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CARTA AO EDITOR

Sr. Editor

História, Ciências, Saúde – Manguinhos

Cordiais saudações.

Minha primeira palavra é de congratulação pela manutenção deste periódico entre nós, por permitir que aí se reúnam e veiculem elementos documentais básicos de nossa história sanitária brasileira, que, de outro modo, poderiam estar perdidos, ou, na melhor das hipóteses, dispersos. Exatamente pelos citados respeito e admiração que cultivo a esta publicação é que venho me dirigir a V.S. a propósito da Seção de Depoimentos, publicada no volume 10, suplemento 1, 2003.

Como é lembrado facilmente, o tema escolhido para esse fascículo foi a hanseníase, e as entrevistas apresentadas foram de duas profissionais atuantes na área, a Dra. Euzenir Nunes Sarno e a Enfermeira Tadiana Alves Moreira. Em suas manifestações, detectei três segmentos, aos quais apreciaria poder contribuir, trazendo respectivos reparos. Faço-o exatamente por ter sido submetido também à metodologia da História Oral para a mesma Casa de Oswaldo Cruz e ter sentido como detalhes podem ser esquecidos ou confundidos em tais situações, ainda que a referida matéria tenha registrado cuidadosamente a "conferência de fidelidade".

São os seguintes os pontos a serem destacados: i) organização do sistema ... de treinamento de recursos humanos no Brasil em hanseníase; ii) origem do uso de corticóides em episódios reacionais da doença; e iii) cultivo do M. leprae em laboratório. Os dois primeiros estão contidos no pronunciamento da Professora Sarno (p. 283 e 285 da referida publicação) e o último na fala da Sra. Alves Moreira (p. 303).

Acerca da questão da origem do "sistema ... de treinamento", ele é localizado historicamente pela informante ao tempo em que o Dr. Manuel Zuniga (ver Zuniga, 1989) retomou os clássicos trabalhos do Dr. Agenor de Mello (ver Mello, 1977) sobre as curvas epidemiométricas de evolução da endemia hansênica entre nós, e a Professora Sarno ingressou na Fiocruz, além de outras circunstâncias citadas. Aí reside, digo-o com todo respeito, o primeiro equívoco. Os referidos fatos se deram a partir de 1985, porém quando eu cheguei à diretoria da Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária em 1980, já encontrei o processo de requalificação técnica em hansenologia recém-instalado, tendo nossa equipe, então, oportunidade de desenvolvê-lo expressivamente através de um modelo piramidal de complexidade crescente do nível local, estadual e nacional, cujos resultados puderam ser amplamente difundidos não só no país, mas também no exterior, através de periódico da Organização Pan-Americana da Saúde (Gonçalves, 1987) e de evento fomentado pela Organização Mundial da Saúde (Gonçalves & Gonçalves, 1984).

Também em relação ao uso de corticóide em episódios reacionais da doença, a questão que se coloca é igualmente temporal. Na referida publicação sua origem na prática clínica é localizada "há 15, 16 anos atrás". Ora, minha atuação em hanseníase é superior a trinta anos e quando eu ingressei à área, essa prática terapêutica já era consagrada (ver Brasil, 1960), embora sua adoção não se desse segundo os esquemas posológicos atuais.

Finalmente há a afirmação de que o bacilo de Hansen "ainda não é cultivado em laboratório". Ora, os clássicos estudos laboratoriais em que o Dr. Shepard cultivou o M. leprae no coxim plantar de camundongos são conhecidos há décadas (ver Shepard, 1959), sendo o laboratório da própria Fiocruz pioneiro no desenvolvimento desta técnica em nosso país (ver Damasceno, 1973) com vistas à sua aplicação em testes de modelos terapêuticos.

Nestes termos, apresento, atentamente, Sr. Editor, meus cumprimentos mais distinguidos.

Aguinaldo Gonçalves

Professor titular, Grupo Saúde Coletiva e Atividade Física (FEF/Unicamp) Rua Luverci Pereira de Souza, 1151, Cidade Universitária 13083-730 Campinas/SP – Brasil aguinaldo@fef.unicamp.br

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brasil 1960 Manual de Leprologia. Brasília: Ministério da Saúde.

Damasceno, Maria Helena 1973 Transmissão experimental da lepra em camundongos submetidos a imunossupressão química. Boletim Div. Nac. Dermat. Sanit., v. 33, n. 2-4, p. 106-15.

Gonçalves, Aguinaldo 1987 Epidemiologia e controle da hanseníase no Brasil. Boletim Oficina Panamericana Sanitária, v. 102, n. 3, p. 185-9.

Gonçalves, Neusa Nunes da Silva; Gonçalves, Aguinaldo 1984 Leprosy politics and human resourses achievements at nationwide level in Brazil. International Leprosy Congress, XII, New Delhi. p. 480.

Mello, Agenor Hanseníase nas áreas metropolitanas. 1977 Boletim Div. Nac. Dermat. Sanit., v. 36, n. 1, p. 31-40.

Shepard, Charles 1959 Tissue culture studies of mycobacterial pathogens. Internat. Congr. Leprol., VII, Tokyo.

Zuniga, Manuel 1989 La enfermidad de hansen en el Brasil: situation epidemiologica y desarollo del control. Informe de Asesoria. Brasília: Ministério da Saúde do Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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