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Merton e a sociologia médica

Merton and medical sociology

Resumos

Trata das principais contribuições do sociólogo norte-americano Robert King Merton (1910-2003), sobretudo aquelas voltadas para o campo da sociologia médica. Assinala sua contribuição para a implantação de um pensamento social na área da medicina. Destaca sua vocação para a sociologia e o trajeto singular de suas pesquisas, voltadas para temas incomuns no início do século XX, especialmente as relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Apresenta a contribuição teórico-conceitual do autor e a cunhagem de conceitos logo adotados pelos pesquisadores. No campo da sociologia médica, ressalta seu trabalho sobre o processo de socialização do estudante de medicina.

Merton; história da sociologia médica; teoria da sociologia; educação médica


The article is about the main contributions of the North-American sociologist Robert King Merton (1910-2003), particularly those related to the field of medical sociology. Merton was first to conduct research on medical education, and the working team he formed was fundamental for the introduction of social thought in the medicine field (Patrícia Kendall, Renée Fox, Samuel Bloom and others). Of particular importance are Merton's vocation for sociology and the unique trajectory of his research, which was marked by studies on subjects that were not common in the early XX century, particularly the relationships between science, technology, and society. We provide the most important theoretical ad conceptual contribution brought by the author, as well as the expressions he created and which were soon adopted by researchers, such as 'focused interview', 'Matthew effects', 'Pygmalion effect', 'nonplanned consequences of social actions', 'manifest function', and 'latent function'. The highlight in the field of medical sociology is his work on the socialization process of the student of medicine.

Merton; medical sociology; history; sociology, theory; medical education


ANÁLISE

Merton e a sociologia médica

Merton and medical sociology

Everardo Duarte Nunes

Professor de ciências sociais em saúde Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitária Zeferino Vaz Campinas – São Paulo – Brasil evernunes@uol.com.br

RESUMO

Trata das principais contribuições do sociólogo norte-americano Robert King Merton (1910-2003), sobretudo aquelas voltadas para o campo da sociologia médica. Assinala sua contribuição para a implantação de um pensamento social na área da medicina. Destaca sua vocação para a sociologia e o trajeto singular de suas pesquisas, voltadas para temas incomuns no início do século XX, especialmente as relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Apresenta a contribuição teórico-conceitual do autor e a cunhagem de conceitos logo adotados pelos pesquisadores. No campo da sociologia médica, ressalta seu trabalho sobre o processo de socialização do estudante de medicina.

Palavras-chave: Merton; história da sociologia médica; teoria da sociologia; educação médica.

ABSTRACT

The article is about the main contributions of the North-American sociologist Robert King Merton (1910-2003), particularly those related to the field of medical sociology. Merton was first to conduct research on medical education, and the working team he formed was fundamental for the introduction of social thought in the medicine field (Patrícia Kendall, Renée Fox, Samuel Bloom and others). Of particular importance are Merton's vocation for sociology and the unique trajectory of his research, which was marked by studies on subjects that were not common in the early XX century, particularly the relationships between science, technology, and society. We provide the most important theoretical ad conceptual contribution brought by the author, as well as the expressions he created and which were soon adopted by researchers, such as 'focused interview', 'Matthew effects', 'Pygmalion effect', 'nonplanned consequences of social actions', 'manifest function', and 'latent function'. The highlight in the field of medical sociology is his work on the socialization process of the student of medicine.

Keywords: Merton; medical sociology, history; sociology, theory; medical education.

Merton's writings were not only broad ranging but extraordinarily influential. Their influence can be attributed to the fact that, in addition to having the virtues of clarity and sheer intellectual creativity, his writings were addressed to working sociologists, providing an interpretation of the craft and tools for its improvement.

Calhoun (mar. 2003, p.2)

Autor e obra

Robert K. Merton faleceu no dia 23 de fevereiro de 2003, aos 92 anos de idade. Era figura consagrada internacionalmente como um dos mais importantes sociólogos do século XX, "one of the towering figures on whose shoulders contemporary sociology rests", no dizer de Craig Calhoun (mar. 2003, p.2), parafraseando o título de uma de suas obras, On the shoulders of giants (Merton, 1965). Todos os que escreveram sobre Merton, por ocasião da sua morte, foram unânimes em salientar a extraordinária carreira acadêmica desse filho de imigrantes judeus pobres – seu pai, ao perder em um incêndio a sua pequena mercearia, passou a trabalhar como ajudante de carpinteiro.

Robert K. Merton nasceu em 4 de julho de 1910 e foi registrado como Meyer R. Schkolnick. Na adolescência, como mágico amador, pensou em adotar o nome de Merlin, mas, avisado de que este era um nome muito vulgarizado, mudou-o para Merton. Passou a usar o prenome Robert em homenagem ao mágico Robert Houdin (1805-1871), e foi como Robert King Merton que ingressou no Temple College, uma escola criada para "os meninos e meninas pobres da Filadélfia", como relatou em conferência proferida aos 84 anos de idade, em que falou apaixonadamente de sua infância, família, vizinhança, amigos, leituras e influências recebidas – "A life of learning", como denominou essas memórias (Merton, 1994). Em Temple College, Merton formou-se bacharel em artes, em 1931. Ingressou no ano seguinte em Harvard, onde concluiu o mestrado em 1932 e o doutorado em 1936.

Como salientam seus biógrafos, seu destino, desde o início, esteve preso à sociologia. Na graduação tornou-se auxiliar de pesquisa de George E. Simpson (1904-1998), que realizava o seu doutorado sobre o negro nos jornais de Filadélfia e lhe apontaria um caminho – a sociologia – do qual não se afastou mais. Conheceu Ralph Bunche (1904-1971), Franklin Frazier (1894-1962) e Pitirim Sorokin (1889-1968), de quem se tornou pesquisador-assistente no primeiro ano de graduação. Mas, em suas memórias, Merton afirma que não foi Sorokin quem mais o influenciou, e sim um jovem instrutor que, àquela época, havia publicado somente dois artigos e ministrava o seu primeiro curso de teoria sociológica. Seu nome era Talcott Parsons (1902-1979), visto por seus alunos como "uma nova voz sociológica". Para Merton (1994, p.3), "o corpus de pensamento social que Sorokin sumarizou, Parsons anatomizou e sintetizou".

Nessa época Merton publicou seus primeiros textos sobre a sociologia francesa e as flutuações nas taxas de invenção industrial, entre outros temas. Mas o trabalho realmente importante que estava produzindo, Science, technology, and society in seventeenth century England, sua tese de doutorado de 1935, publicada em 1938, marcaria a fundação da sociologia da ciência, campo central de estudos em sua obra.1 1 A tradução espanhola dessa obra data de 1984 e foi publicada sob o título Ciência, tecnologia y sociedad en la Inglaterra del siglo XVII (Madrid, Alianza Editorial). Vale lembrar, a propósito, que o interesse pela sociologia da ciência e tecnologia foi despertado por seu encontro com o economista de Harvard, E.F. Gay, que o indicara para o curso de história da ciência ministrado por L.J. Henderson (1878-1942) e George Sarton (1884-1956).

A partir de sua tese e durante mais de cinco décadas, Merton iria elaborar uma profícua produção científica, ao lado da atividade docente, com reconhecimento internacional. Após passar quatro anos em Harvard (1933-1936) e três anos na Tulane University (1939-1941), ingressou em 1941 como professor assistente na Columbia University, onde permaneceu por mais de cinqüenta anos, até a sua morte. Esse longo percurso e uma cuidadosa elaboração teórica creditaram-no como um dos mais importantes nomes da história da sociologia. Conforme afirma Calhoun (mar. 2003, p.2), "Merton foi talvez o último de uma extraordinária geração de sociólogos cujo trabalho moldou a definição básica da disciplina na segunda metade do século XX".

Quando se conta a história desse extraordinário scholar, um fato ocorrido no início da sua carreira não pode ser omitido: seu encontro com Paul Lazarsfeld (1901-1976). "Quando chegou a Columbia, em 1941 – relata Rourke (2 mar. 2003, p.3) – a profissão de Merton dividia-se em duas linhas. Alguns sociólogos, incluindo seu novo colega Lazarsfeld, consideravam os experimentos e as observações o coração do trabalho. Outros, sob a liderança de Merton, diziam que a teoria social era mais importante." Ao mencionar essa parceria, Merton afirma que, inicialmente, ela pareceu uma "improvável colaboração", e acrescenta:

Ele, o metodólogo matematicamente orientado, inventor de poderosas técnicas de investigação social tais como o panel method e a análise de estruturas latentes; eu, o vocacionado teórico social, se bem que com alguma inclinação para a pesquisa empírica, insistindo na importância de paradigmas sociológicos (num sentido pré-khuniano de 'paradigma'). (Merton, 1994, p.6)

No entanto os dois sociólogos conservariam uma amizade que se estendeu por 35 anos e trouxe para a área uma fértil produção, em que "o teórico e o metodólogo combinaram forças" (Swedberg citado em Rourke, 2 mar. 2003, p.3). A aproximação entre ambos consolidou-se ainda mais no Bureau of Applied Social Research, do qual foram co-diretores.

As contribuições de Merton marcaram a sociologia do século XX, e expressiva quantidade de termos por ele cunhados incorporaram-se ao domínio dos cientistas sociais. Na esteira das formulações durkheimianas e junto com Parsons, fez da análise funcional o eixo de suas construções teóricas, embora preferisse falar em 'análise estrutural-funcional'. Da mesma forma, "evitou construir grandes sistemas teóricos em favor do que denominou 'teorias de médio alcance', planejadas para orientar o inquérito empírico" (Calhoun, mar. 2003, p.2). Outra notável contribuição de Merton foi a sua conceituação de 'funções manifestas' e 'funções latentes', referindo-se às primeiras como "as conseqüências objetivas que contribuem para o ajuste ou a adaptação do sistema, que são intencionais e reconhecidas pelos participantes do sistema" (Merton 1970a) e às segundas como não-intencionais e reconhecidas. Embora não sejam desejadas conscientemente, as funções latentes não são indesejáveis ou ocorrem contra a vontade dos participantes, pois podem, em muitos casos, cumprir um objetivo benéfico (Merton, 1970a). Demais conceitos desenvolvidos pelo sociólogo, como 'papel modelo'2 2 O conceito de 'papel modelo' foi desenvolvido por Merton em confrontação ao de 'indivíduo de referência'; significa "a identificação com um indivíduo, só em um ou em uns poucos de seus papéis que se queira selecionar" (Merton, 1970a, p.388). e 'profecia auto-realizadora' (self-fulfilling prophecy)3 3 Merton entende por 'profecia auto-realizadora' (ou profecia que se cumpre por si mesma) a perspectiva de que um acontecimento provável se torne realidade porque se espera ou acredita que ele aconteça, assim como Pigmalião esperava que a estátua de Galatéia adquirisse vida. O sociólogo estudou como acontecimento social a corrida aos bancos, quando se difunde o boato de que um desses estabelecimentos está em dificuldades e seus correntistas apressam-se em retirar seus valores ali depositados e liquidar outros negócios. Como conseqüência, o banco acaba efetivamente falindo (Merton, 1970b, p.515-531). , ou 'efeito Pigmalião' e 'efeito Mateus'4 4 A expressão alude a um versículo do Evangelho segundo Mateus (25:29) — "Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado" (A Bíblia..., 1993) — e foi cunhada por Merton para representar a propensão da área científica a concentrar em poucos agentes os recursos materiais e humanos. , 'entrevista focada' (focus interview)5 5 Essa modalidade de entrevista teve origem na avaliação da audiência de programas de rádio em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, realizada para estudar os efeitos sociais e psicológicos das audições sobre o moral dos soldados. A expressão 'grupo focal' foi amplamente usada por Merton e colaboradores em 1956, em uma situação na qual o entrevistador pergunta aos membros do grupo questões específicas sobre um tópico, após a realização de considerável parte da pesquisa. (Merton, Fiske, Kendall, 1956). , 'conseqüências não-planejadas da ação social' (unintended consequences of social actions)6 6 Segundo Merton, "o mecanismo da crença social que se cumpre por si mesma ... traz uma relação teoricamente aproximada com o conceito de função latente ... . Ambos são tipos de conseqüências inesperadas de ação, decisão ou crença, uma produzindo a própria circunstância erroneamente admitida como existente, a outra produzindo resultados que eram totalmente inesperados." (Merton, 1970a, p.198-199) , passaram a ser amplamente usados nas mais diversas temáticas da sociologia, ciência política e administração.

A obra de Merton é extraordinariamente ampla e diversificada. Neste trabalho saliento a sua participação em um campo que ajudou a estabelecer, a sociologia médica.

No alvorecer da sociologia médica

Sem dúvida a década de 1950 representa um momento inaugural da sistematização das ciências sociais em saúde nos Estados Unidos. Talcott Parsons (1951) escreve o seu alentado trabalho sobre o sistema social, no qual figura o capítulo que se tornaria referência para a sociologia médica, intitulado "Social structure and dynamics process: the case of the modern medical practice". Em 1957 Renée Fox publica o emblemático estudo denominado Experiment perilous: physicians and patients facing the unknow (Fox, 1974). Samuel W. Bloom inaugura o ensino das ciências sociais para estudantes de medicina no Baylor University College of Medicine, experiência relatada em seu livro The doctor and his patient: a sociological interpretation (Bloom, 1963). Outras importantes contribuições, como as de August Hollingshead, Robert Satrus, Patrícia Kendall, Blanche Geer e Eliot Freidson, entre outras, são produto desse momento do pós-guerra e estiveram presentes nas principais universidades americanas. Fará parte desse cenário Robert K. Merton, que concebeu e coordenou uma das mais expressivas pesquisas sobre a escola médica, vista como a instituição 'socializadora' da profissão.

Ainda que não tenha prosseguido com o tema da medicina e da profissão médica em seus estudos, Merton marcou de forma indelével as pesquisas que se fizeram no campo da sociologia da educação médica. Assim, o aparecimento de The student-physician: introduction studies in sociology of medical education (Merton, Reader, Kendall, 1957) foi um marco para esse campo que se iniciava. Também por ter exercido forte influência em estudos posteriores na área da saúde e da medicina, Merton deve figurar na galeria dos autores que ajudaram na construção da sociologia médica e da saúde. Essa dimensão do trabalho de Merton é enfatizada por Bloom (2002, p.115). O autor assinala que os promissores laços entre medicina preventiva, saúde pública e sociologia, estabelecidos entre as duas grandes guerras, foram minados pelas reações pós-guerra contra a 'medicina social', então confundida com 'medicina socializada'. Contudo, estudos posteriores de Merton mostraram a impossibilidade de reverter a separação entre a sociologia como prática acadêmica e os problemas das organizações privadas.

Para Bloom, a educação médica tornou-se um dos temas favoritos no imediato pós-Segunda Guerra Mundial porque constituiu, naquele período, "um dos principais clientes recentes para a aplicação de pesquisa social". O autor acrescenta:

Os educadores médicos, interessados nos efeitos potencialmente desumanizantes da especialização científica, buscavam um melhor método de entendimento da escola médica como um ambiente social, no qual eles haviam anteriormente focalizado o caráter e as qualificações do estudante de medicina como indivíduo. (Bloom, 2002, p.115)

O contexto era propício para que sociólogos como Robert K. Merton e Everett Hughes (1897-1983) voltassem a atenção para o processo da socialização do adulto e para as profissões na sociedade. E embora o foco de suas reflexões não estivesse especialmente na medicina, seus excelentes trabalhos marcaram presença no campo da sociologia das profissões de saúde. A esse respeito novamente Bloom (2002) nos oferece uma análise fundamental, concluindo que o momento da emergência de uma 'sociologia aplicada' conforme as propostas políticas exigidas foi, também, o momento de ingresso dos sociólogos no campo acadêmico da escola médica. De fato, no prefácio de The student-physician, os autores enfatizam, a respeito de seu estudo:

o foco é sobre o processo educativo na escola médica, sobre as formas que sua estrutura social, como aquela de outras instituições, é a grande responsável na formação do comportamento de seus membros e assim afeta a preparação de um médico ... [ou seja] a escola médica é concebida como um ambiente social no qual a cultura profissional da medicina é diversamente transmitida aos noviços por meio de distintos processos sociais e psicológicos. A escola é vista como um decisivo meio-termo entre as capacidades originais e previamente treinadas de indivíduos selecionados e a emergência do self profissional, a identificação desses indivíduos, por eles próprios e pela sociedade, como doutores de medicina. (Merton, Reader, Kendall, 1957, p.vii, viii)

Produto de uma equipe, The student-physician trata de demonstrar, com análise cuidadosa de dados empíricos, como a escola modela o self profissional do estudante, a fim de que ele "pense, sinta e aja como um doutor". Para tanto acompanha a trajetória de um neófito — com suas característica originais, medos, esperanças e habilidades —, na qual emerge um médico aprovado socialmente, consciente de seu status profissional e dos valores que o conformam e detentor de uma auto-imagem que lhe garante presença no seu grupo profissional e na sociedade.

Ao retomar alguns momentos iniciais desse primeiro estudo sociológico sobre socialização numa escola médica, realizado pelo Bureau of Applied Social Research, Bloom (2002, p.191) lembra que, em 1952, dirigindo-se ao Bureau, Merton afirmava emergir no campo da medicina moderna, naquele momento, "um lento mas claro interesse em explorar as conexões reais e potenciais entre a medicina e as ciências sociais". O papel desempenhado por Merton seria fundamental na configuração do campo da sociologia da educação médica no interior da sociologia médica, especialmente ao desenvolver o conceito de 'socialização para a profissionalização' sob o paradigma da análise funcional, no qual o destaque é o processo de adaptação do indivíduo ao seu meio social. Seu longo capítulo em The student-physician, intitulado "Some preliminaries to a sociology of medical education", tornou-se referência para a área que se iniciava e para a compreensão da escola médica como um sistema social (Nunes, 1999, p.181-183).

Para Merton, a função da escola médica é

transmitir a cultura da medicina e desenvolvê-la. Sua tarefa é modelar o neófito em um prático efetivo da medicina, dar-lhe o melhor conhecimento e habilidades disponíveis e provê-lo com a identidade profissional, de forma que venha a pensar, agir e sentir como médico. Seu problema é capacitar o médico a preservar as expectativas do papel profissional num longo tempo após ter deixado o ambiente valorativo de sustentação fornecido pela escola médica. (Merton, Reader, Kendall, 1957, p.7)

Com tal fundamentação, Merton lançava as bases para futuros estudos sobre a escola médica como instituição profissionalizante. Conforme o próprio autor, configuravam-se então os momentos iniciais dos estudos de sociologia da educação médica, voltada sobretudo para aqueles que tinham por objetivo a organização e a função da educação médica contemporânea e necessitavam alguma perspectiva histórica sobre o assunto. Merton traça um histórico da educação médica americana a partir do século XVIII e aborda o papel pioneiro de John Morgan, primeiro professor americano de teoria e prática de medicina, cujo Discourse upon the institution of medical schools in America considera documento fundador de uma filosofia da educação médica com perspectiva sociológica.

Outra menção importante em The student-physician concerne ao Relatório Flexner e o impacto que provocou a constatação de que muitas das 155 escolas médicas do Canadá e dos Estados Unidos estavam fora de padrões técnicos, devido a falta de laboratórios, formas inaceitáveis de exames e provas, treinamento deficiente de membros do corpo docente etc. Após destacar as bases históricas sobre as quais os estudos de educação médica se assentavam, Merton assinala que o interesse em estudá-la como processo social e psicológico é fruto da convergência de forças das áreas médica e sociológica – não obstante suas histórias independentes –, resultando no levantamento de questões sobre o processo de ensino médico, o ambiente educacional e a formação dos futuros profissionais da medicina.

De acordo com Merton, os problemas da medicina que despertavam interesse por parte da educação seriam os seguintes:

  • Como tornar os grandes e possivelmente acelerados avanços do conhecimento médico uma parte efetiva do equipamento dos estudantes da área;

  • Ênfase na distribuição do limitado tempo disponível do currículo, suscitando revisões e alternativas dos planos curriculares;

  • Reconhecimento renovado da importância do ambiente social tanto na gênese como no controle da doença, juntamente com o reconhecimento crescente do papel das ciências sociais em prover a maneira de compreensão desse ambiente, incluindo a redescoberta do paciente como pessoa;

  • Comprometimento com o método científico, que exige a todo custo a substituição do empirismo prático pela análise mais sistemática e racional do processo de educação;

  • Inovações substanciais em educação médica, as quais, como fator precipitante, requeriam comparações sistemáticas entre os objetivos dessas inovações e seus resultados reais. (Merton, Reader, Kendall, 1957, p.35-36)

Já o desenvolvimento da sociologia, que teria motivado o crescimento das pesquisas em educação médica, podia ser visto a partir dos seguintes fatos:

  • O interesse acentuado e progressivo pela sociologia das profissões que incluía, como elemento principal, estudos das escolas profissionais;

  • A crescente utilização das ciências sociais como parte integrante das bases científicas para a provisão de cuidado à saúde, na sociedade contemporânea;

  • O considerável e recente desenvolvimento do estudo empírico de organizações sociais complexas, entre as quais as escolas constituem uma classe especialmente importante;

  • O crescimento similar do interesse pelo processo de socialização do adulto em geral, cuja aplicação ao campo da medicina relaciona-se aos processos pelos quais o neófito é transformado em uma ou outra espécie de médico; e

  • Os recentes avanços nos métodos e nas técnicas de investigação social, que tornam possível examinar esses assuntos e problemas por meio de investigação sistemática. (Merton, 1957, p.52)

Merton detalha todos os itens aqui apontados. Escrevendo na segunda metade do século XX assinala que, futuramente, esses elementos de convergência poderiam dar suporte adequado ao estudo científico e não-empírico da educação médica. Sem dúvida seu prognóstico foi correto, uma vez que a produção nessa área teve um crescimento acima de outros temas da sociologia médica.

Ao estabelecer que os estudos de ciências sociais sobre a educação médica diferiam das avaliações técnicas sobre conteúdo e organização curricular, Merton indica as duas principais vertentes a serem tomadas nessa área de pesquisa, a psicológica e a sociológica, que diferem entre si mas não são estranhas uma à outra ou mutuamente exclusivas; ao contrário, apóiam-se e complementam-se. Aponta então as principais questões propostas por psicólogos e sociólogos, os primeiros tendo o foco nos atributos do indivíduo e os segundos, nos atributos dos ambientes sociais e culturais. Merton afirma que, no momento em que escreve, a ênfase recai sobre o estudante, suas qualidades individuais e as correlações empíricas destas com o desempenho posterior do aluno na escola e nos estágios iniciais da pesquisa (Merton, Reader, Kendall, 1957, p.58). Porém defende que tal perspectiva tenderia a mudar à medida que outros cientistas sociais, além dos psicólogos, se interessassem por educação médica.

Para Merton, alguns problemas sociológicos em educação médica tinham prioridade: as motivações dos estudantes e a potencialidade de estresse nos ambientes escolares, como por exemplo aquele associado ao desempenho exigido aos alunos pelo corpo docente (os estudantes seriam informados sobre o que os professores esperam deles e em que medida eles correspondem às expectativas); as decisões relativas à carreira (da escolha à seleção de um campo particular de prática profissional); o espectro de valores e normas compartilhados que orientam a formação do médico e definem seu papel.

Sem dúvida, a grande contribuição de Merton foi ter dado significação sociológica à 'socialização', ao abordá-la como categoria analítica, e ter situado a escola médica como instituição profissionalizante e formadora de valores. Destaco como ponto relevante de sua proposta a questão dos valores e das normas da prática médica, contrapondo-os a situações potencialmente conflitantes, que ele delineia em três amplas classes:

– Valores que governam a auto-imagem do médico: "O médico deve continuar sua auto-educação através de sua carreira, a fim de que se conserve a par dos rápidos avanços do conhecimento médico", mas "tem também a obrigação primeira de dispor de tanto tempo quanto possível para o cuidado de seu paciente." (Merton, Reader, Kendall, 1957, p.73);

– Valores que governam o relacionamento médico/paciente: "O médico deve desprender-se emocionalmente de suas atitudes em relação aos pacientes", mantendo suas emoções 'frias' e evitando tornar-se "excessivamente identificado com os pacientes", mas "deve evitar transformar-se em alguém 'duro' mediante um desligamento excessivo, mantendo, no entanto, preocupação de simpatia com o paciente." (p.74);

– Valores que governam as relações com colegas e com a comunidade médica: "O médico deve fazer tudo para prevenir e não somente ajudar a curar a doença", mas "a sociedade recompensa mais amplamente os médicos pela terapia que realizam como práticos e somente secundariamente recompensa os engajados na prevenção de doenças, particularmente pelo fato de que a prevenção não é prontamente visível aos pacientes, que não percebem que permanecem saudáveis em virtude de medidas preventivas." (p.75).

O esquema proposto por Merton foi amplamente utilizado na pesquisa, que abrangeu três escolas americanas: Cornell University Medical College, University of Pennsylvania e Western Reserve University. Os aspectos abordados compreendiam, entre muitos outros, a análise da decisão pelo estudo da medicina, a comparação entre as motivações para a escolha da carreira médica e as da carreira de advocacia, as tendências ante a especialização, o desenvolvimento da auto-imagem profissional e as preferências por tipos de pacientes. São evidentes as aplicações, nesses estudos, das formulações de Merton conforme o modelo que ele denominou 'paradigma estrutural-funcional'.

Nos anos 60 esse modelo proposto por Merton começou a ser criticado, perdendo muito de sua força na década seguinte. Em realidade até o momento em que surgiu, como já frisamos, as pesquisas estavam voltadas para aspectos individuais e predominavam estudos sobre atitudes específicas. Como analisa Bloom (1965, p.143), "uma atitude generalizada era postulada e o esforço em pesquisa era medir a sua incidência e mudança durante os anos na escola médica". São resultantes dessas pesquisas trabalhos que procuravam verificar a passagem de atitudes 'humanitárias' para as 'cínicas, a permanência ou não de atitudes idealistas, além da estruturação de perfis conforme uma tipologia que definia o 'cientista', o 'profissional' e o 'humanitário'. Portanto, a possibilidade de estudar a escola médica como instituição, trazida pelo grupo de Merton, foi bastante inovadora.

O legado de Merton

A obra de Merton é, como já dissemos, muito ampla. O interesse pela ciência permaneceu central em suas preocupações desde o final da década de 1930, quando, sob a influência de Weber, escreveu um estudo pioneiro sobre as relações entre ciência, tecnologia e sociedade na Inglaterra do século XVII. No prefácio da primeira edição, de 1938, o autor esclarece:

O estudo poderia ser intitulado, com mais exatidão, "Alguns aspectos sociologicamente relevantes de certas fases do desenvolvimento da ciência na Inglaterra do século XVII". Em verdade, não se trata de uma história da ciência, tecnologia e sociedade desse período. Não aborda todas as fases do tema, mas somente os mais relevantes. (Merton, 1984, p.31)

Em 1970 Merton elaborou um segundo prefácio, bastante extenso, a esse trabalho. Nele defende que subsistem as principais questões do estudo realizado na década de 1930, entre elas as relações sociais e a ciência, as diferenças no recrutamento de profissionais das ciências e das humanidades e as peculiaridades do momento histórico em que ocorre o processo de institucionalização do conhecimento científico. Segundo Merton (1984, p.12),

Uma idéia sociológica fundamental que orienta esta investigação empírica é a que sustenta que os interesses, as motivações e a conduta socialmente pautados, que se estabeleceram em uma esfera institucional — por exemplo, a da religião ou da economia — são interdependentes com respeito aos interesses, motivações e conduta socialmente pautados em outras esferas institucionais, por exemplo, a da ciência.

Conforme mencionado anteriormente, Merton não se limitou a esse tema, e a ele se associaram formulações teóricas em vários outros: burocracia, desvio, comunicação, psicologia social, estratificação social, estrutura social. Entre nós, Florestan Fernandes dedicou uma extensa análise sobre o método funcionalista em sociologia na sua tese de livre-docência, publicada em 1953 e reeditada alguns anos depois. Fernandes (1959) dedica atenção à proposta de Merton sobre o método funcionalista e ressalta:

Primeiro, a análise funcionalista é concebida, fundamentalmente, como um dos métodos de interpretação sociológica. Segundo, ela não é encarada como o método por excelência da explicação sociológica, nem como o único método capaz de resolver, com exclusividade, determinados problemas substantivos da sociologia. (p.238)

Ao situar tal proposta, Fernandes reproduz considerações feitas por Merton a propósito da análise funcional, que não seria conservadora nem radical, mas neutra com referência aos sistemas ideológicos mais amplos (p.240). Embora não seja nosso objetivo esquadrinhar o método desenvolvido por Merton, vale mencionar os argumentos de Fernandes (1959, p.235-236) a respeito da mencionada análise:

O conhecimento fornecido pela análise funcionalista permite resolver vários problemas que se inscrevem no objeto da sociologia empírica, em particular os que dizem respeito às relações da sociedade com o meio físico ou com o organismo humano, aos processos de socialização através dos quais os indivíduos se transformam em personalidades e são localizados no sistema de posições sociais, à convergência de atitudes e de ideais nos diferentes níveis de comportamento e através das diferentes formas de controle social, à continuidade social (sob o duplo aspecto da estabilidade e da mudança), à caracterização e à classificação dos tipos sociais. (grifos nossos)

Muitos outros trabalhos, em épocas recentes, retomariam os estudos mertonianos. Freyre (1967), em revisão sobre a sociologia da medicina norte-americana, faz inúmeras referências ao trabalho de Merton, destacando a sua importância. Pereira (2005), ao analisar as contribuições de Fernandes, revisa estudos da área da medicina social que utilizaram a abordagem funcionalista, tais como os de Ferreira-Santos (1973), Costa (1979), Birman (1978), Giddens (2001) e Lima (1994). Giddens considera Merton o 'codificador' da explicação funcional, por ter sistematizado o funcionalismo dimensionando-o como teoria e método. Lima, por sua vez, em um oportuno e elaborado texto, recupera o papel de Merton na sociologia do conhecimento e da ciência.

Na área da saúde destacamos o texto de Célia Almeida Ferreira-Santos (1973), por seu caráter exemplar de aplicação da metodologia de Merton em estudo sobre o comportamento de enfermeiras de nível superior, quando confrontadas com expectativas e sanções positivas ou negativas de médicos, membros da administração, professores de enfermagem, outras enfermeiras, pessoal auxiliar, pacientes e a sociedade global onde vivem. Ferreira-Santos analisa a posição social das enfermeiras e as características de seu papel social, em especial no contexto do hospital universitário investigado. No que diz respeito à perspectiva mertoniana, ressaltam-se nessa pesquisa os conceitos básicos que permeiam a análise funcional – 'papéis', 'valores', 'expectativas' e 'funções' – das relações sociais e dos comportamentos, rompendo muitas vezes com os padrões tradicionalmente dados – o seu caráter artesanal –, e substituindo-os por um ethos burocrático.

Autor de textos que se tornaram clássicos da sociologia como Social theory and social structure, publicado em 1949, revisto e ampliado em 1957 e 1968, além de mais de vinte outros livros e duas centenas de artigos, Merton recebeu ao longo da sua vida títulos e honrarias acadêmicas que culminaram com a National Medal of Science, em 1994, sendo o primeiro sociólogo a receber esse prêmio.7 7 Três anos depois, seu filho Robert C. Merton receberia o prêmio Nobel de economia.

A importância da obra de Merton estende-se além do que este texto sintetiza, e isso tem sido amplamente reconhecido. Nas palvras de George Rupp, reitor da Columbia University (1993-2003), "seu trabalho tem-nos ajudado a aprender como os cientistas sociais pensam e tem fornecido novas abordagens de pesquisa para o estudo da sociedade" (Columbia University Record, 1994).

As palavras de Calhoun (mar. 2003, p.3) são apropriadas para a conclusão desta apresentação. Afirma o autor que os escritos de Merton, além de claros e transparentes, eram dirigidos aos sociólogos "fornecendo uma interpretação da arte e dos instrumentos para a melhoria do seu trabalho", num esforço extraordinariamente bem-sucedido de unir teoria e metodologia.

NOTAS

Recebido para publicação em maio de 2005.

Aprovado para publicação em setembro de 2005.

  • A Bíblia... 1983 A Bíblia Sagrada. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
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  • 1
    A tradução espanhola dessa obra data de 1984 e foi publicada sob o título
    Ciência, tecnologia y sociedad en la Inglaterra del siglo XVII (Madrid, Alianza Editorial).
  • 2
    O conceito de 'papel modelo' foi desenvolvido por Merton em confrontação ao de 'indivíduo de referência'; significa "a identificação com um indivíduo, só em um ou em uns poucos de seus papéis que se queira selecionar" (Merton, 1970a, p.388).
  • 3
    Merton entende por 'profecia auto-realizadora' (ou profecia que se cumpre por si mesma) a perspectiva de que um acontecimento provável se torne realidade porque se espera ou acredita que ele aconteça, assim como Pigmalião esperava que a estátua de Galatéia adquirisse vida. O sociólogo estudou como acontecimento social a corrida aos bancos, quando se difunde o boato de que um desses estabelecimentos está em dificuldades e seus correntistas apressam-se em retirar seus valores ali depositados e liquidar outros negócios. Como conseqüência, o banco acaba efetivamente falindo (Merton, 1970b, p.515-531).
  • 4
    A expressão alude a um versículo do Evangelho segundo Mateus (25:29) — "Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado" (A Bíblia..., 1993) — e foi cunhada por Merton para representar a propensão da área científica a concentrar em poucos agentes os recursos materiais e humanos.
  • 5
    Essa modalidade de entrevista teve origem na avaliação da audiência de programas de rádio em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, realizada para estudar os efeitos sociais e psicológicos das audições sobre o moral dos soldados. A expressão 'grupo focal' foi amplamente usada por Merton e colaboradores em 1956, em uma situação na qual o entrevistador pergunta aos membros do grupo questões específicas sobre um tópico, após a realização de considerável parte da pesquisa. (Merton, Fiske, Kendall, 1956).
  • 6
    Segundo Merton, "o mecanismo da crença social que se cumpre por si mesma ... traz uma relação teoricamente aproximada com o conceito de função latente ... . Ambos são tipos de conseqüências inesperadas de ação, decisão ou crença, uma produzindo a própria circunstância erroneamente admitida como existente, a outra produzindo resultados que eram totalmente inesperados." (Merton, 1970a, p.198-199)
  • 7
    Três anos depois, seu filho Robert C. Merton receberia o prêmio Nobel de economia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      Set 2005
    • Recebido
      Maio 2005
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