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A cerebralização da fadiga: uma análise da hipótese cerebral no caso da síndrome da fadiga crônica

Resumos

Analisam-se algumas condições que permitiram ao cérebro estabelecer-se como hipótese etiológica, no caso da síndrome da fadiga crônica (SFC), junto com outras hipóteses relacionadas a causas orgânicas, como os vírus e a imunidade. Aborda-se, a partir do uso de neuroimageamento para pesquisa e fins diagnósticos, o processo de cerebralização da identidade, segundo o qual o cérebro se constitui como lugar preferencial para a busca de causa das doenças - incluída a SFC - no contexto de uma cultura somática, acirrada no final do século XX.

síndrome da fadiga crônica; sujeito cerebral; neuroimageamento


The article analyzes a number of conditions that allowed the brain to become established as an etiological hypothesis in the case of chronic fatigue syndrome (CFS), together with other hypotheses related to organic causes, such as viruses and immunity. It also addresses the process of cerebralization of personhood, which grew out of the use of neuroimaging for research and diagnostic purposes and according to which the brain constitutes the prime place for looking for the cause of the diseases - including CFS - within the context of a somatic culture, intensified at the end of the twentieth century.

chronic fatigue syndrome; cerebral subject; neuroimaging


ANÁLISE

A cerebralização da fadiga: uma análise da hipótese cerebral no caso da síndrome da fadiga crônica

Francisco OrtegaI; Rafaela ZorzanelliII

IProfessor do Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj). Rua São Francisco Xavier, 524, pavilhão João Lyra Filho, 7º andar, bl. D/E. 20550-900 - Rio de Janeiro - Brasil. fjortega2@gmail.com

IIPós-doutoranda do IMS/Uerj. Rua São Francisco Xavier, 524, Pavilhão João Lyra Filho, 7º andar, bl. D/E. 20550-900 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. rtzorzanelli@hotmail.com

RESUMO

Analisam-se algumas condições que permitiram ao cérebro estabelecer-se como hipótese etiológica, no caso da síndrome da fadiga crônica (SFC), junto com outras hipóteses relacionadas a causas orgânicas, como os vírus e a imunidade. Aborda-se, a partir do uso de neuroimageamento para pesquisa e fins diagnósticos, o processo de cerebralização da identidade, segundo o qual o cérebro se constitui como lugar preferencial para a busca de causa das doenças - incluída a SFC - no contexto de uma cultura somática, acirrada no final do século XX.

Palavras-chave: síndrome da fadiga crônica; sujeito cerebral; neuroimageamento.

A história da síndrome da fadiga crônica (SFC) começou com a publicação, nos anos 1980, de algumas séries de casos clínicos que descreviam doença com sintomas semelhantes aos efeitos retardados de infecção viral, manifestada por fadiga e outros sintomas, em grande parte subjetivos e aparentemente associados a evidências serológicas de infecções prolongadas pelo vírus Epstein-Barr (Wessely, 1989).

A SFC, além de ser considerada uma reatualização da entidade novecentista da neurastenia1 1 A categoria 'neurastenia' surgiu a partir de 1869, inicialmente em solo norte-americano, nos escritos do neurologista George Beard. Atribuía-se aos neurastênicos um funcionamento deficitário do sistema nervoso, supostamente devido a alterações submicroscópicas relativas à nutrição das células do cérebro e, portanto, invisíveis, embora reais. A condição neurastênica era caracterizada por enfraquecimento da força nervosa, com graus diferenciados de severidade. Os sintomas se apresentavam de modo bastante variado, incluindo os gástricos, oculares, ginecológicos e neurológicos. No cerne do quadro estava a exaustão nervosa, caracterizada pela fadiga geral injustificada. Os neurastênicos apresentavam rápida fatigabilidade e demorada recuperação, que não era aliviada pelo sono ou descanso. Paradoxalmente, os sofredores gozavam de boa saúde, eram bem nutridos e apresentavam musculatura bem desenvolvida. , encontra-se situada no cenário mais abrangente das chamadas síndromes funcionais emergentes no final do século XX, tais como a síndrome fibromiálgica, a do intestino irritável, a pré-menstrual, a temporomandibular, a da dor no coração, bem como a cistite intersticial e a sensibilidade química múltipla. No que se refere aos sintomas, de acordo com definição de Fukuda et al. (1994), o diagnóstico de SFC requer a presença de fatiga persistente ou recorrente, com início definido, e, no mínimo, de quatro a oito queixas subjetivas específicas (prejuízo substancial na memória de curto prazo e na concentração, dor de garganta, sensibilidade nos linfonodos cervicais ou axilares, dor muscular, dor nas articulações sem evidência de artrite, dores de cabeça de tipo diferente - em relação ao padrão e à severidade - do que costumeiramente o paciente apresentava antes de ser acometido, sono não restaurador, mal-estar pós-exercício de duração superior a 24 horas). A manifestação dos sintomas deve estar ocorrendo há no mínimo seis meses. Ainda não houve, para a SFC, apesar de sua lista de sintomas, marcador ao qual se pudesse associar sua causa, que é, por isso, considerada um transtorno na(s) função(ões) e não na estrutura do organismo.

Alguns transtornos emergentes no final do século XX têm pontos comuns, o que permite agrupá-los no que Dumit (2000) denomina 'novos transtornos sociomédicos'.2 2 O autor destaca o transtorno de deficit de atenção, a síndrome da fadiga crônica, a síndrome da Guerra do Golfo, a sensibilidade química múltipla e, em menor extensão, o transtorno do estresse pós-traumático, a depressão e a esquizofrenia. A definição desses transtornos passa pelas características explicitadas e também pelo fato de que traz desdobramentos de âmbito médico, social, legal, científico e econômico, configurando uma problemática para aquele que é afligido, mas também para médicos, agências administrativas de seguro em saúde e pesquisadores. Apesar de diferentes entre si, eles se situam no limite entre o mental e o biológico; apresentam causalidade indeterminada; geram debates e disputas jurídicas; e se adota o uso de neuroimageamento - ainda que de modo controverso - na tentativa de produção de objetividade sobre cada uma dessas síndromes. Este último ponto é o que torna mais explícito o lugar do cérebro como hipótese etiológica na SFC.

O fato de a síndrome não ter sua causa identificada dá margem à preponderância de certas hipóteses etiológicas, cuja motivação se localiza principalmente na luta dos pacientes pelo reconhecimento e pela legitimidade de sua doença, com base na busca de fatores orgânicos que possam justificar o quadro - e, no caso dos especialistas, que lhes sirvam para indicar terapêutica eficaz e com valor preditivo para o diagnóstico.

Mais da metade dos estudos sobre a SFC, entre 1980 e 1995, concentrou-se exclusivamente na sua etiologia física, e nos anos seguintes pouca enfâse também foi dada à pesquisa de fatores psicológicos e psiquiátricos (Prins, Van der Meer, Bleijenberg, 2006). As explicações para a fadiga foram procuradas, por exemplo, nas infecções virais, no sistema imunológico, nas respostas neuroendócrinas, em disfunções do sistema nervoso e processos neuro-psicológicos, na estrutura muscular, nos padrões de sono e na constituição genética. Embora muitos estudos tenham apontado irregularidades nos padrões investigados, poucos as encontravam em número significativo de pacientes e as confirmavam por estudos bem controlados.

O cérebro sempre esteve entre as hipóteses etiológicas dos transtornos ligados à fadiga. No caso da neurastenia, era ele que nutria o indivíduo de energia nervosa e, ao mesmo tempo, o órgão que se exauria. Durante a emergência dessa categoria nosológica, nas duas últimas décadas do século XIX, acreditava-se ser a demanda excessiva de energia em certas áreas do corpo (estômago ou órgãos sexuais, por exemplo) que trazia como efeito, a retirada de energia do cérebro e, em consequência, sua exaustão. De modo análogo, também a sobrecarga intelectual (leia-se, cerebral) poderia produzir sintomas em outras partes do organismo, como o sistema digestivo ou reprodutivo.

Na SFC, as hipóteses explicativas reinventam o cérebro como lugar etiológico. Se na neurastenia ele era o órgão da depleção, na SFC é um dos lugares em que se deve procurar a doença, mediante as tecnologias de visualização disponíveis.

A contribuição específica do neuroimageamento para a elucidação do mecanismo etiopatogênico da fadiga começou no final da década de 1990. Muitos dos sintomas relatados na SFC, tais como dificuldade de concentração, atenção e memorização, sugerem o envolvimento do sistema nervoso central (Afari, Buchwald, 2003). Com base nessa suspeita, os pesquisadores têm investigado a relação entre o sistema nervoso central e a SFC fazendo uso de métodos estruturais e funcionais de neuroimageamento. Utilizam, sobretudo, a ressonância magnética (funcional ou não), a tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês) e a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (Spect, na sigla em inglês).

Há, no caso espefíco da SFC, no mínimo dois aspectos centrais em consonância que nos interessam destacar nesta análise dos usos dos métodos de visualização cerebral. O primeiro consiste nas condições que fazem do cérebro hipótese explicativa plausível para os transtornos relacionados à fadiga - que, no caso, se aplicam tanto à neurastenia quanto à SFC, ainda que de modos diferentes. Essas condições dizem respeito ao status peculiar outorgado ao cérebro, no Ocidente, durante o século XIX e acirrado no decorrer do seguinte, como lócus da identidade pessoal, o que é demonstrado pela relevância e aceitação social das hipóteses que o tomam como etiologia de doenças e comportamentos humanos. O segundo é o papel das neuroimagens como fontes poderosas no processo de produção simultânea de objetividade da doença e do paciente. No caso da SFC, o processo de produção da doença carece de objetividade, pois não há marcador somático a que se associe sua causa, sendo os instrumentos imagéticos considerados uma alternativa para reificá-la; quanto ao paciente, é objetificado como doente ou são, o que na linguagem cerebralista significa portador de cérebro saudável ou não. Este artigo se dedica especificamente ao primeiro desses pontos, a partir do exemplo gerado pelo segundo, que é o uso das neuroimagens, embora seja difícil delimitar os limites em que um começa e o outro termina.

A hipótese cerebral nos parece reatualizar o cérebro como lugar etiológico, tal como ocorria inicialmente na neurastenia, ainda que com outra roupagem. Além disso, situa-se em contexto mais amplo de desenvolvimento de estudos neurocientíficos, desde as últimas décadas do século XX, que estendem as investigações do cérebro às perturbações mentais, comportamentais e outras condições além das doenças consideradas neurológicas.3 3 A bibliografia sobre o tema da homogeneização de pesquisas neurológicas e os estudos relativos a comportamentos humanos é vasta, mas sugerimos especificamente Healy, 1999, 2002; Rose 2006, 2007; e Valenstein, 1998. A isso se soma o poder de convencimento das neuroimagens na produção de objetividade científica (Beaulieu, 2001, 2002; Dumit, 2004; Alac, 2004), o que nos interessa abordar.

O primeiro estudo utilizando imageamento por ressonância magnética foi realizado por Buchwald et al. (1992) e relatou anormalidades em 78% dos 144 pacientes nele incluídos, pertencentes à epidemia do lago Tahoe, em Nevada, comparados com 21% de anormalidades nos sujeitos-controle. Cabe destacar que essas alterações foram, em sua maioria, pontos de brilho mais intenso que pareciam anormais, embora não houvesse lesão. Esses pontos são denominados UBOs (unidentified bright objects) e aparecem em uma variedade de doenças e mesmo em sujeitos saudáveis. Os pesquisadores concluíram que podiam estar relacionados a processos inflamatórios no sistema nervoso central, mediados pelo sistema imunológico. Depois desse primeiro estudo, realizaram-se incontáveis outros4 4 Há extensa bibliografia sobre a utilização de métodos de neuroimagem no caso da SFC, bem como é incessante a produção de novos estudos sobre o tema. Para compreender alguns dos caminhos e resultados nesse campo, ver Buchwald et al., 1992; Schwartz et al., 1994; Costa, Tannock, Brostoff, 1995; Greco et al., 1997; Tirelli et al., 1998; Lange et al., 1999; Cook et al., 2001; e Schmaling et al., 2003. , dos quais destacamos aqueles que consideramos exemplares da problemática de que estamos tratando. Um deles é o de Costa, Tannock e Brostoff (1995), que concluiu terem os pacientes com SFC um padrão particular de hipoperfusão do tronco cerebral, e do qual resultou uma imagem conjugando três tipos de cérebros: um normal, um com depressão e o último portador de SFC, com as áreas mais ou menos ativadas em cada um deles.

Costa et al. (1995), por sua vez, propuseram sua pesquisa a partir de um estudo piloto que revelou uma redução disseminada da perfusão regional cerebral no tronco encefálico em 24 pacientes com SFC, comparados com controles saudáveis. A partir daí, investigou-se se a perfusão nesse local, nos pacientes com SFC, diferia dos controles normais, de pacientes com depressão maior e de pacientes com epilepsia. A hipoperfusão no tronco encefálico foi confirmada nos pacientes com SFC, sem transtornos psiquiátricos. Concluiu-se que os pacientes com SFC têm um padrão específico de hipoperfusão do tronco cerebral.

Tirelli et al. (1998) investigaram especificamente o metabolismo cerebral de 18 pacientes afetados pela SFC, sem diagnósticos psiquiátricos associados, por meio de PET scans. Esses pacientes foram comparados com seis outros afetados por depressão, bem como com seis controles saudáveis. As imagens examinaram 22 áreas corticais e subcorticais. Os PET scans mostraram hipometabolismo no córtex mediofrontal direito e no tronco cerebral dos pacientes de SFC, em comparação com controles saudáveis. Quando os pacientes de SFC foram comparados aos de depressão, este último grupo mostrou um severo hipometabolismo bilateral das regiões frontais superiores, ao passo que o metabolismo do tronco encefálico estava normal. O principal achado foi a hipoperfusão do tronco encefálico, considerado por esse grupo de autores, um marcador da SFC.

O impacto das imagens produzidas por esses estudos quase nos leva a crer que a causa da SFC está mesmo ali, onde se pode vê-la em cores primárias, mas tal impressão de realidade merece ser debatida com mais cuidado. Pesquisas centradas na investigação cerebral, como as descritas, apresentam como ponto em comum o uso de imagens cerebrais no intuito de demonstrar o padrão alterado, deixando-o 'inquestionavelmente visível' e centrando-se, como vimos, na investigação de anormalidades e pontos estranhos na matéria cerebral e na perfusão regional do cérebro.

Em geral, anormalidades relacionadas à perfusão cerebral, principalmente nas áreas frontal, parietal, temporal e occipital, têm sido detectadas, sobretudo por Spect, em pacientes fatigados, quando comparados com sujeitos depressivos ou saudáveis. Não tem sido encontrado, entretanto, qualquer padrão de alteração específico e digno de predição diagnóstica. Estudos envolvendo ressonância magnética e Spect demonstram essas anormalidades sutis em casos de SFC, mas a significância funcional e a utilidade clínica desses achados permanecem incertas e ainda aguardam melhor esclarecimento.

A clareza dos tipos cerebrais não é tão evidente quanto quer parecer. A doença e seu progresso são muitas vezes invisíveis em um caso individual e só podem ser apreendidas por meio da comparação de diversos scans. A ênfase é posta então na comparação das variações individuais, para que, desse modo, a suposta essência da doença possa emergir. A reunião de informações sobre as lesões no cérebro leva à construção de um novo objeto, que é a representação em três dimensões de uma doença, e ao mesmo tempo à crença na patologia como algo que se pode concentrar em uma representação visual, objetivamente.

Interessa-nos destacar o modo como as imagens cerebrais e os indícios que elas produzem tendem a funcionar como prova demonstrativa de marcadores biológicos para a doença, como critério objetivo para sua definição, ou como evidência para que se possa relacioná-la a uma patologia. No caso da SFC, trata-se, até o momento, da hipoperfusão do tronco cerebral. As imagens cerebrais produzidas ainda são consideradas incertas, porque realizadas a partir de estudos preliminares, plenas de UBOs (unidentified bright objects) sobre os quais pouco se pode esclarecer, e no entanto são iconicamente usadas como prova da natureza neurobiológica e mesmo como demonstração da causa dessas condições. Além disso, essa imagem final é uma síntese de diversos casos e não o modo como a doença provavelmente aparece em um caso típico. Ainda assim, sustenta-se a ideia de que a essência da doença pode ser visualizada em um scan, bem como as diferenças entre cérebros doentes e saudáveis. A fácil migração desses resultados, provenientes de um campo ainda em progresso, para o diagnóstico e a construção de novas categorias de doença talvez decorra desse poder de persuasão das imagens do cérebro, que não é encontrado em outros testes diagnósticos. O que se vê é um salto em meio aos resultados incontestavelmente incipientes do campo e o tom determinista que seus achados ganham na boca de especialistas, leigos, advogados e pacientes.

A redução da causa da SFC a um possível achado como a hipoperfusão do tronco encefálico ou qualquer outro nos parece, no mínimo, solução insuficiente para a riqueza de variáveis psicossociais que perpassam a doença. Ware e Kleinman (1992) e Wessely, Hotopf e Sharpe (1998) vêm analisando as relações entre o desenvolvimento da síndrome e as alterações do sentido de sucesso profissional, o excesso de comprometimento e o 'excesso-de-atividades-como-estilo-de-vida' dos pacientes, acrescentando dados que compõem um quadro psicossocial de entendimento dessa condição. Esses elementos para os quais os autores chamam a atenção nos forçam a questionar o entendimento da SFC como fenô-meno reduzido apenas aos achados somáticos, como se estes fossem o substrato exclusi-vamente necessário para a configuração do quadro.

Ocupamo-nos, a seguir, de situar o contexto que é condição para a legitimidade dessas explicações reduzidas ao cérebro, e os fundamentos a partir dos quais o cérebro e suas disfunções são considerados hipótese etiológica convincente a respeito dos transtornos ligados especificamente à fadiga e sobre os transtornos mentais de forma geral. Interessa-nos, diante do até aqui exposto, compreender a autoridade adquirida pela hipótese cerebral, partindo da análise do modo como o cérebro se tornou objeto privilegiado de estudo na medicina e como assim se tem sustentado.

Fundamentos do cérebro como hipótese etiológica

A partir de 1980, as neurociências produzem duas mudanças importantes e intimamente inter-relacionadas, com influências diretas sobre a compreensão das relações entre físico e mental, tais como a inclusão dos comportamentos sociais e morais em seu campo de pesquisa e o desenvolvimento de tendência a homogeneizar a abordagem das doenças neurológicas e mentais. Pode-se observar, a partir daí, uma subdivisão no projeto de tal campo em 'programa fraco' e 'programa forte' (Ehrenberg, 2004). O primeiro visa, entre outros aspectos, à previsão de doenças neurológicas como Parkinson e Alzheimer e ao progresso em seu tratamento, por meio da descoberta de aspectos neuropatológicos. O programa forte, por sua vez, identificaria, em termos fisiológicos, o conhecimento do cérebro com o conhecimento de si, fusionando, no plano clínico, neurologia e psiquiatria. Deste segundo ponto decorre o fato de as psicopatologias passarem paulatinamente a ser tratadas como neuropatologias, o que gera a expectativa coletiva de viabilizar a ação sobre a máquina cerebral, aumentando sua capacidade de performance e tratando indistintamente suas moléstias mentais ou neurológicas.

O deslocamento do chamado programa fraco para o forte é bem ilustrado pelos estudos que investigaram o modo como a imprensa escrita apresentou as pesquisas utilizando imageamento por ressonância magnética funcional, entre 1994 (quando nenhum artigo era encontrado) e 2004. O número de pesquisas a utilizar essa tecnologia na abordagem de assuntos relevantes nas ciências humanas aumentou assombrosamente na década de 1990 (Racine, Bar-Ilan, Illes, 2005, 2006; Illes, Kirschen, Gabrieli, 2003), trazendo à tona temas como culpa, vergonha, religiosidade e cujos resultados contribuem para a transformação das ideias e práticas nos campos moral, legal, social, político, entre outros.

A tendência forte das neurociências elege como foco privilegiado um polo da pro-blemática relação mente/corpo, que é sem dúvida o último, representado de forma ainda mais restrita pelo cérebro. Os avanços nas técnicas de neuroimagem e da biologia celular têm impulsionado essa visão e contribuído para esse processo, já que nunca se obteve tanto acesso ao funcionamento cerebral como se possui atualmente, mediante técnicas como a tomografia de ressonância magnética e a tomografia por emissão de pósitrons. Hoje, passados alguns anos da declarada década do cérebro, dela ainda não saímos, pois a comunidade científica empreende seus esforços na direção de desvelar os segredos da mente no cérebro aplicando essa ideia aos transtornos com traços comportamentais ou não, indiscriminadamente.

É importante, contudo, atentar para a ironia histórica que vivenciamos ao atravessar um momento de tantas esperanças reducionistas, mas também de tamanho criticismo em relação a esses pressupostos. De modo contínuo presumimos causações somáticas para os comportamentos, ainda que, simultaneamente, estejamos mais reflexivos, críticos e relati-vistas em nossa abordagem das classificações das doenças e das modalidades terapêuticas. Segundo Rosenberg (2006, p.417): "Nunca estivemos tão conscientes da arbitrariedade e da característica forjada dos diagnósticos terapêuticos, ainda que, em era caracterizada pelo aumentado gerenciamento burocrático do cuidado com a saúde e pelo reducionismo disseminado das explicações do comportamento normal e patológico, nunca tenhamos estado tão dependentes deles".5 5 Nesta e nas demais citações em outros idiomas, a tradução é livre.

Um ponto a enfatizar no desenvolvimento das neurociências diz respeito ao fato de a adesão que ela tem recebido não ser proporcional a alguma inovação ou descoberta defi-nitiva do campo. Assim, o processo de cerebralização da identidade não é resultado do progresso científico, de avanços definitivos no conhecimento da estrutura e do funciona-mento do cérebro, ou de grandes descobertas sobre as quais se tenha edificado um lugar de autoridade para o cérebro (Hagner, Borck, 2001). Isso não significa que o desenvolvimento desse campo não tenha relação com o alcance a que chegaram as técnicas de visualização, visto ser inegável que o acesso visual e não intervencionista sobre o cérebro aumentou a cota de conhecimento a seu respeito e a ilusão de controle sobre seus processos. Destaca-se aqui que a legitimidade do cérebro como ator social e polo de convergência de explicações socialmente disponíveis sobre as doenças não ocorreu devido exclusivamente a esses avanços, situando-se no tecido social não restrito ao saber médico. Talvez seja precisamente o contrário: a pesquisa e o avanço das técnicas de neuroimageamento têm alcançado grande desenvolvimento porque ocupam lugar privilegiado de interesse na comunidade científica, onde brotam respostas consideradas plausíveis para muitos dos dilemas debatidos no campo da saúde. É porque se sustentam em um solo de cultura somática e de cerebralização das explicações médicas que a essas técnicas se endereçam perguntas sobre a essência de certas doenças. Os métodos de neuroimageamento sofisticaram o discurso da cerebralização da identidade, dando-lhe estofo e propulsão. Nesse contexto, é necessário compreender o modo pelo qual o cérebro tem funcionado como explicação considerada suficiente, socialmente dotada de poder de convencimento e, por consequência, como fator etiológico para transtornos sociomédicos. Que forças, então, sustentam o sentido do programa forte?

Primeiramente, é preciso destacar o contexto da compreensão de processos de saúde e doença como disfunções exclusivamente somáticas, que vêm transformando nosso sentimento de identidade. O sentido de nós mesmos como indivíduos psicológicos, habitados por espaço interno, formados pela biografia e pela experiência como fonte de individualidade e lugar de nossos descontentamentos vem sofrendo processo de somatização segundo o qual tendemos a definir aspectos-chave da subjetividade em termos corporais, tendo como parâmetro a concepção biomédica de corpo. Essa tendência é bem ilustrada pelo surgimento recente de termos que remetem a esse processo de somatização da experiência subjetiva - bioidentidade (Ortega, Vidal, 2007), biossociabilidade (Rabinow, 1996) ou individualidade somática (Novas, Rose, 2000), por exemplo. Essa individualidade somática se expressa pela codificação de medos e esperanças em termos de um corpo biomédico e pela tentativa de reformá-lo, curá-lo ou aperfeiçoá-lo, agindo sobre ele pela utilização de manancial (psico)farmacológico.

Da metade do século XX em diante, temos apelado cada vez mais intensamente para explicações que enfatizam características biológicas dos transtornos mentais e, de forma mais genérica, dos comportamentos humanos. Passamos a falar sobre nós e agir uns com os outros pressupondo que nossas características sejam preponderantemente formatadas pela biologia. Nosso humor, nossos desejos, nossas condutas e personalidades são pensados como configuração neuroquímica particular, que pode ser moderada ou modulada pela ação sobre a química cerebral. Esse processo é descrito por Rose (2006, 2003), que denomina neurochemical selves os indivíduos que emergem como resultado desse processo e que compreendem suas tristezas e agruras como desequilíbrios químicos cerebrais, tratáveis por drogas que restauram o equilíbrio perdido.

A distinção estabelecida, a partir do final do século XIX, entre o sujeito da neurologia, cujo sintoma está em algum ponto de seu sistema nervoso - a sua revelia -, e o sujeito falante da psicopatologia, da psiquiatria e da psicanálise, cujo sintoma lhe é singular, vem sendo apagada em prol de explicações que equacionam o sujeito falante e o sujeito somático e, em casos mais específicos, o sujeito cerebral. Lesões cerebrais e deficits neuroquímicos passam a ser os verdadeiros atores das patologias, e a experiência pessoal torna-se derivação fosca, desencarnada e acessória de processos bioquímicos moleculares.

É nesse contexto de cultura somática cada vez mais acirrada que se desenvolve o processo de cerebralização da identidade ou, em outras palavras, a construção da ideia de que o cérebro e seu funcionamento definem as propriedades pessoais dos seres humanos. Ao longo do século XIX, o cérebro ganhou o lugar da alma como órgão definidor da identidade (Hagner, 1997). Poucos fenômenos, no campo das ciências da vida, exerceram fascínio tão forte e contínuo como o cérebro e suas funções. Sua transformação em órgão da alma traz como consequência o fato de a pesquisa das funções mentais, lidas a partir do funcio-namento cerebral, ser uma das pedras angulares da pesquisa neurocientífica. A ênfase no cérebro para compreender a mente tem constituído a dobradiça entre as duas substâncias - mente e corpo -, ou o ponto em que, supostamente, os processos psíquicos e físicos se transformam um no outro.

A esse respeito, Changeux (1985, p.274) argumenta - a partir de seu olhar de entusiasta da redução entre fenômenos físicos e psicológicos - que "[a] identificação de acontecimentos mentais com acontecimentos físicos nunca se apresenta como uma tomada de posição ideológica, mas simplesmente como a mais lógica e principalmente mais frutuosa hipótese de trabalho". O autor chama a atenção para o que considera a anulação das teorias vitalistas pelas constatações da biologia molecular. Assim, é de esperar, segundo ele, que o mesmo aconteça às teses espiritualistas e, por que não incluir, segundo o raciocínio do autor, as teses psicológicas e psicanalíticas, já que, em sua opinião (p.275), "a separação entre atividades mentais e neuronais não se justifica ... . A identidade entre estados mentais e estados fisiológicos ou físico-químicos do cérebro impõe-se com toda a legitimidade". Há, portanto, no programa forte das neurociências, uma aspiração a oferecer, aos transtornos funcionais, o substrato orgânico que ainda não foi desvelado. A posição desse autor encontra ressonância nas pesquisas mais recentes relacionadas à busca de correlatos neurais para a experiência subjetiva (Crick, 1994; Crick, Koch, 1990), cujos objetivos ultrapassam as pesquisas neurocientíficas e têm levado à constituição de campo denominado neurofilosofia (Churchland,1986).

Já desde o século XVIII, o cérebro vem lentamente assumindo papel de destaque na formação da identidade pessoal e de seu substrato exclusivo (Vidal, 2005). Esse processo está em marcha desde o desenvolvimento das primeiras pesquisas frenológicas, mas, ao menos no Ocidente industrializado, desenvolveu-se mais acirradamente a partir da segunda metade do século XX, fazendo emergir o que se denomina 'sujeito cerebral' ou 'cerebralidade' (Ehrenberg, 2004; Ortega, Vidal; 2007; Ortega, 2008; Vidal, 2005, 2009) a um conjunto de práticas, discursos, formas de pensar acerca de si e do outro, sobre saúde e doença, que tomam como base a ideia de que o cérebro é o órgão exclusivamente necessário para construir nossa identidade saudável ou doente.

O sujeito cerebral não existe como entidade autônoma que tem efeitos sobre as coisas. São as manifestações (teóricas, práticas e visuais) que permitem postulá-lo como uma visão de ser humano a partir da qual se desdobram práticas de si. Duas áreas são consideradas paradigmáticas para seu desenvolvimento: os debates sobre a definição de morte cerebral e o uso dos scans cerebrais no estabelecimento de correlatos neurais de experiências, comportamentos e doenças. O processo de cerebralização tem desdobramentos dentro e fora dos campos filosófico, psicológico e neurocientífico, e é condição de emergência de projetos de articulação das neurociências com áreas das ciências humanas que as reformulam à luz do conhecimento sobre o cérebro, tais como a neuropsicanálise, neuroeducação, neurodidática, neuroteologia, e para a atual aplicação das pesquisas neurocientíficas ao campo dos transtornos mentais.

Certamente o sujeito cerebral não é a única figura antropológica com origens nas ciências naturais, haja vista a genética, que inspirou várias formas de essencialismos orgânicos, e a imunologia, definida como a ciência da discriminação self/non-self. A narrativa que compete mais diretamente com o sujeito cerebral é certamente o sujeito genômico, a julgar pela presença nos meios midiáticos. No entanto, questões ligadas ao sujeito cerebral trazem consigo dilemas mais diretamente relacionados à identidade pessoal, o que não se encontra na narrativa genômica.

O genoma pode ter-se tornado a metáfora moderna para a alma (Nelkin, Lindee, 1995; Mauron, 2001), mas, ainda assim,

comparando-se as explicações do eu e do comportamento 'com base no genoma' e aquelas 'com base no cérebro', resulta que os aspectos neurais da natureza humana são mais diretamente relevantes. Muitas questões filosóficas e éticas tradicionalmente produzidas pela genética e pela genômica adquirem mais relevância e urgência quando reexaminadas no contexto das neurociências (Mauron, 2003, p.204).

Há algumas razões empíricas para isso - os genomas são replicáveis; os cérebros, não - e outras filosóficas - já que as influências genéticas sobre a personalidade e o comportamento precisam ser mediadas pelo cérebro, o determinismo cerebral não pode ser refutado. Portanto, a despeito da convergência cada vez maior da genética e das neurociências, os problemas do self e da individualidade continuam primariamente relacionados à estrutura e ao funcionamento do cérebro.

Ninguém contesta que o cérebro é órgão necessário para o desenvolvimento de funções vitais e o exercício das capacidades humanas. Digno de crítica é que particularidades de seu funcionamento sejam consideradas suficientes para a formação de certas características do agir humano: escolhas morais, patologias mentais, práticas sexuais, entre outras. O uso dessa perspectiva consiste em colocar sobre o mesmo plano o ser considerado a partir de seu corpo e o ser como um todo, agente e pensante.

Neuroimageamento e seus efeitos de verdade

Após discutir algumas linhas que compõem o papel de legitimidade que o cérebro vem adquirindo desde o século XIX como resposta a transtornos mentais, cabe-nos retomar mais especificamente o modo como esse órgão ganha destaque e poder de convencimento na atualidade. A análise do papel das imagens cerebrais na mídia e seu poder persuasivo na formação do que as pessoas pensam a respeito de seus próprios corpos e de si mesmas permitem perceber, nas imagens cerebrais, fatos e ideias sobre quem somos e sobre nossas doenças, sobretudo as mentais. As pesquisas e seus resultados imagéticos vão lentamente contribuindo para produzir, naquele que vê, a sensação de que o cérebro visto é a própria pessoa. Com base nessa colagem da identidade daquele que tem o cérebro visualizado e da imagem cerebral, Dumit (2003, 2004) descreve a formação da crença na existência de tipos cerebrais doentes, sadios, inteligentes, deprimidos, obsessivos.

Se os pesquisadores só estivessem interessados em medidas estatísticas, o cérebro repre-sentado visualmente seria supérfluo, e os dados matemáticos e comparativos dos diferentes cérebros seriam suficientes. Sua representação visual, porém, melhora a visibilidade do que antes não era mais do que números e comparações: "A técnica do imageamento por ressonância magnética funcional assim torna visível e espacial o que é de outra forma invisível e temporal" (Alac, 2004, p.203). Há, portanto, codependência entre o modo quan-titativo e o modo visual-espacial de representação, e as imagens de ressonância magnética funcional materializam simultaneamente ambos os aspectos. Nesse processo de trans-formação dos dados numéricos em dados visuais, aquilo que é invisível ou, no máximo, visualizável por gráficos é transformado em dado visual, possível de ser vivenciado (Joyce, 2005; Beaulieu, 2002).

Nesse contexto, as imagens de tipos cerebrais, pelo apelo inelutável de, em tese, mostrar aquilo que existe - no caso, a doença -, são tomadas como fatos indubitáveis e têm contribuído para a categorização dos indivíduos com base em seus cérebros. A apresentação de imagens de cérebros típicos de esquizofrênicos, deprimidos ou normais produz a sensação de que há diferença categórica entre três tipos de humanos, que correspondem essencialmente a seus tipos de cérebros, construindo a impressão de diferença biológica e positiva entre os cérebros, que pode servir como evidência científica. Uma das consequências das concepções de corpos provenientes dessas imagens recebidas como evidências científicas incontestáveis consiste em supor que nosso cérebro é, exclusivamente, o elemento necessário para que sejamos nós mesmos.

São muitas as linhas de uso dessas tecnologias de imageamento. Os pesquisadores conduzem seus estudos quase exclusivamente com amostras reduzidas, e os detalhes dos experimentos são com frequência deixados para trás, restando deles não mais do que duas imagens com padrões ideais, tais como 'pessoa deprimida' e 'controle normal' (Dumit, 2003), que unem uma anormalidade cerebral a um diagnóstico. Sendo imagens de extrema diferenciação, elas dão um sentido visual de clara distinção entre o cérebro normal e o doente, embora haja esquizofrênicos e outros pacientes com transtornos mentais cujos cérebros parecem com os de pessoas consideradas saudáveis e vice-versa, e haja também, certamente, fatigados crônicos sem quaisquer alterações do cérebro. A imagem, no entanto, rotula e mostra a pretensa doença em si mesma, bem como o doente objetificado. O risco de tais práticas é a separação dessas imagens do contexto que as acompanha, o que contribui para que sirvam como argumento da existência da diferença definitiva de um tipo cerebral para outro e, no limite, para que se considere determinado achado ainda em processo de investigação a causa suficiente da doença (Dumit, 2000). Além disso, os pacientes passam a ver-se como alguém que partilha com outros, além do sofrimento, um tipo cerebral.6 6 A problemática dos tipos cerebrais é também analisada por Ortega (2009), em estudo sobre o movimento de neurodiversidade autista. Segundo o autor, os teóricos dos estudos sobre deficiência auditiva demonstraram o modelo irreal de perfeição corporal, no qual a discussão sobre a deficiência se insere. Partindo dessas discussões, tem origem a retórica anticura baseada, sobretudo, na ideia do autismo como modo de vida, e não como doença. O autor chama a atenção para o fato de que essa posição se sustenta preponderantemente na pressuposição da neurodiversidade (e não na psicodiversidade) dos acometidos ou, em outros termos, em um padrão neurológico que lhes seria típico.

No caso da SFC, observamos que é justamente esse risco de serem biologicamente estereotipados que os pacientes querem assumir, posto ser mais compensador do que o risco de serem mal diagnosticados - leia-se, receber diagnóstico de transtorno mental ou não ser diagnosticado. A adesão dos pacientes às pesquisas de orientação biológica se dá a ver nos sítios da Internet. Quais são os objetivos dessas organizações? Os grupos de apoio notaram que a ausência de pesquisas constituía obstáculo para a legitimação da SFC e tentaram reverter esse processo (Wessely, Hotopf, Sharpe, 1998). Por isso, há uma tendência notável à busca de causas biológicas, que são as consideradas úteis, e paralelo rechaço às pesquisas de orientação psicossocial, consideradas inimigas da causa. Outro objetivo é superar a ignorância dos médicos sobre o assunto, fazendo circularem pacotes de informações biologicamente orientadas em meio aos profissionais e nos encontros acadêmicos.

O processo de agrupamento de pacientes em sítios virtuais, lutando em prol das explicações biológicas para doenças mentais, mostra-se de forma enfática no caso específico da SFC, mas já foi notado de modo mais geral no caso dos transtornos mentais (Ehrenberg, 2004). A National Alliance on Mental Illness (Nami)7 7 A Nami é uma das mais importantes organizações americanas dedicadas aos portadores de doenças mentais. Foi fundada em 1979 e é representada em cada estado americano e em mais de 1.100 comunidades por todo o país. Visa advogar, pesquisar, apoiar, educar e, sobretudo, erradicar a doença mental, melhorando a qualidade de vida daqueles que são acometidos e de suas famílias. Ver http://www.nami.org. , por exemplo, advoga nova definição biológica para a doença mental, que contribua para eliminar o estigma da doença. Mais precisamente, defende uma concepção de doença mental como doença do cérebro, com o que concorda o National Institute of Mental Health (NIHM)8 8 O NIHM é um dos principais órgãos federais americanos para pesquisa e tratamento de transtornos mentais. É parte do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA e concentra-se na pesquisa biomédica sobre mente, cérebro e comportamento, com vistas a melhorar a saúde mental dos americanos. Compõe-se de 27 unidades e tem por missão reduzir a incidência da doença mental e dos transtornos de comportamento, por meio de pesquisas que criem ferramentas para a aquisição de melhor tratamento, compreensão e eventualmente prevenção das condições incapacitantes que afetam milhões de americanos. Ver http://www.nimh.nih.gov. .

Há razões práticas para o endosso popular da equalização das doenças mentais às do cérebro. No caso dos EUA, por exemplo, o sistema de seguro favorece essa escolha, estimulando uma concepção materialista do adoecimento, já que uma doença considerada verdadeira, que atinge o corpo, é mais bem remunerada do que doenças psicogênicas ou doenças sem explicação médica.

A Internet, nesses casos, oferece a possibilidade de os sofredores geograficamente dispersos partilharem experiências, novidades, referências, fontes e, sobretudo, estratégias para lidar com médicos, seguros e outras burocracias. No caso específico da SFC, um grupo de discussão de pacientes, o CFS Patients Discussion Group9 9 Ver http://cfs-l.home.att.net. , recebeu 54 mil mensagens de seus usuários entre meados de 1995 e 1997 (Dumit, 2000). A invisibilidade da doença - sem achados orgânicos e sem legitimidade social - encontra nesses sítios um modo de ser superada e ganhar alguma materialidade. Cria-se um sentimento de comunidade entre os portadores, que partilham dilemas, dividem informações de tratamentos pouco convencionais ou não atestados pela biomedicina e financiam, mediante donativos, pesquisas em busca de um fator determinante da doença. Assim, as comunidades virtuais tornaram-se participantes ativos tanto da disseminação de achados de pesquisas, quanto do direcionamento do apoio financeiro a alguns estudos.

É interessante notar que muitos grupos de apoio estão focados em discutir as implicações de a doença ser rotulada como transtorno orgânico ou mental. O amparo biológico da doença é, declaradamente, uma luta dos pacientes, pois supõe-se que a causa biológica resolveria, a um só tempo, dois grandes obstáculos que eles enfrentam: a estigmatização e a falta de seriedade com que são tratados socialmente e por alguns profissionais da saúde - que, na ausência de causas somáticas, percebem-nos como fingidores e não lhes oferecem abordagem terapêutica adequada; e a falta de amparo legal para a obtenção de benefícios relativos a auxílios-doença, como aposentadoria por invalidez e outros. A demonstração de um transtorno no cérebro significa a não implicação da mente, que desaparece como fonte de ação e responsabilidade individual. Entra-se, então, na seara de um transtorno sem sujeito, sem ninguém a ser implicado a não ser o cérebro, ao qual se atribui o poder de infligir a doença ao indivíduo.

Os advogados desses grupos também defendem a tese de que a doença é decorrência de algum dano físico, porque assim as síndromes e os seus pacientes não serão censurados e terão mais chances de receber os direitos dos seguros de saúde, como no caso de qualquer outra doença com agente etiopatológico claro. Alguns sítios virtuais ilustram bem os processos aqui apontados. Um deles é o The CFIDS Association of America, há vinte anos no ar contribuindo para a construção da história da SFC. Já o The National CFIDS Foundation tem o objetivo de obter fundos para pesquisas que procuram a 'causa efetiva' da SFC, seu tratamento e sua cura, bem como oferecer apoio, informação e educação para pacientes e profissionais da saúde envolvidos com a doença. Há também o sítio da Trans-NIH Working Group for Research on Chronic Fatigue Syndrome, financiado pelo Office of Research on Women's Health dos Estados Unidos, com os mesmos objetivos. O Support ME é vinculado à ME Association , fundada em 1976 e situada em Glaslow, na Escócia, com aproximadamente dez mil membros. Essa associação oferece serviço telefônico de aconselhamento aos pacientes sobre como agir com relação à doença e quais benefícios pleitear. 10 10 Ver The CFIDS Association of America ( http://www.cfids.org/); Trans-NIH Working Group for Research on Chronic Fatigue Syndrome ( http://orwh.od.nih.gov/cfs/cfsReportsFeb00.html); Support ME ( http://www.supportme.co.uk/index2.htm); e The ME Association ( http://www.meassociation.org.uk/).

Como se pode observar, a luta pela aceitação social e legitimidade ocorre sobretudo em dois eixos interligados: a busca de etiologia orgânica e o amparo do seguro social aos pacientes. A solicitação é que a doença possa ser segurada como as orgânicas, e para isso é preciso uma demonstração objetiva de seus agentes. Diante desse panorama, os pacientes tornaram-se ativistas, e o clima em torno da questão é permeado por atmosfera e retórica de batalha entre adversários. Os estudos de Wessely, Hotopf e Sharpe (1998) demonstram que tais grupos se pautam sobretudo pela falta de tolerância com conceitualizações e estra-tégias de enfrentamento que não estejam de acordo com as hipóteses biológicas, e adotam uma retórica antissaúde mental e antipsicogênese.

No contexto da doença crônica, cabe atentar para as inabilidades do indivíduo em funções valorizadas e esperadas socialmente (pelo cônjuge, por parentes, empregados, amigos), o que diminui as oportunidades de manter relações desvinculadas do fato de ser portador de uma doença, restringindo-se os contatos aos profissionais da saúde - o que contribui para que ele se perceba como inadequado e disfuncional, e formate a identidade de doente. Essa identidade é partilhada, preferencialmente, nesses grupos, em que também são comungadas regras para o bem-viver dos participantes, incluindo desde cuidados corporais, médicos e higiênicos até as lutas pela comprovação da base biológica da doença, sendo este um exemplo emblemático das formas de biossociabilidade a cujo desenvolvimento assistimos na atualidade (Rabinow, 1996).

Saber fazer as perguntas adequadas

Ao analisarmos o uso de técnicas de neuroimageamento, é importante munir-nos de questões que nos permitam tirar vantagens delas, endereçando-lhes perguntas que estejam de acordo com o que esse tipo de tecnologia pode responder (Kosslyn, 1999). É um cuidado importante, para que esse uso não leve a simplificar questões complexas, que dependem de variáveis não contempladas naquilo que a visualização cerebral oferece.

A maioria das pesquisas atuais com essas técnicas tenta revelar a arquitetura funcional subjacente a determinada habilidade, isto é, o cenário de processos e estruturas usados para realizar um tipo específico de tarefas. As áreas ativadas enquanto um sujeito utiliza uma habilidade refletem supostamente o uso de tais estruturas, e cada área é caracterizada por sua função na implementação de um processo particular. Na maior parte dos estudos, revela-se um aglomerado de áreas ativadas ou desativadas, sem informações a respeito do fluxo entre elas.

A ativação e sua variação nas áreas diversas são importantes indicadores, usados para concluir sobre o envolvimento de um processo ou estrutura em alguma tarefa. No caso ideal, supondo-se que os processos e estruturas responsáveis por determinada tarefa são implementados numa dada parte do cérebro, pode-se argumentar que a ativação naquela área, enquanto o sujeito realiza uma tarefa, é evidência de que esses processos foram usados enquanto o sujeito a realizava. Posto que um processo é identificado com um lugar anatômico específico, a lógica é válida. O problema é que uma dada parte do cérebro pode implementar mais do que um processo, e por isso os resultados devem ser considerados apenas mais uma fonte de convergência das evidências, e não sinal conclusivo.11 11 Além disso, é necessário considerar outra questão: diferentes estratégias para o cumprimento de uma tarefa produzem padrões de ativação diferentes. Por exemplo, se estão sendo analisadas as áreas ativadas por ocasião de uma rotação mental de objetos, é preciso levar em conta que há várias formas de mover mentalmente objetos em rotação: uma que implica processos motores - como quando imaginamos alguém girando um objeto em determinada direção - e outra que não - como quando imaginamos um objeto sendo girado por uma força externa, como o vento. Uma tarefa pesquisada pode, portanto, ter diversas variações em sua execução, implicando o uso de áreas e habilidades não previstas. Portanto, o simples achado de ativação de uma área, mesmo uma com características funcionais bem definidas, não é suficiente para inferir nada além do fato de que as propriedades daquela área contribuem para a performance. É essa a razão por que a demonstração de que um padrão particular de atividade cerebral acompanha a performance de tipos particulares de tarefas não é, por si, de grande interesse. "Simplesmente constatar que certas áreas do cére-bro são ativas quando alguém realiza uma tarefa não é suficiente" (Kosslyn, 1999, p.1293). Dados assim só são interpretáveis no contexto de teorias que conduzem a hipóteses específicas.

Os cuidados necessários na utilização de neuroimagens, no entanto, não lhes retiram a utilidade como ferramenta para a investigação da natureza dos processos cerebrais. Mais do que para a construção de padrões eletroquímicos aos quais se pode associar uma doença, elas servem para a construção de evidências convergentes ou divergentes de outras hipóteses médicas sobre os fenômenos em estudo. O desdobramento mais interessante da indicação de Kosslyn é a constatação de que algumas questões endereçadas às tecnologias de neuroimageamento estão além daquilo a que elas podem responder, principalmente porque ainda são incipientes as ideias a que se pode chegar a partir da verificação de que uma área está mais ativada do que outra, em determinada tarefa funcional.

No caso específico da SFC, ainda que venham a ser encontrados padrões de alteração cerebral nos pacientes, cabe questionar se esses achados podem ser considerados suficientes para o entendimento da doença. No limite, ainda que encontremos alterações cerebrais indubitáveis em todos os pacientes acometidos pela SFC, poderíamos chegar ao equa-cionamento simples desses achados e suas manifestações? A SFC seria a mera expressão de alterações cerebrais, ou essas alterações apenas comporiam um mosaico de variáveis, como estilo de vida, adesão a padrões excessivos de eficácia no trabalho e na vida, entre outros aspectos?

Como vimos, buscar a objetividade de certas patologias tem significado buscar sua somaticidade por meio de métodos e instrumentos de diagnóstico visuais que possam ultrapassar os limites dos sentidos humanos. A busca de um achado orgânico torna-se luta também dos pacientes, que desejam ser tratados, receber benefícios sociais e principalmente ser acolhidos como doentes, e não como fingidores. Vimos com destaque o papel do uso de neuroimagens com esse intuito. Ainda que o achado visual seja inconclusivo, ele se torna potencialmente eleito como a essência da doença. A expressividade visual é, então, utilizada para construir aquilo que pretende ser mostrado, e não apenas para mostrar o que já está naturalmente ali. Por isso cremos que o uso das neuroimagens aponta não só para a objetivação dos indivíduos - e no caso dos transtornos em questão, de um indivíduo doente ou são -, mas também para uma objetivação da própria moléstia, já que, pela autoridade atribuída às tecnologias médicas, um padrão fisiológico encontrado torna-se potencial atestado da objetividade da condição clínica, que é justamente aquilo de que ela carece.

NOTAS

Recebido para publicação em maio de 2008.

Aprovado para publicação em julho de 2009.

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  • 1
    A categoria 'neurastenia' surgiu a partir de 1869, inicialmente em solo norte-americano, nos escritos do neurologista George Beard. Atribuía-se aos neurastênicos um funcionamento deficitário do sistema nervoso, supostamente devido a alterações submicroscópicas relativas à nutrição das células do cérebro e, portanto, invisíveis, embora reais. A condição neurastênica era caracterizada por enfraquecimento da força nervosa, com graus diferenciados de severidade. Os sintomas se apresentavam de modo bastante variado, incluindo os gástricos, oculares, ginecológicos e neurológicos. No cerne do quadro estava a exaustão nervosa, caracterizada pela fadiga geral injustificada. Os neurastênicos apresentavam rápida fatigabilidade e demorada recuperação, que não era aliviada pelo sono ou descanso. Paradoxalmente, os sofredores gozavam de boa saúde, eram bem nutridos e apresentavam musculatura bem desenvolvida.
  • 2
    O autor destaca o transtorno de
    deficit de atenção, a síndrome da fadiga crônica, a síndrome da Guerra do Golfo, a sensibilidade química múltipla e, em menor extensão, o transtorno do estresse pós-traumático, a depressão e a esquizofrenia. A definição desses transtornos passa pelas características explicitadas e também pelo fato de que traz desdobramentos de âmbito médico, social, legal, científico e econômico, configurando uma problemática para aquele que é afligido, mas também para médicos, agências administrativas de seguro em saúde e pesquisadores.
  • 3
    A bibliografia sobre o tema da homogeneização de pesquisas neurológicas e os estudos relativos a comportamentos humanos é vasta, mas sugerimos especificamente Healy, 1999, 2002; Rose 2006, 2007; e Valenstein, 1998.
  • 4
    Há extensa bibliografia sobre a utilização de métodos de neuroimagem no caso da SFC, bem como é incessante a produção de novos estudos sobre o tema. Para compreender alguns dos caminhos e resultados nesse campo, ver Buchwald et al., 1992; Schwartz et al., 1994; Costa, Tannock, Brostoff, 1995; Greco et al., 1997; Tirelli et al., 1998; Lange et al., 1999; Cook et al., 2001; e Schmaling et al., 2003.
  • 5
    Nesta e nas demais citações em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 6
    A problemática dos tipos cerebrais é também analisada por Ortega (2009), em estudo sobre o movimento de neurodiversidade autista. Segundo o autor, os teóricos dos estudos sobre deficiência auditiva demonstraram o modelo irreal de perfeição corporal, no qual a discussão sobre a deficiência se insere. Partindo dessas discussões, tem origem a retórica anticura baseada, sobretudo, na ideia do autismo como modo de vida, e não como doença. O autor chama a atenção para o fato de que essa posição se sustenta preponderantemente na pressuposição da neurodiversidade (e não na psicodiversidade) dos acometidos ou, em outros termos, em um padrão neurológico que lhes seria típico.
  • 7
    A Nami é uma das mais importantes organizações americanas dedicadas aos portadores de doenças mentais. Foi fundada em 1979 e é representada em cada estado americano e em mais de 1.100 comunidades por todo o país. Visa advogar, pesquisar, apoiar, educar e, sobretudo, erradicar a doença mental, melhorando a qualidade de vida daqueles que são acometidos e de suas famílias. Ver
  • 8
    O NIHM é um dos principais órgãos federais americanos para pesquisa e tratamento de transtornos mentais. É parte do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA e concentra-se na pesquisa biomédica sobre mente, cérebro e comportamento, com vistas a melhorar a saúde mental dos americanos. Compõe-se de 27 unidades e tem por missão reduzir a incidência da doença mental e dos transtornos de comportamento, por meio de pesquisas que criem ferramentas para a aquisição de melhor tratamento, compreensão e eventualmente prevenção das condições incapacitantes que afetam milhões de americanos. Ver
  • 9
    Ver
  • 10
    Ver The CFIDS Association of America (
    http://www.cfids.org/); Trans-NIH Working Group for Research on Chronic Fatigue Syndrome (
    http://www.supportme.co.uk/index2.htm); e The ME Association (
  • 11
    Além disso, é necessário considerar outra questão: diferentes estratégias para o cumprimento de uma tarefa produzem padrões de ativação diferentes. Por exemplo, se estão sendo analisadas as áreas ativadas por ocasião de uma rotação mental de objetos, é preciso levar em conta que há várias formas de mover mentalmente objetos em rotação: uma que implica processos motores - como quando imaginamos alguém girando um objeto em determinada direção - e outra que não - como quando imaginamos um objeto sendo girado por uma força externa, como o vento. Uma tarefa pesquisada pode, portanto, ter diversas variações em sua execução, implicando o uso de áreas e habilidades não previstas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2009
    • Recebido
      Maio 2008
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