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'Moças e senhoras dentistas': formação, titulação e mercado de trabalho nas primeiras décadas da República

'Young women and lady dentists': training, degrees, and the market in the first decades of the Republic

Resumos

Desde a década de 1980, as faculdades de odontologia no Brasil têm formado mais mulheres do que homens. Poucas páginas, porém, foram escritas sobre a história do acesso das mulheres a essa profissão. Este artigo tem por objetivos fornecer subsídios para a análise da formação e inserção profissional das dentistas no Brasil nos primeiros anos da República; discutir a relação entre as transformações da profissão, as políticas de saúde e o sistema de gênero no período; contribuir para a discussão sobre a feminização da profissão. Foram utilizados como fontes textos publicados na imprensa (jornais e revistas) e em periódicos especializados das áreas odontológica, farmacêutica e médica, bem como documentos que integram arquivos de diversos órgãos do governo e de universidades paulistas.

história da odontologia; memória, gênero e saúde; mulheres e odontologia; Brasil


Since the 1980s, more women than men have graduated from Brazil's dentistry schools, yet little has been written about women's access to the profession. This article provides background information useful in analyzing the training and professional roles of women dentists in Brazil during the first years of the Republic; discusses the relation between changes in the profession, health policies, and the gender system during that period; and contributes to the discussion on the feminization of the profession. The article is part of a broader project investigating training, professional roles, and the labor market in the health field in São Paulo. Sources include articles published in newspapers, magazines, and specialized journals devoted to dentistry, pharmacy, and medicine, along with government and university records covering the years 1892 through 1926.

history of dentistry; history of health workers; memory, gender, and health; women and dentistry; Brazil


ANÁLISE

'Moças e senhoras dentistas': formação, titulação e mercado de trabalho nas primeiras décadas da República

'Young women and lady dentists': training, degrees, and the market in the first decades of the Republic

Maria Lucia MottI; Olga Sofia Fabergé AlvesII; Maria Aparecida MunizIII; Luiz Vicente Souza MartinoIV; Ana Paula Ferreira SantosV; Karla MaestriniVI

IInstituto de Saúde / Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Rua Oscar Freire, 1360/61 - 05409-010 São Paulo - SP Brasil. cucamott@uol.com.br

IIInstituto de Saúde / Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Rua Ricardo Vilela, 300 - Mogi das Cruzes -SP Brasil - Caixa Postal 28008710-971. olga@isaude.sp.gov.br

IIIInstituto de Saúde / Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Rua Azevedo Jr. 143/33 - 03040-020 São Paulo-SP Brasil. cidamuniz@isaude.sp.gov.br

IVInstituto de Saúde / Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Rua Fiação da Saúde, 260, bloco C-3, apto 68 - 04144-020 São Paulo - SP Brasil. lvsmartino@ig.com.br

VInstituto de Saúde / Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Rua Liestal, 47 - 02442-020 São Paulo-SP Brasil. excorrrde@hotmail.com

VIInstituto de Saúde / Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Rua Pedro de Souza Campos Filho, 68 - 05451- 010 São Paulo-SP Brasil. kakysnesquick@msn.com

RESUMO

Desde a década de 1980, as faculdades de odontologia no Brasil têm formado mais mulheres do que homens. Poucas páginas, porém, foram escritas sobre a história do acesso das mulheres a essa profissão. Este artigo tem por objetivos fornecer subsídios para a análise da formação e inserção profissional das dentistas no Brasil nos primeiros anos da República; discutir a relação entre as transformações da profissão, as políticas de saúde e o sistema de gênero no período; contribuir para a discussão sobre a feminização da profissão. Foram utilizados como fontes textos publicados na imprensa (jornais e revistas) e em periódicos especializados das áreas odontológica, farmacêutica e médica, bem como documentos que integram arquivos de diversos órgãos do governo e de universidades paulistas.

Palavras-chave: história da odontologia; memória, gênero e saúde; mulheres e odontologia; Brasil.

ABSTRACT

Since the 1980s, more women than men have graduated from Brazil's dentistry schools, yet little has been written about women's access to the profession. This article provides background information useful in analyzing the training and professional roles of women dentists in Brazil during the first years of the Republic; discusses the relation between changes in the profession, health policies, and the gender system during that period; and contributes to the discussion on the feminization of the profession. The article is part of a broader project investigating training, professional roles, and the labor market in the health field in São Paulo. Sources include articles published in newspapers, magazines, and specialized journals devoted to dentistry, pharmacy, and medicine, along with government and university records covering the years 1892 through 1926.

Keywords: history of dentistry; history of health workers; memory, gender, and health; women and dentistry; Brazil.

Cumprimentos

Fazem anos hoje ... a srta. Odette Luz Silva graduanda em cirurgia-dentária pela Escola de Farmácia de São Paulo...

Diário Popular, 15 set. 1905

Moça cirurgiã-dentista

Precisa-se uma para trabalhar em clínica, das 12 às 19 horas. Cartas por favor ao sr. Ribeiro, nesta folha ou pelo tel. 437 - Braz.

Diário Popular, 24 fev. 1921

As faculdades de odontologia têm formado no Brasil, desde a década de 1980, mais mulheres do que homens, numa crescente feminização da profissão. Em alguns estados brasileiros, como Sergipe, o número de mulheres na área é de mais de 60%. Trabalhos voltados para a educação, a formação e o exercício profissional das brasileiras nas primeiras décadas do século XX, como os de Saffioti (1979), Besse (1999) e Schpun (1997), apontam a farmácia e a odontologia como escolhas profissionais femininas. Saffiotti (1979, p.271), utilizando dados da Estatística Intelectual do Brasil, do Departamento Nacional de Estatística e do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, informa que em 1929 se matricularam no curso de odontologia 680 alunos e 71 alunas, dos quais formaram-se 156 e 13, respectivamente. Besse (1999, p.130), baseando-se no censo de 1940, ressalta que havia então 10.817 dentistas do sexo masculino e 1.225 do sexo feminino no país.

Até o final do Império, o exercício da arte dentária pelo sexo feminino era raro. No Brasil, assim como em outros países, antes da criação de escolas de odontologia a prática das mulheres esteve limitada basicamente à da condição de filhas, esposas e viúvas de dentistas.1 1 Sobre a história da odontologia foram consultados os seguintes trabalhos: Kuhlmann, 2001; Carvalho, 2003, jan.-mar. 2006; Cunha, 1952; Martino, 2003; Rosenthal, 2001; Botazzo, 2000; Machado , 1995; e Schapira, set.-dez. 2003. Diferentes autores mencionam o tratamento de dentes feito por mulheres desde a Antiguidade. A entrada das mulheres em cursos específicos de odontologia data de 1866 (Lucy B. Hobbs, no Ohio College of Dental Surgery, em Cincinnati, EUA). A disseminação do uso dos anestésicos e dos aprimoramentos técnicos, e a conseqüente necessidade de estabelecimentos fixos (gabinetes ou clínicas) possibilitaram o acesso das mulheres das camadas mais favorecidas à profissão, visto que, até meados do século XIX, o ofício estava associado à força 'bruta', ao exercício na rua e à mobilidade espacial (ambulantes que viajavam para várias localidades). Em 1847 a viúva Arson publicava um anúncio oferecendo seus serviços; em 4 de janeiro de 1848, Maria Arthot oferecia pelo Jornal do Commercio "um prodigiosíssimo específico, ultimamente descoberto" para "tirar a dor de dente para sempre" (citado em Renault, 1978, p.52). Em 1853 a viúva F. Beiral e o dentista Augusto divulgavam, no Almanaque Laemmert, que extraíam e chumbavam dente de ouro.

No Brasil, nas últimas duas décadas do século XIX, as mulheres passaram a ter acesso ao ensino superior e cursos específicos foram criados para a formação de dentistas. Se por um lado a institucionalização da odontologia propiciou a entrada de um número maior de mulheres no mercado de trabalho, pois não era mais necessário pertencer a uma família de dentistas para ter acesso à profissão, por outro tal processo teve como conseqüência também a elitização da profissão.2 2 Pelo Almanaque Laemmert podem-se identificar os diferentes tipos de dentistas que atuavam no século XIX. Ao lado de ambulantes, que atendiam nas ruas ou exerciam múltiplos ofícios, como Joaquim José Ferreira, que além de dentista era barbeiro, sangrador e aplicava 'bichas' (1861), anunciam práticos habilitados, médicos especializados na arte dentária, imigrantes diplomados por instituições estrangeiras e habilitados pelas faculdades de medicina e, no final do século, cirurgiões-dentistas formados pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia.

As exigências de exames, de freqüência ao curso (de dois anos) e o pagamento de taxas e mensalidades acabaram por limitar o diploma às camadas mais favorecidas da população, expulsando do mercado paulatinamente os leigos que tinham obtido a profissão com outro praticante e eram, muitas vezes, analfabetos ou afro-descendentes. Cunha (1986), referindo-se à importância social dos diplomas dos cursos superiores nos primeiros anos da República, recupera um trecho do romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, que sugere o status especial adquirido pelos dentistas formados:

Nos intervalos da conversa, todos eles olhavam o novel dentista como se fosse um ente sobrenatural. Para aquela gente toda, Cavalcanti [dentista recém-formado] não era mais um simples homem, era homem e mais alguma coisa sagrada e de essência superior ... a sua substância tinha mudado, era diferente deles e fora ungido de não sei que coisa vagamente fora da natureza terrestre, quase divina. (citado em Cunha, 1986, p.164-165)

Ao se tornar acadêmica, a odontologia se nobilitou. Com o curso obtinha-se, além do direito de exercer a profissão de dentista, uma formação superior, uma especialidade em ciências biológicas e naturais, um passaporte para outros cursos e para outras profissões, um título valorizado que possibilitava o acesso a uma carreira ou a um cargo público de prestígio.

Por que as mulheres decidiram se graduar em odontologia? Qual o espaço conquistado no mercado de trabalho? Qual o perfil social das primeiras dentistas? O que significou, em suas trajetórias de vida, a formação e o título acadêmico? Este artigo busca responder essas questões e fornecer subsídios para o estudo da profissão nas primeiras décadas da República.3 3 Este artigo é recorte do projeto História dos Trabalhadores/as da Saúde em São Paulo (1892-1978), que visa contribuir para a discussão sobre formação, inserção profissional e mercado de trabalho na área da saúde em São Paulo. As fontes utilizadas foram matérias e artigos publicados na imprensa (jornais e revistas) e em periódicos especializados das áreas odontológica, farmacêutica e médica; os Livros do antigo Serviço de Fiscalização Profissional de São Paulo (1892-1925), pertencentes ao acervo do Centro de Memória da Saúde Pública; documentos diversos da Coleção Universidade Livre de São Paulo4 4 Note-se que não se trata da atual Universidade de São Paulo. A Universidade Livre de São Paulo era uma instituição privada, que não teve autorização do governo para funcionar. Iniciou suas atividades em 1911 e encerrou-as aproximadamente em 1917. , depositados no Arquivo do Estado (1912-1917); os livros da seção de alunos, recolhido ao Arquivo da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP), da antiga Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo (1898-1926). O foco cronológico está nas primeiras décadas do século XX, período sobre o qual há poucos estudos.

A institucionalização da odontologia

Na segunda metade do século XIX, o exercício legal da arte dentária, tanto por dentistas brasileiros quanto por estrangeiros, exigia a aprovação em um exame de habilitação realizado apenas pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Rangel Pestana (jan. 1908) assim se referia a essa exigência legal:

Até 1881 os que pretendiam exercer a profissão de dentista praticavam em clínicas particulares e apenas se submetiam perante a Escola de Medicina a um ligeiro exame, sem que lhes fosse exigido um só exame preparatório, ou seja, a mínima instrução secundária. Esse exame que constava da descrição de um dos ossos maxilares e do modo de obturar um dente ou fazer uma dentadura tinha como complemento a extraordinária operação de extração de um dente... em um cadáver! (Pestana, jan. 1908, p.69-70)

O ensino da odontologia no Brasil começou em 1884, após a reforma Sabóia, quando foram criados cursos específicos. Para o exercício da profissão passou-se a exigir um diploma obtido nos cursos recém-criados, ou um exame de revalidação realizado nas referidas faculdades, para brasileiros e estrangeiros que quisessem exercer a profissão no país e tivessem obtido o diploma no exterior.

Para a admissão nos cursos era necessária a aprovação nos exames de português, francês, inglês, aritmética, álgebra e geometria.5 5 Decreto 7247, de 19 de abril de 1879. Atos do Poder Executivo - Império - 1879, p.196-213. O curso, inicialmente ministrado em três anos, foi reduzido para dois anos a partir de 1890. A princípio as disciplinas ministradas eram: química, física, anatomia, histologia, fisiologia e higiene, clínica e prótese dentária. Foram paulatinamente incluídas: patologia, terapêutica dentária, jurisprudência e deontologia dentária. A cerimônia de colação de grau e a assinatura dos diplomas pelos próprios dentistas (símbolos reconhecidos para a constituição de uma identidade profissional) surgiram nesse período. A defesa de tese para a obtenção do título de doutor em odontologia era uma reivindicação feita pelos profissionais, que se efetivou em São Paulo apenas em 1928 (Eyer, 1929).

Com o advento da República e a implantação do regime federalista, os estados tornaram-se responsáveis pela saúde e pela educação. A Constituição de 1891 propunha um sistema de ensino descentralizado, possibilitando a criação de cursos superiores nos estados (Cunha, 1986). Em 1891, a Inspetoria de Higiene de São Paulo desligou-se da administração federal e, em 1892, foi organizado o Serviço Sanitário Paulista. Em 1898 foi criada, na capital, a Escola Livre de Farmácia. No ano seguinte o legislativo estadual aprovou a lei 665, de 6 de setembro de 1899, cujo artigo 4º regulamentou o exercício profissional de parteiras e dentistas práticos: "Enquanto não existirem cursos especiais de arte dentária e partos, poderão exercer livremente a sua profissão os dentistas e parteiras não diplomados que prestarem exame de habilitação perante uma comissão de profissionais diplomados, nomeada pelo diretor".

As exigências para o exame, aprovadas pela Congregação e pelo fiscal do governo, parecem ser bem mais complexas do que as mencionadas por Pestana (jan. 1908). O exame, dividido em três partes, demandava dos candidatos conhecimentos teórico-práticos muito próximos aos requeridos dos diplomados, como noções de anatomia, fisiologia e higiene da boca; patologia e terapêutica; próteses dentárias (até mesmo para correção de defeitos do palato, dos maxilares e da região buconasal). A banca examinadora era composta por um dentista diplomado, designado pelo secretário do Interior, e por três lentes da escola formados em medicina, e tinha como presidente um fiscal do governo.6 6 Segundo Carvalho (2003, p.75): "os dentistas práticos utilizam, além de técnicas semelhantes, os mesmos materiais e o mesmo instrumental consagrado pela prática odontológica formal e se fundamentam nos mesmos livros científicos adotados pelas escolas de odontologia". Os candidatos deveriam pagar taxa, apresentar certidão de vacina e de nascimento, prova de identidade e de idoneidade.7 7 A habilitação não foi bem vista por dentistas diplomados, que temiam a perda de prestígio e reafirmaram o caráter temporário do decreto, pedindo a rápida abertura de curso de odontologia na cidade. Ver Andrade, 15 set. 1901, p.329-331.

A lei estadual 665, já referida, merece destaque, pois a maioria dos estudos sobre a regulação do trabalho dos dentistas diz respeito apenas à legislação federal que regulamentou o exercício dos práticos na década de 1930, desconsiderando a existência de dentistas licenciados em São Paulo durante os primeiros anos da República.

Foram licenciados pela Escola Livre de Farmácia 205 dentistas, dos quais 11 eram do sexo feminino (FOUSP, Livro 239). Desses dentistas, inscreveram-se no Serviço Sanitário, entre 1900 e 1925, 172 homens e nove mulheres.

É evidente a relevância dos licenciados inseridos no mercado de trabalho em São Paulo, antes da formatura da primeira turma da EFOOSP (v. Anexo Anexo ), em 1903 (Gráfico 1). Apenas em 1913 o número total de diplomados se igualou ao de licenciados no estado (a equiparação entre as mulheres licenciadas e as diplomadas ocorreu com alguma antecedência: em 1910 foram identificados 18 registros, dos quais nove eram de profissionais licenciados mediante exame prático).


O exercício dos licenciados estava limitado ao estado de São Paulo, como podemos verificar nos registros:

A Escola Livre de Farmácia, em virtude das provas apresentadas pela candidata Dna. Deolinda Caldeira Begalk, plenamente aprovada, a considera habilitada a exercer livremente a profissão de dentista no território do Estado de São Paulo, de acordo com o artigo 4º da lei nº 665 de 6 de setembro de 1899. Secretaria da Escola de Farmácia de São Paulo, 5 de outubro de 1900 (Livro de Registro de Farmacêuticos, Dentistas e Parteiras, n.1, p.151).

Deolinda Caldeira Begalk foi a primeira dentista inscrita no estado. É possível que alguns(mas) licenciados(as) não fossem 'práticos(as)' no sentido estrito da palavra, mas imigrantes que obtiveram diploma no exterior e preferiram habilitar-se em São Paulo a custear uma viagem ao Rio de Janeiro para revalidar o diploma.8 8 Apesar de licenciada, Deolinda foi aceita, em 1905, como sócia da Associação Odontológica Paulista, que fazia grande campanha contra os 'charlatães' e pela necessidade de formação e diploma para o exercício profissional (SOP, nov. 1905). Entretanto, já a partir de 1908, ela não se encontra na relação dos sócios (mar. 1908).

O primeiro curso de odontologia de São Paulo começou a funcionar em 1902, na Escola Livre de Farmácia. A expansão do ensino foi bastante rápida não só no Estado mas em algumas regiões do Brasil. Foram criadas novas escolas estaduais e livres (particulares), anexas aos cursos de medicina e de farmácia, ou vinculadas a associações de classe.

Essas escolas propunham a formação teórica e prática dos alunos, o que muitas vezes era dificultado pelos custos de instalação de gabinetes dentários ou de locais adequados para o exercício clínico.9 9 Embora muitas disciplinas do curso fossem voltadas para aspectos técnicos da profissão, a documentação sugere que nem todas as escolas tinham os laboratórios e gabinetes necessários. Em 1911, Frederico Eyer foi contratado como professor da clínica odontológica do curso de odontologia da FMRJ e conta que "os alunos mais afortunados conseguiam ser internos do Hospital da Santa Casa, onde havia uma cadeira de operações e cujo serviço era apenas extração ... Lutei desde logo com três embaraços sérios: o número elevado de alunos (90 mais ou menos); falta de espaço, ocupando nossa aula uma saleta, apenas; inexistência absoluta de material operatório, visto existir apenas uma 'cadeira de operações em bom estado e outra quase inutilizada" (Eyer, 1959, p.12-13). A Terceira memória histórica... da EFOOSP, referente aos anos de 1907 e 1908, informa que os gabinetes de prótese dentária e clínica odontológica foram instalados pouco a pouco, após a inauguração do prédio novo, em 1905 (Mello Filho, 1909, p.5). Somente em São Paulo foram criadas, entre 1902 e 1924, dez escolas: duas na capital, a já mencionada EFOOSP (1902) e a da Universidade Livre de São Paulo (1911), que funcionou até 1917; e oito em cidades do interior - Pindamonhangaba (1913), São Carlos (1914), Piracicaba (1915), Mococa (1916), Itapetininga (1921), Jaboticabal (1923), Araraquara (1923) e Ribeirão Preto (1924) (Campos, 1966). Em Minas Gerais também é surpreendente o número de escolas fundadas: Juiz de Fora (1904), Belo Horizonte (1907), Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas (1911), Alfenas (1914); Ouro Fino e Leopoldina (Eyer, 1929).10 10 Não localizamos as datas de fundação das duas últimas escolas. Lembremos que algumas escolas tiveram vida curta. Em 1929, no estado de São Paulo existiam sete delas (Eyer, 1929, p.1). Sobre o tema, ver também Campos, 1966.

Em São Paulo foi instalada, em 1904, a Associação Odontológica Paulista, que editou revista própria. Em 1906 criou-se a Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas. O reconhecimento oficial das escolas, o surgimento de associações de classe e a edição de revistas especializadas para a difusão do conhecimento, a defesa da profissão, a unificação de normas, atitudes e valores de conduta profissional, o auxílio mútuo, a luta contra os charlatães e as mudanças na legislação apontam para a constituição de um ethos profissional e para a conquista de um espaço de autonomia e legitimidade da profissão de dentista diante do Estado e da sociedade.

O acesso das mulheres ao ensino superior e ao mercado de trabalho

Desde o final do século XIX, no Brasil, identifica-se a seguinte situação: de um lado, a defesa, por parte de homens e mulheres, de educação e profissões adquiridas em cursos superiores para o sexo feminino; de outro lado, críticas contundentes.

O médico sanitarista Victor Godinho (31 maio 1906), em discurso pronunciado na EFOOSP, em 1906, "A mulher nas escolas superiores", nota que quando Bráulio Gomes fundou a Escola de Farmácia percebeu, mais do que ninguém, que essa "seria chamada para dar mais algumas profissões nobres às moças brasileiras" (p.202).

Nós bem sabíamos que as senhoras de hoje não se conformam mais com o papel secundário que por tanto tempo tiveram na esfera da intelectualidade, mas estávamos longe de supor que fosse tão acentuada a sede de conhecimentos entre as moças do nosso meio social. A grande freqüência delas é uma das características da Escola de Farmácia de São Paulo. (Godinho, 31 maio 1906, p.202)

O curso de odontologia da EFOOSP recebeu alunas desde a inauguração, em 1902. Entre 1903 e 1926 formaram-se 221 mulheres (19,23% do total de graduados) e 928 homens (v. Tabela 1).11 11 É necessário verificar como foi o movimento em outros estados. Em Florianópolis (Santa Catarina), foi criado o Instituto Politécnico em 1917, e na primeira turma de odontologia matricularam-se quatro alunas e três alunos (Pedro, 1994, p.161).

Em 1911 foi fundada, na capital, a Universidade 'Livre' de São Paulo pelo médico Augusto Ribeiro Guimarães. Era uma escola particular que teve vida efêmera, não foi reconhecida pelo governo federal e cessou suas atividades em 1917 (Cunha, 1986; Silva, abr. 2006; Vieira, 2006). A escola propunha a criação de uma série de cursos (desde o jardim de infância), além de dez faculdades, inclusive as de medicina, farmácia e odontologia. No primeiro ano de funcionamento da universidade , matricularam-se no curso de odontologia 91 alunos: 86 homens e cinco mulheres. Nos anos seguintes, o número de mulheres aumentou, como se pode verificar na Tabela 2.12 12 Escola de Odontologia - Livro de matrículas - 1ª série - Abertura - 29 de fevereiro de 1912. Coleção USP - Arquivo do Estado de São Paulo. Os alunos matriculados no curso de odontologia da antiga Universidade Livre de São Paulo (USP) dispunham de duas policlínicas dentárias gratuitas, onde desenvolviam a prática odontológica a partir da segunda série do curso. Uma delas, no largo do Arouche, possui registros de atendimentos de 1913 e 1914; a outra, localizada na rua José Paulino, parece ter funcionado de 1914 até meados de 1918. As alunas e os alunos atendiam clientes dos dois sexos, adultos e crianças.

Algumas mulheres, além de terem conquistado uma vaga no curso de odontologia, graduaram-se com distinção. Em 1907 a Revista Médica de S. Paulo informava a instituição de um prêmio na EFOOSP para o melhor aluno, que receberia uma medalha de honra e um diploma. O prêmio foi conquistado por Beatriz Affonseca Miranda de Azevedo. Na ocasião, o já citado Victor Godinho, fundador e professor da escola, elogiou a estudante, que tinha feito o curso com "brilhantes notas": Beatriz entrara na escola com "simpatias gerais pelo nome que trazia, mas soube impor-se à admiração dos colegas e à estima dos lentes pelo talento e aplicação". Conclui felicitando-a e "assegurando-lhe uma brilhante carreira clínica", conforme publicado na Revista Médica de S. Paulo, em 15 de janeiro de 1907 (p.17).13 13 Não localizamos a família de Beatriz. Seria ela filha do conhecido médico César Augusto de Miranda Azevedo (1851-1907), um dos divulgadores do darwinismo no Brasil? A formanda pediu a palavra e proferiu um pequeno discurso, agradecendo aos mestres que "a guiaram na senda espinhosa da ciência e a prepararam para dignamente encetar a luta pela vida" (p.18). Confessava estar com sentimentos contraditórios: ao mesmo tempo que via coroados os esforços, a separação dos professores e dos colegas era dolorosa. Falou de harmonia na convivência, camaradagem e criação de vínculos de amizade fraterna na turma de 1906 e terminou dizendo que o prêmio era um estímulo a novos esforços: "Procurarei não desmerecer daqui em diante, trabalhando em prol da ciência e da Pátria" (p.18).

Apesar da preocupação com a formação das mulheres em profissões adquiridas por meio de cursos superiores, o reconhecimento do valor social do trabalho profissional feminino dava os primeiros passos e caminhava num ritmo mais lento. Enquanto a educação era valorizada como fundamental para o exercício do papel de mãe, o trabalho feminino profissional, 'qualificado' e fora da esfera doméstica, não contava com tantos defensores, chamava a atenção e incomodava.14 14 Ver também as crônicas de Lima Barreto (1956) sobre o acesso das mulheres ao serviço público: "A amanuensa"; "Nosso feminismo"; "Feminismo invasor". Temia-se o papel transformador do trabalho remunerado, a desorganização da família e a perda de espaço pelos homens no mercado de trabalho.

No discurso dominante, o trabalho feminino era considerado válido se fosse desem-penhado por mulheres solteiras, se tivesse como fim o suprimento das necessidades do lar e se fosse relacionado a profissões que exigiam qualidades consideradas inatas às mulheres (parteira, professora primária, enfermeira) ou voltadas para a clientela feminina e infantil (medicina, odontologia). As críticas ao trabalho feminino nos veículos de comunicação eram freqüentes. Notícias, muitas vezes irônicas, sobre as primeiras dentistas diplomadas começavam a aparecer em diferentes publicações.15 15 Em Odontologia no Brasil durante o século XX, Rosenthal (2001), citando crônica de Machado de Assis no capítulo "A mulher na odontologia", diz que o escritor se refere a Izabel de Souza Mattos, dentista diplomada. Costa (2004) informa que a crônica de Machado de Assis data de 1878, portanto seria anterior à Lei Leôncio de Carvalho, que permitiu o acesso das mulheres aos cursos superiores. Ver, também, notícia sobre Emma Marie Antoinette Ghèkière publicada no Diário Popular em 8 de junho de 1898.

Em 1909 o dentista Godofredo Barnsley publicou o romance São Paulo no anno 2000, utilizando a ficção para criticar a vida em São Paulo no início do século XX (Del Fiorentino, 1979). O personagem principal, Orécnis (anagrama de 'sincero'), era defensor da educação da mulher e da introdução da educação física nas escolas, crítico ferrenho dos casamentos consangüíneos e do uso do espartilho - que deformava o corpo feminino, impedindo o desenvolvimento físico e a geração de uma prole sadia -, dos vestidos longos usados nas ruas - que varriam os micróbios e conseqüentemente traziam as doenças para dentro das casas. O autor não via com bons olhos, entretanto, o trabalho das mulheres fora do lar.

Independentemente das objeções ao seu exercício profissional, as mulheres já estavam no mercado de trabalho. Apesar de alertar os leitores sobre os riscos do trabalho feminino, como a desorganização da família, Barnsley convivia na Associação Odontológica Paulista com colegas de profissão do outro sexo. Ao ser criada, em 1904, a Associação Odontológica Paulista recebeu mulheres dentistas como sócias contribuintes. Logo no primeiro ano de funcionamento inscreveram-se seis mulheres e 78 homens.

Em 1905 Clymene de Andrade, aluna da primeira turma da Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo (diplomada em 1903), foi convidada para fazer uma conferência, publicada na revista da associação juntamente com sua foto. O texto de Clymene, em tom coloquial, traz um histórico da profissão, discorre sobre as principais descobertas, a imagem profissional, o estado da arte e as competências, e finaliza com uma reflexão sobre o exercício da odontologia 'pela mulher' (Andrade, fev. 1906).

A jovem dentista - na época com pouco mais de vinte anos - destacou que muitos combatiam a invasão do sexo feminino em certas atribuições. Usava-se como argumento a favor da exclusão a existência de profissões incompatíveis com a natureza psicofisiológica do sexo feminino. Clymene, como várias outras mulheres do período, reproduzindo o discurso essencialista dominante para justificar a incorporação do sexo feminino em atividades anteriormente restritas aos homens, dizia que no seu "frágil modo de julgar", tanto na medicina quanto na odontologia a mulher poderia mostrar melhor as suas aptidões naturais: amor inato ao próximo, timidez e habilidades manuais. Longe do "bulício mundano", a mulher dentista poderia trabalhar no gabinete "entre quatro paredes" (Andrade, fev. 1906).

Tomemos, por exemplo, uma dentadura de qualquer espécie: - De que depende esse trabalho? De força? Por certo que não, depende de paciência e gosto, principalmente na parte correspondente à escolha dos dentes. Um outro exemplo: - o tratamento dos dentes das crianças. Quem melhor que a mulher, que está mais acostumada a aturar essas irrequietas criaturinhas, achará meios astuciosos e prontos, para execução de trabalhos na boca desses adoráveis manhosos, de que os dentistas tanto se queixam? (Andrade, fev. 1906, p.7, 8)

Para a dentista, a alegada dificuldade de abstração das mulheres ("que irrisão"), cujo foco seria a idéia do casamento - impedindo-a de dedicar toda a atenção necessária ao estudo e tornando-a incapaz de verdadeiro sucesso -, era um ponto de vista tão pueril que não valia a pena ser discutido. Quanto ao argumento de que teria de enfrentar no cotidiano um trabalho fatigante, ela respondia: "Ora - o uso de um órgão é que determina o seu funcionamento. Os homens desde tempos imemoriais são educados para diversas profissões, enquanto as mulheres começaram há poucos anos; e pelo tempo que começaram, parece que não têm sido muito inferiores" (Andrade, fev. 1906, p.9).

O atendimento à clientela do sexo feminino e o tratamento dentário das crianças, defendidos por Andrade como campo de trabalho para as mulheres, foram as especialidades abraçadas por muitas dentistas. Algumas tinham gabinetes próprios, outras dividiam-nos com familiares e colegas. No jornal O País, de 19 de fevereiro de 1909, lê-se:

Dra. Nicoline Baltz, cirurgiã dentista, diplomada no Rio de Janeiro, França e Alemanha, ex-assistente do instituto stomatologico [sic] dos professores Drs. Breitbach e Reese, de Dresden, discípula dos professores Williger, Schroerder e Kapp, de Berlim, participa às Exmas famílias que abriu seu consultório cirúrgico-dentário, aliado ao Instituto de Beauté. Largo da Carioca, Consulta das 10 às 4. Clínica exclusiva para senhoras e crianças.16 16 Nicoline Baltz anunciava em 1914 no Almanaque Laemmert do Distrito Federal, na seção Principais Dentistas do Rio de Janeiro. No anúncio figura como seu assistente Edmundo Baltz, ex-assistente da clínica dentária de Berlim. Ainda pelos anúncios do Almanaque, constata-se que Nicoline teve consultório em Porto Alegre entre 1910 e 1913, tendo retornado em 1914 para o Rio de Janeiro.

Em São Paulo as irmãs Carmela e Vicentina Fiori Wassall anunciavam, no jornal As Novidades, de 1º junho de 1915, a clínica exclusiva para senhoras e crianças, situada na rua Líbero Badaró. 17 17 Elas eram formadas pela Universidade Livre de São Paulo, mas na época atuavam sem registro profissional, aliás como outros colegas de profissão de ambos os sexos, conforme verificado pela confrontação de diferentes fontes.

A preocupação com a saúde das crianças voltava-se também para a boca, considerada porta de entrada de várias doenças, como a tuberculose. A crença na relação direta entre a condição dos dentes e a saúde física e mental - até entre dentição, delinqüência e aproveitamento escolar - motivou dentistas e educadores a iniciar campanhas, implantar serviços, escrever contos infantis pedagógicos, livros educativos para as mães e divulgar a necessidade do uso de escovas de dentes e dentifrícios.18 18 A Revista Odontológica Paulista (ano 4, n.8, mar. 1909, p.211,) publicou nota de G. Barnsley informando: "Uma falta sensível vai ser brevemente sanada com o aparecimento de um trabalho destinado às mães brasileiras, onde elas encontrarão, de maneira simples e elegante, um ensinamento sobre a higiene dentária infantil". São exemplos o concurso Bons Dentes, promovido pela Associação Paulista de Assistência Dentária Escolar, em 1926, e uma seção da revista Vida Doméstica (Freire, 2006, p.211).

O dentista Campos de Oliveira realizou, em 1922, a conferência "Higiene bucal e a escolha racional do dentifrício", na qual conclamava:

Ó mãe brasileira, cuja solicitude é inigualável, dai o condão da vossa graça aos primeiros cuidados de higiene bucal dos vossos filhinhos, e ficai seguras de que, entreabertos os olhos, antes de solicitarem o cavalinho, o velocípede ou a bola vos pedirão todas as manhãs o brinquedo da escovinha de dentes ... Não creio na robustez de uma raça que não tenha bons dentes. (citado em Eyer, 1929, p.40b)

Entre as propostas de implantação de serviços, destacam-se as voltadas para as crianças pobres e para os alunos das escolas públicas.19 19 As políticas públicas voltadas para saúde bucal no período visavam, sobretudo, estabelecimentos mantidos pelo governo, como presídios, polícia civil e escolas. Ver Eyer, 1929 (p.20) e Salgado, 1907. O caminho foi o do convencimento da sociedade civil para endossar projetos e iniciar o atendimento em escolas e entidades filantrópicas. Aos representantes do governo foram pedidas mudanças na legislação para criação e manutenção dos gabinetes.

Frederico Eyer, inspetor geral da Associação Paulista de Assistência Dentária Escolar de São Paulo e grande defensor da prevenção e do tratamento dos dentes das crianças, afirmava que São Paulo teve um papel pioneiro nesse campo.20 20 Segundo Eyer (1929, p.3), a entidade assistencial foi criada em 26 de maio de 1912 por iniciativa de Vieira de Melo, diretor da Inspeção Escolar Paulista (1911 a 1920). Em 1908 a Associação Odontológica Paulista nomeou uma comissão para inspecionar os dentes das crianças que freqüentavam escolas públicas na capital. A partir da década seguinte começaram a funcionar dispensários junto às escolas da capital paulista e do interior do estado, destinados ao tratamento de dentes das crianças pobres e patrocinados por senhoras da elite. Esses dispensários também recebiam dotação pública (os funcionários eram pagos pelo estado), a direção cabia a um cirurgião dentista e o serviço era executado exclusivamente por mulheres (Martino, 2003).

Neste particular, bem mais felizes somos do que a associação que fundou a "Clínica Dentaria Escolar de Strasburgo", pela qual modelamos os nossos dispensários, pois, ali, decorridos alguns anos, é que conseguiram instalação condigna, prestando atualmente serviços dentários gratuitos a 20.000 escolares.

Como em Strasburgo, o serviço clínico dos nossos dispensários será feito exclusivamente por senhoras, sob a direção de um cirurgião-dentista de provada idoneidade, o que mais realça o seu valor, pois serão neles representadas as nossas patrícias que se dedicam à carreira de dentistas, encontrando aí colocação condigna e vasto campo de estudos.

Outra vantagem dessa orientação é que, pela delicadeza do sexo, poderão aquelas senhoras dispensar maior carinho às crianças confiadas a seus cuidados de profissionais e formar, com o pessoal docente feminino, uma só família escolar. (Revista Odontológica Brazileira, 1912, p.237).

A preocupação com a saúde bucal da infância e a conseqüente criação de serviços voltados para esse fim abriram um mercado novo de trabalho para as dentistas em clínicas particulares, escolas e entidades assistenciais. O primeiro dispensário em São Paulo, criado no Grupo Escolar Prudente de Morais em 1912, teve à frente os cirurgiões-dentistas Alfredo Ramalho Bellegarde e José Paulo de Macedo Soares, que eram "auxiliados pelas cirurgiãs-dentistas senhoritas Beatriz Miranda Azevedo e Julieta Rosa Marins" (Revista Odontológica Brazileira, 1912, p.238). Desde então, cirurgiãs dentistas como Joanna Peduto, Maria Nogueira, Andréa Queiroz, Eliza Glória, Etelvina Raposo de Almeida e Maria Leopoldina Martins, além das duas já citadas, trabalharam nos dispensários escolares (Revista Odontológica Brazileira, 1913, p.338).

Em 1932 a Cruzada Pró-Infância abriu um gabinete dentário. O atendimento, feito pela cirurgiã-dentista Aurora Machado Antunes, foi colocado à disposição de estudantes de grupos escolares que não possuíam o serviço e estendido às famílias dos combatentes durante a Revolução de 1932.

Eyer (1929) considerava "afanoso" o trabalho nas escolas (de segunda a sábado, três horas e meia por dia) e a remuneração, nem sequer "medianamente compensadora". Fabio Barretto, deputado federal e secretário do Interior, ao visitar um gabinete dentário disse à dentista encarregada do serviço que as condições de trabalho iriam melhorar (p.13).

A ampliação do campo de trabalho - para além das clínicas particulares e do tratamento de dentes das crianças no serviço público e nas entidades filantrópicas - pode ser percebida na reivindicação feita pela dentista Vera de Andrade, formada em 1903 pela EFOOSP e sócia da Associação Odontológica Paulista. Pouco tempo depois da conferência de sua irmã Clymene, Vera Andrade foi convidada para proferir uma palestra (Andrade, jul. 2006). Na preleção, aponta para a possibilidade de os dentistas atuarem como peritos em questões de foro civil e criminal e em outras questões médico-legais.21 21 Andrade utiliza como exemplo dois casos ocorridos no exterior (Estados Unidos e França), em que a identificação dentária por médicos legistas foi fundamental para a investigação.

A dentista chamava a atenção para a necessidade de registros clínicos dos clientes, prática que na época não era usual, a fim de fornecer elementos para estudo de casos e servir de material para "ilações e comparações preciosas" e para identificação pessoal. Destaca que o dentista - diferentemente do charlatão "inconsciente, cujo único mister consistia no empirismo, aliado à força bruta mais ou menos inábil" - já era considerado "como um dos elementos vitais do grupo social, pelos seus trabalhos puramente clínicos e higiênicos" a bem do indivíduo (Andrade, jul. 2006). Nesse sentido, deveria também ser convocado para perícia, uma vez que a legislação facultava na época, na falta de médico, a escolha de outros profissionais. Em geral eram recrutados farmacêuticos e advogados. Vera Andrade defendia ainda que os dentistas deveriam ser chamados para participar, juntamente com os médicos, de exames pré-nupciais "a bem da procriação de uma raça forte e sadia", pois pelo estado da boca e dos dentes de um indivíduo seria possível levantar "sinais indiscutíveis" sobre a condição de saúde, inclusive sobre a "degenerescência mental".

Outras dentistas foram além da prática rotineira. Emma Marie Antoinette Ghèkière, nascida na Bélgica, formada pela Universidade de Bruxelas e habilitada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1889, foi fazer pós-graduação na Filadélfia, onde obteve o título de doutora. Também realizou viagens de estudos para diferentes países europeus a fim de aprender as últimas novidades da área.22 22 Os Estados Unidos eram, no século XIX e início do XX, um importante centro de formação de dentistas e para lá se dirigiram profissionais brasileiros em busca de especialização. A dentista teve uma longa carreira: anunciou seus serviços de 1909 a 1928 no Almanaque Laemmert da capital federal, tendo, segundo Salles Cunha (1952, p.220-221), exercido a profissão por várias décadas em escolas, hospitais e entidades assistenciais do Rio de Janeiro, como a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital de Nossa Senhora da Saúde. Pelos serviços à Cruz Vermelha Belga foi agraciada, pelo rei Alberto, com a grã-cruz Leopoldo I.23 23 Detaque-se que a trajetória de Emma M.A. Ghèkière tem pontos em comum com a da médica também belga Maria Rennotte, que viveu em São Paulo na mesma época.

Também no Rio de Janeiro trabalhou Isabella Von Sydow (1875-1947), paulista de Cananéia, formada em odontologia em 1889 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e, em 1903, em farmácia (Cunha, 1952, p.220; cf. Brasil, 1940). Em 1904, no concurso para preenchimento de vagas para a Clínica Dentária do dispensário de Moncorvo Filho, a dentista foi convocada para integrar a banca de seleção (O País, 6 mar. 1904).

A dentista e farmacêutica Antonina Batista dos Anjos Casaes, diplomada pela Faculdade de Medicina da Bahia, tinha clínica na famosa rua Chile da capital baiana. Em 1924 anunciava um dos gabinetes mais importantes de cirurgia dentária da Bahia: dispunha de todos os aparelhos americanos mais modernos, movidos à eletricidade, e fazia com rapidez e perfeição todos os trabalhos de prótese dentária: obturações de porcelana, absolutamente iguais à cor dos dentes, resistentes ao máximo da mastigação, obturações de ouro, cimento e platina, bridges, além de extrações dentárias e pulpectomias absolutamente sem dor. Comprometia-se a tratar todas as moléstias da boca e dos dentes, fazer correção de anomalias e desvios dentários, correção dos músculos da face e embelezamento da pele, por meio de aplicações científicas com aparelhos elétricos. Também garantia o tratamento completo de piorréia alveolar.24 24 Anúncio de 1924, sem informações de nome e mês da publicação. Coleção particular Luiz Mott.

Perfil profissional dos dentistas em São Paulo (1900-1925)

Desde os primeiros anos do século XX, São Paulo contou regularmente com o trabalho de mulheres dentistas - início relativamente tardio, se comparado ao que se deu no Rio de Janeiro, onde elas já vinham anunciando seus serviços desde meados do século XIX. Porém a partir de 1900 São Paulo teve um número crescente de profissionais, ultrapassando até mesmo o do Rio de Janeiro, conforme dados dos registros de profissionais publicados pelo Departamento Nacional de Saúde (1940) e inscritos nos Livros de Registro do Serviço de Fiscalização do Exercício Profissional de São Paulo.25 25 Porto Alegre, como se verifica nos anúncios no Almanaque Laemmert, também teve, a partir do início do século XX, um número considerável de dentistas licenciadas e diplomadas atuando no mercado de trabalho.

O livro publicado em 1940 pelo Departamento Nacional de Saúde, referente aos profissionais registrados entre 1892 e 1936, traz nome, categoria profissional e data de registro de médicos, dentistas e farmacêuticos. Já a coleção de Livros de Registro do Serviço de Fiscalização do Exercício Profissional de São Paulo, com um conjunto de aproximadamente 107 livros manuscritos que abrangem um período mais longo (1892-1978), refere-se a um número maior de categorias e traz mais informações: nome, filiação, data e local de nascimento, origem, estado civil (sobretudo das mulheres), formação (militar, religiosa), escola de graduação, datas do diploma, da revalidação e do registro e, em alguns, data de falecimento e mudança de nome por casamento. Porém os dados relativos aos licenciados (práticos) são mais restritos: nome, local e data da licença e do registro.

A maioria das dentistas, tanto licenciadas quanto diplomadas, efetuou o registro logo após a habilitação, o que pode significar que o objetivo da obtenção de licença ou da formação era efetivamente o exercício profissional. A média de idade de inscrição das dentistas diplomadas era de 23 anos; tinham, em geral, no mínimo 18 e no máximo 28 anos, período então considerado ideal para o casamento e a maternidade. Entretanto foram encontrados registros de dentistas com apenas 15 anos, idade inferior à exigida para a matrícula no curso de odontologia. Há também registro de dentistas com idade acima da média, como as formadas pela EFOOSP: Brites Álvares, carioca, formada em 1905, com 32 anos, e Palmyra do Carmo Fiori, que concluiu o curso em 1912, aos 35 anos, mas que somente 12 anos depois, aos 47 anos, solicitou o registro no órgão competente.

Quanto à origem, a maioria das dentistas diplomadas era paulista (70%), sendo identificados sobrenomes de origem francesa, italiana, árabe e anglo-saxã. Quatro dentistas registradas eram estrangeiras, mas formadas no Brasil: uma alemã formada pela Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre e uma argentina, uma portuguesa e uma italiana formadas pela EFOOSP. Não identificamos entre as dentistas, nem entre as farmacêuticas, profissionais diplomadas em cursos no exterior. Diferente é o caso das médicas e, sobretudo, das parteiras habilitadas em seus países de origem, pois o número de registros era considerável.26 26 Entre as diferenças de perfil entre homens e mulheres dentistas devem ser mencionados a nacionalidade e o local de formação. Os registros informam sobre dentistas estrangeiros formados em escolas no exterior, sobretudo nos Estados Unidos, exercendo sua profissão em São Paulo.

Não era raro pessoas de uma mesma família seguirem profissões na área da saúde, fato que corrobora outras pesquisas realizadas no Brasil e no exterior (Corrêa, 1998, p.28; Schraiber, jul.-ago. 1997, p.50; Higby, Gallagher, 1992, p.489-508). Isso pode indicar que muitas famílias tinham mais segurança em mandar suas filhas em dupla para escolas onde a freqüência era majoritariamente masculina. Também se verificou a presença de irmãos e irmãs inscritos em cursos, períodos e escolas distintas, como as irmãs Fraissat, uma dentista e outra farmacêutica. Anna Fraissat apresenta em seu registro o sobrenome Brigagão, família que se destaca nesse período por possuir um número considerável de profissionais na área da saúde. Um deles, Alberto Nunes Brigagão, fundou em 1911 uma escola de odontologia em Silvestre Ferraz, Minas Gerais (Revista Odontológica Paulista, 1911, p.27).27 27 Até o momento não conseguimos analisar a documentação de forma a identificar casais (marido e mulher) com a mesma profissão.

Não só os dentistas diplomados, mas também os licenciados, tinham filhos ou filhas que seguiam a profissão. Amélia Granelli, formada pela EFOOSP, era filha do dentista licenciado Sante Granelli; Vitor Júlio Mallet, dentista licenciado, e a esposa, a farmacêutica Maria Mallet, eram genitores do dentista Emílio Mallet. O número de familiares exercendo a mesma profissão durante gerações sugere a hipótese de que haveria vantagens em diminuir e dividir gastos e tarefas, já que a odontologia requereria um investimento considerável para a instalação e compra de equipamentos e material.

As escolas criadas no estado de São Paulo foram as grandes fornecedoras de mão-de-obra para o mercado de trabalho: a Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo expediu 67 dos diplomas das mulheres que solicitaram o registro profissional, ou seja, 56% do total das 118 diplomadas eram formadas por ela. Essa instituição foi também responsável pela habilitação de todas as dentistas licenciadas, num total de nove. Em segundo lugar está a Escola Livre de Farmácia de Pindamonhangaba, que contribuiu com 27 profissionais diplomadas registradas (22% do total).

Havia transferências para outras escolas no decorrer do curso, sobretudo das alunas que ingressaram na Universidade Livre de São Paulo. Muitas delas buscaram regularizar seus diplomas em outra instituição, como na Escola Livre de Farmácia de Pindamonhangaba. Mas a odontologia não foi nem a primeira, nem a única opção de algumas mulheres. Localizamos dentistas que iniciaram seus estudos em outra área da saúde e solicitaram transferência para a odontologia, assim como profissionais da odontologia que migraram para outras áreas, como a medicina.

Considerações finais

A entrada das mulheres em profissões tradicionalmente masculinas deveu-se a uma série de mudanças sociais, políticas, culturais e econômicas que vinham ocorrendo de forma cada vez mais rápida e acentuada a partir da segunda metade do século XIX. Neste artigo, procuramos trazer para primeiro plano a consolidação da presença das mulheres na odontologia, apontando que esta acompanhou as transformações do conceito de saúde e de doença, a introdução e a implantação de novas tecnologias, a institucionalização das profissões e as mudanças nas políticas de saúde.

Entre o final do século XIX e o início do XX, a doença, a dor e o sofrimento adquiriram um novo significado - passaram a figurar entre os males que deviam ser combatidos e não eram mais vistos como atributos de aperfeiçoamento moral. Ao contrário, as doenças refletiam atraso, falta de cultura e civilização, falta de 'higidez da raça'. A saúde tornou-se um bem de consumo, indispensável para homens e mulheres. Escolas profissionalizantes, associações de classe, serviços públicos, entidades filantrópicas e de auxílio mútuo, consultórios e gabinetes dentários passaram a fazer parte do cotidiano da população e, sobretudo, da paisagem das cidades brasileiras.

A formação profissional, o diploma e, conseqüentemente, a entrada no mercado de trabalho certamente foram os principais motivos que levaram as mulheres a procurar, nos primeiros anos da República, o curso de odontologia. Mas não foram os únicos, uma vez que o número de alunas diplomadas no estado é maior do que o de profissionais registradas no Serviço de Fiscalização do Exercício Profissional de São Paulo.

A historiografia tem ressaltado a importância da criação dos primeiros cursos isolados de odontologia e de farmácia, entre o final do século XIX e o início do XX, por terem se tornado pólos de desenvolvimento de ensino superior e sede de outras escolas, como no caso da medicina. A documentação consultada sugere que esses cursos forneceram para homens e mulheres uma chance única de educação e profissionalização, visto que muitas dessas escolas foram, durante décadas, os únicos estabelecimentos de ensino superior em muitas cidades. Para as mulheres, em especial, é possível que o fato de freqüentar o curso tenha possibilitado a criação de uma importante rede de relações fora da esfera familiar e uma agradável sociabilidade com outras moças e rapazes - diferentemente das dificuldades e preconceitos enfrentados por outras precursoras que foram para cursos de maior prestígio, como os de medicina e direito. Temos como hipótese que as mulheres teriam sido bem-vindas e acolhidas porque muitas delas pertenciam às camadas médias e altas, o que acabava por atribuir status social às escolas e conseqüentemente à profissão, nesse início da institucionalização.28 28 Eneida (Vilas Boas Costa, Morais por casamento) foi aluna do curso de odontologia na década de 1920 em Belém do Pará. Segundo seu biógrafo, aos 16 anos a jovem decidiu requerer maioridade, fez os preparatórios e entrou no curso de odontologia. Pretendia 'se libertar' com o diploma superior. Nos intervalos das aulas estudava datilografia e taquigrafia e escrevia para pequenos jornais e revistas. Os anos de convivência na escola foram de agradável camaradagem com os colegas; ela exercia liderança, tendo sido a oradora da turma. A escritora nunca exerceu a profissão de dentista por falta de temperamento: "Não podia ver sangue" (Leão, 1973, p.13-15). No entanto, como enfrentaram cenas de violência entre os alunos (mencionadas em relatório) por causa dos trotes, ainda não podemos responder (Carvalho, 31 jan. 1906, p.38-39).

A obtenção do diploma possibilitou, para algumas mulheres, o acesso a outras profissões e reivindicações, inclusive o questionamento do sistema de gênero (Hahner, 1994; Azevedo, Ferreira, jul.-dez. 2006) como, por exemplo, a exigência do direito de voto pela dentista e sufragista Izabel de Mattos Souza.29 29 O número reduzido de pesquisas sobre as primeiras mulheres dentistas no Brasil reflete-se em informações e interpretações contraditórias e confunde muitos pesquisadores. Talvez o caso mais evidente seja a biografia de Izabel de Souza Mattos ou de Izabel Dillon, ora consideradas como a mesma pessoa, ora como duas sufragistas contemporâneas. A dentista certamente merece uma biografia. Ver Schumaher et al., 2000, p.280-281; Coelho, 2002, p.146-147; Rosenthal, 2001, p.357; Diário Popular, 3 ago. 1889; A Família, 8 dez. 1888.

Ressaltamos nossa decisão de compartilhar com os leitores detalhes da documentação empírica levantada, em virtude do número reduzido de trabalhos sobre o tema. Optamos também por não apresentar conclusões definitivas de nosso estudo, com o mesmo propósito de motivar novas pesquisas. Verificamos que, se pouco se sabe sobre as primeiras profissionais, menos ainda sabemos sobre a clientela e as outras categorias de trabalhadores que atuavam junto aos dentistas, como atendentes e protéticos.

Os prontuários das duas clínicas em que estagiavam os estudantes da Universidade Livre de São Paulo indicam que as alunas atendiam adultos e crianças dos dois sexos. Porém a documentação até aqui levantada não informa se, quando formadas, as dentistas atendiam apenas mulheres e crianças no trabalho cotidiano. Uma pesquisa nessa direção pode ser profícua para propor novos questionamentos sobre a feminização da profissão no passado e no presente. Pode significar também mudanças importantes de comportamento, seja pelo reconhecimento da competência das dentistas pela clientela masculina, seja pela quebra do tabu da aproximação entre as mulheres das camadas mais favorecidas e os corpos masculinos fora do círculo familiar, seja ainda por apontar uma preocupação diferenciada com a saúde bucal de homens e de mulheres.

Quanto às outras categorias que trabalhavam com os dentistas - atendentes, auxiliares -, são compostas majoritariamente por mulheres, como até hoje. Portanto a crescente preocupação com a saúde bucal, identificada desde o início do século XX, não abriu um campo de trabalho somente para dentistas formadas ou licenciadas, mas também para um grupo significativo de trabalhadoras na saúde, cuja história ainda também está por ser escrita.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a colaboração de Ana Maria da Cunha, José Inácio de Melo Souza, José Fernando da Silva, Luiz Mott, Roselicy da Costa Barbosa e Rute Castro.

NOTAS

Recebido para publicação em setembro de 2007.

Aprovado para publicação em janeiro de 2008.

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  • SCHUMAHER, Shuma; Brasil, Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2000.
  • SILVA, Márcia R. Barros da. Projetos republicanos para a Saúde. BIS - Boletim do Instituto de Saúde, São Paulo, n.38, p.20-23. abr. 2006.
  • SOP. Sociedade Odontológica Paulista. Relação dos sócios. Revista Odontológica Paulista, São Paulo, ano 4, n.3, p.77-79. mar. 1908.
  • SOP. Sociedade Odontológica Paulista. Relação dos sócios. Revista Odontológica Paulista, São Paulo, ano 1, n.4, p.44-46. nov. 1905.
  • VIEIRA, Márcia A. Lima. Mulheres na medicina: construindo espaços na São Paulo do início do século XX. Dissertação (Mestrado) - Universidade São Francisco, São Paulo. 2006.

Anexo

  • 1
    Sobre a história da odontologia foram consultados os seguintes trabalhos: Kuhlmann, 2001; Carvalho, 2003, jan.-mar. 2006; Cunha, 1952; Martino, 2003; Rosenthal, 2001; Botazzo, 2000; Machado , 1995; e Schapira, set.-dez. 2003. Diferentes autores mencionam o tratamento de dentes feito por mulheres desde a Antiguidade. A entrada das mulheres em cursos específicos de odontologia data de 1866 (Lucy B. Hobbs, no Ohio College of Dental Surgery, em Cincinnati, EUA). A disseminação do uso dos anestésicos e dos aprimoramentos técnicos, e a conseqüente necessidade de estabelecimentos fixos (gabinetes ou clínicas) possibilitaram o acesso das mulheres das camadas mais favorecidas à profissão, visto que, até meados do século XIX, o ofício estava associado à força 'bruta', ao exercício na rua e à mobilidade espacial (ambulantes que viajavam para várias localidades).
  • 2
    Pelo Almanaque Laemmert podem-se identificar os diferentes tipos de dentistas que atuavam no século XIX. Ao lado de ambulantes, que atendiam nas ruas ou exerciam múltiplos ofícios, como Joaquim José Ferreira, que além de dentista era barbeiro, sangrador e aplicava 'bichas' (1861), anunciam práticos habilitados, médicos especializados na arte dentária, imigrantes diplomados por instituições estrangeiras e habilitados pelas faculdades de medicina e, no final do século, cirurgiões-dentistas formados pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia.
  • 3
    Este artigo é recorte do projeto História dos Trabalhadores/as da Saúde em São Paulo (1892-1978), que visa contribuir para a discussão sobre formação, inserção profissional e mercado de trabalho na área da saúde em São Paulo.
  • 4
    Note-se que não se trata da atual Universidade de São Paulo. A Universidade Livre de São Paulo era uma instituição privada, que não teve autorização do governo para funcionar. Iniciou suas atividades em 1911 e encerrou-as aproximadamente em 1917.
  • 5
    Decreto 7247, de 19 de abril de 1879. Atos do Poder Executivo - Império - 1879, p.196-213.
  • 6
    Segundo Carvalho (2003, p.75): "os dentistas práticos utilizam, além de técnicas semelhantes, os mesmos materiais e o mesmo instrumental consagrado pela prática odontológica formal e se fundamentam nos mesmos livros científicos adotados pelas escolas de odontologia".
  • 7
    A habilitação não foi bem vista por dentistas diplomados, que temiam a perda de prestígio e reafirmaram o caráter temporário do decreto, pedindo a rápida abertura de curso de odontologia na cidade. Ver Andrade, 15 set. 1901, p.329-331.
  • 8
    Apesar de licenciada, Deolinda foi aceita, em 1905, como sócia da Associação Odontológica Paulista, que fazia grande campanha contra os 'charlatães' e pela necessidade de formação e diploma para o exercício profissional (SOP, nov. 1905). Entretanto, já a partir de 1908, ela não se encontra na relação dos sócios (mar. 1908).
  • 9
    Embora muitas disciplinas do curso fossem voltadas para aspectos técnicos da profissão, a documentação sugere que nem todas as escolas tinham os laboratórios e gabinetes necessários. Em 1911, Frederico Eyer foi contratado como professor da clínica odontológica do curso de odontologia da FMRJ e conta que "os alunos mais afortunados conseguiam ser internos do Hospital da Santa Casa, onde havia uma cadeira de operações e cujo serviço era apenas extração ... Lutei desde logo com três embaraços sérios: o número elevado de alunos (90 mais ou menos); falta de espaço, ocupando nossa aula uma saleta, apenas; inexistência absoluta de material operatório, visto existir apenas uma 'cadeira de operações em bom estado e outra quase inutilizada" (Eyer, 1959, p.12-13). A
    Terceira memória histórica... da EFOOSP, referente aos anos de 1907 e 1908, informa que os gabinetes de prótese dentária e clínica odontológica foram instalados pouco a pouco, após a inauguração do prédio novo, em 1905 (Mello Filho, 1909, p.5).
  • 10
    Não localizamos as datas de fundação das duas últimas escolas. Lembremos que algumas escolas tiveram vida curta. Em 1929, no estado de São Paulo existiam sete delas (Eyer, 1929, p.1). Sobre o tema, ver também Campos, 1966.
  • 11
    É necessário verificar como foi o movimento em outros estados. Em Florianópolis (Santa Catarina), foi criado o Instituto Politécnico em 1917, e na primeira turma de odontologia matricularam-se quatro alunas e três alunos (Pedro, 1994, p.161).
  • 12
    Escola de Odontologia - Livro de matrículas - 1ª série - Abertura - 29 de fevereiro de 1912. Coleção USP - Arquivo do Estado de São Paulo. Os alunos matriculados no curso de odontologia da antiga Universidade Livre de São Paulo (USP) dispunham de duas policlínicas dentárias gratuitas, onde desenvolviam a prática odontológica a partir da segunda série do curso. Uma delas, no largo do Arouche, possui registros de atendimentos de 1913 e 1914; a outra, localizada na rua José Paulino, parece ter funcionado de 1914 até meados de 1918. As alunas e os alunos atendiam clientes dos dois sexos, adultos e crianças.
  • 13
    Não localizamos a família de Beatriz. Seria ela filha do conhecido médico César Augusto de Miranda Azevedo (1851-1907), um dos divulgadores do darwinismo no Brasil?
  • 14
    Ver também as crônicas de Lima Barreto (1956) sobre o acesso das mulheres ao serviço público: "A amanuensa"; "Nosso feminismo"; "Feminismo invasor".
  • 15
    Em
    Odontologia no Brasil durante o século XX, Rosenthal (2001), citando crônica de Machado de Assis no capítulo "A mulher na odontologia", diz que o escritor se refere a Izabel de Souza Mattos, dentista diplomada. Costa (2004) informa que a crônica de Machado de Assis data de 1878, portanto seria anterior à Lei Leôncio de Carvalho, que permitiu o acesso das mulheres aos cursos superiores. Ver, também, notícia sobre Emma Marie Antoinette Ghèkière publicada no
    Diário Popular em 8 de junho de 1898.
  • 16
    Nicoline Baltz anunciava em 1914 no Almanaque Laemmert do Distrito Federal, na seção Principais Dentistas do Rio de Janeiro. No anúncio figura como seu assistente Edmundo Baltz, ex-assistente da clínica dentária de Berlim. Ainda pelos anúncios do Almanaque, constata-se que Nicoline teve consultório em Porto Alegre entre 1910 e 1913, tendo retornado em 1914 para o Rio de Janeiro.
  • 17
    Elas eram formadas pela Universidade Livre de São Paulo, mas na época atuavam sem registro profissional, aliás como outros colegas de profissão de ambos os sexos, conforme verificado pela confrontação de diferentes fontes.
  • 18
    A
    Revista Odontológica Paulista (ano 4, n.8, mar. 1909, p.211,) publicou nota de G. Barnsley informando: "Uma falta sensível vai ser brevemente sanada com o aparecimento de um trabalho destinado às mães brasileiras, onde elas encontrarão, de maneira simples e elegante, um ensinamento sobre a higiene dentária infantil".
  • 19
    As políticas públicas voltadas para saúde bucal no período visavam, sobretudo, estabelecimentos mantidos pelo governo, como presídios, polícia civil e escolas. Ver Eyer, 1929 (p.20) e Salgado, 1907.
  • 20
    Segundo Eyer (1929, p.3), a entidade assistencial foi criada em 26 de maio de 1912 por iniciativa de Vieira de Melo, diretor da Inspeção Escolar Paulista (1911 a 1920).
  • 21
    Andrade utiliza como exemplo dois casos ocorridos no exterior (Estados Unidos e França), em que a identificação dentária por médicos legistas foi fundamental para a investigação.
  • 22
    Os Estados Unidos eram, no século XIX e início do XX, um importante centro de formação de dentistas e para lá se dirigiram profissionais brasileiros em busca de especialização.
  • 23
    Detaque-se que a trajetória de Emma M.A. Ghèkière tem pontos em comum com a da médica também belga Maria Rennotte, que viveu em São Paulo na mesma época.
  • 24
    Anúncio de 1924, sem informações de nome e mês da publicação. Coleção particular Luiz Mott.
  • 25
    Porto Alegre, como se verifica nos anúncios no Almanaque Laemmert, também teve, a partir do início do século XX, um número considerável de dentistas licenciadas e diplomadas atuando no mercado de trabalho.
  • 26
    Entre as diferenças de perfil entre homens e mulheres dentistas devem ser mencionados a nacionalidade e o local de formação. Os registros informam sobre dentistas estrangeiros formados em escolas no exterior, sobretudo nos Estados Unidos, exercendo sua profissão em São Paulo.
  • 27
    Até o momento não conseguimos analisar a documentação de forma a identificar casais (marido e mulher) com a mesma profissão.
  • 28
    Eneida (Vilas Boas Costa, Morais por casamento) foi aluna do curso de odontologia na década de 1920 em Belém do Pará. Segundo seu biógrafo, aos 16 anos a jovem decidiu requerer maioridade, fez os preparatórios e entrou no curso de odontologia. Pretendia 'se libertar' com o diploma superior. Nos intervalos das aulas estudava datilografia e taquigrafia e escrevia para pequenos jornais e revistas. Os anos de convivência na escola foram de agradável camaradagem com os colegas; ela exercia liderança, tendo sido a oradora da turma. A escritora nunca exerceu a profissão de dentista por falta de temperamento: "Não podia ver sangue" (Leão, 1973, p.13-15).
  • 29
    O número reduzido de pesquisas sobre as primeiras mulheres dentistas no Brasil reflete-se em informações e interpretações contraditórias e confunde muitos pesquisadores. Talvez o caso mais evidente seja a biografia de Izabel de Souza Mattos ou de Izabel Dillon, ora consideradas como a mesma pessoa, ora como duas sufragistas contemporâneas. A dentista certamente merece uma biografia. Ver Schumaher et al., 2000, p.280-281; Coelho, 2002, p.146-147; Rosenthal, 2001, p.357; Diário Popular, 3 ago. 1889; A Família, 8 dez. 1888.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      Jan 2008
    • Recebido
      Set 2007
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