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Participação pública em Ciência e Tecnologia: influenciar nas decisões e, sobretudo, manter a sociedade informada e engajada

Public participation in Science and Technology: influencing decisions and, primarily, keeping society informed and involved

DEBATE

Participação pública em Ciência e Tecnologia: influenciar nas decisões e, sobretudo, manter a sociedade informada e engajada

Public participation in Science and Technology: influencing decisions and, primarily, keeping society informed and involved

Entrevista com

Lars Klüver

Diretor do Conselho Dinamarquês de Tecnologia

Antonigade 4 DK-1106 – Kopenhagen, Dinamarca

LK@Tekno.dk

Edna F. Einsiedel

Professora de Estudos de Comunicação

University of Calgary, Canadá.

29 Varsity Estates Park NW, Calgary, Alberta, Canadá einsiede@ucalgary.ca

Concedida a Luisa Massarani e Carla Almeida

Jornalistas do Centro de Estudos do Museu da Vida/

Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Av. Brasil 4365, Manguinhos

21045-900 Rio de Janeiro – RJ – Brasil

lumassa@fiocruz.br e carlalmeida@coc.fiocruz.br

A década de 1980 foi marcada por uma iniciativa precursora para o incremento de participação pública na área de ciência e tecnologia (C&T): a implementação, na Dinamarca, dos primeiros mecanismos de consultas públicas sistemáticos sobre temas científicos e tecnológicos. O apoio à realização dessas atividades – vistas inicialmente com certa desconfiança, veio do Teknologirådet, o Conselho Dinamarquês de Tecnologia, órgão independente criado em 1986 e por fim implementado pelo Parlamento Dinamarquês em 1995. Seu objetivo principal era disseminar conhecimento sobre tecnologias, suas possibilidades e seu impacto nos indivíduos, na sociedade e no meio ambiente. O Teknologirådet – que se tornou paradigma internacional na participação pública em ciência e tecnologia – destacou-se por assessorar o parlamento em decisões nesse campo, criar fóruns de debates de temas controversos e criar estratégias para ouvir mais sistematicamente a população, aproximando a sociedade, o parlamento e a comunidade científica. O Teknologirådet realizou a primeira conferência de consenso (sobre biotecnologia na indústria e na agricultura) em 1987, que seria seguida por dezenas de outras.

Já na década de 1990, no outro lado do globo terrestre, realizou-se a primeira conferência canadense sobre alimentos geneticamente modificados, que deu origem a outras similares naquele país. Nos bastidores dessas iniciativas, dois nomes se destacam: Lars Klüver, diretor do Teknologirådet, e Edna F. Einsiedel, professora de Estudos de Comunicação da Faculdade de Comunicação e Cultura da University of Calgary (Canadá). Ambos estiveram no Rio de Janeiro em abril de 2005, para participar do IV Congresso Mundial de Centros de Ciência, organizado pelo Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, onde compartilharam suas experiências. Na ocasião, concederam em conjunto a entrevista a seguir, em que falam sobre a trajetória de participação pública na ciência em seus países, e sobre a importância, os objetivos e desafios desse tipo de atividade.

Para os dois especialistas, o principal objetivo na implantação de mecanismos de participação pública é manter um amplo debate na sociedade sobre questões científicas e tecnológicas e criar um fórum em que especialistas possam aprender com os cidadãos comuns. Eles sugerem, ainda, diferentes formas de implementar esses mecsaanismos em países em desenvolvimento.

Por que é importante que os cidadãos participem em decisões relativas à ciência e à tecnologia?

Klüver – Há dois lados da ciência: queremos usá-la, explorá-la; queremos exportar, aumentar nossa renda, ser bons em tecnologia; queremos ter energia, comida... Queremos usar a ciência. Mas há custos. A ciência e a tecnologia podem causar poluição, podem gerar desigualdades – os benefícios não são igualmente acessíveis a todos – , há questões éticas envolvidas, há dúvidas: sabemos realmente para onde a ciência está indo? Por causa de tudo isso, não é tão fácil dizer "sim, queremos ciência". Precisamos então gerar um debate em que possamos avaliar os prós e os contras, controlar talvez os contras e instituir mecanismos legais e regulamentações para não arruinarmos os benefícios da tecnologia.

Einsiedel – Além disso, queremos ter certeza de que a tecnologia é sustentável. Sustentável não apenas no sentido econômico, mas também no sentido social e ambiental.

Klüver – Quem sabe como a tecnologia funciona na sociedade? É nela que estão os usuários, as pessoas que terão de conviver com todos os problemas relacionados às novas tecnologias. Criar mecanismos de participação significa envolver aqueles que irão conviver com as conseqüências dos avanços científicos e tecnológicos e também envolver aqueles que podem tomar decisões normativas. Cientistas podem tomar decisões em relação ao desenvolvimento tecnológico. Mas, quando se trata de problemas ambientais, de sustentabilidade etc., os cientistas são parte do problema; eles não podem responder a essas perguntas. É preciso então encontrar outras pessoas que tenham a legitimidade política para responder a tais questões. Na prática, vemos que os cidadãos podem fazer isso. Em primeiro lugar, eles têm legitimidade para participar disso porque são a base da democracia. Além disso, eles têm a habilidade para fazê-lo.

Mas por que só agora o público está sendo convidado a fazer parte desse debate?

Einsiedel – Acho que os tempos estão mudando. Hoje há muita gente habilidosa no uso da tecnologia, no acesso rápido a muita informação; há organizações não-governamentais muito ativas no debate sobre tecnologia e sobre opções alternativas; há uma mídia bastante ativa, que pode ser usada por diferentes grupos de interesses, levando seus pontos de vista ao domínio público... Ou seja, há visões competindo sobre como devemos explorar a tecnologia, discutindo até mesmo a necessidade real de explorá-la. Tudo isso está no campo da discussão pública, o que torna difícil para especialistas trabalharem isolados do resto da sociedade. Essa é uma razão para haver participação pública na ciência. Acho que há ainda um movimento em prol do desenvolvimento de formas mais democráticas de lidar com a tecnologia, de pensar sobre ela e governá-la.

No Brasil, alguns setores da sociedade argumentam que questões científicas e tecnológicas são muito complexas e, por isso, cidadãos comuns não estão aptos e não possuem o conhecimento necessário para participar de decisões na área. Como vocês analisam esse argumento?

Einsiedel – Há diferentes tipos de conhecimento. Tomando o exemplo do debate sobre transgênicos no Brasil, há interesses distintos para os diferentes agricultores envolvidos. Os agricultores do Norte têm interesses distintos dos agricultores do Sul. Há provavelmente boas razões para que agricultores do Sul tomem certas posições e agricultores do Norte tomem outras. Mas ambos são especialistas em agricultura. Eles têm seu próprio conhecimento sobre a agricultura no contexto em que vivem. Eles trazem essa experiência para o debate como uma forma de conhecimento. O governo em Brasília não conhece necessariamente todas as condições e as razões que explicam por que eles tomam as decisões que tomam. Sendo assim, é muito importante ouvir esses diferentes grupos de interesse e as experiências que podem trazer para a discussão. Não são apenas os especialistas que detêm conhecimento. Há outras formas de conhecimento muito importantes.

Você está usando como exemplo um caso em que o assunto – agricultura e transgênicos – é relacionado diretamente à vida desses agricultores. Mas, e quando isso não acontece, como no caso do debate de células-tronco?

Klüver – Se a falta de conhecimento é um problema, usamos métodos para informar, em um certo grau, cidadãos envolvidos nesses exercícios de participação pública. Fazemos nesses casos o mesmo que fazemos para informar os políticos. Eles também não são especialistas, e permitimos que tomem decisões muito sérias. Não é preciso ser um especialista para tomar decisões, mas é preciso estar informado até um certo grau. E podemos fazer isso antes de os participantes da consulta pública escreverem o relatório final. Mas há situações em que isso não é importante, nas quais o conhecimento requerido para discutir determinado assunto não precisa ser grande. Ficamos surpresos com o tanto que se sabe sobre determinadas áreas, como energia, por exemplo. Sabe-se muito sobre energia porque ela faz parte do cotidiano de todos. Tomamos decisões sobre energia diariamente. Quando a situação é essa, não é preciso fornecer grandes quantidades de informações às pessoas porque elas estão prontas para chegar a conclusões sobre o assunto.

Qual o papel que as atividades de participação pública desempenham na sociedade e no setor político?

Klüver – Atividades participativas podem desempenhar diferentes tipos de papéis na sociedade. Um deles, obviamente, é o papel tradicional, o de preparar uma agenda e mostrar a todos que essas atividades são interessantes e que pode-se aprender muito com elas. Difundir essas atividades é um primeiro papel. Outro é criar um fórum em que especialistas possam aprender com os cidadãos comuns. Com isso, especialistas podem refletir mais sobre seus próprios papéis e sentir de fato qual o estado da opinião pública. Há muitos mitos; não são apenas os leigos que sabem pouco. Cientistas sabem muito pouco, especialmente sobre o que pensam as pessoas leigas. Informar no caminho inverso é uma parte muito importante do processo. Na Dinamarca, temos exemplos de atividades que levaram diretamente a decisões políticas. Eu diria que foram poucos, felizmente, porque não é esse o objetivo das atividades de participação pública.

Einsiedel – Há várias razões para se fazerem atividades como essas, e não apenas influenciar decisões políticas. Queremos ampliar o debate. No Canadá, autoridades influentes estão acostumadas a fazer pesquisas de opinião pública. Essa era uma maneira de saber o que o público pensava. Quando eles viram um desses exercícios de consulta pública, conseguiram "abrir suas cabeças" no sentido de fazer algo diferente. Há vários objetivos que podemos alcançar dirigindo atividades como essas.

Na sua avaliação, as autoridades políticas estão interessadas em saber mais sobre o que pensa o público, o que ele quer e quais são suas preocupações?

Klüver – Acho que estão, mas é muito importante ter em mente que essa é apenas uma fonte de informação a que elas têm acesso. Apenas uma das fontes. Elas têm diversas outras fontes: organizações não-governamentais, grupos de interesse, indústria, cientistas... Os resultados das consultas públicas são apenas um outro tipo de informação que suplementa as informações já recebidas normalmente. É importante entender que, havendo conferência de consenso ou não, políticas são – e devem continuar sendo – responsabilidade de políticos. Portanto, os políticos devem considerar uma conferência de consenso como apenas uma fonte de informações e uma fonte de idéias políticas. Na Dinamarca, políticos consideram esses processos válidos. Não é "a" informação, não é que eles vão fazer exatamente o que o documento final de uma conferência de consenso diz. Mas, na hora de tomar decisões, os políticos querem estar bem informados sobre as opiniões dos cidadãos.

Einsiedel – Acho que a idéia é entender que tipo de preocupações as pessoas têm. Uma das lições que aprendemos e que os políticos também aprenderam é que as pessoas não pensam apenas nos riscos e nos benefícios de uma determinada tecnologia. Há outras preocupações: quais os impactos em longo prazo, quais as conseqüências para o meio ambiente... É preciso levar em consideração essas preocupações. Talvez sigam em uma direção determinada, talvez nem ouçam tudo o que está sendo dito e certamente ouvirão diversas outras vozes. É uma questão de equilibrar esses diferentes interesses. Pelo menos, nesse caso, a voz do público é uma das que estão sendo ouvidas.

Klüver – Os tomadores de decisão também recebem informações sobre as preocupações que as pessoas leigas não têm. Em questões relacionadas à tecnologia da informação e comunicação e à privacidade, por exemplo, a comunidade científica está geralmente muito mais preocupada do que as pessoas leigas.

Einsiedel – Notamos esse mesmo comportamento no Canadá. Surpreendemos-nos ao perceber a que ponto as pessoas estão dispostas a – por exemplo – doar amostras de sangue em nome da ciência. Também ficamos surpresos ao ver a que ponto as pessoas aceitam a invasão à sua privacidade.

Na legislação do Estado do Rio de Janeiro que regulamenta as atividades científicas, há um artigo que prevê mecanismos para ouvir a opinião pública sobre decisões que têm grande impacto na sociedade. Não funciona, mas existe. Há em seus países mecanismos oficiais que obriguem a ouvir a voz da sociedade?

Klüver – Apenas no setor ambiental a legislação obriga a realização de audiências públicas, mas esses processos de participação pública são muito formalizados. A pessoa pode ir à prefeitura, conseguir uma descrição do processo e escrever uma carta às autoridades. Há também eventos promovidos por autoridades em que elas anunciam: "Vamos fazer isso. Algum comentário?". Eles escutam, depois vão para casa e fazem o que querem. Geralmente, esse processo é artificial. Na Dinamarca, o interessante é o nível de atividades existentes fora desses processos obrigatórios. Investimos na participação, não por causa da regulação obrigatória, mas porque faz parte da nossa cultura política. Muitas decisões não seriam legítimas se não tivessem passado antes por um processo aberto de consulta pública.

Einsiedel – Não temos no Canadá um processo institucionalizado como na Dinamarca, onde há um Conselho Dinamarquês de Tecnologia. Esse processo tende a ser mais ad hoc. Há uma legislação, assim como no Rio, mas às vezes o que criticamos é que as leis não contêm informações mais claras e detalhadas. As leis que temos sobre consultas públicas não especificam como elas devem funcionar, então, o que vemos o governo usar com mais freqüência é a pesquisa de opinião pública que, no meu entender, não traz resultados suficientes.

Como medir o impacto das atividades de participação pública? Elas influenciam de fato nas decisões?

Einsiedel – Impacto pode ser definido de muitas maneiras diferentes. Na consulta pública que fizemos sobre a questão de xenotrans-plante, em 2001, o júri de cidadãos recomendou uma extensão de prazo. O governo fez isso, mas não vou dizer que ele fez isso porque o júri recomendou. Acho que houve um grande número de razões. Seria muito simplista tentar apontar só para esse tipo de impacto. Houve muita discussão em diferentes regiões em todo o país. Essa é uma outra forma de avaliar o impacto. Outra forma ainda é avaliar o quanto as instituições e organizações aprendem fazendo esse tipo de atividade. E há também questões como: por que se faz esse tipo de exercício? É para legitimar uma decisão que talvez já tenha sido tomada internamente? É só para mostrar que o público está sendo consultado?

Klüver – Nem sempre se faz um processo de legitimação para se obter impacto direto. Faz-se também porque é uma forma de fazer algo bom para a sociedade. Acho muito importante ver esses métodos como algo que faz alguma coisa para a sua sociedade. E é também uma forma de desenvolver, em longo prazo, o entendimento de democracia na sua sociedade. Temos agora sete projetos-piloto para o estabelecimento de grandes parques nacionais na Dinamarca. Nesses projetos-piloto é obrigatório ter exercícios de participação pública ao longo de todo o processo. Isso não teria acontecido há vinte anos. Acho esse um grande tipo de impacto.

Qual é o papel dos cientistas nos processos de participação pública na ciência?

Klüver – Uma parte muito importante desses processos consiste em fazer os cientistas refletirem sobre seu papel na sociedade e sobre como querem prosseguir com suas pesquisas. Há um grande projeto de nove conferências de consenso, que vão ser realizadas simultaneamente em outubro na Europa, sobre neurociência. Foram os próprios neurocientistas que decidiram promover atividades de participação pública, porque, no futuro, as novas tecnologias no setor vão permitir aplicações mais diversas. Por isso eles querem ter uma noção sobre o que é aceitável e o que não é. Esse tipo de auto-reflexão é cada vez mais importante para os cientistas, no sentido de fazer ciência que é aceitável.

Vocês usam o plebiscito como uma forma de consulta pública em seus países?

Klüver — Usamos plebiscito raramente na Dinamarca.

Einsiedel — O plebiscito é um sim ou um não para uma questão bastante específica. Em uma conferência de consenso, você tem uma descrição do que as pessoas pensam sobre um determinado assunto. Não é apenas "sim, somos a favor", ou "não, somos contra". É possível entender as razões por trás da posição que as pessoas tomam.

Quais são as maiores dificuldades e desafios para introduzir e consolidar mecanismos de participação pública?

Einsiedel — Em um país grande como o Canadá, o custo é muito grande. Temos seis regiões. É mais fácil reunir as pessoas em um país pequeno como a Dinamarca.

O Brasil também é um país grande. Como vocês lidam com esse problema no Canadá?

Einsiedel — No Canadá, o governo patrocina as conferências de consenso, mas há a questão da continuidade. Com que freqüência você pode fazer esses exercícios e sob que circunstâncias? Vale a pena fazer, mesmo sendo tão caro? Todas essas questões são legítimas. O deliberative poll (pesquisa de opinião deliberativa), mecanismo de participação pública usado nos Estados Unidos, é muito caro. Nele, cerca de 1.200 pessoas, selecionadas ao acaso, reúnem-se durante um final de semana para discutir determinado assunto. Os organizadores dividem os custos com diferentes patrocinadores. Eles têm parceria com a mídia, com companhias aéreas, e com outros tipos de patrocinadores, dependendo do assunto em questão. É preciso ser muito cuidadoso para não comprometer a integridade do processo.

Klüver — Na Dinamarca, isso não seria permitido. O Conselho Dinamarquês de Tecnologia não pode aceitar patrocínios. Espera-se que tudo seja feito sem patrocínio. Claro que é bom sermos uma instituição com um orçamento disponível, mas a razão para termos uma instituição desse tipo é também que nossa cultura política nos força a isso. Definitivamente, seria melhor não fazer parcerias para promover essas atividades porque há muitos interesses envolvidos que poderiam comprometer a integridade do processo.

O que representa, em termos de gastos, realizar uma conferência de consenso nos moldes que vocês têm realizado na Dinamarca?

Klüver — Leva-se menos de um ano e cerca de 100 mil dólares para fazer uma conferência de consenso. Sim, é caro, mas é a aproximadamente o custo de um estudo de ciências sociais de dois anos e meio. Depende daquilo com que você compara. No nível social, ganha-se muito mais consciência política com uma conferência de consenso do que se ganharia normalmente com um estudo de ciências sociais. É uma questão de prioridades. Na Dinamarca, discutimos se programas científicos não deveriam ter sempre um percentual de seu orçamento direcionado para esses tipos de processos, porque isso é relevante. O dinheiro existe, a questão é como vamos usá-lo. De qualquer forma, é certo que conferências de consenso consomem muito tempo e trabalho. Mas há outros tipos de consultas populares. Nos Estados Unidos, a organização America Speaks desenvolveu um método chamado citizen summit (encontro de cidadãos). É um evento de um dia, do qual milhares de cidadãos podem participar. Acabamos de usar esse método com os projetos-piloto para a criação de parques nacionais e acho que os custos ficaram em torno de 40 mil dólares.

Einsiedel — Muita coisa pode ser feita com muito dinheiro, mas também é possível fazer algo em escala menor que traga o mesmo resultado. É preciso pensar apenas em quais são os aspectos importantes. Por exemplo, no Canadá, o regionalismo está tão presente na nossa cultura que é impossível fazer uma atividade em apenas um lugar. Há seis regiões que são muito importantes. Contanto que se faça algo em cada uma dessas regiões, o país está coberto. No Brasil, onde há cinco regiões, talvez vocês possam fazer cinco exercícios, um em cada uma delas. Não precisa ser necessariamente uma conferência de consenso, mas talvez até algo no âmbito das prefeituras.

Há uma grande desigualdade social dentro de cada uma dessas regiões. Há uma diferença grande em termos de nível de formação e educação. Como quebrar essas barreiras e colocar todos juntos para discutir seriamente um assunto?

Einsiedel — Deve haver uma maneira de definir regras de comum acordo para conduzir a discussão. É uma questão de gerenciar o processo para viabilizá-lo.

Klüver — Minha experiência diz que bastam duas horas para que todos aceitem uns aos outros. Todos aprendem com o encontro. No dia-a-dia, pessoas da alta sociedade não costumam falar com o tipo de gente que encontram nesses exercícios. E acabam achando interessante conhecer alguém de outra parte da sociedade. E também é interessante ver o quanto eles têm em comum. Dinheiro não é tudo.

Quanto os aspectos culturais de cada sociedade podem influenciar nas atividades de participação pública?

Einsiedel — Os três países que comparamos – em relação a consultas sobre transgênicos – são bastante similares: Canadá, Austrália e Dinamarca. Mas, em países como a Coréia do Sul, por exemplo, é difícil imaginar como eles fazem isso. Deve ser desafiador fazer atividades desse tipo em países altamente autoritários, onde há uma tendência em glorificar especialistas e um medo de desafiá-los. Mas há pessoas tentando. Já foram realizadas duas consultas públicas e agora estão dando início à terceira.

Klüver — O Japão tem bons exemplos de exercícios de participação pública. Estive lá duas vezes para assessorá-los. Normalmente, quando os japoneses estão em seu contexto profissional, há uma forte hierarquia entre eles. Mas, como em todas as sociedades, há situações em que isso é deixado de lado. Há eventos sociais em que bebem e jantam juntos, e as hierarquias desaparecem. Se eles conseguem criar um clima interno dentro de uma conferência de consenso em que digam "falemos juntos assim como nos jantares", então eles têm sucesso. É possível fazer especialistas e não-especialistas entenderem que isso é necessário para que as atividades funcionem. Descobre-se assim que, em todas as sociedades, há situações nas quais as pessoas falam abertamente umas com as outras.

No Brasil, não temos tradição em participação pública, menos ainda na área de ciência e tecnologia...

Einsiedel — No Canadá, também não tínhamos. A tradição vinha sendo o que chamamos de multi-stakeholder approach (abordagem que envolve múltiplos grupos de interesse). Os diferentes interesses são colocados na mesa. Essa era a tradição, o governo nunca consultava o público geral. Quando fizemos a primeira conferência de consenso em alimentos geneticamente modificados, nenhum ministério do governo quis nos apoiar. Havia nervosismo, porque tais ministérios não teriam controle sobre o processo. Tivemos de fazer sem a ajuda deles. A primeira tentativa foi a mais difícil. Quando eles viram que se tratava de um processo cabível, perceberam que era algo que poderiam usar. Talvez tenha sido a demonstração de que algo assim poderia ser de fato significativo, que os tenha convencido.

Klüver — Por incrível que pareça, aconteceu o mesmo na Dinamarca. Fizemos a primeira conferência de consenso em 1987. Antes disso, havíamos feito quatro pedidos de apoio, mas ninguém queria pagar. O Conselho Dinamarquês de Tecnologia finalmente decidiu nos apoiar. A maioria dos países tem participação em algum lugar da sociedade. Não estamos falando em inventar algo novo, estamos falando em usar esse espaço de participação em outro nível. Até onde eu entendi, o Brasil tem uma tradição de participação comunitária (participação nas favelas, comunidades locais). Um dos truques é evitar dizer que não há espaço de participação, mas, sim, falar que participação é algo ao qual já estamos acostumados, mas que podemos usá-la mais intensamente do que o fazemos.

Tradução do inglês para o português: Carla Almeida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2005
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