistas, sendo o dr. Hugo o primeiro a se anunciar como tal em Belo Horizonte. No seu acervo particular, estão as cartas pedindo consulta, em sua grande maioria, escritas por pais e maridos, e as cartas de agradecimento, onde aparecem claras referências ao médico piedoso e um tratamento semelhante ao dispensado aos santos. A intimidade das pacientes e os anseios e temores dos médicos em se tornarem referência são revelados não só nas cartas como nos muitos livros de memórias.

Essas privilegiadas fontes mostram um processo de institucionalização da medicina diferente dos obtidos, simplesmente, a partir dos discursos médicos. O mundo doméstico, a religiosidade feminina e as dificuldades de um homem estranho (o médico) para ter acesso ao corpo da mulher, dificilmente foram relatados como obstáculos sérios à medicalização.

Em Belo Horizonte, o modelo de médico piedoso na ginecologia é colocado à prova em 1936, com um concurso para a cátedra de ginecologia da Faculdade de Medicina. O médico piedoso perdeu o concurso, mas não o seu lugar na estima da clientela. O médico "ateu", que venceu o concurso, sem o apoio da Santa Casa e com a desconfiança da população, tornou-se defensor das pesquisas médicas e só conseguiu ter campo para aulas práticas quando fundou seu próprio hospital. Esse hospital, contudo, ficou conhecido como o "hospital das irmãs do chapelão" ou "Pavilhão da Medalha Milagrosa", numa clara referência às irmãs vicentinas que ajudavam no atendimento da clientela.

Mesmo num cenário bastante modificado pela ação dos médicos, a religião ainda tem influência na relação entre médicos e pacientes, como ilustra a visita que o ex-ministro da Saúde, José Serra, fez à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), em 1998, para pedir auxílio dos bispos na campanha contra o câncer ginecológico. Falar nas missas sobre a prevenção, no entender do ministro, talvez ajudasse a convencer os maridos a deixarem suas esposas freqüentarem o consultório ginecológico.

As histórias da Comissão Científica de Exploração (1856) na correspondência de Guilherme Schüch de Capanema

Rachel Pinheiro

Dissertação de mestrado, 2002 Instituto de Geociências/Unicamp Rua Eduardo Modesto, 166 (fd), Vila Santa Isabel 13084-615 Campinas —SP Brasil

A dissertação apresentou as histórias da Comissão Científica de Exploração — conhecida também, entre outros nomes, como Comissão do Ceará, ou apenas Científica, contadas através do meu olhar sobre a correspondência do naturalista participante da comissão, Guilherme Schüch de Capanema, diretor da Seção Geológica e Mineralógica da citada comissão.

Criada em 1856, a Científica teve como principal missão organizar uma viagem científica de exploração para trazer para o Museu Nacional (1818) e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) (1838), no Rio de Janeiro, informações e objetos de história natural das províncias do norte e nordeste do Brasil, consideradas pelos contemporâneos do período como as menos conhecidas do país. Composta exclusivamente por naturalistas nacionais, a Comissão Científica centrou seus trabalhos principalmente na província do Ceará, onde permaneceu por dois anos, retornando ao Rio de Janeiro em 1861.

O capítulo I da dissertação tratou da cultura científica das Viagens Científicas de exploração, inserindo a Comissão do Ceará no contexto político, científico e cultural do Rio de Janeiro e do Brasil em meados do século XIX. Foram identificadas e caracterizadas três grandes etapas gerais das Viagens Científicas: o preparo, o deslocamento pelo território e o trabalho pós-campo. Destacamos as produções textuais presentes em cada uma delas, enfatizando as correspondências pessoais, sobre as quais centramos o nosso trabalho.

No capítulo II foi feito o trabalho de mapeamento das redes de sociabilidade que amparavam as pesquisas em história natural no Brasil do século XIX, apoiado na análise das Instruções de Viagens e nos Relatórios das Atividades da Comissão. Fizeram parte da rede integrantes da Comissão Científica: Francisco Freire Allemão, Guilherme de Capanema, Manoel Ferreira Lagos, Giacomo Raja Gabaglia e Antônio Gonçalves Dias, além de outros personagens de expressão que apresentaram elos pessoais ou profissionais com a comissão: Manoel de Araújo Porto Alegre, Frederico Leopoldo César Burlamaque e o imperador. Também compuseram a rede instituições como o IHGB, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Brasileira (1827), o Museu Nacional e a Sociedade Velosiana (1850).

No capítulo III, analisamos as correspondências pessoais trocadas entre os naturalistas da Comissão Científica, tendo como eixo central a rede de contatos tecida por Guilherme de Capanema e Antônio Gonçalves Dias em suas cartas. Tais documentos, usados como fonte principal de análise, nos levou a concluir que a Comissão Científica contribuiu com a história natural do Brasil de forma mais intensa do que a historiografia em geral divulgou até então.

Semeando memórias no jardim: documentos e memórias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Christiane de Assis Pacheco

Dissertação de mestrado, 2003 Memória Social e Documento, Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) Rua Silveira Martins, 40/303 22221-000 Rio de Janeiro — RJ Brasil assispacheco@yahoo.com.br

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma instituição quase bicentenária de reconhecida importância histórica e cultural, mas que pouco preservou e mesmo destruiu parte de seu arquivo histórico. O descaso em relação ao arquivo não significa, no entanto, que a instituição e seus principais atores, os botânicos, tenham deixado de lado sua história e sua memória. A partir da metodologia da história oral, de pesquisa histórica e de indagações teóricas, analisamos neste trabalho: a institucio-nalização da ciência botânica no Brasil e a história do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, entendendo que a valorização da memória e dos acervos documentais de instituições científicas é proporcional ao valor atribuído pela sociedade e pelo governo à própria atividade científica de uma forma geral; o destino do arquivo histórico do Jardim Botânico e o valor atribuído aos diferentes documentos gerados nas atividades dos botânicos da instituição. Se nela não há um arquivo histórico propriamente dito, os botânicos consideram que a maioria das informações históricas de que necessitam estão presentes no herbário da Casa, em forma de plantas secas e de anotações a elas anexadas; de que forma a memória do grupo, hoje, se articula para imprimir a marca da pesquisa científica num espaço que é entendido pela população, sobretudo, como um local de lazer da cidade. Assim como as memórias, algumas publicações procuram dar ênfase ao passado científico da Casa, como se a missão atual da instituição tivesse sido sempre a mesma. Vemos ainda, através das entrevistas, que a memória do Jardim Botânico está presente nas tradições científicas e nas histórias contadas pelos "mestres" da Casa. Através deste estudo, procuramos contribuir para o entendimento das relações existentes entre memória, espaço, documento e construção de identidades, bem como investigar os motivos para o descaso com a documentação de uma instituição científica.

Brigadas Sanitárias e a febre amarela na cidade de Santos: 1903-38

Marcos da Silva

Dissertação de mestrado, 2003 Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Av. Saturnino de Brito, 259/21 11070-001 Santos — SP Brasil engmarcos@terra.com.br

Este trabalho procura resgatar a história das Brigadas Sanitárias de combate ao Aedes aegypti que ocorreu na cidade de Santos no início do século XX. Nesse contexto, são identificados os fatores que favoreceram a ocorrência da febre amarela e o impacto que essas campanhas sanitárias causaram na transmissão dessa doença. O presente estudo é desenvolvido através de uma perspectiva epidemiológica, tentando associar aspectos nosológicos, ecológicos e socioeconômicos com as Brigadas. Para tanto, foi necessário realizar um levantamento de dados sobre a história da formação da cidade, da febre amarela e do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. Durante a segunda metade do século XIX, a população santista foi obrigada a conviver com as epidemias de febre amarela que ceifaram mais de oito mil vidas em cinqüenta anos. A maior incidência da doença ocorreu na década de 1890 com a chegada de imigrantes europeus com destino às lavouras de café no interior do estado. O porto de Santos se consolidou como grande eixo de exportação de produtos agrícolas, ao mesmo tempo que importava os mais variados tipos de pestilências trazidas pelo comércio marítimo. Por outro lado, a falta de saneamento na cidade e o desconhecimento da nosologia da febre amarela propor-cionaram hábitos na população favoráveis ao desenvolvimento do vetor. Com a série de experiências realizadas no início do século XX, comprovando a transmissão da febre amarela urbana pelo Aedes aegypti, foi declarada guerra a esse inseto com campanhas sanitárias capazes de remover ou destruir recipientes com condições de acumular água. Em 1903, foi organizada a primeira campanha sanitária em Santos, conhecida como: "Brigada contra mosquitos e moscas". As Brigadas desempenharam um importante papel para a extinção da febre amarela urbana nas cidades paulistas, não sendo detectado um único caso da doença a partir do ano de 1905. Entretanto, a existência da doença em outras regiões do país e a ocorrência de casos da forma silvestre da febre amarela obrigaram o Serviço Sanitário de São Paulo a manter essa metodologia de profilaxia com o objetivo de evitar a reurbanização da febre amarela. Como conseqüência, Santos foi priorizada no combate ao mosquito, pois o retorno das epidemias na cidade poderia provocar a interrupção do comércio marítimo e a disseminação da febre amarela para o interior do estado. Por fim, em 1938 com a febre amarela e o mosquito sobre controle, as Brigadas foram repassadas ao Governo Federal por falta de recursos financeiros.

Alienação mental e raça: a psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros na obra de Raimundo Nina Rodrigues

Ana Maria Galdini Raimundo Oda

Tese de doutoramento, 2003 Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Ciências Médicas Rua Maria Monteiro, 786, cj. 63 13025-151 Campinas, SP. anaoda@uol.com.br

Esta tese enfoca um aspecto da história da medicina brasileira no período inicial da constituição de suas especialidades, entre elas a psiquiatria e a medicina legal. De forma geral, o trabalho analisa as repercussões no Brasil de determinadas teorias médicas que relacionavam os conceitos de raça, mestiçagem, degenerescência e alienação mental.

O ponto principal deste trabalho é o estudo da obra do médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), professor de medicina legal da Faculdade de Medicina da Bahia, que defendia a existência de particularidades nos negros e nos mestiços brasileiros, com relação à sua psicopatologia e à sua imputabilidade penal.

Analisa-se a sua extensa produção científica, publicada no Brasil e no exterior, de 1890 a 1906, privilegiando-se os seus estudos de psicopatologia comparada, em que os conceitos supracitados se articulam e se mostram em ação, na descrição de casos clínicos.

Ainda que a tese se concentre nas idéias expressadas por Nina Rodrigues, destaca também o psiquiatra baiano Juliano Moreira (1873-1933), enfatizando as suas formulações sobre a não-ligação entre raça, degenerescência, neuropatologia e psicopatologia; em síntese, sua contraposição a Nina Rodrigues quanto às crenças na inferioridade mental inata do negro e no efeito negativo da mestiçagem, no caráter físico, mental e moral dos brasileiros.

A fim de contextualizar historicamente o instrumental teórico usado pelos autores citados, em capítulos preliminares se apresentam as teorias raciais no século XIX e a construção do racismo científico, bem como as visões de estrangeiros sobre as raças e a escravidão no Brasil. Aborda-se ainda a exploração psicopatológica comparativa feita por alienistas europeus entre povos ditos primitivos; a seguir, se analisa a evolução do conceito de degenerescência e suas propostas relações com a etiologia da alienação mental e se faz uma breve história da antropologia criminal.

Ao traçar a trajetória intelectual de Raimundo Nina Rodrigues e de Juliano Moreira evidencia-se que, a despeito de suas divergências, ambos se caracterizavam por uma postura epistemológica que valorizava a obtenção de conhecimentos a partir de pesquisas realizadas no contexto brasileiro. Os grandes debates internacionais do alienismo e da medicina legal da época, sob a óptica destes dois médicos brasileiros, deixam-se entrever em seus escritos.

Num momento histórico marcado pela fé na ciência e no progresso, os homens da ciência acreditaram poder e dever intervir nos destinos da nação, atuando dentro e fora do Estado. Neste sentido, as trajetórias pessoais de Raimundo Nina Rodrigues e de Juliano Moreira refletiram o caminho trilhado pela medicina brasileira, no período de 1890 a 1930.

Resumos dos trabalhos apresentados no Simpósio Temático História das Idéias e das Práticas sobre Saúde e Doença XXII Simpósio Nacional de História — ANPUH

Abstracts of the papers presented at the Simpósio História das Idéias e das Práticas sobre Saúde e Doença XXII Simpósio Nacional de História — ANPUH

Dilene Raimundo do Nascimento (COC/Fiocruz-RJ); Beatriz Teixeira Weber (UFSM-RS); Betânia Gonçalves Figueiredo (UFMG-MG)

Coordenadoras: João Pessoa, 28 de julho a 1 de agosto de 2003

SESSÃO I: AS EPIDEMIAS

Epidemia: evento ou narrativa

Anny Jackeline Torres Silveira

Coltec — UFMG anejack@terra.com.br

Examinando os eventos epidêmicos nas sociedades passadas, Charles Rosemberg afirma a existência de um modelo arquetípico de reações, definindo-o como 'a dramaturgia das epidemias'. O autor identifica, desde a Antiguidade, um conjunto de aspectos observáveis em qualquer fenômeno epidêmico que torna possível o estabelecimento de um enredo, no qual atos sucessivos vão formando uma seqüência narrativa previsível.

Ao estudar a expansão da gripe espanhola nos Estados Unidos, Alfred Crosby afirma, ao contrário, que, como outros eventos biológicos, aquela experiência teria se caracterizado antes por particularidades do que por generalidades. O trabalho que propomos visa discutir as posições dos dois autores e suas implicações sobre o estudo da história das doenças.

Apropriações políticas de uma epidemia: a gripe espanhola em Pelotas no ano de 1918

Renata Brauner Ferreira

UFPEL renatabrauner@yahoo.com.br

No ano de 1918 correu pelo mundo uma das mais devastadoras epidemias de gripe, a chamada 'gripe espanhola'. Essa pandemia impressionou pelo grande número de vítimas, muitas delas fatais. As populações, assim como médicos e autoridades, assistiam atônitas e impotentes a sua passagem. No interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas, a epidemia foi usada como estopim para mais uma disputa política travada entre os defensores do Partido Republicano Rio-Grandense e seus opositores. É a análise da tensão aguçada pela presença da epidemia que pretendemos abordar neste artigo.

Representações sociais e epidemias: a peste e a gripe espanhola

Ricardo Augusto dos Santos

Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz raugusto@coc.fiocruz.br

Este trabalho discutirá as representações sociais relativas às epidemias de peste bubônica, doença que percorreu inúmeras regiões ao longo dos séculos. No decorrer do trabalho, teceremos considerações acerca das semelhanças das representações e comportamentos diante dos surtos de peste no mundo e as da gripe espanhola no Brasil. O estudo das doenças e suas epidemias muitas vezes esclarece algumas indagações acerca das formações sociais. Ainda ignoramos, e muito, o alcance e a repercussão dos temores ligados às enfermidades sobre os comportamentos culturais. Durante os surtos epidêmicos, os homens elaboram representações sociais, saberes e práticas, nas quais encontramos freqüentemente associações com as representações imaginárias de outros flagelos humanos, como guerras e períodos de extrema fome. Apresentamos algumas imagens e trechos de fontes inéditas, sempre analisando essas representações.

SESSÃO II: MESA-REDONDA SOBRE SAÚDE MENTAL

A 'psicologização' e a transformação da noção de doença entre os séculos XIX e XX

Luiz Fernando Dias Duarte

Museu Nacional lfdduarte@alternex.com.br

Trata-se de esclarecer a forma pela qual as especificidades da noção de pessoa na cultura ocidental moderna vieram a configurar um novo modelo cosmológico, dotado de uma instância interna, o 'psicológico', diferente da 'alma' e do 'corpo', que — nutrido pelo Romantismo — veio a constituir o principal contraponto ao fisicalismo instituinte da biomedicina. Ressalta-se o papel crucial da psicanálise freudiana nesse processo e indaga-se sobre as condições contemporâneas de continuidade desse contraponto ou tensão, em um contexto de aparente exacerbação, tanto do fisicalismo cientificizante quanto dos recursos institucionais à transcendência.

Sexualidade e identidade nacional: sobre a missão da medicina mental nas três primeiras décadas do século XX

Cristiana Facchinetti

Pesquisadora-visitante da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz cfac@coc.fiocruz.br

A passagem do século XIX para o XX é assinalada pela presença de dois marcos fundamentais para o Brasil: o fim da escravatura e a chegada da República, eventos vinculados entre si e que representam questões fundamentais para a definição da identidade nacional. Como construir uma separação contundente entre civilização e barbárie? Como garantir o progresso e a ordem identificados ao trabalho e à civilização, se a imagem do país é manchada pelo excesso, pela desrazão e devassidão — que, acredita-se então, acabou por acarretar graves danos às leis da hereditariedade, levando o país à beira da barbárie pela degenerescência da mestiçagem? Neste cenário, o papel dos alienistas foi redimensionado e aprofundado, na busca de adequá-lo às novas regras de controle social formuladas e implementadas diante da nova realidade republicana. Neste trabalho, busca-se analisar como a sexualidade foi abordada pelas disciplinas que conformam o campo psi no início do século XX, enlaçando tal representação ao projeto nacional de construir um núcleo central da formação da identidade de brasileiro.

Sertão, nação e melancolia

Karla Patrícia Holanda Martins

Universidade de Fortaleza (Unifor) macsel@uol.com.br

O objetivo deste trabalho é pensar a representação de sertão no final do século XIX, como peça principal na montagem da idéia de uma nacionalidade brasileira. Tomaremos como ponto de partida algumas obras dos escritores José de Alencar e Euclides da Cunha e as respectivas construções de dois diferentes mitos identitários. O deslocamento de José de Alencar para o exótico edita um mito solar, encenando signos de um corpo vigoroso e belo, inclinado para o prazer (no caso do livro Iracema, por exemplo) e/ou ao trabalho (em O sertanejo). Quanto a Euclides, o corpo erógeno dá lugar ao corpo-emblema, estando a tese da nacionalidade ancorada na assertativa "o sertanejo é antes de tudo um forte". Como contraponto às duas proposições, tomaremos o projeto do escritor Graciliano Ramos de denunciar a impostura da proposta identitária, por meio da tese recorrente de uma nação falseada, 'macaqueada'. Ao final, buscaremos demonstrar linhas de continuidade entre essas narrativas e o discurso pejado de traços melancólicos.

Transformações da nosografia psiquiátrica no final do século XX

Jane A. Russo

Instituto de Medicina Social/Uerj jrusso@alternex.com.br

Em 1980 foi lançada a terceira versão do Diagnostic and statistic manual of mental disorders, publicada pela American Psychiatric Association (APA), desde então conhecida como DSM III. A APA lançou a primeira versão do DSM em 1952, e a segunda, em 1968. Em suas primeiras edições, o manual era um instrumento basicamente burocrático, de pretensões modestas, dirigido sobretudo ao público norte-americano. A versão de 1980 pretendeu imprimir uma mudança radical na prática do diagnóstico psiquiátrico, acabando por influenciar a psiquiatria mundial, visto que sua estrutura foi incorporada pela Classificação Internacional das Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mais do que uma simples modificação terminológica, o DSM III significou uma ruptura com o modo tradicional de compreender e classificar os distúrbios mentais. No trabalho a ser apresentado, pretendo analisar essa ruptura e seu significado em termos das idéias e práticas hegemônicas no interior da psiquiatria. Pelo estudo comparativo de determinados grupos de categorias diagnósticas — tal como aparecem nas três primeiras versões do manual —, pretendo discutir o modo como a hegemonia de uma visão dualista dos transtornos mentais, baseada sobretudo no par orgânico/psíquico, foi substituída por outra: uma visão monista e essencialmente biológica. Argumento ainda que essa vertente biológica da psiquiatria faz parte de um fenômeno mais amplo, que poderíamos chamar de 'biologização do comportamento humano'.

Alcoolismo e criminalidade em família na imprensa sensacionalista. Notícias populares. São Paulo, 1964-72

Enésio Marinho da Silva

PUC-SP enesio.marinho@ig.com.br

No processo moderno e generalizado de laicização e racionalização é possível compreender a substituição gradativa dos parâmetros morais-religiosos antigos — fundados na oposição entre bem e mal, desdobrados em alma e corpo, virtude e vício, graça e pecado — pelo parâmetro moderno de saúde e doença, normal e patológico — aliás, como formas precisas que se opõem também a ordem e a desordem. A discussão sobre a imagem do alcoólatra pode ser aproximada ao tema do normal e do patológico. O normal é representado por: razão, família, unidade, modelo que integra a sociedade civilizada; já o patológico é representado por: diferente, anormal, o que foge às regras civilizatórias, o indivíduo que sabe beber e o que não sabe beber. Assim sendo, há um conflito entre a personalidade do alcoolista, submetido a uma discriminação muito grande, pois sempre identificado como um irresponsável, indivíduo perigoso. Sendo assim, o emprego da razão justifica a explicação do desenvolvimento e da nomeação da doença alcoolismo: normal é aquele que se identifica com a civilização. Felizmente, desde a metade do século XX, a idéia de alcoolismo como doença vem sendo aceita na sociedade no Brasil — embora outros países já tenham feito isso. Tal decisão não auxiliou no controle dos etilistas, mas sim dos fabricantes de bebidas alcoólicas e do Estado, à medida que o álcool apenas foi descaracterizado como droga. Os profissionais no campo de dependência química continuam afirmando que o álcool é uma droga e que o processo de tratamento é semelhante ao dos toxicômanos.

SESSÃO III: CONHECIMENTO POPULAR/SABER CIENTÍFICO

Homeopatia e medicina: relações sociais entre práticas de cura em Porto Alegre, início do século XX

Prof. dra. Beatriz Teixeira Weber

Universidade Federal de Santa Maria — RS bweber@uol.com.br

As publicações de médicos no Rio Grande do Sul têm ignorado todas as práticas que não eram consideradas aceitáveis pela medicina formal. Entretanto, muitas delas conviveram com a medicina até o início do século XX. Uma é a homeopatia, prática de grande inserção social, cujos médicos recebiam mais pacientes que os alopatas. Seus praticantes chegaram inclusive a fundar a Faculdade de Medicina Homeopática, em 1914. No contexto de liberdade profissional do Rio Grande do Sul, era possível esse convívio, mesmo com a resistência dos médicos da Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Esta comunicação pretende analisar a prática da homeopatia na cidade de Porto Alegre, analisando as relações estabelecidas entre os dois tipos de medicina para alcançar legitimidade social no início do século XX.

Urbanização e práticas populares: conflitos e resistências — Uberabinha (1910-30)

Dorian Erich de Castro

UFUberlândia

Em nossa pesquisa, temos como objetivo reconstituir o processo de urbanização de Uberabinha por meio das políticas sanitárias destinadas à localidade. Observamos as estratégias da classe dominante que desqualificam as práticas populares não desenvolvidas em consonância com as concepções sanitárias estabelecidas. Nesse contexto, em que consumo e urbanização abrem as portas para modernidade e civilidade, observamos em documentação específica — discursos médicos-sanitários e propagandas de remédios veiculados na imprensa local, almanaques, códigos de posturas e processos crimes – os conflitos presentes entre os diversos modos de vida e práticas sociais estabelecidas. São eles, por exemplo, o abatimento de carnes verdes, pocilgas e chiqueiros dentro do perímetro 'urbano', a presença de benzedores e raizeiros em contradição com as orientações do poder público. Em meio a essas contradições, buscamos compreender o cotidiano desses sujeitos sociais entre os quais ciência e experiências de vida se confundem. Isso pode ser observado em anúncios de remédios capazes de sanar todos os males físicos e materiais de toda uma sociedade, revelando as contradições e os conflitos presentes, não só nesta pequena localidade, mas na imagem de um país.

Conhecimento popular e saber científico. Caminhos da cura no início do século XX

Liane Maria Bertucci-Martins

Universidade Federal do Paraná liane@ufpr.br

O objetivo deste trabalho é destacar como, no início do século XX, conhecimentos científicos sobre a saúde e a doença foram utilizados, difundidos e combinados com outras práticas de cura na cidade de São Paulo. O estudo destaca dois casos: o primeiro, quando, em meio ao grave problema de saúde pública que foi a gripe epidêmica de 1918, houve a divulgação (inclusive com o uso de termos científicos) de práticas caseiras para combater a gripe espanhola. O segundo, dois anos depois, quando foram publicados os resultados de uma empreitada efetuada para vistoriar, conhecer e classificar, nos moldes da ciência, os produtos que eram vendidos pelos ervanários de São Paulo.

SESSÃO IV: SABERES DE CURA

Os manuais de saúde como mediadores do saber popular e do saber acadêmico no Brasil no século XIX

Betânia Gonçalves Figueiredo

Dept. de História — UFMG beta@dedalus.lcc.ufmg.br

A idéia da pesquisa é apresentar o desenvolvimento de um modelo de análise de manuais de medicina popular. Para tanto, serão levadas em consideração as redes de comunicação estabelecidas a partir do manual do doutor Chernoviz: tanto com a comunidade acadêmica nacional e internacional como com o público ao qual o texto se destina. Essas redes de comunicação serão examinadas em toda a sua amplitude: circulação, edições, inovações, divulgação, repercussões etc. É necessário, portanto, investigar a comunidade acadêmica brasileira que estabelece relações com o doutor Chernoviz, especialmente a partir de sua obra, e a comunidade internacional: como são compostas as comunidades, quais as suas estruturas, qual a sua importância e repercussão. Além disso, cumpre investigar o público-alvo do manual ao longo de suas diversas edições. Quem os lia, com que interesse, a partir de quais critérios? A população brasileira no século XIX era em grande parte analfabeta. A leitura do manual deveria ser realizada pelos poucos letrados e transformada em aplicações práticas para aqueles que enfrentavam problemas com o corpo doente. Como se efetivava esse processo?

Há diversas referências documentais sobre a utilização do manual de medicina popular. Entre elas podem-se citar os memorialistas e viajantes que relatavam como e por quem este gênero da literatura médica era utilizada. Há documentos legislativos informando a necessidade de manter determinados livros nas farmácias, entre eles um formulário elaborado pelo doutor Chernoviz.

A hipótese de trabalho que permeia a pesquisa é em que medida os manuais populares, como o Dicionário de Medicina Popular do doutor Chernoviz, desempenhavam o papel de intermediários entre a cultura acadêmica e o saber popular.

Conselhos ao povo: os manuais de medicina doméstica no Setecentos

Vera Regina Beltrão Marques

UFPR verarbm@terra.com.br

O Iluminismo, ao acreditar na utilidade da razão humana para promover o progresso social, fez da educação pedra de toque para que homens e mulheres, tornando-se informados e esclarecidos, pudessem usufruir dos resultados do conhecimento até então produzido e, assim, melhorar suas condições de existência. Se a Encyclopédie des arts, sciences et métiers resumia o cabedal humano em seus muitos volumes, manuseá-la tornava-se tarefa de iniciados, dificultando o acesso sobretudo para aqueles que mais 'precisavam' de informações sobre ciência e medicina. Manuais de medicina doméstica e cartilhas de conselhos ao povo foram escritas e disseminadas desde então. Quem as escrevia? Como chegavam ao Brasil e do que tratavam? Este trabalho abordará o intento de esclarecer o povo acerca de saúde e higiene no Brasil Setecentista.

Crenças e saberes de cura na terra do Santo Antônio — Recôncavo Sul — Bahia

Denilson Lessa dos Santos

Mestrando em história social — UFBA denilson@mma.com.br

O objetivo aqui é apresentar alguns aspectos sobre as práticas culturais/medicinais/religiosas populares largamente difundidas na região de Santo Antônio de Jesus, situada na parte sul do Recôncavo da Bahia. Com base em depoimentos e outras fontes documentais, e lançando mão dos procedimentos comuns à pesquisa de história oral — e numa perspectiva mais ampla da chamada história social —, os vários praticantes (rezadeiras, benzedeiras, raizeiros, curandeiros e outros) são pensados em suas práticas cotidianas. Acentuam-se os cuidados com a saúde/doenças como momentos inscritos em vigorosos processos culturais, cujas dimensões de temporalidade ultrapassam as barreiras do tempo linear. Assim, é essencial identificar que as atitudes, os valores, os costumes da medicina popular foram ao mesmo tempo singularizados e socializados no âmbito de um determinado espaço, ao mesmo tempo rural-urbano ou urbano-rural, um espaço caracteristicamente heterogêneo e dinâmico Ainda que o recorte temporal da pesquisa seja recente (1941-77), interessa compreender as diversas práticas de cura — diferente daquelas consideradas científicas — como permanências de tradições, sobretudo aquelas fundadas nas experiências e costumes de afro-descendentes na Bahia.

SESSÃO V: SAÚDE E DOENÇA

Saúde e doença no país das Amazonas (1852-89)

Hideraldo Lima da Costa

Universidade Federal do Amazonas hideraldo@uol.com.br

No ano de 1850 foi criada a província do Amazonas. Os homens da nova província, agora de maneira autônoma, tratavam de desenvolver ações a fim de torná-la economicamente viável. Para isso necessitavam desenvolver um conjunto de ações objetivando comprovar que as teses que detratavam a região, acusando-a de inóspita, eram equivocadas. Contavam com a ajuda de vários viajantes que, no século XVIII, in loco, refutavam aqueles postulados, apregoando ser a região plenamente habitável e dotada de uma natureza sem igual. Veremos ainda como médicos e engenheiros a serviço das províncias do Norte debateram essas teses, tentando influenciar a política migratória para que migrantes estrangeiros se instalassem nas províncias do Norte.

Caminhos da cura: a experiência dos moradores de Fortaleza com a saúde e a doença (1850-80)

Francisco Carlos Jacinto Barbosa

UECE

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a experiência dos moradores da cidade de Fortaleza com a 'saúde' e a 'doença' no período compreendido entre 1850 e 1880 (momento marcado pela freqüente ocorrência de epidemias). A partir de relatórios elaborados pela administração pública, jornais de circulação local, artigos, memórias médicas e pesquisas folclóricas então produzidos, buscamos uma abordagem do tema, considerando: 1) a doença como fenômeno ao mesmo tempo nosológico e cultural; 2) as formas de organização dos serviços de saúde pública, numa província pobre do Império; e 3) o horizonte diversificado das práticas de cura. Trata-se, pois, de tentar compreender a teia de relações constituídas, na cidade, entre os moradores, os médicos e as autoridades públicas.

A epidemia de cólera e os terapeutas (Rio de Janeiro, 1855)

Tânia Salgado Pimenta

Doutoranda em história social (Unicamp) spimenta@domain.com.br

Pretendo analisar neste trabalho as relações entre os agentes sociais diretamente envolvidos com o mundo da cura durante a epidemia de cólera no Rio de Janeiro, iniciada em meados de 1855. É importante considerar que se trata de um momento em que os médicos acadêmicos (que não constituíam um grupo homogêneo) se esforçavam para tornar efetivo o monopólio das práticas terapêuticas. Assim, num contexto de epidemia, os conflitos se acirravam. Por um lado, os terapeutas não-oficializados e os homeopatas eram desqualificados e perseguidos pelos médicos acadêmicos. Por outro, as medidas propostas e implementadas por grupos ligados ao governo (médicos com cargos públicos) para lidar com a situação eram criticadas pelos primeiros. As fontes utilizadas nesse estudo foram correspondências e atas da Câmara Municipal, da Santa Casa da Misericórdia, da Junta Central de Higiene Pública e os periódicos contemporâneos.

SESSÃO VI: A MEDICINA E SUAS ESCOLAS NOS ANOS 1930 E 1940

A Faculdade de Ciência Médicas dos anos 1930 no Rio de Janeiro

Jane Dutra Sayd; Lúcia Grando Bulcão; Lizete Macário

IMS/Uerj janes@ims.uerj.br

A Faculdade de Ciências Médicas foi fundada em 1936, a partir da iniciativa de um grupo de jovens médicos, como sociedade anônima. A motivação destes profissionais estava ligada às disputas por espaço e hegemonia no campo médico do Rio de Janeiro da época. Buscavam um locus próprio onde pudessem exercer a cátedra, pois todos os postos estavam ocupados, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por figuras mais tradicionais da elite brasileira. Aqueles médicos traziam consigo as aspirações da classe média urbana em expansão à época: fomentar a educação no país e criar corpos significativos de profissionais de nível superior. Não obstante, a organização da nova escola e sua autorização para funcionamento estavam pautadas nas formas, tradicionais no Brasil, de alianças com o poder já constituído e de apropriação da coisa pública para fins privados. Assim, entre os sócios da nova sociedade anônima figuravam o então prefeito Pedro Ernesto e, pouco mais tarde, o prefeito Henrique Dodsworth. Uma das razões para a escola ser economicamente viável residiu na possibilidade de alocar alunos nos diversos serviços de hospitais públicos chefiados pelos professores da nova escola.

Escritos de Pedro Nava e história da medicina no Brasil

Vanda Arantes do Vale

UFJF-MG vandaval@artnet.com.br

O médico ortopedista Pedro Nava (1903-84) deixou vasta produção científica relativa à área de sua atuação profissional. Aposentando-se em 1968, deu início à redação de suas memórias. Compõem a memorialística naviana os livros: Baú de ossos, Balão cativo, Chão de ferro, Beira-mar, Galo das trevas e O círio perfeito. Os textos literários, lançados entre 1972 a 1983, foram sucesso junto a público e crítica. O autor — que participou ativamente do Modernismo brasileiro em sua vertente mineira — escrevera, sobre a história da medicina, os textos: Território de Epidauro (1947) e Capítulos de história da medicina (1949).

Os escritos navianos contribuem para os estudos da medicina brasileira no período de 1890 -1940. Nava reconstituiu em Baú de ossos a formação e atuação médica de seu pai, José Nava (1875-1911). Em Chão de ferro e Beira-mar estão as memórias dos estudos do autor na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte (1921-27). A atuação do médico Pedro Nava foi evocada em Galo das trevas e em O círio perfeito. Ao reconstituir currículos do ensino e procedimentos médicos, Nava elaborou textos que são documentos para a história da medicina no Brasil.

SESSÃO VII: SAÚDE PÚBLICA NO TEMPO PRESENTE

A vigilância epidemiológica no Brasil e a Fundação SESP

Ives Mauro, Júnior

Bolsista PAP no DEPES/COC/Fiocruz ivesmauro@yahoo.com.br

Este trabalho insere-se em uma pesquisa desenvolvida e recém-finalizada no Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, intitulada 'A história da poliomielite e de sua erradicação no Brasil'. Nela, buscamos perceber as construções científicas, sociais e políticas e por que não individuais em torno da doença, e como essas diversas áreas interagem.

Meu papel nessa pesquisa foi perceber e analisar a participação da Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP), nesse processo. Não pretendi de forma alguma estabelecer uma trajetória para a FSESP desde sua criação até sua extinção. Minha participação procurou definir um 'perfil sespiano' para os técnicos e funcionários da FSESP. Também procurei discutir o que é vigilância epidemiológica, quando o conceito é introduzido no Brasil e, sobretudo, ressaltar como a experiência dessa instituição pôde conferir a técnicos e gestores subsídios para a implementação de um sistema de vigilância epidemiológica a partir de 1975. Esse sistema foi justamente o que permitiu uma melhor coleta e armazenamento de dados para se pensar em controlar e erradicar a poliomielite no Brasil.

Poliomielite: uma doença erradicada

Dilene Raimundo do Nascimento

Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz dilene@coc.fiocruz.br

Pretendemos, neste trabalho, analisar o processo histórico do setor saúde no que diz respeito à política de controle e erradicação da poliomielite no Brasil. A pólio se manifestou de forma epidêmica no país desde o início do século XX. Na primeira metade do mesmo século, as medidas implementadas em relação ao seu controle no país foram de pouca ou mesmo de nenhuma eficácia. Faltavam instrumentos e, por que não dizer, vontade política no sentido de priorizar a doença como questão de saúde pública. Somente em fins do século XX houve uma decisão política efetiva que resultou na sua erradicação. No início da década de 1960, surgiram novas tecnologias que começaram a ser aplicadas no controle da poliomielite no Brasil, marcando o início de mudança no curso da história da doença no país, até a sua erradicação, em 1994.

O propósito deste trabalho é desvelar os meandros do processo de controle e posterior erradicação da doença, inclusive identificando e analisando historicamente os conceitos utilizados nesse processo, tais como vigilância, controle e erradicação. São usados como fontes principalmente o testemunho daqueles que vivenciaram esse processo, assim como documentos oficiais e matérias jornalísticas.

Historia e saúde pública: a vacinação nos marcos da ditadura militar (1964-85)

Carlos Fidelis Ponte

Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz ponte@coc.fiocruz.br

O trabalho aborda a história das políticas de imunizações implementadas pelo Estado brasileiro ao longo do período ditatorial vivido pelo país entre 1964 e 1985. Nele procuro discutir as conjunturas que cercam a fabricação e o uso de vacinas no Brasil de então. Importa ressaltar que os anos focalizados caracterizam-se por uma conjuntura marcadamente importante para a história da saúde e da produção de imunobiológicos no país e no mundo. Impulsionado pelos progressivos sucessos da campanha mundial de erradicação da varíola, e pelos avanços no campo do desenvolvimento e produção de imunizantes, o período assiste a uma proliferação do uso de vacinas jamais vista até então, gerando impactos significativos e polêmicos na saúde das populações e na atuação do Estado.

SESSÃO VIII: TRAJETÓRIAS E DISCURSOS MÉDICOS

Vital Brazil (1865-1950): uma obra com vida

André Pereira NetoI; Egléubia Andrade de OliveiraII

IDEPES/COC/Fiocruz pereiraneto@hotmail.com

IIUFRJ

Vital Brazil Mineiro da Campanha (1865-1950) tem seu nome associado à descoberta e produção do soro antiofídico. Neste artigo, analisaremos algumas características da carreira profissional e do conteúdo do texto científico produzido por Vital Brazil. Em geral, quando se idealiza a atividade de um cientista, pensa-se em alguém trabalhando atrás da bancada de um laboratório, alheio ao que ocorre à sua volta. Com este artigo, pretendemos abrandar esta imagem comum que se tem da prática científica. Para tanto, nos amparamos na moderna literatura sociológica da ciência, que insiste em qualificar a atividade como profissional, pois nela estão presentes as dimensões política, social, ideológica e cultural. Para conhecer o conteúdo de seu discurso científico, analisamos uma de suas mais importantes obras: A defesa contra o ofidismo (1911). O livro contém cuidadosa descrição da anatomia e do comportamento de cada uma das espécies de serpentes brasileiras e apresenta algumas medidas consideradas imprescindíveis para a prevenção e tratamento de acidentes ofídicos. O que surpreende o leitor é o fato de esta obra conter depoimentos pessoais, descrições literárias e preocupações sociais. Assim, o texto científico de Vital Brazil foge à tradição. É diferente. É uma obra com vida!

Higienizar a cidade e a sociedade: os discursos de Helvécio de Andrade

Josefa Eliana Souza

PUC-SP

A instrução pública sergipana foi dirigida, por mais de uma década, entre os anos de 1913 e 1935, pelo professor da Escola Normal Rui Barbosa – Helvécio Ferreira de Andrade. Apesar de vasta folha de serviços prestados à cultura do estado de Sergipe, ele permanece ainda um desconhecido. Era formado em medicina, clinicando inicialmente na Santa Casa da Misericórdia e no Hospital Português, em Santos (SP). Também ocupou a função de inspetor sanitário naquela cidade. Suas leituras e o contato direto com peste bubônica, sífilis, tuberculose etc. certamente contribuíram para o crescimento de sua produção literária no campo da medicina, na qual procurava destacar a importância da higiene no combate daqueles males. Este estudo pretende selecionar e analisar o pensamento social nos textos que Helvécio de Andrade dedicou à saúde pública, pois que: "Aos poderes públicos compete a higiene da cidade em todo o seu rigor e exigências materiais, a hospitalização dos doentes pobres, a desinfecção dos domicílios contaminados e os demais serviços de assistência pública. Aos particulares compete a defesa do lar e da família pela observância de todos os preceitos higiênicos relativos ao asseio, ventilação e iluminação dos domicílios, às vestes, à alimentação, ao sono e ao trabalho de cada um..." (Andrade, 1906, pp. 3-4)

O discurso médico de Aleixo de Vasconcellos e a disciplina escolar na década de 1920: a hora do lanche

Marco Antonio Stancik

Universidade Federal do Paraná (UFPR) marcostancik@hotmail.com

Na década de 1920, ao final da Primeira República – apontada por alguns autores como período marcado pela violência e repressão brutal da população pelo Estado —, procurava-se evidenciar o trabalho disciplinar via instituição escolar proposto pelo higienista Aleixo de Vasconcellos. Para o presente estudo, priorizaram-se suas proposições trazidas a público em trabalho apresentado à Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, nos quais sua atenção voltava-se para a hora do recreio escolar. Esse trabalho foi capaz de revelar seu olhar perscrutador, direcionado não apenas para aquele momento das atividades escolares, mas para o cotidiano da população em seus mais ínfimos detalhes.

SESSÃO IX: LEPRA OU HANSENÍASE?

Campanha de combate à lepra no Rio Grande do Sul: alguns aspectos para reflexão

Juliane Conceição Primon Serres

Unisinos

Abordar a questão da lepra como um problema das ciências humanas exige que se tome a doença não somente em suas dimensões biológicas, mas sobretudo em seus aspectos sociais. Isso não é difícil, graças à natureza da moléstia, profundamente marcada por representações e imaginários sociais construídos ao longo de sua existência nas sociedades humanas. As representações sobre a lepra estão indissociavelmente ligadas ao imaginário social da figura do 'leproso' — deformado, mendicante, impuro. Buscaremos compreender que impacto esse imaginário teve sobre as práticas sociais — públicas e/ou privadas. Nosso estudo aborda a Campanha de Combate à Lepra no Rio Grande do Sul, que obedeceu a um modelo nacional segregacionista em relação ao doente. Retomaremos as discussões iniciais, as polêmicas e a construção em 1940 do Hospital-Colônia Itapuã como local de isolamento dos portadores do mal de Hansen no estado. Imaginário e ciência compõem nosso cenário.

Da lepra à hanseníase: uma história da doença e das políticas públicas de controle no Brasil (1920-80)

Laurinda Rosa Maciel

DAC/COC/Fiocruz/UFF laurinda@coc.fiocruz.br

Em 1920, a criação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas marcou o início de ações efetivas de controle da lepra por parte do Estado. Ao longo das primeiras décadas do século XX, as políticas e programas de tratamento para a doença podem ser resumidos em três momentos: antes, durante e depois do isolamento compulsório do doente em leprosários como forma de tratar e controlar. A pesquisa irá analisar tais procedimentos à luz da história, com um diálogo permanente com as práticas de saúde, as representações sociais, o desenvolvimento tecnológico etc. relativos à hanseníase ao longo dos últimos sessenta anos.

A institucionalização da assistência aos portadores de hanseníase na Paraíba à luz da história oral

Marilena Maria de Sousa; Eloíde André de Oliveira; Lígia Maria de Almeida; Lenilde Duarte de Sá; Clélia Albino Simpsom de Miranda

CCS/UFPB

Embora a hanseníase seja considerada uma doença milenar no Brasil, a assistência institucional a seus portadores só veio a ser prestada no século XX, com a criação de colônias construídas em algumas cidades brasileiras. Em 1941 foi inaugurada na Paraíba a Colônia-Asilo Getúlio Vargas, cujo propósito era tratar o doente de modo a proteger, pelo isolamento, a sociedade do contágio. Este trabalho tem como objetivo narrar a história da fundação e dos primeiros anos de funcionamento da colônia. Para sua realização foi utilizada a história oral como estratégia metodológica. O conjunto de atores participantes do estudo é composto por ex-funcionários da instituição e pacientes que ainda hoje ali vivem. Os depoimentos foram registrados em gravação e depois transcritos e transcriados. Em seguida, os depoimentos – respeitando-se o aspecto ético – foram submetidos a apreciação dos atores, que validaram suas falas. Os relatos marcam um período da história da saúde no estado da Paraíba, no qual a instituição asilar constituiu um dos elementos que caracterizam o modelo de atenção em saúde pública reconhecido como 'campanhista policial'. De forma emocionante, os atores revelam a condição de pacientes e portadores de uma das doenças mais estigmatizadas da humanidade.

SESSÃO X: SAÚDE E PROCESSOS JUDICIÁRIOS

Um golpe de mestre: enterrar os mortos e cuidar dos vivos — José Clemente Pereira e a aprovação do projeto de criação dos cemitérios públicos da cidade do Rio de Janeiro

Almir Chaiban El-Kareh

IFCH/Uerj alfe@cruiser.com.br

Pretendo demonstrar que José Clemente Pereira, de forma incrivelmente hábil, desenvolveu e aperfeiçoou a assistência pública da capital do Império sob a direção e responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Essa irmandade privada e religiosa ao mesmo tempo saiu fortalecida como instituição da sociedade civil e perdeu parte de sua autonomia, quando acatou a idéia de que o monopólio da administração dos cemitérios públicos e dos serviços funerários da Corte ficariam sob o controle do governo imperial. A partir daí, a Santa Casa deveria prestar contas, como 'repartição pública', à administração central. Procuro demonstrar também que, jurista de formação, José Clemente Pereira foi o maior articulador da política pública de saúde de sua época; e foi o Estado monárquico quem dirigiu o processo de medicalização da sociedade brasileira. Para atingir esse objetivo, o Estado precisou contar, mais do que com o saber médico, com a infra-estrutura assistencial da Santa Casa da Misericórdia e com os conhecimentos práticos dos políticos de carreira, na maior parte das vezes de formação jurídica

Assistência punida: farmacêuticos, curandeiros e charlatões nos processos judiciais de Belo Horizonte (1911-27)

Rita de Cássia Marques

UFMG cmarques@dedalus.lcc.ufmg.br

Em 1897, Belo Horizonte foi inaugurada sem hospitais e com poucos médicos. A população da capital, planejada e moderna, era atendida também por parteiras, farmacêuticos, curandeiros, sangradores, mezinheiros e benzedeiras. Nos primeiros anos, o espaço foi compartilhado pacificamente com os médicos, que avalizavam e indicavam as parteiras para o atendimento às mulheres, fazendo vista grossa às práticas de curandeiros e partilhando funções com os farmacêuticos. Uma das funções partilhadas eram os laudos periciais em vítimas de agressão física, exigidos para os trâmites dos processos judiciais. Com a fundação da Faculdade de Medicina, em 1911, o número de médicos cresceu, e os farmacêuticos, aos poucos, foram alijados e começaram a ser denunciados pelo atendimento aos casos de emergência. Entre os processos judiciais pesquisados nos anos de 1897 a 1939, os de exercício legal da medicina só foram encontrados entre 1911 e 1927. Essas datas marcam, respectivamente, a criação da Faculdade de Medicina e a da Universidade de Minas Gerais. Foi portanto um período em que se implantaram as instituições se saúde e a formação de médicos.

Doença e abandono: o impaludismo em União (Jaguaruana) 1935 a 1938

Herbênia Maria Gurgel

UECE

No município de Jaguaruana, antiga União, no período de 1930 a 1938, o impaludismo era uma doença conhecida como tremedeira. Sua principal manifestação clínica eram os acessos febris que atacavam em determinados horários, retirando o sertanejo de seu trabalho e modificando seu modo de viver. Criava-se uma cadeia cujos elos seriam o mosquito, o homem doente e o homem são; para rompê-la, seria necessário um rígido controle da epidemia e a criação de movimentos para exigir dos poderes administrativos políticas emergenciais, objetivando a prevenção e o combate do foco. Interessa para esta pesquisa entender as novas relações sociais estabelecidas pela doença e como a oligarquização do poder teve influência na organização dos serviços de saúde, definindo o padrão de relações entre estado e municípios. O objetivo deste trabalho é mostrar que a grande quantidade de doentes e o abandono da população rural seriam conseqüências do descaso gerado por políticas centralizadoras. Utilizamos fontes orais, "privilegiando a memória, onde melhor se pode interpretar a significação dos sofrimentos vividos pelo sertanejo". Utilizam-se os jornais O Estado e O Povo, de 1937 a 1938. Nos distritos atingidos pelo surto malárico, a população adaptou-se à doença, mudando suas relações de trabalho e abandonando ou despovoando algumas regiões atingidas pela falta de ação e controle oficial.

SESSÃO XI: IMAGENS DA DOENÇA

Cartazes da campanha de erradicação da poliomielite: reflexões sobre o discurso gráfico

Ângela Pôrto

DEPES/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz aporto@coc.fiocruz.br

O objetivo deste estudo é analisar a evolução das estratégias publicitárias – e seu significado – utilizadas pelo Ministério da Saúde e outras entidades envolvidas na campanha de erradicação da poliomielite. Por meio dos cartazes, produzidos a partir de 1980, e com o advento dos dias nacionais de vacinação, identificamos as inflexões sobre o imaginário da doença determinadas pelo tipo de mensagem e linhas de ação adotadas.

Mancha de morte: imagens da tuberculose na Bahia nas décadas de 1930 e 1940

Maria Elisa Lemos Nunes da Silva

Uneb

Nas últimas décadas do século XX, o fenômeno biológico e cultural conhecido como doença tornou-se um importante objeto de pesquisa histórica. Os investigadores, com base em novos suportes teóricos e metodológicos oferecidos pela historiografia renovada, dedicaram-se tanto ao estudo de doenças epidêmicas quanto de doenças endêmicas. É nessa linha de investigação que a tuberculose se transformou em campo fecundo de abordagem. A chamada 'peste branca', como ficou conhecida, deixou marcas profundas de estigma e preconceito no imaginário social. Nas primeiras décadas do século XX, o diagnóstico da tuberculose era uma verdadeira sentença de morte. A preocupação com a incidência da doença levou alguns médicos baianos a criar, em 1900, a Liga Bahiana Contra a Tuberculose. Décadas mais tarde, José Silveira passaria a encampar a luta contra essa enfermidade, fundando, em 1937, o Instituto Brasileiro para Investigação da Tuberculose (IBIT). Se, nas primeiras décadas do século XX, a tuberculose fazia muitas vítimas, na atualidade, os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde são assustadores. A tuberculose continuou sendo um dos mais graves problemas de saúde pública, em função do número de casos de mortes e, mais recentemente, de sua relação com a Aids.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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