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Assistência ao nascimento na Bahia oitocentista

Resumos

Esse artigo aborda as culturas de assistência ao parto na Bahia oitocentista e trabalha com a hipótese de que, em Salvador, coexistiram duas culturas obstétricas: a dos médicos-parteiros, que faziam uso dos recursos técnicos e cognitivos disponibilizados pela obstetrícia como especialidade médica; e a das tradicionais parteiras, cujo saber era de natureza empírico-sensorial. Apesar de todo o esforço empreendido pelos médicos para angariar a confiança das famílias baianas, as parteiras continuaram hegemônicas na arte de 'aparar' crianças e de tratar das doenças de mulheres. A análise enfoca os segmentos sociais e profissionais que atuaram na assistência ao parto; o papel da Faculdade de Medicina da Bahia na formação e certificação das parteiras; e a utilização dos periódicos como meio de legitimação dos médicos-parteiros; ao tempo em que problematiza a pequena participação das parteiras nesses veículos de comunicação.

assistência ao nascimento; Bahia (Brasil); século XIX


This paper presents the traditions of assisted childbirth in the Brazilian state of Bahia in the 19th Century and develops the hypothesis that two obstetrical traditions coexisted in the capital, Salvador, namely the doctor-midwives - who used technical resources and knowledge acquired from obstetrics as a medical specialty - and the traditional midwives, whose know-how was purely of an empirical-sensorial nature. Despite all efforts employed by the doctors to win over the confidence of Bahian families, the midwives continued to be predominant in the art of 'delivering' children and treating female illnesses. The analysis focuses on the social and professional segments that were active in assisted birth; the role of the Bahian College of Medicine (Faculdade de Medicina da Bahia) in the training and certification of midwives and the use of newspapers as a way to legitimize the doctor-midwives; it also discusses the scant coverage of the midwives in these media.

Assisted birth; Bahia (Brazil); 19th century


ANÁLISE

Assistência ao nascimento na Bahia oitocentista

Maria Renilda Nery Barreto

Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca-RJ. Rua Octávio Kelly, 304/703. 24220-30 - Niterói - RJ - Brasil. renildabarreto@hotmail.com

RESUMO

Esse artigo aborda as culturas de assistência ao parto na Bahia oitocentista e trabalha com a hipótese de que, em Salvador, coexistiram duas culturas obstétricas: a dos médicos-parteiros, que faziam uso dos recursos técnicos e cognitivos disponibilizados pela obstetrícia como especialidade médica; e a das tradicionais parteiras, cujo saber era de natureza empírico-sensorial. Apesar de todo o esforço empreendido pelos médicos para angariar a confiança das famílias baianas, as parteiras continuaram hegemônicas na arte de 'aparar' crianças e de tratar das doenças de mulheres. A análise enfoca os segmentos sociais e profissionais que atuaram na assistência ao parto; o papel da Faculdade de Medicina da Bahia na formação e certificação das parteiras; e a utilização dos periódicos como meio de legitimação dos médicos-parteiros; ao tempo em que problematiza a pequena participação das parteiras nesses veículos de comunicação.

Palavras-chave: assistência ao nascimento; Bahia (Brasil); século XIX.

A assistência ao parto é uma temática que vem angariando pesquisas no continente americano, na Europa e Ásia desde a década de 1970. Essa agenda de investigação é importante para a história social da medicina e da ciência, uma vez que busca compreender as transformações que envolveram o partejamento ao longo dos séculos, tendo em mente a complexidade dos segmentos sociais, profissionais, religiosos e científicos. Quebra a visão monolítica da história e coloca a mulher como importante agente de saúde pública, partícipe dos processos de mudança.

Até pouco tempo atrás, as parteiras eram apresentadas como mulheres sujas, sem qualificação, abortadeiras, feiticeiras, alcoviteiras, entre outros adjetivos pejorativos (Nava, 2003; Magalhães, 1922; Santos Filho, 1991; Aragão, 1923). Nos anos 70 e 80, a história das mulheres, especialmente as análises feministas, inverteu a imagem negativa associada às parteiras ao mostrar que o parto realizado no espaço doméstico, conduzido pela comadre, com a ajuda de outras mulheres, não provocou tantas mortes, nem foi tão nocivo à sociedade, como fizeram crer os médicos.

Tais estudos tratam dos conflitos estabelecidos entre parteiras e médicos, e desmontam o discurso oficial apoiado na oposição ideológica entre saber e ignorância. Os cirurgiões e, em seguida, os médicos, ao tratarem a gravidez e o parto como patologias a serem por eles administradas, construíram a base ideológica que justificou o ingresso desses profissionais no mundo de práticas e saberes eminentemente femininos. O argumento principal era o conhecimento científico dos movimentos e das funções do corpo feminino, bem como a capacidade técnica para aplicar manobras obstétricas, instrumentos e medicamentos auxiliares do parto (Arney, 1982; Vidal, Tomás, 2001; Ortiz, 1993; Dahl, 2001; Carneiro, 2005). A questão dimensionada no campo das disputas profissionais revela que a chegada dos cirurgiões e médicos à cabeceira da parturiente foi o resultado da sedimentação e do esforço de legitimação da profissão médica, que assim rompia a autoridade das comadres, há muito existente, sobre o ato do nascimento.1 1 Sobre essa questão ver Sheridan, 2001, Dahl, 2001 e Donnison, 1993.

As publicações que vieram a lume nas três últimas décadas indicam intensa produção historiográfica escrita majoritariamente em inglês, seguindo-se o espanhol, francês, italiano, alemão e russo.2 2 Sobre a América ver os trabalhos de Charlotte G. Borst (1999), Susan L. Smith (1999), Judith W. Leavitt (1986, 1999), Kobrin (1985), Paul Starr (1982), Deborah Kuhn McGregor (1998), María Soledad Zarate C. (2001, 2007) e Isabel Morant (2006). Para a Europa ver Michelle Denbeste-Barnett (1999), Doreen Evenden (1993), Nadia Maria Filippini (1993a), Montserrat Cabré e Teresa Ortiz (2001), Jacques Gelis, Mireille Laget e Marie-France Morel (1978), Mireille Laget (1982), Paulette Meyer (1997, 1999), Ornella Moscucci (1993), Àlvar Martinez Vidal e José Pardo Tomás (2001), Merry E. Wiesner (1993), Adrian Wilson (1995) e Scarlet Beauvalet-Boutouyrie (1999). No Brasil, verifica-se o crescimento das pesquisas sobre a assistência ao parto, produzidas pelos programas de pós-graduação, sendo contudo poucos os trabalhos que ingressam no mercado editorial.3 3 Ver a bibliografia comentada sobre a assistência ao parto no Brasil (1972-2002) organizada por Maria Lúcia Mott (2002). Vale ressaltar que, em 2002, a Revista Estudos Feministas publicou o dossiê Parto. Seus artigos tratam da assistência ao parto no Brasil, no Japão e na França, mostram as singularidades de sua medicalização; revelam as especificidades de cada formação social ou de regiões de um mesmo país, alertando, assim, para a impossibilidade de se fazer uma leitura linear da história da parturição.

Em 2005 foi a vez de a Revista Gênero organizar o dossiê Parto, Parteiras e Maternidade, dando maior visibilidade à temática ao reunir artigos que problematizam a participação das mulheres na área da saúde e no mercado de trabalho, no século XX. Dois anos depois a mesma revista retornou ao tema com o artigo "A ciência do parto nos manuais portugueses de obstetrícia". O estudo afirma que os manuais destinados à formação de parteiras, cirurgiões e médicos que circularam no império português, em fins do século XVIII e começo do XIX, incorporaram os estudos de anatomia, patologia, fisiologia e clínica, bem como as descobertas da física, química e terapêutica. Dessa forma, a obstetrícia que se praticou em Portugal e, por extensão, no Brasil em muito se afastou das concepções fantasiosas e mágicas sobre o corpo feminino (Barreto, 2007).

Os historiadores que optam por trabalhar com a história da assistência ao parto costumam utilizar a documentação produzida por médicos, tais como os manuais didáticos, as lições ministradas nos cursos de obstetrícia, os textos divulgados em periódicos científicos e leigos, assim como os registros hospitalares. Tais fontes permitem compreender os valores e saberes dos médicos sobre a gravidez, o parto, o puerpério e as doenças intercorrentes. A desvalorização da parteira e dos demais profissionais das 'artes de curar' fez parte do contexto de organização da profissão médica e das instituições de atenção à saúde.4 4 Para o Brasil ver o trabalho de Maria Lúcia Mott (1999). Vidal e Tomás (2001) trabalharam com a literatura cirúrgica do século XVIII escrita em língua espanhola, ou que circulou na Espanha, bem como os manuais escritos para parteiras. Em todas essas fontes as 'comadronas' eram consideradas "mujeres ignorantíssimas del arte". Candice Dahl (2001) trabalhou com fontes semelhantes para a Inglaterra, também no Setecentos e colheu resultados equivalentes.

Quando o historiador se afasta da representação contida nos textos médicos, ou os lê na contramão de suas afirmações, e toma como objeto de investigação o universo da comadre - a relação entre ela e as parturientes, onde aprendeu o ofício, como se relacionou com as autoridades religiosas e civis, que poder exerceu em sua comunidade, como lidou com as adversidades da profissão -, o quadro se amplia, e múltiplas imagens de parteiras se sobrepõem àquelas hegemônicas nos registros dos acadêmicos.

O livro organizado por Hilary Marland (1993) demonstra que na Inglaterra, Alemanha, Holanda, França, Itália e Espanha as parteiras foram missionárias, figuras públicas, defensoras de seu status e de seu trabalho e participantes ativas em suas comunidades. Scarlet Beauvalet-Boutouyrie (2002) afirma que, na Maternidade de Port-Royal, em Paris, entre 1795 e 1895, as parteiras tiveram ascendência sobre os cirurgiões e médicos, apesar de sua crescente importância no panorama obstétrico e hospitalar do século XIX.

Os estudos relativos a parteiras no Brasil oitocentista demonstram que elas incorporaram a seu savoir-faire as inovações científicas e tecnológicas, tornando-se agentes de civilização e modernidade. Mostram, ademais, que construíram sólidas carreiras, granjeando credibilidade social e sucesso profissional por longos períodos (Mott, 2005; Brenes, 1996).

Em nossa reflexão sobre os profissionais do parto na Bahia oitocentista, privilegiamos os documentos administrativos da Câmara Municipal de Salvador, da Fisicatura-mor, da Faculdade de Medicina da Bahia, assim como o periodismo leigo e especializado.5 5 Realizamos pesquisa seriada no Arquivo Nacional, nos documentos da Fisicatura-mor (1808-1828), levantando todos os profissionais das artes de cura que foram autorizados a atuar na Bahia, tanto na capital como no interior. No Arquivo Histórico Municipal de Salvador trabalhamos com os livros de Exames de Cirurgia e Sangria (1825-1828) a partir dos quais arrolamos todos os profissionais de saúde, com ênfase nas parteiras. No Arquivo Histórico da Faculdade de Medicina da Bahia percorremos todo o livro de registro de diplomas, chamado Índice Geral de Graduados, para identificar as parteiras diplomadas por aquela instituição, bem como as que ali estiveram para revalidação do diploma. Todavia o maior esforço de pesquisa concentrou-se nas páginas dos periódicos leigos e especializados - 135 - por considerarmos que esse suporte seria bastante elucidativo sobre a trajetória profissional das parteiras e dos médicos. Qual não foi a nossa surpresa ao constatar que, ao contrário de outras capitais do Brasil oitocentista, as parteiras baianas pouco anunciaram nesse veículo, especificidade que discutiremos ao longo do texto. Pretendemos identificar os segmentos sociais e profissionais que atuaram na assistência ao nascimento; o papel da Faculdade de Medicina da Bahia na formação e certificação das parteiras; e, por fim, a utilização dos periódicos como meio de legitimação da profissão de parteiro/parteira.

Quem era a parteira?

Usavam-se vários nomes para designar uma mulher que cuidava da assistência ao parto: parteira, comadre, aparadeira e curiosa. O termo comadre foi bastante utilizado na língua portuguesa e significa 'com a mãe'. Em inglês, o termo correspondente seria midwife, que também quer dizer 'com a mulher', ou seja, aquela que tem a função de acompanhar outra mulher. Na França, a parteira instruída tornou-se sage-femme ou 'mulher sábia'.

De modo geral, pode-se afirmar que, entre o século XVI e início do XVIII, a parteira era uma mulher que aprendia seu ofício com outra comadre ou com a experiência de parir seus próprios filhos. Seu conhecimento era de natureza empírico-sensorial, assim como o da maioria dos praticantes das artes de curar - cirurgião, herbolário, farmacêutico, algebrista e sangrador. Filhas, noras, sobrinhas, netas, irmãs e cunhadas de parteiras eram as aprendizes mais comuns da arte de partejar, o que também ocorria com outras profissões reservadas às mulheres, cujo o conhecimento era transmitido pela rede das relações femininas. A reputação da parteira-mestra era fundamental, e durava vários anos o aprendizado com base na cooperação ativa e no trabalho compartilhado. Contudo, não podemos ignorar os registros de parteiras européias que foram além do aprendizado empírico-familiar, através do estudo de obras obstétricas, estudo independente das escolas formais.6 6 Foi o caso da francesa Louise Bourgeois, esposa de um barbeiro-cirurgião do exército francês, que leu as obras de Ambroise Paré e, após cinco anos atendendo mulheres pobres e de classe média, solicitou exame para obtenção de licença para exercer sua arte (Sheridan, 2001, p.145-147). O mesmo ocorreu com Sarah Stone (1737, p.XV), que declarou ter visto dissecações de cadáveres femininos e leu livros de anatomia.

A principal atividade da comadre estava relacionada aos estágios do nascimento: gravidez, parto e puerpério. Ela cortava o cordão umbilical, banhava e vestia o recém-nascido, orientava a dieta alimentar da mãe e do filho e prescrevia remédios à base de ervas para as complicações puerperais. As parteiras também cuidavam das doenças femininas, especialmente aquelas relacionadas à sexualidade e à genitália.7 7 Para o Brasil, ver o trabalho de Barreto, 2000, Martins, 2004, Mott, 1998 e Marques, 2005. Quando se tratava de ciclos menstruais irregulares, amamentação, esterilidade, estupro, contracepção, abortos, corrimentos e doenças venéreas, as mulheres procuravam a orientação da parteira. Em muitas ocasiões - nas épocas de peste ou quando a comunidade não dispunha de outro curador -, a comadre prestava atendimento a todos que a procuravam com aflições do corpo ou do espírito, independentemente do sexo.8 8 Nas Idades Média e Moderna, as formas de cura religiosa foram praticadas predominantemente por mulheres. Parteiras famosas como Luisa Rosado e Louise Bourgeois respaldaram seu ofício com a invocação divina (Cabré, Ortiz, 2001; Ortiz, 1993). Gianna Pomata (2001) estudou as monjas taumatúrgicas italianas, com destaque para Caterina Vigri. Ainda fazia parte do rol de suas funções praticar a cesariana post-mortem e ministrar o batismo no natimorto.

As parteiras eram vistas como parte do establishment médico, situando-se nele em escala mais baixa, uma vez que possuíam as menores rendas9 9 Na Espanha do século XVIII, as parteiras recebiam menos que os médicos e os cirurgiões (Ortiz, 1993). E, no sul da Alemanha, ao longo dos séculos XVI e XVII, elas ganhavam menos que os cirurgiões e farmacêuticos, o que as impossibilitava de viver do seu salário (Wiesner, 1993). e dependiam da autorização do cirurgião ou do médico para exercer o seu ofício legalmente - o que nos remete à profissionalização da medicina. Para a medicina européia iluminista, o médico tratava o corpo utilizando o intelecto, e os boticários e cirurgiões, utilizando as mãos. Assim, na compreensão da intelligentsia da época, sangradores, boticários e, por extensão, parteiras, por prescindirem de elaborações mentais em seu ofício, eram classificados nos estratos mais baixos das artes de curar.

As parteiras de ofício européias não formaram um grupo homogêneo socialmente: eram oriundas de diversas camadas sociais e possuíam graus diversos de reconhecimento profissional.10 10 De um extremo ao outro, temos os exemplos das parteiras do sul da Alemanha e da França. As primeiras foram funcionárias municipais de menor escalão, ou diaristas, e não ganhavam o suficiente para prover o sustento da família, mantendo-se portanto na dependência dos seus maridos ou do poder público (Wiesner, 1993). Já na França, a funcionária pública Mme. Du Coudray angariou fama, prestígio e fortuna com o ofício de parteira e professora (Gelbart, 1993). Contudo, apresentaram um perfil comum: eram mulheres de meia-idade, casadas ou viúvas; respeitadas em sua profissão; com carreiras duradouras; e quase todas compartilharam a experiência de ser mãe (Marland, 1993; Beauvalet-Boutouyrie, 2002). Suas clientes eram mulheres das mais diversas camadas sociais, ampliando-se ou não as áreas de atuação de cada parteira conforme a rede de indicações de cada cliente.11 11 Segundo Doreen Evenden (1993), muitas mulheres chegavam às parteiras a partir das indicações obtidas por seus maridos, que ouviam, no ambiente de trabalho, alusão à competência de determinada comadre.

No Brasil, as atribuições das parteiras foram similares às de suas congêneres européias: partejavam, examinavam amas-de-leite, cuidavam da mãe e do recém-nascido, levavam à pia batismal as crianças que ajudaram a vir ao mundo; eram convocadas como peritas em exames médico-legais quando o assunto era virgindade; passavam atestado de saúde e de doença; sangravam, vacinavam, faziam abortos, ofereciam crianças para adoção; tratavam da infertilidade e das doenças de mulheres. Convém acrescentar uma atividade peculiar ao regime escravocrata em que viviam: as parteiras recebiam escravas como pensionistas e após o parto as alugavam como amas-de-leite.12 12 Sobre as parteiras como grupo profissional, suas atribuições e responsabilidades e a inserção das mesmas no mercado de trabalho nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, entre 1830 e 1930, ver o artigo de Maria Lúcia Mott (2005).

Quanto à formação, as parteiras podiam ser 'ocasionais' ou 'de ofício'. As primeiras colocavam-se como responsáveis pelo parto ou como auxiliares deste esporadicamente, e não possuíam essa atividade como profissão principal ou secundária. As parteiras de ofício cuidavam da parturição como profissão, subdividindo-se em três categorias: as 'leigas', as 'examinadas' e as 'diplomadas'. As leigas possuíam apenas o saber empírico-sensorial. As examinadas eram avaliadas por cirurgiões indicados pela Fisicatura-mor13 13 Sobre a Fisicatura-mor, ver artigo de Tânia Salgado Pimenta (1998). , órgão responsável pela regulação e fiscalização dos profissionais das artes de curar: após responderem a perguntas teóricas e práticas, recebiam uma carta que as autorizava a praticar a arte de partejar. Há que ponderar que, para responder às perguntas, a candidata tinha algum contato com os manuais de cirurgia editados especialmente para aquele objetivo.14 14 Em Portugal, a partir do início do século XVIII já era possível localizar uma literatura escrita em língua vernácula que tratava de anatomia feminina, partos e doenças de mulheres, destinada à ilustração das parteiras e dos cirurgiões. Eram os manuais de obstetrícia produzidos pelo médico Domingos de Lima e Mello (1725), pelos cirurgiões Manoel José Affonso e José Francisco de Mello (1772), assim como a tradução da obra dos franceses Joseph Raulin (1772) e Jean Louis Baudelocque (1785). Outros manuais foram publicados ao longo do Oitocentos e tiveram repercussão no Brasil. Teresa Ortiz (1993) identificou o livro do médico Antonio Medina, publicado em Madri, em 1750, cujo objetivo era auxiliar as parteiras a se prepararem para o exame do Protomedicato. Por fim, as parteiras diplomadas eram aquelas que cursavam obstetrícia na Faculdade de Medicina da Bahia ou do Rio de Janeiro, a partir de 1832.15 15 Maria Lúcia Mott (2005) identificou conflito, no século XIX, entre essas diversas categorias de parteiras em São Paulo e Rio de Janeiro.

Homens na cena do parto: formação de parteiras e regulamentação da profissão

Em fins do século XVIII e início do século XIX, o discurso médico começou a mudar em relação ao parto. Alguns esculápios passaram a difundir a idéia de que o parto ia além de um fenômeno regulado pelas leis da natureza, pois suas bases estavam assentadas na fisiologia. Nesse contexto, multiplicaram-se os tratados sobre obstetrícia e abandonaram-se as explicações especulativas sobre o corpo humano. Os estudos de anatomia, patologia, fisiologia e clínica, assim como as descobertas da física, química e terapêutica, foram incorporados aos novos manuais de obstetrícia que passaram a circular no século XIX, alguns dos quais fizeram parte do acervo da biblioteca da Faculdade de Medicina da Bahia. O nascimento transformou-se em "ciência dos partos", como disse Velpeau em 1835.

Em 1737, a parteira inglesa Sarah Stone, em A complete practice of midwifery, reivindicou a arte obstétrica como prática específica de mulheres e percebeu a importância da instrução das parteiras para enfrentar a concorrência dos cirurgiões, que começava a se desenhar no panorama das artes de curar. Alertou suas congêneres para a necessidade de se dedicarem mais "ao estudo da arte" e aprenderem a "parte difícil de seu negócio", pois a "decência" do sexo feminino estava ameaçada por aqueles "jovens cavalheiros ... com a pretensão de que seus conhecimentos excedem o de qualquer mulher, porque eles viram ou foram a um curso de anatomia" (Stone, 1737, p.XI).

Influenciadas pelo Iluminismo, as esferas do poder político, intelectual e religioso acreditavam que o progresso técnico, econômico e científico dos povos seria obtido a partir da educação. Entre os desafios enfrentados pelos Estados iluministas estava a diminuição da taxa de mortalidade, considerada alta, principalmente a infantil, atribuída em grande parte à ignorância das parteiras; e o combate às doenças, especificamente as epidemias. Uma e outra preocupação estreitaram a aliança entre governo e ciência que se estabelecia então (Filippini, 1993a).

As mudanças tornaram-se mais densas no tocante ao parto e à disciplina higiênica dos corpos, e a tradicional hegemonia das parteiras, como responsáveis pelo partejo e pelos cuidados com a mulher e seu bebê, começou a ser questionada pelos homens da ciência. Na mesma conjuntura, o Estado sentiu necessidade de regular as profissões ligadas às artes de curar e de exigir certa qualificação para o exercício desses ofícios.

Na Europa, a regulamentação das ocupações ligadas à saúde remonta ao século XVI, condicionando o ofício de parteira a uma licença conferida pelos cirurgiões. A regulamentação alcançou o Brasil a partir de 1521, quando o Estado português, no reinado de D. Manoel I, lançou o Regimento do Físico-mor. Esse documento tratou globalmente das atividades relacionadas às artes de curar, exercidas por físicos, cirurgiões, barbeiros, boticários, sangradores e também parteiras e curandeiras, embora a alusão a estes dois últimos segmentos fosse indireta. A legislação portuguesa foi aplicada no Brasil até as primeiras décadas do século XIX e, durante sua vigência, quem quisesse exercer a 'arte de partejar' deveria solicitar a licença; um processo que começava com as 'cartas de examinação', onde a requerente respondia a questões de cunho teórico e prático. Uma vez aprovada, obtinha a licença para fazer partos.

Até o momento não encontramos evidências sobre as perguntas utilizadas em Portugal e em suas colônias, durante a examinação das parteiras. Contudo, é plausível que se aproximassem daquelas apresentadas às parteiras do sul da Alemanha (Wiesner, 1993). Começavam com o treinamento da parteira e sua experiência. Com quem estudara e por quanto tempo? Tinha filhos? Quais partos vira ou de quantos participara? Em seguida, vinham questões de fundo teórico: quanta comida, bebida e banhos ajudariam a mulher a ter um parto mais fácil? Como sabia se uma mulher estava grávida e não padecia simplesmente de outro tipo de inchaço? Como sabia se o feto seria saudável ou doente, vivo ou morto? Qual era a posição normal do nascimento, e como agir em caso de posição anormal? O que deveria ser feito com o cordão umbilical e a placenta e, especialmente, como ter certeza de que esta fora expelida? Faziam perguntas ainda sobre os cuidados que deviam ser dispensados à primípara e à criança, e sobre os conselhos que a parteira devia dar à mãe.

O livro do cirurgião Pedro Paulo de Miranda, Recopilado exame de sangradores (1745), fornecia subsídios à aprendizagem dos candidatos a exame de sangrador em Portugal e seus domínios. Organizado na forma de catecismo, com perguntas e respostas, a obra tratava da aplicação de sangria, ventosas secas e sarrafaçadas (escarificadas) e também da aplicação de sanguessugas.16 16 As questões eram: Que condições devem ter o sangrador para ser perfeito? Que coisa é a arte de sangrar? Que coisa é sangria? Quantas são as partes e veias que se sangram no corpo humano? Quais são as partes e veias que se sangram na cabeça? Quais são as partes e veias que se sangram no braço? Quais são as partes e veias que se sangram na mão? Que humores se evacuam pela sangria? Que coisa é artéria e como se a conhece? Que coisa é nervo e como se o conhece? Que coisa é veia? De quantas túnicas se compõem as veias? Em que se diferencia a artéria da veia? Como se há de procurar a veia para sangrar? Se não se pode achar a veia que o médico manda sangrar, ou ela não pode ser picada por estar junta a artéria, nervo etc., o que se fará? Em quais casos poderá o sangrador sangrar sem ordem do médico? Como se sangram as veias dos pés? Que coisa é ventosa? Quais são as partes mais comuns onde se usam as ventosas secas? Em quanto tempo estarão fixadas as ventosas? Como se fazem as sarjas com ventosas? Que coisas são sanguessugas? Em quais partes se aplicam as sanguessugas? Quantas sanguessugas se aplicam? (Miranda, 1745). O Estado regulamentou as tarefas terapêuticas relacionadas à arte da obstetrícia, atribuindo algumas ao cirurgião-parteiro, outras ao médico e outras ainda à parteira. Ela não poderia administrar medicamentos, aplicar sanguessugas, nem usar qualquer instrumento durante o parto. A parteira ficou limitada a realizar apenas os partos normais; todavia muitas fizeram ouvido de mercador e ultrapassaram os limites legais de sua profissão. Em alguns casos, o da espanhola Luisa Rosado, por exemplo, a desobediência resultou em processo.17 17 Sobre esse caso, ver o artigo de Tereza Ortiz (2001).

Além de fiscalizar as parteiras, o Estado julgou que era preciso dotá-las de instrução mínima. Necessitavam ir à escola para aprender a fazer partos com cirurgiões e médicos, pois os novos tempos exigiam muito mais do que o domínio empírico-sensorial da arte. As que quisessem se tornar profissionais gabaritadas deveriam saber ler e escrever; precisavam freqüentar as aulas de anatomia e ter capacidade de memorizar as informações veiculadas com o auxílio de desenhos e modelos de corpo em vidro, madeira ou cera, e esporadicamente atlas com estampas anatômicas; por fim, tinham de compreender o que se ensinava à luz de um paradigma científico.

Interpretações variadas da natureza de homens e mulheres, no tocante às capacidades fundamentais de aprendizado, colocavam estas últimas em posição de inferioridade. Com base nesses argumentos, os cirurgiões passaram a argumentar que a "natureza" dos homens lhes permitia adquirir aprendizados obstétricos incompatíveis com a "natureza" das mulheres. Em lugar de defender maior treinamento para as parteiras, muitos cirurgiões preferiam ser chamados quando um parto apresentasse complicação, alegando que estavam mais preparados para aplicar o fórceps e outros instrumentos e técnicas cirúrgicas. Essa divisão de trabalho foi de tal forma absorvida, que a encontramos nas leis que passaram a regulamentar a assistência ao parto na Europa e América (Dahl, 2001; Filippini, 1993b; Wiesner, 1993; Ortiz, 1993; Vidal, Tomás, 2001; Pomata, 2001; Sheridan, 2001; Carneiro, 2007).

Dos vários cursos para parteiras organizados na Europa18 18 Sobre o curso de parteiras oferecido pela Universidade Real de Cirurgia de Barcelona, ver Ortiz (1993). , vamos nos ater ao francês, uma vez que ele serviu de modelo aos dois projetos de criação de escolas de parteiras no Rio de Janeiro, os quais não lograram êxito.19 19 Refiro-me ao projeto do franco-brasileiro Le Masson e ao da parteira Mme. Berthout. Para mais detalhes, ver Brenes, 1996 e Magalhães, 1922. A primeira experiência sistemática deu-se no Hôtel-Dieu, de Paris. Já no século XVII, esse curso tornou-se referência por ser o único a proporcionar às alunas conhecimentos relacionados à dissecação e à anatomia (Brenes, 1996).

Vale ressaltar o papel de Mme. Du Coudray, parteira e professora de partos, que percorreu o interior da França formando mais de três mil alunos (cirurgiões e parteiras) entre 1759 e 1783. Ela foi investida pelo Rei Luís XV da missão de divulgar o conhecimento obstétrico, de modo a reduzir o alto índice de mortalidade, na França, atribuído ao pouco saber científico dos profissionais da parturição (Gelbart, 1993; Brenes, 1996).

Em 1795 foi fundada a Maternidade Port-Royal, em Paris: além de atender as parturientes, oferecia um curso para a formação de parteiras. Durante todo o século XIX, a parteira-chefe foi a maior autoridade dentro da maternidade, dirigia o ensino e o serviço de partos e trabalhava ombro a ombro com os cirurgiões, apesar dos conflitos deflagrados entre as duas categorias profissionais.20 20 Sobre esta questão, ver o artigo de Beauvalet-Boutouyrie (2002). Destacou-se naquela maternidade Marie-Louise Lachapelle, responsável pela organização didática do curso para parteiras. Preconizava um aprendizado através da observação ao 'pé da paciente', de onde a aprendiz ratificava ou não a eficácia da terapêutica prescrita nos manuais de formação (Beauvalet-Boutouyrie, 2002). A sage-femme francesa, ou seja, a parteira graduada, negava qualquer relação, mesmo remota, com as antigas ventrières ou matronas, como eram conhecidas as parteiras tradicionais naquele país (Brenes, 1996).

Pautadas nos cânones da ciência iluminista, a organização do ensino e a regulamentação do ofício fizeram com que as parteiras francesas adentrassem o século XX despossuídas dos elementos considerados tradicionais, ou seja, a fixação num sistema comunitário, o compartilhamento do parto com outras mulheres e a transmissão do saber de mãe para filha (Gissi, 2005).

No Brasil, a organização de um curso para parteiras aconteceu em 1832, durante a segunda reforma do ensino médico.21 21 A chegada da corte ao Brasil em 1808 provocou alterações políticas, culturais, econômicas e científicas. Entre as medidas tomadas pelo príncipe regente, estava a fundação das Escolas Cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro, através da Carta Régia de 18 de fevereiro de 1808. A escola baiana começou a funcionar no Colégio dos Jesuítas, à época ocupado pelo Hospital Militar. Em 29 de dezembro de 1815 o ensino médico sofreu sua primeira reforma, e a Escola de Cirurgia passou a se chamar Academia Médico-Cirúrgica. Em 3 de outubro de 1832 foi pela segunda vez reformada, transformando-se em Faculdade de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Sobre as reformas do ensino médico, ver Edler, 1992. As mulheres que pretendessem atuar como parteiras deveriam matricular-se no Curso de Partos, ministrado pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Para ingresso no referido curso, as candidatas precisavam ter pelo menos 16 anos completos, apresentar atestado de bons costumes passado pelo Juiz de Paz da freguesia onde residissem, saber ler e escrever corretamente e pagar 20$000 réis pela matrícula.22 22 Actos do Poder Legislativo de 1832, lei de 3 de outubro de 1832, art. 22, p.92-93. Ver também Aragão, 1923, p. 31.

Em 1854, o curso foi reformulado, introduzindo-se outras exigências: a idade das candidatas passou de 16 para 21 anos; a moralidade deveria ser atestada pelas famílias; a autorização para matrícula era dada pelo pai, quando a candidata era solteira, e pelo marido, quando casada; além do domínio da escrita e da leitura em língua portuguesa, passou-se a exigir o conhecimento do francês e das quatro operações matemáticas (Decreto 1387, 28 abr. 1854).

O Curso de Partos era essencialmente teórico. A prática era obtida com manobras de parturição feitas em manequim, rotina que suscitou inúmeras queixas por parte dos catedráticos. Os professores discorriam sobre a anatomia dos órgãos geniturinários femininos, ministravam lições orais e sabatinas, e as alunas tinham que repetir, de memória, as noções dos livros utilizados, como os de Velpeau, Cazeaux, Jacquemier e Mme. Lachapelle, Mme. Boivin (Magalhães, 1922, p.69).

Para que os(as) alunos(as) - do curso de partos e de medicina - pudessem ter melhor aproveitamento da cadeira 'Partos com moléstia das mulheres pejadas e paridas e de meninos recém-nascidos', os professores clamavam pela criação de espaço reservado às mulheres em diversos períodos de gravidez, principalmente nos últimos meses. Num ambiente assim, os estudantes poderiam observar, por meio do toque, as modificações ocorridas no colo do útero, nos diferentes meses da gestação, e praticar a auscultação obstétrica (Faria, 1860, p.11-12).

Esse pleito foi atendido em 1876, quando a Santa Casa da Misericórdia da Bahia autorizou a criação da enfermaria especial de partos e moléstias de mulheres no Hospital São Cristóvão, administrado pela Irmandade (Dantas, 1876, p.4-5). A articulação entre a Santa Casa e a Faculdade de Medicina foi mediada por Adriano Alves de Lima Gordilho - o barão de Itapoan - professor da Faculdade desde 1856 e responsável pela cadeira de Partos, em 1875.

Contudo, a criação daquela enfermaria não atraiu as mulheres para o espaço hospitalar. Ao longo do Oitocentos, as gestantes que deram à luz no referido hospital estiveram internadas por outros motivos que não a gravidez e o parto. Na opinião do médico Custódio Moreira de Souza Júnior (1886, p.16), a enfermaria de partos do Hospital da Santa Casa era um 'necrotério' nada atraente para as mulheres grávidas. Ele descreveu esse espaço como uma sala pequena, sem ventilação, anti-higiênica, que punha em risco a vida da mulher e da criança.

A criação da enfermaria de partos e doenças de mulheres, em 1876, dividiu opiniões. Se tal alternativa foi considerada ideal na primeira metade do século XIX, em fins deste já era rotulada como pouco satisfatória e 'atrasada'. Os médicos baianos desejavam a construção de uma maternidade em outras bases sanitárias - afastada das aglomerações urbanas, em terreno ensolarado e com salas amplas e arejadas. Esse espaço reservado exclusivamente às gestantes e puérperas as manteria apartadas dos demais doentes - procedimento inviável no Hospital São Cristóvão. Além disso, as paridas deveriam ficar separadas das grávidas ou puérperas com algum tipo de infecção.

A inauguração do novo hospital da Misericórdia - Hospital Santa Isabel - em 1893, com enfermarias femininas sob a direção de Climério de Oliveira e do barão de Itapoan, contemplou, em parte, os anseios dos médicos, mas não colocou um ponto final no debate a respeito da maternidade a ser construída, e que levaria à fundação da Maternidade Climério de Oliveira, no raiar do século XX.

O curso de formação de parteiras da Faculdade de Medicina da Bahia começou a funcionar em 1832 e formou menor número de estudantes que a Faculdade do Rio de Janeiro.23 23 Entre 1832 e 1876 a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro diplomou 13 parteiras. Sobre o assunto, ver Mott, 1998. Ao longo do século XIX, a escola baiana diplomou apenas duas parteiras - Joanna Maria Vieira e Maria Leopoldina de Souza Pitanga - e validou o diploma de outras duas - Aurora das Dores Leitão e Mathilde Bertelli (Índice geral..., 1832-1911, folha 111; 1820-1937; Livro de verificação..., 1820-1937, p.37).

Em memória histórica do ano de 1871 apresentada à respectiva congregação, o médico Elias José Pedrosa (1872) declarou que o curso para parteiras caíra no esquecimento "não por falta de vocação e capacidade" das baianas, mas pela inexistência da clínica de partos, ou seja, a ausência das aulas práticas. Salientou que nenhuma das duas alunas formadas exercera a profissão até a década de 1870. O memorialista desconhecia a trajetória profissional de Joanna Maria Vieira e Maria Leopoldina da Souza Pitanga, que partejaram várias décadas após a conclusão do curso, ocorrida na década de 1840, como mostraremos adiante.

Elias Pedrosa deixou de considerar outros aspectos, ao analisar a pouca adesão das baianas ao curso de parteiras. Entre eles, o domínio da escrita e da leitura em língua vernácula; a opção por literatura didática em língua estrangeira, o que requeria das candidatas a habilidade de ler em francês e inglês; e o custo da formação. Essas exigências deixaram de fora muitas parteiras práticas, oriundas das camadas populacionais menos favorecidas, que não possuíam recursos financeiros para arcar com as despesas da formação, e tampouco eram alfabetizadas. Além dessas questões, a formação científica não foi requisito indispensável para o exercício da profissão e aceitação da competência da parteira. Para essas mulheres, o parto enquanto evento social e natural não precisava ser ensinado nas escolas. Muitas mulheres da elite baiana e das camadas médias engajaram-se em projetos de educação feminina a partir da segunda metade do século XIX24 24 Recentes estudos historiográficos mostram as mulheres baianas, de diversas camadas sociais, vivenciando e experimentando práticas educativas e defendendo projetos educacionais. Sobre o assunto, ver Leite, 2005 e Rago, 2007. , mas poucas se sentiram atraídas pelo curso de partos.

Apesar das ações de regulamentação da 'arte de partejar', dos cursos em obstetrícia, e dos recursos técnicos e farmacológicos (fórceps, anestesia, assepsia e anti-sepsia), a busca dos homens - cirurgiões e médicos - por um lugar aos pés do leito da mulher em trabalho de parto não se processou sem resistências, em parte explicadas pelo preceitos morais que rejeitavam a idéia de homens com a atribuição de tocar o corpo das mulheres, especialmente as 'partes pudendas'. Já em 1707, viera a lume De l' indécence aux hommes d'accoucher les femmes (Hecquet, 1990), um manifesto contrário à presença profissional dos homens junto ao leito das mulheres, escrito pelo médico dos religiosos de Port-Royal. A profissão do homem parteiro era uma novidade que atentava contra o pudor em uma sociedade ainda muito religiosa.

As parteiras na Salvador oitocentista

Salvador não ficou à margem da mudança de mentalidade e do fortalecimento do saber acadêmico. Além de ter sediado o ensino médico, juntamente com o Rio de Janeiro, acolheu a partir dos anos 60 um movimento científico de vanguarda, posteriormente chamado Escola Tropicalista Baiana.25 25 Sobre essa questão, ver os trabalhos de Flavio Edler, 1999, 2002, Peard, 1999 e Coni, 1952. Todavia, se no Rio de Janeiro houve um movimento significativo de parteiras a buscar regularização junto às autoridades e a efetuar matrícula nos cursos de partos da Faculdade de Medicina, na Bahia não se observa a mesma tendência. A cultura do nascimento na capital baiana permaneceu restrita ao espaço doméstico, enraizada na rede de solidariedade feminina protagonizada por vizinhas, mães, tias, madrinhas e pela parteira de confiança. As práticas obstétricas que rapidamente se difundiam no mundo acadêmico, pautadas na obstetrícia - ramo especializado da medicina -, não fizeram eco entre as mulheres baianas, em especial parteiras e parturientes, e não proporcionaram mudanças nos tradicionais ritos do parto.

Entre os anos de 1811 e 1826 - período que antecedeu a criação do curso de partos - 13 mulheres solicitaram à Fisicatura-mor a regulamentação de seu ofício de parteira.26 26 A documentação administrativa muito elucida aspectos relacionados às solicitantes, aos examinadores e ao aparato jurídico. Quanto às candidatas, revela de cada uma a sua nacionalidade, cor e estatuto jurídico (livre, escrava ou forra) e matrimonial. Foram elas Anna Maria do Carmo, Anna Francisca de Oliveira, Anna Roza, Raimunda Nonata de Jesus, Ignacia Francisca de Souza, Anna Maria Joaquina de Sant'Anna, Antonia do Rozário de Moura, Maria da Anunciação, Maria do Rozário, Anna Maria do Sacramento, Clemência Maria da Silva, Joaquina Maria das Virgens e Simoa Maria de Jesus (Livro de Exame..., 1825-1828; Fisicatura-mor, 1808-1828). Além das parteiras oriundas de Salvador e do Recôncavo Baiano, cabe lembrar a portuguesa Manoella Benta de Jesus Maria José, examinada em Coimbra pela junta do Protomedicato27 27 A Junta do Protomedicato funcionou entre 1782 e 1808 com a função de examinar e fiscalizar os práticos, ou seja, aqueles que não possuíam formação acadêmica. , que desfrutou de grande respeito na sociedade soteropolitana (Correio Mercantil, 13 jul. 1838, p.2).

Os exames tinham lugar na casa de um dos cirurgiões (eram dois), na presença de escrivão. A candidata declarava que aprendera a 'arte de partos' conforme preconizava o Regimento, e respondia a perguntas teóricas e práticas. Satisfeitas todas as exigências, a requerente recebia a carta de aprovação, com a qual solicitava a carta de confirmação.

O aprendizado da arte de partos antes da 'examinação' indicava que a candidata aprendera com outra parteira, uma vez que em Salvador não há registro de curso formal antes de 1832. O fato de as requerentes responderem às perguntas teóricas indica que elas leram ou decoraram (no caso das mulheres analfabetas) quesitos apresentados nos manuais teóricos e práticos destinados ao público que se submetia aos exames. A documentação da Fisicatura-mor é imprecisa quanto ao que era perguntado, mas a existência dos 'catecismos' para os práticos, como mostramos, é um forte indicador de que eram usados nessas ocasiões.28 28 Sobre os manuais de obstetrícia em língua portuguesa no século XIX, ver Barreto, 2007.

Das 14 parteiras licenciadas pelos órgãos fiscalizadores, apenas três eram negras, sendo uma crioula forra29 29 No contexto escravocrata brasileiro, denominava-se 'crioulo' o escravo nascido no Brasil e 'forro' aquele que havia conquistado a carta de alforria ou carta de liberdade. . Nenhum senhor ou senhora de escrava pediu autorização para que a mesma partejasse, como aconteceu com as demais categorias - sangrador, por exemplo.30 30 A documentação da Fisicatura-mor existente no Arquivo Nacional demonstra que muitos senhores buscaram regulamentar o ofício de seus escravos. Sobre a presença de escravos barbeiros, sangradores e curandeiros na primeira metade do século XIX, ver Pimenta, 1998. Essa particularidade demonstra que o partejamento na Bahia foi uma atividade inscrita no universo das tradições culturais, pertencente à rede de solidariedade feminina, e que o ganho com essa ocupação era fator secundário, por isso não vamos encontrar parteiras na lista das escravas de ganho.31 31 Chamam-se 'escravos(as) de ganho' aqueles(as) que trabalhavam na rua, ou entre a casa e a rua. Movimentavam a complexa rede de serviços na cidade de Salvador, através do transporte de pessoas e mercadorias, da venda de gêneros alimentícios e dos ofícios de alfaiate, sapateiro, ama-de-leite, barbeiro, sangrador, entre outros. Sobre o assunto, ver Reis, 1993 e Mattoso, 2004.

O cumprimento da legislação evitava problemas com as autoridades fiscalizadoras. No Rio de Janeiro, entre 1834 e 1878, os fiscalizadores buscaram identificar aqueles que praticavam a cura na Corte, como uma forma de mantê-los sob controle. Destacam-se os anos de 1832, 1835, 1841 e 1842 como os mais incisivos na identificação dos profissionais da cura. A partir de 1850, teve início nova etapa fiscalizadora com viés punitivo, pois dessa vez a Junta Central de Higiene Pública solicitava aos práticos da cura a apresentação de suas respectivas autorizações. O ano de 1878 foi marcado por rigorosa inspeção das parteiras, inclusive porque descumpriam a proibição de tratar doenças de mulheres. A política fiscalizadora fez com que muitas parteiras ficassem receosas, mas essa situação não as impediu de continuar anunciando nos periódicos que circulavam no Rio de Janeiro (Mott, 1998; Brenes, 1996).

Na Bahia, as parteiras não sofreram as mesmas pressões que suas congêneres em outras localidades do Brasil. Os médicos baianos estiveram preocupados com a hegemonia das parteiras na assistência ao nascimento e às doenças de mulheres, mas não há evidências que aproximem Salvador do perfil fiscalizador observado no Rio de Janeiro. O embate entre médicos e práticos situou-se no campo retórico. A legislação que proibia a atuação das parteiras e outros praticantes das artes de curar sem formação acadêmica ou licença foi letra morta, demonstrando assim o prestígio social desse grupo. Essa leniência por parte daqueles que deveriam 'vigiar e punir' levou os médicos a bradarem contra os curandeiros e as parteiras nas páginas dos periódicos leigos e especializados e a responsabilizarem as instâncias fiscalizadoras por inoperância.

A documentação da Fisicatura-mor possibilita-nos saber a condição matrimonial das parteiras licenciadas. Das 13 mulheres autorizadas por esse órgão, quatro eram viúvas e nove, solteiras. O que não significa que essas mulheres fossem celibatárias, pois a experiência de ser mãe ou de cuidar de crianças da família era o ponto de partida para o aprendizado do ofício. O estudo de Kátia Mattoso (1988) sobre a tipologia da família soteropolitana no século XIX revelou que a união legítima - abençoada pela Igreja - esteve reservada à elite. As camadas menos favorecidas da sociedade e os imigrantes adotaram a união livre, sobretudo porque os casamentos custavam caro. E as uniões ilegítimas não acarretavam reprovação social na Bahia.

Outras parteiras, possivelmente leigas, foram encontradas nos registros de óbito do Cemitério Campo Santo. Foram elas: Maria José da Purificação de Andrade, parda, natural da Bahia, de freguesia não declarada, que morreu em 3 de julho de 1878, aos 77 anos, de lesão cardíaca; Camilla Maria da Silva Dias, parda, da Freguesia de São Pedro, que faleceu em 23 de dezembro de 1879, aos sessenta anos, de doença não declarada nos documentos; Silvéria Joaquina do Nascimento, branca, oriunda da freguesia de São Pedro, viúva, que morreu em 15 de julho de 1883, de "amolecimento cerebral"32 32 Doença que apresentava os seguintes sintomas: perda gradual da capacidade intelectual, da sensação, do movimento, diminuição da memória, dificuldade no falar, dores de cabeça e, nos casos mais graves, a paralisia geral (Chernoviz, 1878). aos 68 anos; e Bernardina, solteira, parda, da freguesia de Sant'Anna, que faleceu em 24 de junho de 1893, aos cinqüenta anos, de tuberculose pulmonar (Livro de Registros..., 1878-1893).

Em relação à cor das parteiras leigas, o perfil se inverte se comparadas às examinadas: apenas uma era 'branca', e as demais, 'pardas'33 33 A terminologia 'pardo' designava o indivíduo que oscilava para o mulato. Classicamente se traduz como descendente de pai europeu e mãe africana (Azevedo, 1996). . O grupo era composto majoritariamente por solteiras, o que constituiu um padrão para as parteiras baianas. Morreram com idade avançada, e sua vida profissional atravessou décadas, o que as aproxima, em longevidade profissional, do perfil de parteiras traçado por Maria Lúcia Mott (2005) para São Paulo e Rio de Janeiro.

Como já dissemos, o curso de partos da Faculdade de Medicina da Bahia não atraiu muitas alunas. Apenas duas mulheres diplomaram-se, e mais duas validaram seus diplomas ao longo de todo o século XIX: Joanna Maria Vieira, formada em 11 de novembro de 1843; Maria Leopoldina de Souza Pitanga, diplomada em 9 de novembro de 1847; a portuguesa Aurora das Dores Leitão validou o seu diploma em 1899; e a italiana Mathilde Bertelli.34 34 O processo de validação do diploma de Mathilde Bertelli começou em março de 1900 e foi concluído no ano seguinte (Livro de verificação...1896-1910, p. 10, verso). Outra estrangeira, dona Anna Schurter, formada pela Escola de Bauerberg inscreveu-se para verificação do título, em 09 de junho de 1890, mas não há evidências acerca da conclusão do processo (Índice geral...,1832-1911, folha 111; Livro de verificação... 1820-1937, p. 7, 37).

O registro de parteiras estrangeiras em Salvador foi ínfimo, uma vez que a cultura do parto passava pelo reconhecimento do grupo social e não pela legitimação proporcionada pela licença ou diploma. A capital baiana no século XIX foi pólo dinâmico de um mercado regional, nacional e internacional. A partir da segunda década do século XIX, com a vinda da família real para o Brasil (1808) e a abertura dos portos para o comércio internacional, intensificou-se a circulação de pessoas, mercadorias e capitais em Salvador. Cresceu a presença de estrangeiros na cidade, multiplicaram-se os bancos e as casas comerciais controladas por ingleses, franceses e alemães. A aparente discrepância entre a presença numérica de estrangeiros na praça35 35 Centro comercial. da Bahia e a pouca presença de parteiras estrangeiras nos leva a pensar que elas existiram, mas ficaram à margem da profissionalização, exercendo a parturição ocasionalmente.

As duas estrangeiras que validaram os seus diplomas eram mulheres que desejavam estabelecer-se no mercado de trabalho. A documentação nos dá algumas pistas sobre elas. Aurora das Dores Leitão era filha de Fellipe Leitão, nasceu em Lisboa, a 10 de junho de 1874 e estudou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Para validar seu diploma Aurora submeteu-se a cinco avaliações entre 27 de abril e 01 de agosto de 1898, quando foi plenamente aprovada. A italiana Matilde Bertelli, nascida em 03 de janeiro de 1877, filha de Ângelo Bertelli, estudou na Universidade de Pisa e passou pelas mesmas verificações que Aurora Leitão (Livro de verificação... 1820-1937, p. 04 e 10, verso)

As parteiras diplomadas pela Faculdade de Medicina da Bahia, ou aquelas que tiveram seus diplomas validades eram mulheres brancas, alfabetizadas e que viviam do ofício de parteira, anunciando seus serviços e seus endereços36 36 O endereço apresentado pelos jornais e almanaques era o local onde a parteira poderia ser encontrada. A documentação não nos permite inferir se elas recebiam parturientes em suas casas, contudo é provável que mantivessem um quarto para ser usado em momentos de emergência ou para garantir o anonimato da mulher grávida. na imprensa baiana. Nas páginas dos jornais diários e almanaques não encontramos o horário de atendimento, as qualificações profissionais, os serviços prestados, nem os "informes gerais" - mudanças de endereços, partida e chegada de viagem, dados, enfim, apresentados pelas parteiras do Rio de Janeiro e São Paulo (Mott, 2005). Elas eram apresentadas com o título de 'dona', seguido pelo nome, sobrenome e local onde poderiam ser encontradas. Vejamos o anúncio da ex-aluna da Faculdade de Medicina: "D. Joanna Maria Vieira, Maciel de Baixo" (Almanak..., 1854, p.243). A qualificação dona era suficiente para essas poucas diplomadas e revela que elas ocuparam posição de respeito na sociedade baiana.37 37 Em São Paulo e no Rio de Janeiro as parteiras costumavam usar outros títulos em seus anúncios, tais como madame, veuve ou viúva (Mott, 2005).

Joanna Maria Vieira, filha de José Castanislau Vieira, diplomou-se com 21 anos. Ela esteve nas páginas do Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Bahia entre os anos de 1855 e 1863. Nesse período mudou de endereço algumas vezes: do Maciel de Baixo, foi para o Terreiro de Jesus, em seguida para a rua Direita do Palácio e, por fim para a rua do Passo. O itinerário de Joanna demonstra que ela partilhava o mesmo espaço urbano que muitos médicos e cirurgiões, e foi também vizinha da Faculdade de Medicina, localizada no Terreiro de Jesus.

Maria Leopoldina da Souza Pitanga foi outra parteira que manteve seu nome na lista do referido Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Bahia nos anos 1862 e 1863, e poderia ser encontrada na rua São Bento, número 4. Maria Leoplodina nasceu e cresceu na freguesia de Santa Anna, era filha de João de Souza Gomes Pitanga e de Maria Clara de Jesus Pitanga. Quando ela pleiteou a vaga no exame preparatório do curso de parto, em 1846, seu pai já havia falecido e ela vivia em companhia da mãe. D. Maria Clara de Jesus solicitou ao juiz de paz da freguesia de Santa Anna, atestado de boa conduta da sua filha, conforme exigia a legislação em vigor. A autoridade competente declarou que Maria Leopoldina possuía boa conduta, era honrada e vivia com "toda decência" (Matrícula nos cursos..., 1843-1846). Formada aos 24 anos, a profissão de Maria Leopoldina certamente garantiu o sustento da família.

Os endereços das parteiras diplomadas mantinham-nas bem visíveis para os facultativos, e elas estiveram bem integradas ao circuito dos profissionais de saúde. Além disso, as ruas mencionadas eram freqüentadas por aqueles que procuravam atendimento médico, principalmente os estrangeiros de passagem pela cidade que não estavam amparados por nenhum grupo de auxílio mútuo. É bom lembrar que o Hospital da Santa Casa da Misericórdia funcionou no Terreiro de Jesus entre 1833 e 1896.

Outros dois nomes de parteiras emergem das páginas dos periódicos leigos: Francisca Romana de São Pedro, estabelecida no Jogo do Lourenço (Almanak... 1863, p.338) e a portuguesa Manoella Benta de Jesus Maria José (Correio Mercantil, 13 jul. 1838, p.2). O anúncio desta última é o único rico em informações sobre a anunciante. O texto não informa o endereço como os demais. Explicita o local de examinação (Coimbra), o órgão (Protomedicato), o tipo de formação (examinada), as curas que já praticara (espinhela caída, estômago), o público (o jovem Cazuza), e o motivo (atestado de incapacidade do seu afilhado, o jovem Cazuza, de 'assentar praça' na Guarda Nacional). Nota-se que Manoella Benta possuía grande autoridade, a ponto de atestar a impossibilidade de um paciente/afilhado juntar-se às tropas da Guarda Nacional, jurando in verbum Sacerdote. O anúncio evidencia também a rede de solidariedade entre as parteiras e suas clientes, e a opção religiosa de Manoela: o catolicismo. Era comum as parteiras fazerem batismos de emergência em caso de natimortos e conduzirem a criança à pia batismal, tornando-se assim a madrinha daquele(a) que ajudou a nascer. Essas relações evidenciam a aliança entre parteiras e Igreja, como assinalou Nadia Fillipini (1993).

A lista de parteiras que fizeram uso de impressos para anunciar seus serviços, como demonstramos, é bastante restrita. Elas não explicitavam o custo dos serviços nem os ofereciam gratuitamente aos pobres, como faziam os médicos no mesmo período. Não temos evidências de que distribuíssem folhetos, nem que houvessem partilhado o espaço hospitalar com os médicos.

Certamente muitas já desfrutavam de posição estabelecida na praça de Salvador ou no seio das comunidades onde nasceram ou moravam, não necessitando desse tipo de publicidade para atrair clientela. A propaganda boca a boca era o principal veículo de divulgação da habilidade da parteira, uma vez que suas práticas estavam arraigadas nos costumes e crenças da sociedade baiana. As parteiras mantiveram-se como depositárias da capacidade de partejar por todo o século XIX e primeiras décadas do século XX.38 38 A folclorista Hildegardes Vianna (1988) trabalhou com inúmeras parteiras da cidade de Salvador e do interior da Bahia na primeira metade do século XX. Ela traçou o perfil profissional dessas mulheres, bem como suas reações perante a medicina acadêmica. Hildegardes nos revela que nos quesitos gravidez e parto as parteiras eram as depositárias do saber, e só perderam terreno quando o assunto era 'cuidado com as crianças'. Durante todo o século XIX, o Hospital da Santa Casa da Misericórdia foi o único a atender a população residente em Salvador e seus arredores, ou que estivesse de passagem pela capital baiana. Encontramos quatro funcionárias nas folhas de pagamento da Santa Casa - Joanna Maria da Rocha Dorea, Ana Maria da Encarnação, Maria do Carmo e Maria Constança do Coração de Jesus. Elas realizavam o serviço de enfermagem e portaria. Os serviços de limpeza geral e cozinha eram realizados pelas escravas. Para as enfermarias femininas eram empregadas mulheres alfabetizadas, cujas assinaturas constam no contrato de prestação de serviços.39 39 Sobre o Hospital da Misericórdia e seu funcionamento, ver Barreto, 2005. Contudo, não houve uma parteira sequer a auxiliar os médicos nas enfermarias femininas do Hospital da Misericórdia (Livro 6º..., f.4, frente; Livro de Ata..., 27 mar. 1835, p.7, e 25 ago. 1836, p.21).

Quando o serviço de enfermagem composto por leigas tornou-se incômodo para os médicos e cirurgiões que trabalhavam na Santa Casa - a exemplo da 'balbúrdia' nas enfermarias e dos 'abusos' nas dependências do hospital (Livro de Ata..., 20 jun. 1836) -, a provedoria optou por substituir as assalariadas pelas recolhidas da Santa Casa que tivessem idade suficiente, bom comportamento e que soubessem ler e escrever. Mas essa alternativa foi provisória, pois a Mesa optou, em 1847, por convidar as irmãs de São Vicente de Paula, acreditando que a presença de religiosas como enfermeiras e diretoras do serviço interno resolveria os problemas administrativos que o hospital enfrentava ao mesmo tempo em que reforçava a caridade cristã. Caberia às irmãs vicentinas vigiar os doentes, aplicar os remédios nas horas prescritas, ajudar a fazer os curativos, inspecionar e dirigir os serviços da cozinha, fiscalizar a roupa suja e a enviar para lavagem (Livro de Termo..., 11 jun. 1847, p.23-26). Tais medidas não aplacaram o descontentamento dos médicos que vislumbravam a possibilidade de formar uma mão-de-obra treinada por eles.

O nascimento na Bahia tinha características peculiares, que só fazem sentido quando interpretadas à luz das balizas culturais. A ausência de casas de partos, maternidades ou hospitais com espaços destinados à parturiente, a pouca presença das aprendizas no curso de obstetrícia, a pequena fiscalização e a diminuta intervenção das autoridades reguladoras na atuação profissional das parteiras demonstram que o nascimento preservou sua característica de evento cultural restrito ao espaço doméstico, sob os cuidados das parteiras leigas. A cultura científica do nascimento só viria a fazer sentido um pouco mais tarde, nas primeiras décadas do século XX, assentada na aliança entre médicos e mulheres.

Obstetrícia nas páginas dos periódicos: o espaço dos médicos

Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil e a liberação da imprensa, começaram a circular jornais, almanaques, gazetas e folhetos de periodicidade diária, semanal, mensal e mesmo anual. Muitos eram destinados ao público leigo e veiculavam em suas páginas discussões de cunho político, religioso, moral, literário, informativo, entre outras temáticas. Alguns eram destinados ao público feminino, como Espelho das Bellas, A Chrysalida, O Boulevard e o Recreio das Senhoras.40 40 Sobre esse assunto, ver o trabalho de Leite (2005). Havia ainda os que tratavam de questões específicas das ciências médicas, não obstante alguns terem incluído em suas página os temas literários. Eles foram criados por médicos residentes na Bahia ou por estudantes da Faculdade de Medicina e, por vezes, contavam com o apoio de professores.

Os jornais leigos adotaram a prática européia de venda de espaços para anúncios e outros informes ao público leitor, e muitos foram os profissionais de saúde que fizeram uso desses veículos para divulgar endereços, horários de atendimento, formação, preços dos serviços e venda de produtos - principalmente fármacos.

Os médicos foram os que mais anunciaram os seus serviços. Os anúncios começam a aparecer por volta de 1849 e se tornam mais freqüentes na década de 1880. Em 1855 o Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Bahia indicou nome e endereço de vinte barbeiros e sangradores, de 108 médicos e cirurgiões, e de uma parteira, Joanna Maria Vieira.

Entre os médicos anunciantes nos 135 periódicos pesquisados, selecionamos aqueles que se apresentaram como especialistas em parto e doenças de senhoras. Destacam-se Climério de Oliveira, barão de Itapuan (ou Adriano Alves de Lima Gordilho), Lydio de Mesquita, Virgilio Damazio, Alfredo Brito, Deocleciano Ramos, José Pedro de Souza Braga, Rodrigues Lima, Américo de Souza Marques, Alexandre Affonso de Carvalho, Sátiro O. Dias, Antônio José da Fonseca Lessa, José A. Lopes e Faria Rocha (Almanach..., 1889; Diário de Notícias, 1888; Diário da Bahia, 1883; Jornal da Bahia, 1871, 1872, 1874, 1875, 1876; Alabama, 1881, 1882; Tribuna, 1877; A Bahia, 1881; O Americano, 1884-1885; A Ilustração Bahiana, 1881; A Lanterna, 1897).

Os médicos acima citados ofereciam atendimento gratuito aos pobres. Para Peard (1999), a relação entre os médicos e aqueles que não podiam pagar pelo tratamento foi uma estratégia que possibilitou aos facultativos ampliar seus conhecimentos e avaliar in loco diagnósticos, terapêuticas e cirurgias. Admitimos tal possibilidade, mas lembramos que a sociedade baiana oitocentista foi caracterizada por Kátia Mattoso (1988; 1992) como conservadora em linhas gerais, mas flexível nas tramas vertical e horizontal. Essa sociedade, em que a riqueza não desempenhou o papel principal, cultivou fortes laços de piedade cristã, tornando-se a caridade um componente das relações sociais. Tendo como fio condutor da análise as bases socioculturais que deram sentido aos pensamentos e ações dos baianos, defendo que o atendimento gratuito aos pobres foi marcado mais pelo sentimento de solidariedade cristã do que pelo utilitarismo científico.

Para atrair a população de elite outros apelos entravam em cena, como ilustra o anúncio de Alexandre Affonso de Carvalho, que sustenta a sua competência de parteiro na temporada passada na Europa, freqüentando os principais hospitais de Paris e na aquisição de modernos aparelhos (Jornal da Bahia, 1874).

Para Luiz Otávio Ferreira (1996), entre 1827 e 1850, deu-se o nascimento do periodismo médico. O período foi marcado por dificuldades materiais, falta de colaboradores assíduos e assinantes no âmbito da comunidade médica, sendo o público dessas publicações constituído, muitas vezes, de leigos letrados que se transformavam em colaboradores polêmicos. Os periódicos de natureza política eram os que mais atraíam a atenção do público. Esses fatores explicam a curta duração dos jornais médicos baianos, com exceção da Gazeta Médica da Bahia (1866-1931).

O periodismo médico foi um instrumento para a afirmação do saber acadêmico no campo da obstetrícia e da ginecologia. Os primeiros periódicos médicos baianos apareceram nos anos 1840, por iniciativa de estudantes, e tiveram, quase todos, uma existência efêmera. Foram eles: O Musaico (1844-1847), O Horizonte (1849, citado em O Atheneo, 1849, p.116), O Atheneo (1849-1850), O Prisma (1853) e ainda O Crepúsculo (1845-1847). De 1860 a 1880 - décadas caracterizadas pela dinamização e diversificação do periodismo médico - encontramos a Gazeta Medica da Bahia (1866-1931), O Acadêmico (1872), o Instituto Acadêmico (1873-1874), O Incentivo (1874), O Norte-Acadêmico (1875), A Evolução (1879) e O Século (1880).

Esses periódicos almejavam fornecer aos leitores informações atualizadas sobre as descobertas nos diversos ramos da medicina, na Europa e nos Estados Unidos; discutir as moléstias brasileiras; fazer prosperar a clínica baiana através de relatos de casos cirúrgicos, diagnósticos de doenças e terapêuticas; divulgar e debater a produção acadêmica da Bahia. Os periódicos médicos noticiavam eventos de cunho social e acadêmico, a exemplo de falecimento de professores e alunos, bem como o encerramento e a abertura do calendário letivo. Quase todos abriram espaço para a discussão de questões relacionadas ao parto e às doenças de mulheres. Contribuíram, assim, para trazer à tona questões até então restritas ao mundo feminino.

Os médicos apregoavam a sua habilidade diante dos partos difíceis e das doenças femininas, tornando-se arautos do próprio saber e, dessa forma, minimizavam a pouca confiança das famílias e quebravam tabus numa sociedade com papéis sociais de gênero bem definidos.

Julyan Peard trabalhou com a Gazeta Medica da Bahia em sua obra Race, place, and medicine: the idea of tropics in nineteenth-century Brazilian medicine (1999). A autora dedica um capítulo especial à atuação dos tropicalistas baianos em face das doenças de mulheres, "Physicians and women in Bahia". Peard notou o papel hegemônico das parteiras na assistência ao parto. Argumentou que esse fato obstaculizou o ingresso dos médicos em campos nos quais o saber feminino era preponderante. Os tropicalistas baianos acreditavam que a procriação e a maternidade estavam no centro de qualquer esforço para construir uma nação saudável, possuindo eles a autoridade científica para definir esse outro caminho. Era preciso elaborar uma estratégia para destituir a parteira do lugar que ela ocupava na assistência às mulheres e ao parto, substituindo-a pelo médico. A superioridade que os tropicalistas atribuíam ao seu grupo profissional estava calcada no ideário positivista: os avanços da ciência, da técnica e da tecnologia médicas fariam com que a 'modernidade' - simbolizada pelos médicos - superasse o 'atraso' - representado pelas parteiras.

No entanto, o esforço para tornar os médicos a melhor opção na assistência às doenças de mulheres não logrou êxito no século XIX. Peard (1999, p.124-134) elencou um conjunto de elementos para justificar a limitada inserção dos médicos neste campo da assistência ao parto e às doenças de mulheres: o pouco treinamento dos médicos que saíam da Faculdade de Medicina da Bahia; a satisfação das mulheres com o trabalho das parteiras; e a predominância dos valores tradicionais da sociedade baiana sobre a separação dos papéis de gênero, em que o corpo feminino e o parto eram assuntos de mulheres.

A Gazeta Medica da Bahia não foi o único nem o primeiro periódico médico a abordar questões relacionadas à obstetrícia e à ginecologia, tampouco os tropicalistas foram os pioneiros na prática e registro de cirurgias ginecológicas, como faz crer Peard (1999). O acadêmico José Cândido da Costa (1 jun. 1849), descreveu, em O Atheneo as doenças que mais atingiam as mulheres baianas, entre elas os cancros uterinos, as ulcerações do colo do útero, os pólipos, a histeria, os 'faniquitos', as palpitações e a melancolia.

O Crepúsculo (1845-1847) manteve uma seção destinada à obstetrícia. O tema recorrente nessa coluna era o parto, a experiência dos médicos baianos na assistência ao nascimento e a incompetência das parteiras. Em maio de 1846, o doutor Baraúna (25 maio 1846) escreveu longo artigo sobre o parto prematuro artificial, fundamentando suas conclusões na literatura européia e na própria clínica. Para aquele médico, as técnicas de acompa-nhamento da gravidez - a exemplo da auscultação fetal - e de intervenção no parto indicavam que a ciência "aspergia luz sobre as trevas do erro". O argumento de que os médicos eram emissários da ciência e da modernidade subjaz em todos os artigos escritos por eles.

Meses depois do artigo assinado por Baraúna, O Crepúsculo saiu em defesa da "necessidade do parteiro durante o trabalho de parto", em longa matéria escrita pelo doutor Carrão (25 dez. 1845), publicada originalmente em Archivo Médico Brasileiro. O articulista afirmava que o parteiro era, na verdade, "o médico que se dedica a prestar socorros às mulheres que se acham em estado de dar à luz". Salientava que os homens exerciam esse "ministério" desde o século XVII, e reiterava a inaptidão das parteiras que faziam uso de meios "imprudentes, ridículos e até bárbaros". O autor chega a invocar a defesa da nação brasileira para justificar a primazia dos médicos, homens preparados pelos estudos, aptos para "mitigar os padecimentos da mulher, tantas vezes vítima dos prejuízos introduzidos pela ignorância, e perpetrados pela credulidade" (p.152). O argumento seria repetido pelos tropicalistas baianos nas páginas da Gazeta Medica da Bahia, mais tarde, como notou Peard (1999).

Em 1875, o médico Pacífico Pereira aceitou o convite da redação do Norte-Acadêmico (set. 1875) para publicar um caso de sua clínica particular. Pereira optou por discutir a 'placenta prévia', por considerar que era "um dos assuntos mais interessantes da obstetrícia, aliás, muito deficientemente tratado no maior número de compêndios de partos, e que ... exige do parteiro uma intervenção pronta e decisiva".

O estudante Amancio Caldas (15 ago. 1872) publicou nas páginas de O Acadêmico artigo sobre a depressão umbilical que apresentava uma mulher no último mês de gestação. Em O Instituto Acadêmico o estudante Antônio de Siqueira (1 set. 1873), escreveu sobre o aborto e seu tratamento. Em outro número do mesmo periódico, o graduando Romualdo Seixas Filho, na seção de clínica cirúrgica da Faculdade, descreveu em detalhes a remoção da mama esquerda de uma mulher por causa de um cancro. O estudante comentou que não era a primeira vez que assistia a operações como aquela.

A presença dos médicos nas páginas dos periódicos leigos ou especializados chamou a atenção da sociedade baiana, abriu espaço para a construção do discurso da autoridade, deflagrou o processo de afirmação do saber e da competência dos médicos no campo da obstetrícia e da ginecologia, ao tempo em que abriu brechas nas convenções sociais da tradicional família baiana. Contudo, essas especialidades médicas esbarravam em resistências de ordem cultural, moral e religiosa ao tratar de assuntos, até então, restritos às práticas e aos saberes femininos: a gravidez, o parto, o puerpério e as doenças de senhoras.

NOTAS

Submetido para publicação em maio de 2007.

Aprovado para publicação em outubro de 2008.

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  • ZARATE C., María Soledad. Dar a luz en Chile, siglo XIX: de la 'ciencia de hembra' a la ciencia obstétrica. Chile: Universidad Alberto Hurtado; Centro de Investigaciones Diego Barros Arana. 2007.
  • 1
    Sobre essa questão ver Sheridan, 2001, Dahl, 2001 e Donnison, 1993.
  • 2
    Sobre a América ver os trabalhos de Charlotte G. Borst (1999), Susan L. Smith (1999), Judith W. Leavitt (1986, 1999), Kobrin (1985), Paul Starr (1982), Deborah Kuhn McGregor (1998), María Soledad Zarate C. (2001, 2007) e Isabel Morant (2006). Para a Europa ver Michelle Denbeste-Barnett (1999), Doreen Evenden (1993), Nadia Maria Filippini (1993a), Montserrat Cabré e Teresa Ortiz (2001), Jacques Gelis, Mireille Laget e Marie-France Morel (1978), Mireille Laget (1982), Paulette Meyer (1997, 1999), Ornella Moscucci (1993), Àlvar Martinez Vidal e José Pardo Tomás (2001), Merry E. Wiesner (1993), Adrian Wilson (1995) e Scarlet Beauvalet-Boutouyrie (1999).
  • 3
    Ver a bibliografia comentada sobre a assistência ao parto no Brasil (1972-2002) organizada por Maria Lúcia Mott (2002).
  • 4
    Para o Brasil ver o trabalho de Maria Lúcia Mott (1999). Vidal e Tomás (2001) trabalharam com a literatura cirúrgica do século XVIII escrita em língua espanhola, ou que circulou na Espanha, bem como os manuais escritos para parteiras. Em todas essas fontes as 'comadronas' eram consideradas "mujeres ignorantíssimas del arte". Candice Dahl (2001) trabalhou com fontes semelhantes para a Inglaterra, também no Setecentos e colheu resultados equivalentes.
  • 5
    Realizamos pesquisa seriada no Arquivo Nacional, nos documentos da Fisicatura-mor (1808-1828), levantando todos os profissionais das artes de cura que foram autorizados a atuar na Bahia, tanto na capital como no interior. No Arquivo Histórico Municipal de Salvador trabalhamos com os livros de Exames de Cirurgia e Sangria (1825-1828) a partir dos quais arrolamos todos os profissionais de saúde, com ênfase nas parteiras. No Arquivo Histórico da Faculdade de Medicina da Bahia percorremos todo o livro de registro de diplomas, chamado Índice Geral de Graduados, para identificar as parteiras diplomadas por aquela instituição, bem como as que ali estiveram para revalidação do diploma. Todavia o maior esforço de pesquisa concentrou-se nas páginas dos periódicos leigos e especializados - 135 - por considerarmos que esse suporte seria bastante elucidativo sobre a trajetória profissional das parteiras e dos médicos. Qual não foi a nossa surpresa ao constatar que, ao contrário de outras capitais do Brasil oitocentista, as parteiras baianas pouco anunciaram nesse veículo, especificidade que discutiremos ao longo do texto.
  • 6
    Foi o caso da francesa Louise Bourgeois, esposa de um barbeiro-cirurgião do exército francês, que leu as obras de Ambroise Paré e, após cinco anos atendendo mulheres pobres e de classe média, solicitou exame para obtenção de licença para exercer sua arte (Sheridan, 2001, p.145-147). O mesmo ocorreu com Sarah Stone (1737, p.XV), que declarou ter visto dissecações de cadáveres femininos e leu livros de anatomia.
  • 7
    Para o Brasil, ver o trabalho de Barreto, 2000, Martins, 2004, Mott, 1998 e Marques, 2005.
  • 8
    Nas Idades Média e Moderna, as formas de cura religiosa foram praticadas predominantemente por mulheres. Parteiras famosas como Luisa Rosado e Louise Bourgeois respaldaram seu ofício com a invocação divina (Cabré, Ortiz, 2001; Ortiz, 1993). Gianna Pomata (2001) estudou as monjas taumatúrgicas italianas, com destaque para Caterina Vigri.
  • 9
    Na Espanha do século XVIII, as parteiras recebiam menos que os médicos e os cirurgiões (Ortiz, 1993). E, no sul da Alemanha, ao longo dos séculos XVI e XVII, elas ganhavam menos que os cirurgiões e farmacêuticos, o que as impossibilitava de viver do seu salário (Wiesner, 1993).
  • 10
    De um extremo ao outro, temos os exemplos das parteiras do sul da Alemanha e da França. As primeiras foram funcionárias municipais de menor escalão, ou diaristas, e não ganhavam o suficiente para prover o sustento da família, mantendo-se portanto na dependência dos seus maridos ou do poder público (Wiesner, 1993). Já na França, a funcionária pública Mme. Du Coudray angariou fama, prestígio e fortuna com o ofício de parteira e professora (Gelbart, 1993).
  • 11
    Segundo Doreen Evenden (1993), muitas mulheres chegavam às parteiras a partir das indicações obtidas por seus maridos, que ouviam, no ambiente de trabalho, alusão à competência de determinada comadre.
  • 12
    Sobre as parteiras como grupo profissional, suas atribuições e responsabilidades e a inserção das mesmas no mercado de trabalho nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, entre 1830 e 1930, ver o artigo de Maria Lúcia Mott (2005).
  • 13
    Sobre a Fisicatura-mor, ver artigo de Tânia Salgado Pimenta (1998).
  • 14
    Em Portugal, a partir do início do século XVIII já era possível localizar uma literatura escrita em língua vernácula que tratava de anatomia feminina, partos e doenças de mulheres, destinada à ilustração das parteiras e dos cirurgiões. Eram os manuais de obstetrícia produzidos pelo médico Domingos de Lima e Mello (1725), pelos cirurgiões Manoel José Affonso e José Francisco de Mello (1772), assim como a tradução da obra dos franceses Joseph Raulin (1772) e Jean Louis Baudelocque (1785). Outros manuais foram publicados ao longo do Oitocentos e tiveram repercussão no Brasil. Teresa Ortiz (1993) identificou o livro do médico Antonio Medina, publicado em Madri, em 1750, cujo objetivo era auxiliar as parteiras a se prepararem para o exame do Protomedicato.
  • 15
    Maria Lúcia Mott (2005) identificou conflito, no século XIX, entre essas diversas categorias de parteiras em São Paulo e Rio de Janeiro.
  • 16
    As questões eram: Que condições devem ter o sangrador para ser perfeito? Que coisa é a arte de sangrar? Que coisa é sangria? Quantas são as partes e veias que se sangram no corpo humano? Quais são as partes e veias que se sangram na cabeça? Quais são as partes e veias que se sangram no braço? Quais são as partes e veias que se sangram na mão? Que humores se evacuam pela sangria? Que coisa é artéria e como se a conhece? Que coisa é nervo e como se o conhece? Que coisa é veia? De quantas túnicas se compõem as veias? Em que se diferencia a artéria da veia? Como se há de procurar a veia para sangrar? Se não se pode achar a veia que o médico manda sangrar, ou ela não pode ser picada por estar junta a artéria, nervo etc., o que se fará? Em quais casos poderá o sangrador sangrar sem ordem do médico? Como se sangram as veias dos pés? Que coisa é ventosa? Quais são as partes mais comuns onde se usam as ventosas secas? Em quanto tempo estarão fixadas as ventosas? Como se fazem as sarjas com ventosas? Que coisas são sanguessugas? Em quais partes se aplicam as sanguessugas? Quantas sanguessugas se aplicam? (Miranda, 1745).
  • 17
    Sobre esse caso, ver o artigo de Tereza Ortiz (2001).
  • 18
    Sobre o curso de parteiras oferecido pela Universidade Real de Cirurgia de Barcelona, ver Ortiz (1993).
  • 19
    Refiro-me ao projeto do franco-brasileiro Le Masson e ao da parteira Mme. Berthout. Para mais detalhes, ver Brenes, 1996 e Magalhães, 1922.
  • 20
    Sobre esta questão, ver o artigo de Beauvalet-Boutouyrie (2002).
  • 21
    A chegada da corte ao Brasil em 1808 provocou alterações políticas, culturais, econômicas e científicas. Entre as medidas tomadas pelo príncipe regente, estava a fundação das Escolas Cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro, através da Carta Régia de 18 de fevereiro de 1808. A escola baiana começou a funcionar no Colégio dos Jesuítas, à época ocupado pelo Hospital Militar. Em 29 de dezembro de 1815 o ensino médico sofreu sua primeira reforma, e a Escola de Cirurgia passou a se chamar Academia Médico-Cirúrgica. Em 3 de outubro de 1832 foi pela segunda vez reformada, transformando-se em Faculdade de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Sobre as reformas do ensino médico, ver Edler, 1992.
  • 22
    Actos do Poder Legislativo de 1832, lei de 3 de outubro de 1832, art. 22, p.92-93. Ver também Aragão, 1923, p. 31.
  • 23
    Entre 1832 e 1876 a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro diplomou 13 parteiras. Sobre o assunto, ver Mott, 1998.
  • 24
    Recentes estudos historiográficos mostram as mulheres baianas, de diversas camadas sociais, vivenciando e experimentando práticas educativas e defendendo projetos educacionais. Sobre o assunto, ver Leite, 2005 e Rago, 2007.
  • 25
    Sobre essa questão, ver os trabalhos de Flavio Edler, 1999, 2002, Peard, 1999 e Coni, 1952.
  • 26
    A documentação administrativa muito elucida aspectos relacionados às solicitantes, aos examinadores e ao aparato jurídico. Quanto às candidatas, revela de cada uma a sua nacionalidade, cor e estatuto jurídico (livre, escrava ou forra) e matrimonial.
  • 27
    A Junta do Protomedicato funcionou entre 1782 e 1808 com a função de examinar e fiscalizar os práticos, ou seja, aqueles que não possuíam formação acadêmica.
  • 28
    Sobre os manuais de obstetrícia em língua portuguesa no século XIX, ver Barreto, 2007.
  • 29
    No contexto escravocrata brasileiro, denominava-se 'crioulo' o escravo nascido no Brasil e 'forro' aquele que havia conquistado a carta de alforria ou carta de liberdade.
  • 30
    A documentação da Fisicatura-mor existente no Arquivo Nacional demonstra que muitos senhores buscaram regulamentar o ofício de seus escravos. Sobre a presença de escravos barbeiros, sangradores e curandeiros na primeira metade do século XIX, ver Pimenta, 1998.
  • 31
    Chamam-se 'escravos(as) de ganho' aqueles(as) que trabalhavam na rua, ou entre a casa e a rua. Movimentavam a complexa rede de serviços na cidade de Salvador, através do transporte de pessoas e mercadorias, da venda de gêneros alimentícios e dos ofícios de alfaiate, sapateiro, ama-de-leite, barbeiro, sangrador, entre outros. Sobre o assunto, ver Reis, 1993 e Mattoso, 2004.
  • 32
    Doença que apresentava os seguintes sintomas: perda gradual da capacidade intelectual, da sensação, do movimento, diminuição da memória, dificuldade no falar, dores de cabeça e, nos casos mais graves, a paralisia geral (Chernoviz, 1878).
  • 33
    A terminologia 'pardo' designava o indivíduo que oscilava para o mulato. Classicamente se traduz como descendente de pai europeu e mãe africana (Azevedo, 1996).
  • 34
    O processo de validação do diploma de Mathilde Bertelli começou em março de 1900 e foi concluído no ano seguinte (Livro de verificação...1896-1910, p. 10, verso).
  • 35
    Centro comercial.
  • 36
    O endereço apresentado pelos jornais e almanaques era o local onde a parteira poderia ser encontrada. A documentação não nos permite inferir se elas recebiam parturientes em suas casas, contudo é provável que mantivessem um quarto para ser usado em momentos de emergência ou para garantir o anonimato da mulher grávida.
  • 37
    Em São Paulo e no Rio de Janeiro as parteiras costumavam usar outros títulos em seus anúncios, tais como
    madame,
    veuve ou viúva (Mott, 2005).
  • 38
    A folclorista Hildegardes Vianna (1988) trabalhou com inúmeras parteiras da cidade de Salvador e do interior da Bahia na primeira metade do século XX. Ela traçou o perfil profissional dessas mulheres, bem como suas reações perante a medicina acadêmica. Hildegardes nos revela que nos quesitos gravidez e parto as parteiras eram as depositárias do saber, e só perderam terreno quando o assunto era 'cuidado com as crianças'.
  • 39
    Sobre o Hospital da Misericórdia e seu funcionamento, ver Barreto, 2005.
  • 40
    Sobre esse assunto, ver o trabalho de Leite (2005).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      Out 2008
    • Recebido
      Maio 2007
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