Acessibilidade / Reportar erro

Carta do editor

Carta do editor

Nísia Lima; Nara Azevedo; Carlos Fidelis Ponte; Akira Homma

Eidtores convidados

Imunização: a palavra não consegue expressar a história plena de controvérsias científicas, reações da sociedade, erradicação de doenças e, mais recentemente, disputa por mercados e maior desenvolvimento tecnológico. Prática milenar, encontrada em sociedades do Ocidente e do Oriente, institucionalizou-se como estratégia de prevenção e saúde pública no século XX, sob a forma de vacinação, a despeito de a vacina remontar a 1796, com as experiências de Edward Jenner.

A tarefa de reconstituir a história da imunização no Brasil é ambiciosa para que se pretenda resolvê-la nesse número especial de História, Ciências, Saúde — Manguinhos, um convite à reflexão e a novas publicações e estudos sobre um tema tão instigante, quanto controverso e multifacetado. Ao lidar com o desafio de abordá-lo, a Casa de Oswaldo Cruz une-se mais uma vez a Bio-Manguinhos, centro de produção de imunobiológicos e de desenvolvimento tecnológico da Fiocruz, cuja história se confunde com a própria história da vacina no Brasil. Em momento anterior, a mesma pareceria institucional já havia oferecido aos leitores o livro Febre Amarela: a doença e a vacina: uma história inacabada, em que o consórcio entre narrativa e análise bem documentada trouxe original contribuição aos estudos históricos sobre ciência e tecnologia.

Esta edição também é uma história inacabada e incompleta. Ao organizá-la, promovemos um encontro de perspectivas: historiadores, antropólogos, sociólogos, médicos, sanitaristas, epidemiologistas, economistas, comunicadores, cientistas da área biomédica, gestores de saúde expõem suas análises, opiniões e vivências. Os textos referem-se a período da história da saúde e da ciência no Brasil que se estende de meados do século XIX até o momento atual.

Na seção 'Análise', os dois primeiros artigos focalizam estratégias de combate à varíola no Brasil, em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX. O texto de Tania Maria Fernandes analisa os debates e as controvérsias sobre a imunização antivariólica em dois importantes periódicos. A profilaxia contra a doença no estado de São Paulo, de fins do século XIX até 1918, é abordada por Luiz Antonio Teixeira e Marta de Almeida em artigo sobre o Instituto Vacinogênico. Tema que tem despertado crescente interesse dos historiadores, a resistência popular às políticas de imunização é tratada no artigo de Anne Marie Moulin, para quem as ciências sociais em diálogo com as ciências biológicas podem contribuir para ampliar a compreensão sobre a história das vacinas e da vacinação. Julie Laplante e Julie Bruneau abordam os problemas éticos colocados pela vacinação no plano das representações do corpo e da saúde das populações.

Outras doenças cuja história se entrelaça à da vacina são a febre amarela e a poliomielite. Aline Lopes Lacerda e Maria Teresa Villela Bandeira de Mello analisam o uso das imagens sobre a produção da vacina contra a febre amarela no Brasil, reunidas no arquivo histórico da Fundação Rockefeller. Dedicando-se a controvérsias científicas e ações políticas, André Luiz Vieira de Campos, Dilene Raimundo do Nascimento e Eduardo Maranhão voltam-se para a análise da história da poliomielite no Brasil, enfatizando, entre outros temas, a instituição dos dias nacionais de vacinação.

Dois artigos voltam-se para a história do Programa Nacional de Imunizações: o de José Gomes Temporão e o de Carlos Fidelis Ponte. O primeiro analisa a trajetória do PNI em suas relações com as demais políticas de saúde. O sucesso obtido em sua implementação é considerado importante componente do processo de estruturação de um mercado de vacinas no Brasil. As relações complementares entre o Programa Nacional de Imunizações e a constituição de estrutura estatal para o controle de qualidade de imunobiológicos, com a criação do Instituto de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), na Fiocruz, são analisadas no artigo de Carlos Fidelis Ponte.

A seção se completa com três artigos que discutem o tema da vacina na sociedade brasileira contemporânea e os desafios para o futuro. O desenvolvimento de novas vacinas baseadas em pesquisas moleculares sobre genoma e proteínas virais consiste no foco de atenção do artigo de Hermann Schatzmayr. As relações entre inovação e desenvolvimento tecnológico de vacinas no Brasil são analisadas, a partir de uma perspectiva interna ao processo de produção de imunobiológicos, no texto elaborado por Akira Homma, Reinaldo Menezes Martins, Ellen Jessouroum e Otavio Oliva. O tema das relações entre inovação e desenvolvimento tecnológico em vacinas é também abordado, à luz de uma perspectiva que enfatiza os constrangimentos estruturais, no artigo de Carlos Gadelha e Nara Azevedo.

A complexidade da história da imunização no Brasil, e mais especificamente a história da vacina e das estratégias de vacinação, motivou-nos a organizar uma seção 'Depoimento' muito mais extensa e densa do que a tradição da revista. Consideramos de fundamental importância o registro de experiências, análises e observações de atores que, por diferentes caminhos, foram e são protagonistas dessa história. Cristina Maria Vieira da Rocha, Reinaldo Menezes Martins e Maria de Lourdes Souza Maia discutem respectivamente os temas da comunicação social nas campanhas de vacinação e dos efeitos adversos pós-vacinação. A seção se completa com as entrevistas com Mozart Abreu de Lima, João Baptista Risi Jr., Maria de Lourdes Maia, José da Rocha Carvalheiro e Paulo Buss.

A seção 'Fontes' apresenta ao leitor os documentos reunidos no Fundo Serviço Especial de Saúde Pública, de grande valor para a compreensão das campanhas de imunização empreendidas a partir da década de 1960. Trata-se de excelente oportunidade para divulgar esse acervo, sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz, para pesquisadores e gestores de saúde. De grande interesse para a pesquisa histórica, a iconografia referente à Revolta da vacina e às campanhas de combate à poliomielite enriquecem este número. Apresentamos na seção 'Imagens' parte do material reunido pela exposição 'A revolta da vacina: da varíola às campanhas de imunização' e o trabalho de Ângela Porto sobre a erradicação da poliomielite no Brasil, onde são analisadas as mudanças ocorridas nas campanhas publicitárias convocando a população a vacinar seus filhos.

Espera-se que este número estimule novos estudos e sirva como instrumento de reflexão no momento em que se comemoram os trinta anos do Programa Nacional de Imunizações, em setembro de 2003.

Editor's note

Nísia Lima; Nara Azevedo; Carlos Fidelis Ponte; Akira Homma

Guest editors

Immunization. The word fails to express the whole history of scientific controversies, social reactions, efforts to eradicate disease, and, more recently, the struggle for markets and technological development. It was only in the twentieth century that immunization, an age-old practice found in societies from West to East, was institutionalized as a prevention and public health strategy in the form of vaccinations, even though vaccines themselves date to Edward Jenner's 1796 experiments.

The task of recreating the history of immunization in Brazil is too ambitious to be accomplished in this special issue of História, Ciências, Saúde — Manguinhos, which stands as an open invitation to reflection and to new research and publications on a multifaceted topic that is at once thought-provoking and controversial. In taking up the challenge to address this subject, the Casa de Oswaldo Cruz has once again joined forces with Bio- Manguinhos, Fiocruz's center for the production of immunobiologics and technological development, whose history blurs with the very history of vaccines in Brazil. Earlier, these two institutions also came together to offer readers the book Febre amarela: a doença e a vacina: uma história inacabada (Yellow fever, the disease and the vaccine: an unfinished story), where a partnership between narrative and well-documented analysis produced an original contribution to historical studies of science and technology.

This issue also tells an unfinished, incomplete story. Its pages contain a meeting of different perspectives, where historians, anthropologists, sociologists, sanitarian physicians, epidemiologists, economists, communicators, biomedical scientists, and health-care managers proffer their own analyses, opinions, and experiences. The articles cover a period in Brazil's history of health and science stretching from the mid-nineteenth century to the present.

The first two texts in our 'Analysis' department focus on late-nineteenth- and earlytwentieth- century strategies for combating smallpox in Brazil. Tania Fernandes' article analyzes the debates and controversies on smallpox immunization as found in two important periodicals. Smallpox prevention in São Paulo state from the late nineteenth century through 1918 is the theme of Luiz Antonio Teixeira and Marta de Almeida's article on that state's Instituto VacinogÍnico. Anne Marie Moulin addresses a topic that has fueled growing interest among historians: popular resistance against immunization policies. The author holds that by engaging in a dialogue with the biological sciences, the social sciences can help broaden our understanding of the history of vaccines and vaccination. Julie Laplante and Julie Bruneau examines the ethical problems posed by vaccination as regards representations of the body and health.

The history of two other diseases—yellow fever and polio—intertwines with the history of vaccines. Aline Lopes Lacerda and Maria Teresa Villela Bandeira de Mello explore the use of images from the Rockefeller Foundation's historical archive in the study of the production of a yellow fever vaccine in Brazil. Looking at scientific controversies and political activities, AndrÈ Luiz Vieira de Campos, Dilene Raimundo do Nascimento, and Eduardo Maranhão turn their attention to the history of polio in Brazil and, alongside other points, underscore the inauguration of National Vaccination Days.

Two articles focus on the history of Brazil's National Immunization Program (Programa Nacional de Imunizacies/PNI). José Gomes Temporão analyzes the PNI's trajectory and its relation to other health policies. Its successful implementation constitutes an important component in the process of structuring a vaccine market in Brazil. Carlos Fidelis Ponte examines the complementary relations between the PNI and the emergence of a government structure for controlling the quality of immunobiologics, through creation of Fiocruz's Institute for Quality Control in Health (Instituto de Controle de Qualidade em Saúde/ INCQS).

The department closes with three articles that discuss vaccines in contemporary Brazil and future challenges. The development of new vaccines based on molecular research into genomes and viral proteins forms the focus of Hermann Schatzmayr's contribution. Akira Homma, Reinaldo Menezes Martins, Ellen Jessouroum, and Otavio Oliva approach from an angle internal to the production process in their exploration of the links between innovation and vaccine development in Brazil. The question of ties between innovation and vaccine development is likewise addressed by Carlos Gadelha and Nara Azevedo, from a perspective that emphasizes structural constraints.

Because Brazil's history of immunization and, more specifically, the history of the vaccine and of vaccination strategies, is so complex, we decided to organize a denser, more extensive 'Testimonies' department for this issue. We feel it is crucially important to record the experiences, analyses, and observations of the actors who have been the protagonists of this history. Cristina Maria Vieira da Rocha discusses social communication in vaccination campaigns, while Reinaldo Menezes Martins and Maria de Lourdes Souza Maia write about vaccine adverse effects. Also included are interviews with Mozart Abreu de Lima, João Baptista Risi Jr., Maria de Lourdes Maia, José da Rocha Carvalheiro, and Paulo Buss.

In our 'Sources' department, you will read about invaluable sources available at the Special Public Health Services Fund, which can shed light on the immunization campaigns undertaken starting in the 1960s. Here is an excellent opportunity to learn about this collection, which administrators and researchers in the health field can access at the Casa de Oswaldo Cruz. Also enriching this issue is a look at the iconography on the Vaccine Rebellion and on polio campaigns, of major interest to historical research. In the section entitled Images, you will find part of the material shown at the exhibit 'The Vaccine Rebellion: from smallpox to immunization campaigns,' along with Ángela Porto's work on efforts to eradicate polio in Brazil, where the author analyzes the changes that have taken place in publicity campaigns urging people to vaccinate their children.

We hope this issue will encourage new studies and stimulate reflection at a moment when Brazil commemorates the thirtieth anniversary of its National Immunization Program, in September 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2004
  • Data do Fascículo
    2003
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: hscience@fiocruz.br