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Nervosismo

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Nervosismo

Prof. Dr. Henrique de Brito Belford Roxo

Prof. Substituto das Clínicas Neurológica e Psiquiátrica da Fac. do Rio

Nas clínicas de especialidade há um número considerável de doentes, cujo feitio clínico é idêntico e mal descrito pelos autores. Refiro-me a indivíduos que se apresentam num estado de ansiedade extraordinária, revelando sentir um mal-estar indescritível, em que as perturbações da cenestesia têm papel de grande monta.

Ora se queixam do estômago, ora do intestino, ora do coração e assim por diante, mas em qualquer caso tudo é acompanhado de uma aflição enorme na cabeça que lhes não permite o raciocínio calmo e os tortura a cada instante.

Alguns dizem que sentem a cabeça oca, outros que ela se mostra dormente, ou cheia de ar, ou com um líquido a correr, ou com um peso de chumbo, ou zonza, tudo isto sempre com um enevoamento nas ideias e estados aflitivos com verdadeiros paroxismos.

Pode-se bem dizer que neles de todas as partes do corpo é o cérebro a que mais incomoda.

E é este o motivo pelo qual em grande quantidade procuram os especialistas de doenças mentais. Da frequência de casos tais di-lo bem a minha estatística de consultório, em que figuram com uma porcentagem de 35% quase igual à dos de psicastenia, com impotência física, que calculo em 40%.

Se a frequência é tão grande, claro está que em outros gabinetes e outros países devem ter suscitado a atenção dos observadores. A questão é, porém, que em rubricas outras tem sido catalogadas. Alguns recebem a diagnose de histeria, outros simplesmente de neurastenia; outros, de psicastenia; outros, de nevrose de angústia; outros, de melancolia; outros, de degeneração psíquica; e, finalmente, outros, de cenestopatia.

Analisando-se cada qual dos doentes, ver-se-á que o quadro clínico se não compadece bem exatamente com os moldes dos grupos mórbidos citados.

Babinski, que foi o pregoeiro das ideias modernas sobre a histeria, quem tem tido sanção geral, definiu-a do seguinte modo: a histeria é um estado psíquico que torna o indivíduo que nele se acha, capaz de autossugestionar-se, manifestando-se principalmente por perturbações primitivas e acessoriamente por algumas perturbações secundárias: o que caracteriza as perturbações primitivas é que se pode reproduzi-las pela sugestão com uma precisão rigorosa em certos indivíduos e fazê-las desaparecer pela influência exclusiva da persuasão; o que caracteriza as perturbações secundárias é que se acham elas estreitamente subordinadas às primitivas.

O verdadeiro doente de nervosismo não tem as suas manifestações clínicas criadas pela sugestão e elas não podem ser removidas pela influência exclusiva da persuasão.

O em que tal ocorra será puramente um histérico.

Já se verifica aí um elemento importante de diferenciação e delimitação exatas.

Muito frequentemente apregoam eles a sua rubrica estabelecida por outros médicos - neurastenia.

Há a meditar no que concerne a este ponto.

Acredito que a neurastenia se possa bipartir nos grupos psicastenia e nervosismo. Quer isto dizer que aquele que tiver nervosismo, será neurastênico, mas será um feitio particular deste, uma ramificação dele.

O título neurastenia propriamente dito não abrange completamente os predicados da forma clínica que estou descrevendo.Tem seus sintomas próprios que no nervosismo se somam à ansiedade e múltiplas perturbações da cenestesia.

A cefaleia, a raquialgia, a astenia neuromuscular, a dispepsia por atonia gastrointentinal, a insônia e a depressão mental com estado psíquico particular - são, desde o tempo de Charcot, os elementos fundamentais, os estigmas da neurastenia.

No tipo clínico em análise pode haver tudo isso, mas há sempre mais alguma coisa.

Eis o essencial na caracterização.

No trabalho de Raymond e Janet sobre obsessões e psicastenia, vê-se que ele enfeixa num mesmo grupo as obsessões, impulsos, manias mentais, loucura da dúvida, tiques, agitações força-das, fobias, delírio de tocar, angústia, neurastenia, sentimento esquisito de perda da personalidade e de se achar diferente do que era. Nesta avalanche de coisas que as ideias modernas não permitem abranger nos limites da psicastenia que de tal forma se dilatariam em demasia, vê-se que está englobado o nervosismo.

As obsessões, os impulsos e as fobias constituem essencialmente, a meu ver, a psicastenia, ao passo que as múltiplas perturbações da cenestesia, com ansiedade, representam o fundamento do nervosismo.

Alguns outros casos que Janet engloba na psicastenia cabem hoje melhor na demência precoce, psicose maníaco-depressiva e estados atípicos de degeneração. Freud descreveu um tipo clínico: a nevrose de angústia, sempre dependente de uma perturbação na esfera sexual, que abrange casos dos aqui referidos, mas que no rigor do conceito os não pode abranger todos.

Quem atentar bem nelas perceberá que a diagnose de melancolia abrange coisa muito diferente. Ramo da psicose maníaco-depressiva tem como predicados essenciais humor tristonho, demora na associação de ideias e dificuldade na pronta reação motora.

Capitulá-los vagamente degeneração psíquica, seria dispersá-los em âmbito que não privativo deles.

A questão da cenestopatia de Dupré é muito mais importante e digna de toda consideração.

Dupré e Camus publicaram nas págs. 616 a 631 do "Encéphale" de 1907 um bem elaborado artigo, em que analisam detidamente esses doentes da cenestesia.

Definem eles as cenestopatias como alterações da sensibilidade comum ou interna, isto é, como distúrbio das sensações que chegam incessantemente de todas as partes do corpo ao cérebro e que no estado normal não despertam a nossa atenção por um caráter qualquer particular, quer na sua intensidade, quer na sua modalidade.

Em comunicação feita em 1906 eles entendiam a cenestopatia como síndromes que se viam na paranoia, melancolia, histeria e neurastenia, mas em 1907 já as consideravam como uma fase, um feitio de neurastenia.

Dizem eles que as perturbações de cenestesia podem assestar-se nas esferas cefálica, cervical, bucofaríngea, toráxica, abdominal, melalgica, hemiplégica, cutânea, etc. Daí se derivam outras tantas variedades da cenestopatias.

Numa primeira observação descrevem bem um caso com aflição na cabeça; em outras várias não havia nada referente a esta.

Frisam eles que as perturbações são sempre incômodas, penosas, aflitivas e não acarretam dor: Serve isto para diferenciação com os histeroneurastênicos, em que o elemento dor predomina, havendo algias, as zonas cutâneas de Head.

Os doentes não deliram. Não são hipocondríacos, não têm o egocentrismo meditativo destes.

As alterações do humor, as interpretações são sempre secundárias aos distúrbios da cenestesia. São essencialmente desequilibradas da sensibilidade.

Os doentes da nevrose de angústia e os cenestopatas são tipos mórbidos que enquadro no nervosismo. São elementos de um todo e se me quisesse utilizar uma expressão um tanto figurada, diria que a soma dos predicados de ambos daria um modelo deste. Nele há sempre ansiedade como na nevrose de angústia e distúrbios múltiplos da cinestesia como nas cenestopatias. A sensibilidade interna se altera e o cérebro se ressente com isso.

Freud dá como sintomas da nevrose de angústia os seguintes: irritabilidade, ansiedade, expectativa ansiosa, manifestações somáticas equivalentes a ataques de ansiedade, crises de terror noturno, vertigens, fobias referentes à locomoção e perturbações funcionais, náuseas e distúrbios digestivos diversos e parestesias. Vê-se, pois, que há nele maior preocupação em analisar o fenômeno intrapsíquico, do que nos estudos de Dupré e Camus, em que a parte extrapsíquica é esmerilhada com detalhes mais perfeitos. Da interpretação demorada de ambos e da observação meticulosa de uma série de doentes deduzi a necessidade de fundamentar um grupo clínico de neurastênicos que capitulo: nervosismo. Löwenfeld, em excelente artigo sobre nervosidade do tratado de Bum e Schnirer, é quem faz, a meu ver, uma síntese mais exata dos doentes que venho analisando. Diz ele que tudo depende de uma fraqueza irritável do sistema nervoso, havendo como base etiológica uma constituição nevropática ou nervosa.

Diz ele que neste caso, embora haja, às vezes, um aspecto de saúde florescente, há uma sensibilidade exagerada aos estímulos exteriores e às excitações psíquicas.

Despertam eles com facilidade sensações desagradáveis e mesmo dolorosas, com intensa reação motora, vasomotora ou secretora. O que em outros não provoca desmaios, dor de cabeça e palpitações, neles tal suscita. A hiperexcitabilidade é, porém, aí acompanhada de fraqueza e fácil exaustão das parte centrais do sistema nervoso. Meynert acreditava que tudo derivasse de uma diminuição da inervação da corticalidade cerebral.

Lechner explica os fenômenos da fraqueza irritável como efeito de uma dissociação entre a excitabilidade muscular e a nervosa, achando-se muito aumentada a primeira, e enfraquecida a segunda.

Löwenfeld diz que a nervosidade hereditária corresponde, em parte, aos enfraquecimentos psicopáticos de Kock, em parte, ao desequilíbrio mental dos autores franceses, em parte, porque o quadro clínico é mais complexo e às vezes a degeneração hereditária é pesada e a nervosidade não existe.

Da síntese aqui exposta, deduz-se bem que o autor porfia em dar uma interpretação dos fenômenos mórbidos que chamam atenção pelo contraste entre a excitabilidade e a grande fraqueza nervosa. Haja ou não acentuada degeneração hereditária, o fato é que se associam dois elementos que parecem antagônicos.

O indivíduo de constituição nevropática, mioprágico do sistema nervoso esgota-se com uma facilidade extraordinária. Se há a vulneração repetida de abalos morais, se ocorre uma toxi-infecção qualquer a envenenar lentamente o organismo é o sistema nervoso que mais se ressente nele.

É o ponto de menor resistência, é o mais suscetível de se enfraquecer. Se a quantidade de alimento para a célula nervosa escasseia, se o produto que se lhe envia é tóxico, o efeito será sempre a redução do material nutritivo, a desnutrição.

O elemento nervoso malnutrido fica, na expressão popular, com fome e da fome dos nervos decorre, antes da morte, a reação. A célula faminta vibra no afã de se retemperar em alimento sadio e abundante.

O organismo todo se ressente com a fome dos nervos e a excitabilidade é a demonstração do mal-estar em que se encontra.

A fraqueza irritável é, portanto, baseada no primeiro grau de uma desnutrição; se esta progredir, abandonada a si mesma, claro está que a morte celular pode advir.

Em todos os casos de nervosismo há desnutrição nervosa. Em todos eles, o alimento chega escasso ou viciado ou a desassimilação é maior que a assimilação, resultando disto usura nêurica.

O elemento nervoso esforça-se ainda por trabalhar, mas se fatiga, fica esfalfado. Há o esgotamento nervoso.

E compreende-se bem que neste caso ele possa ocorrer depois de hemorragias copiosas, de infecções graves, de intoxicações agudas ou crônicas, assim como após abalos morais que perturbem a normalidade da nutrição do sistema nervoso, exaurindo-o rapidamente.

Assim, há muitas vezes, na gênese do nervosismo, a constatação da sífilis, da pré-tuberculose, da enterocolite mucomembranosa, da suburemia, do tabagismo, do alcoolismo, de hemorragias pós-parto, de luta afanosa numa vida cheia de tropeços e dificuldades, etc.

São fatores diversos que levam ao mesmo fim. A fraqueza irritável é o testemunho de uma luta instintiva pela vida. A célula nervosa esgotada não quer morrer e vibra, lutando, a despertar a atenção de quem a possui para que a deixe repousar e lhe dê alimento. É um episódio natural da vida biológica. E é preciso meditar e prestar atenção a esta interpretação, a não agir intempestiva e erroneamente, buscando curar o mal, como muitas vezes tenho visto, administrando doses repetidas de estricnina que ainda excite mais o que já vive excitado.

Se o nervosismo é um ramo da neurastenia, compreende-se bem que as doutrinas patogênicas, que têm sido invocadas para explicar a neurastenia, a ele se apliquem.

Já, em tempos idos, Galeno explicava o nervosismo como efeito sobre o cérebro da atrabile, fabricada pelo fígado, estômago e intestinos.

Leven diz que há uma ação irritável recíproca entre o cérebro, gânglio semilunar e plexo solar. Beau invoca a dispepsia como causa da desnutrição. Bouchard acredita numa autointoxi-cação por estase gástrica. Raymond e Janet dizem ser causa antes de tudo a predisposição hereditária.

Huchard prega que tudo que deriva da intoxicação. Robin, Allen Star e Hayem dão também grande valor à intoxicação.

Beard explica tudo por uma falta de equilíbrio entre a usura das células nervosas e a sua restauração nutritiva.

Bouveret diz que há sempre uma insuficiência da ação inibitória dos centros cerebrais sobre os espinhais.

Kowalewsky analisa as células ganglionares e diz que há nelas um estado de inanição ou de autointoxicação. No que concerne à nevrose de angústia que corresponde, em parte, ao que deno-mino nervosismo, há a hipótese de Roller de uma perturbação funcional da medula alongada; a de Luys, de isquemia cerebral; a de Hatscheck, de excitabilidade especial dos centros espinhais, subcorticais e simpáticos; a de Oppenheim, de excitabilidade exagerada dos centros nervosos vasomotores, secretores e viscerais; a de Krafft-Ebing, de constrição vascular consequente à hiperexcitabilidade dos nervos vasomotores do coração; a de Ball, de impulsões reflexas que surgem nos órgãos internos e seguem trajeto simpático; e a de Meynert, de uma vasoconstrição cerebral consequente à excitação dos centros vasomotores corticais.

Freud acredita que tudo deriva de relações sexuais incompletas.

Dejerine dá um valor enorme na gênese da neurastenia à emoção e frisa bem que o sistema nervoso resistiria bastante, se não fora a preocupação.

A propósito de uma observação de cenestopatia com localização cefálica, apresentado por Paul Camus e Charles Blondel na sessão da sociedade de psiquiatria de 27 de Maio de 1909, Raymond lembrou o caso do operado da Salpetrière, em que se amputaram os dedos, mão, punho, antebraço, braço e finalmente espádua e raízes posteriores, em consequência de perturbações cenestésicas, tendo sido tudo em pura perda, pois o mal tinha sede no cérebro. Dupré diz que nas cenestopatias há um estado anormal das regiões sensitivas da côdea cerebral.

A patologia do simpático representa um papel importantíssimo na explicação do nervosismo e na descrição do complexo sintomático irei procurando dar as relações de causa e efeito.

A sintomatologia é rica e variada, sendo essencialmente característicos a ansiedade e as perturbações multifárias da cenestesia.

O nervosismo representa uma modalidade da neurastenia e, por isso, é natural que se busquem nele os sintomas capitais desta.

Os estigmas da neurastenia, no dizer clássico de Charcot, que são a cefaleia, a raquialgia, a astenia neuromuscular, a dispepsia por atonia gastrointestinal, a insônia e a depressão cerebral, se podem verificar, em maior ou menor escala, no nervosismo.

Podem existir juntos ou destacados, mas o que é característico é que tomam um feitio especial ou a eles se juntaram elementos outros que frisam a modalidade particular.

No nervosismo há menos a dor que a aflição e quando se interroga o doente a respeito da cefaleia, muitas vezes explica ele bem que não há propriamente dor e sim uma aflição extraordinária na cabeça.

A ansiedade, de que amiúde se queixam, depende de uma perturbação profunda da cenestesia. Esta se forma à custa das sensações que de todas as partes do corpo emanam e que nos dão o conceito da existência dele.

Quando a criança vai evolvendo e a sua personalidade se vai organizando, recebe ela várias impressões do meio, mas não consegue sintetizá-las e destacá-las do próprio eu. A pouco e pouco vai esmerilhando e verifica que aquilo tudo vai agir sobre a sua própria pessoa. É quando começa a dizer eu e constata que ela representa alguma coisa no meio que a circunda.

Destaca-se do meio, recebe suas impressões, analisa-as e reage contra elas.

A personalidade, com o decorrer dos anos, se vai expandindo e caracterizando.

A um sistema nervoso bem nutrido e desenvolvido deve corresponder uma personalidade nítida e acentuada.

Se ele fica esgotado, se recebe nutrição mais escassa ou menos pura, pode a personalidade não chegar a se alterar, mas a síntese das sensações se perturba. Este distúrbio não vai a ponto de se modificar o conceito do próprio eu, mas o indivíduo começa a ter sensação de órgãos, de que se não apercebia, e a experimentar um mal-estar que lhe demonstra que lhe falta alguma coisa. Schopenhauer dizia bem que a saúde dos órgãos se caracteriza pela negativa da existência deles.

Assim é que os batimentos cardíacos não despertam a atenção em quem não tiver qualquer distúrbio cardíaco. Atos conscientes no primeiro instante tornam-se, pela força da repetição, automáticos e inconscientes. Não sentimos o nosso coração a pulsar constantemente, até o momento em que um distúrbio funcional nos chama atenção para ele.

O ritmo orgânico, a sinergia funcional se alteram e temos a noção sentida de que nosso coração esta doente. Pode ser uma coisa muito grave, pode ser uma coisa sem valia, mas o feito é que a eurritmia se rompeu e a cenestesia se modificou. O que se disse em relação ao órgão cardíaco pode aplicar-se a qualquer outro ponto da economia.

Pode ocorrer que o distúrbio não se localize tão nitidamente e neste caso parece ao doente que sofre um pouco de tudo, que lhe falta alguma coisa, que sua saúde não é perfeita. Há uma agonia, um mal-estar, que lhe demonstra haver alguma coisa diferente do que outrora nele se operava. É o protesto instintivo a uma falta, uma deficiência nutritiva.

É a ansiedade, demonstração patente de um distúrbio da cenestesia.

A ansiedade é um fenômeno difuso, generalizado, que, no entanto, se pode localizar mais acentuadamente num dado órgão. O cérebro é o em que mais intensamente se faz ela sentir. Frequentemente os doentes se referem a esta víscera, dizendo que a sentem oca, vazia, dormente, cheia de água ou de vento, alegando, enfim, multifárias sensações.

A explicativa do feito deriva de uma ruptura da síntese sensorial. Se o indivíduo sente o cérebro, é porque há nele alguma coisa que não é normal. Quando há dor de cabeça, verifica-se excitação dos filetes nervosos da dura-máter. No caso vertente, porém, não há propriamente dor e sim uma sensação anômala, uma aflição. Os fisiologistas demonstram que a dor se produz quando um estímulo de intensidade excessiva atua sobre órgãos dotados de sensibilidade geral ou sobre nervos a eles atinentes.

Se o estímulo age com intensidade menor, não chega a haver dor, mas há o prelúdio, o limiar dela, o mal-estar. Assim, a parestesia cerebral pode explicar-se por uma excitação menor que a determinante da dor.

São conhecidas as relações estreitas que mantém com o cérebro a circulação das meníngeas. As artérias cerebrais anterior, média e posterior desdobram-se em um número avultado de ramúsculos que se emaranham uns com os outros na côdea cerebral e se imbricam com os da pia-máter. Desta vêm as artérias nutritivas do cérebro que nele se embebem mais ou menos profundamente.

No que concerne à dura-máter, seus ramos arteriais são fornecidos pelas meníngeas anteriores, meníngea média, pequena meníngea e meníngea posterior. Quase todos estes vasos se ramificam na espessura desta meníngea, havendo, no dizer de Key e Retzius, uma rede em relação com a superfície externa e outra com a interna.

As veias que se espraiam em verdadeiros lagos de segurança, os lagos de derivação de Tillaux, vêm abrir-se abaixo no plexo venoso pterigóideo Dos nervos há, na classificação de Alexander, os vasculares e os próprios da dura-máter. Aqueles se enroscam em torno dos vasos.

Tudo isto importa conhecer, porquanto é justamente neste domínio que a ansiedade cerebral se vai formar. Há um esgotamento nervoso e as células da região cortical começam a se nutrir menos. O centro sensorial na circunvolução parietal ascendente, que recebe principalmente irrigação nutritiva da parietal ascendente e frontal interna e superior, recebe também os ramos penetrantes da pia-máter. Se de qualquer das partes lhe vem sangue escasso ou mau, a célula definha. Antes de morrer, defende-se. Elimina os produtos tóxicos que vão se acumulando em seu seio, devora seu material de reserva, até que este fique em quantidade muito escassa e o elemento mau vá se estagnando nela própria. A intoxicação celular aumenta a intoxicação do organismo e, no círculo vicioso que se forma, vai se acentuando a decadência da célula nervosa. A irritação que nele se forma, procura desabafar para cima e, como o crânio é inextensível, é a dura-máter que vai sofrer compressão. Sicard demonstrou que há oscilações na tensão do líquido cefalorraquidiano. Há irritação dos filetes próprios e dos vasculares. A princípio há uma congestão a buscar suprir a desnutrição da célula que vai caindo; depois, há a estase venosa, embaraço da circulação de retorno, e assim o cérebro e meníngeas sofrem.

Em ponto grande, haveria edemacia, encefalomeningite e fenômenos gravíssimos.

Em ponto pequeno, haverá embaraço circulatório ligeiro, mas suficiente para excitar os filetes nervosos da dura-máter e as expansões terminais da circunvolução parietal ascendente.

É esta a interpretação que dou ao distúrbio psicossensorial no nervosismo. E é este o motivo pelo qual, às vezes, o uso de uma pequena dose de iodeto tão vantajosos resultados fornece a doentes meus. A perturbação da cenestesia localizada no cérebro depende, pois, de dois fatores: uma alteração nutritiva da célula nervosa e um estorvo na circulação venosa. Não é um simples produto da imaginação, um efeito da autossugestão. É o resultado de um distúrbio funcional.

Se a alteração da cenestesia se localiza noutra víscera, o mesmo raciocínio se aplica.

Assim, os indivíduos que se queixam essencialmente de uma aflição no estômago, terão no caso de nervosismo um distúrbio na inervação gástrica.

É sabido que o estômago recebe filetes motores do pneumogástrico e inibidores dos esplâncnicos, estendendo-se a origem destes da quinta à oitava vértebra toráxica.

Flourens, Longet e Müller provaram que a irritação dos esplâncnicos acarreta dor.

Demais, das experiências de Eppinger e Hess sobre o tônus vago e tônus simpático, decorre que a excitação do simpático determina dilatação pupilar, relaxamento da bexiga, dilatação do cárdia, dilatação do estômago, aceleração do pulso, glicosúria e diminuição do ácido clorídrico.

Segue-se, pois, que no momento em que se dê uma irritação qualquer nos esplâncnicos, haverá dilatação do cárdia, ectasia gástrica e hipocloridria.

Os esplâncnicos vão confluir na reborda externa do gânglio celíaco, e daí se origina o emaranhado de fibras que constituem o plexo solar.

Todas as vezes, em que se der uma alteração nutritiva do plexo solar haverá uma alteração sensorial no estômago, e dispepsia por êxtase gástrica. No tipo normal, isto não acarretará ansie-dade, no mioprágico do sistema nervoso, haverá uma sensação enorme de mal-estar. Naturalmente o doente fica impressionado com o sofrimento e, numa expressão figurada, mergulha o cérebro no estômago, esmerilha tudo e interpreta pejorativamente. Pode aí a autossugestão intervir e exagerar o mal, mas o que busco frisar bem é que não foi ela a criadora de tudo.

É um elemento de enfeite, não é a causa fundamental.

Outros doentes de nervosismo se queixam de uma aflição no intestino. Sentem-no meteorizado, muito doloroso.

Às vezes, a simples pressão normal determina dor, como se fora uma peritonite. Frequen-temente, alternam diarreia e prisão de ventre; a digestão intestinal faz-se mal e é fonte de distúrbios sensoriais.

Os doentes de gastronevroses e enteronevroses, capítulo vastíssimo que vai abrangendo quase todas as doenças do estômago e intestino, são positivamente, quase todos, esgotados do sistema nervoso.

Em alguns casos, a aerofagia, a deglutição incessante de ar, representa a origem de tudo.

Em muitos outros, porém, tudo é efeito do esgotamento nervoso do plexo solar que dá origem ao plexo mesentérico superior que na espessura das paredes do intestino se desdobra nos de Auerbach e Meissner.

Em outros casos, a aflição se faz sentir essencialmente no coração. É angustia precordial, são as palpitações, é a sensação de enchimento no hemitórax esquerdo, culminando esta no órgão cardíaco. Ausculta-se e nada se encontra, mas o doente insiste em localizar aí o seu mal.

Se o indivíduo tem um distúrbio da cenestesia cardíaca, é que há uma alteração qualquer ou na esfera do pneumogástrico, ou na do grande simpático, que inervam o coração.

Langendorf demonstrou que as artérias cardíacas recebem fibras vasodilatadoras do simpático, sendo as vasoconstritoras fornecidas pelo vago. Os batimentos cardíacos diminuem pela excitação do vago e aumentam pela do simpático.

O impulso contrátil vem dos nódulos de Keith e Flach, pelo feixe de Thorel, até o nódulo de Tawara e feixe de His, com suas ramificações. O ritmo se altera por um distúrbio neste trajeto.

Basta que haja desnutrição ou intoxicação em qualquer destes filetes nervosos, para que a eurritmia cardíaca se ressinta.

Há uma neurastenia cardíaca, que Eppinger e Hess dizem depender de uma vagotonia constitucional.

Rosenbach e Lehr dizem que na fraqueza cardíaca nervosa há sempre um primeiro período de hiperexcitabilidade e hiperestesia. É esta hipersensibilidade cardíaca que faz com que o doente se aperceba de um órgão que caladamente deve pulsar a vida toda.

Outros se queixam de uma aflição para o lado do pulmão, de enorme dificuldade na respiração.

A inervação das vias respiratórias depende do vago que fornece fibras motoras aos músculos dos brônquios e aos da fenda glótica.

Uma excitação forte pode acarretar a asma, por um espasmo dos brônquios, e o espasmo laríngeo.

Frank acredita que haja vasoconstritores no pulmão que se constituam pelo simpático. Os vasodilatadores dependeriam do pneumogástrico.

A sensação de aperto é menor que a da própria asma, mas pode depender da mesma causa e esta pode provir do esgotamento nervoso.

Assim se poderia prosseguir na análise de qualquer dos distúrbios da cenestesia e sempre se encontraria a razão de ser no exame do funcionalismo nervoso. Depois vem a preocupação, a sugestão de incrementar o mal, mas no nervosismo não foi ela a origem de tudo, mas foi nela que criou a doença.

J. Grasset, em trabalho publicado em 1912, divide as perturbações da cenestesia nas seguintes classes: hipercenestesia e nevropatia psicoesplâncnica, alucinações e ilusões cenestésicas, hipocondria e fenômenos autoscópicos, descontentamento e contentamento exagerado do eu físico.

Na nevropatia psicoesplâncnica ou cerebrovisceral engloba ele a hipercenestesia, a obsessão pelas sensações cenestésicas, exagero da cenestesia por esta obsessão, domínio fóbico e doenças correspondentes.

No caso da nevropatia completa há os elementos circulatórios, respiratório e digestivo. Por este motivo, admite ele as formas circulatória, respiratória e digestiva. A localização é toda do domínio do vago simpático.

Como sintomas, apregoa ele as palpitações, os batimentos dos vasos, as perturbações térmi-cas, as lipotimias, as vertigens, a taquicardia, a atonia gastrointestinal, mucomembranas, constipação, dispneia, necessidade de respirar voluntária e profundamente, etc. São timoratas da saúde. Há em qualquer deles a autoanálise, a autoscopia interna.

Se Grasset não explica os fenômenos como o fiz no entanto, vê-se bem que interpreta tudo por uma localização mórbida no vagossimpático, correspondendo a sua neuropatia cerebrovisceral ao nervosismo. Outro sintoma do nervosismo é a excessiva fatigabilidade.

São indivíduos que se cansam com uma facilidade extraordinária, que vivem a se queixar de fadiga, embora, às vezes, nada tenham feito para tal. Qualquer esforço torna-os exaustos. Parece-lhes que, se repousassem ou dormitassem, tudo passaria, mas é pura ilusão, pois como neurastênicos que são, ao despertar, o cansaço já é enorme, pelo acúmulo de toxinas durante a noite. Sentem como se viessem de uma doença longa e grave. É um cansaço incômodo.

Há um exagero da emotividade. As sensações internas se fazem caracterizar por uma acuidade extrema.

Uma nonada irrita-os. Uma simples admoestação, uma despretenciosa observação são motivos, para que prorrompam em prantos. Queixam-se de que os aborrecem, de que os não tomam a sério. Acreditam que o seu mal não seja bem interpretado. Pensam sempre que se não dê grande valor ao que julgam muito grave e desesperam-se no tornar compreensíveis os detalhes dos seus sofrimentos. Tornam-se pessimistas em relação à possibilidade de cura. Tudo encaram por um prisma negro e mais de um me tem confessado que tendo tudo para ser feliz, há uma névoa de tristeza que torna negros os dias mais risonhos.

A irritabilidade é outro sintoma. Vivem sempre mal humorados, zangam-se por qualquer coisa. Dizem que tudo porfia em os contrariar e recebem com uma reação agressiva intempestiva as ações mais inofensivas. A autoanálise, sintoma de grande valor, é que cria as sugestões. O doente vive a se esmerilhar, a se engolfar na meticulosa observação de seus órgãos e funções.

É a autoscopia interna, como bem diz Grasset. A concentração constante da atenção num dado ponto permite que se aprendam melhor todos os seus detalhes, mas, por outro lado, esta atividade expectante acarreta muitas vezes uma verdadeira pré-percepção, isto é, se reconhece completo um fenômeno que ainda não se ultimou. Impressionado, o doente de nervosismo dá a qualquer pequeno distúrbio da cenestesia uma importância extraordinária. Preocupado, exagera-o e o adultera. Se não prestasse demorada atenção à sua cenestopatia, se se distraísse, naturalmente ela não lhe causaria grande mossa. É bem conhecido o caso dos faquires que com a atenção intensamente fixada em coisas outras que não o seu corpo, permitem, sem pestanejar, que lhe transfixem o corpo. Igualmente os combatentes, no ardor da peleja, não se apercebem muitas vezes do golpe que os vitimou. Vê-se, pois, que na intensidade com que se percebe uma sensação, influi muito a atenção que se lhe dê.

É racional, pois, que no nervosismo o doente sinta demais e muitas vezes altere as sensações que experimenta.

Interpretando falsamente, algumas vezes, o que sente, cria pela sugestão fenômenos outros que lhe incrementam o padecer. Fundamenta ele tudo quanto o doente acredite faltar para o quadro mórbido que ideou, e quanto maior for o conhecimento clínico do nervoso, mas complexo e grave se lhe antolhará o sofrimento. Outros sintomas há que desempenham papel menos importante e são menos frequentes.

São eles: a vertigem, a insônia, o tremor, a câimbra, a astenopia neurastênica, a frigidez sexual, as perturbações vasomotoras e as nevralgias.

O diagnóstico diferencial já foi apresentado, em seus traços gerais, no início deste trabalho. Pequenos detalhes serão aditados a propósito de cada observação. Os leitores deste escrito não terão dificuldade em verificar a cada passo doentes do nervosismo. Basta que rememorem os sintomas que descrevi.

Muitas observações poderia eu aqui apresentar e desenvolver, mas, para que o volume deste se não acentue demais, apenas darei o resumo de algumas:

A.D. é uma senhora de certa idade, já entrada na menopausa, que começou a ter zoadas de ouvido muito fortes, em consequência de catarro na trompa de Eustáquio. A pouco e pouco foi ficando mais surda e impressionadíssima com isto. Preocupada com tal coisa, e com uma prisão de ventre muito rebelde, começou a deixar de se alimentar regularmente, enfraquecendo-se dia a dia. Muito trêmula, vivia em um estado permanente de inquietação, a se não se sentir bem em lugar algum, andando de um lado para o outro. Durante a noite, parecia-lhe que faltava o ar. A cabeça, tinha-a completamente tonta. Parecia-lhe, às vezes, que corria um líquido dentro dela. De quando em vez, tinha espasmos, localizados preferentemente nos membros inferiores. Análises de urinas, repetidamente feitas, revelaram, uma ou outra vez, ligeira retenção de cloretos e ureia.

Um eczema generalizado que se tornou mais notável para o lado dos órgãos sexuais, incrementou-lhe a excitação em que se debatia. Dias e dias levou num estado de ansiedade extraordinária.

Havia esclerose cardiorrenal pouco acentuada. Enteroptose. Exagero dos reflexos rotulianos. Esta doente fora vista também pelo Prof. Oscar de Souza, que diagnosticara uma neurose do simpático. Corresponde isto à diagnose de nervosismo.

A medicação empregada tem dado bons resultados, a doente está quase curada.

L.W.L. é um cliente que veio de Santos a se entregar aos meus cuidados profissionais. Tivera uma enterocolite catarral demorada e muito se enfraquecera. Começou a ter palpitações, vertigens e uma aflição enorme na cabeça. Sentia-a dormente, oca, tendo grande dificuldade em concentrar a atenção em qualquer coisa.

Sintomas bem nítidos de enteronevrose. Alternativas de diarreia e constipação. Cólicas intes-tinais. Vômitos incoercíveis.

Exame do aparelho genital revelou pequena ulceração no colo do útero, cujo tratamento não acarretou melhoria alguma no estado geral. Reação de Wassermann no sangue, negativa. Ligeira ptose gastrointestinal.

Palidez. Emagrecimento. Tinha crises de constrição toráxica, em que pensava ia morrer. Quase todos os médicos de São Paulo a examinaram e medicaram. Esteve isolada no sanatório de Santa Catarina. Dei-lhe uma medicação sedativa, um pouco de arsênico, fiz um pouco de psicoterapia e a doente, dizendo sentir-se muito bem, voltou para São Paulo.

A.M. é uma moça que se queixava de uma sensação enorme de mal-estar, tendo uma intensa constrição toráxica e dores intensas no braço e mão esquerdos. Parecia-lhe sempre que o estômago e o intestino estavam a tremer e tinha de quando em vez vertigens; nada se notava para o lado do aparelho circulatório. Abatimento. Descoramento acentuado das mucosas. Anorexia. Insônias. Medicação adequada tem melhorado seu estado geral.

C.S. é uma senhora muito nervosa que se queixa de uma zoada de ouvidos que se exacerba de quando em vez, e que lhe provoca vertigens. Fala sempre em vertigem de Menière e tumor e deles muito se arreceia.

Os talentosos colegas Prof. Austregesilo e Dr. Esposel, num interessante trabalho publicado no "Encéphale" sobre cenestopatias, em que esposam as ideias de Dupré e Camus, apresentarem a observação desta doente. Ultimamente, é ela minha cliente e todos os especialistas de ouvido, a que se tem dirigido, atestam nada ter ela no aparelho auditivo. Fiz com que ela fosse hipnotizada pelo meu distintíssimo colega Dr. Alfredo Barcellos, nada se conseguindo, o que veio a confirmar a ideia de nervosismo. Vive aflita. Sente a cabeça tonta. O tratamento mercurial, justificado por uma reação de Wassermann, fracamente positiva, deu um resultado absolutamente nulo.

Tempos fica mais calma, tempos mais ansiosa, mas a tortura do ouvido não a deixa. Continua em tratamento.

Mme. D.B. é uma alsaciana que teve grandes preocupações morais por ocasião da gestação de um filho, cujo nascimento acarretou grande hemorragia. Ficou muito abatida e começou a ter crises de choro, dizendo que sentia a cabeça vazia, que ia ficar louca, que os objetos lhe andavam à roda.

Sentia-se numa ansiedade extraordinária. Se estava no leito, parecia-lhe que o estar em pé lhe seria útil, se se levantava, sentia-se mal e se lhe afigurava que o repouso no leito de tudo a curaria. O cérebro parecia-lhe o de uma criança.

Reconhecia que as ideias mais infantis nela brotavam e se desenvolviam.

Queixava-se de uma extraordinária fraqueza e parecia-lhe que qualquer remédio lhe deter-minava depressão enorme. A pouco e pouco foi melhorando com a medicação adequada e está quase boa.

N.M. é uma cliente que teve grandes abalos morais como a perda de duas filhinhas, por ocasião de uma grande epidemia de febre amarela. Ficou permanentemente deprimida, agravando-se o seu estado por haver tido uma infecção gripal. Depois disto, começou a ter uma dor de cabeça muito forte, com exacerbações vespertinas. Mal-estar geral.

Fatigabilidade. Dormências nos braços.

Hiperestesia de couro cabeludo. Reação de Wassermann negativa. Exame de urinas nada revelou de anormal.

Anteriormente, tomara muito quinino na suposição de uma sinusite frontal pelo bacilo de Pfeiffer.

Crises de agorafobia. Insônias. Exaltação dos reflexos rotulianos. Tem sido medicada e vai muito melhor.

F.P. é um rapaz de dezessete anos, que teve uma infecção luética, cujo tratamento foi cuida-dosamente feito.

Mais tarde, teve na Europa febre tifoide, que muito abatido o deixou. Uma infecção intestinal recente veio tornar mais patente o seu estado neurastênico. Queixa-se de uma ansiedade extraor-dinária, de vertigens frequentes, de dormência na cabeça, de um formigamento nos miolos.

Quando deitado, tinha a sensação de que a cama lhe fugia de baixo do corpo. As paredes se afastavam e se aproximavam. Havia uma permanente sensação de instabilidade.

De quando em vez, tinha perturbações vasomotoras no rosto, que sentia como se fora um braseiro.

Tinha dormência no braço e perna direitos.

Estudante, notava que a sua capacidade de atenção estava muito comprometida.

Órgãos da vida vegetativa em boas condições. Atestava forte tara nervosa degenerativa. Acentuada exaltação dos reflexos rotulianos. Medicado, vai muito melhor.

M.O. é uma cliente que já esteve em casa de saúde, permaneceu longo tempo em Sanatório na Suíça e padece também de nervosismo.

Teve um aborto, a que se seguiu um padecimento uterino, em que havia fortes hemorragias.

Dismenorreia durante anos e, ultimamente, amenorreia. A idade não justifica tal fato. Insônias. Hiperexcitabilidade psíquica.

Ansiedade com paroxismos. Dormência na cabeça. Peso, como se fora de chumbo. Dificuldade em fixar a atenção em qualquer coisa. Cansaço precoce. Palpitações. Sensação permanente de susto. Cardiofobia. Manifobia.

A menor trepidação das viaturas na rua exasperava-lhe a ânsia. Desejo de estar sempre em repouso e no silêncio.

Está sendo medicada e já consegue dormir.

E.N. é uma doente que sofre de arteriosclerose cardiorrenal e tem distúrbios múltiplos da cenestesia. Tinha uma sensação permanente de zoada nos ouvidos, mormente à direita, aflição na cabeça e no coração.

Se persiste algum tempo em pé, parece-lhe que os objetos lhe andam à volta. Se presta atenção aos zumbidos, crescem eles assustadoramente.

Independentemente da sua dispneia de esforço, bem explicada pela insuficiência cardíaca, experimentava sempre um susto vago, que a fazia estar a tremer por dentro.

A cabeça parecia-lhe dormente e oca. Houve um período em que distúrbios múltiplos da cenestesia a colocaram numa tal excitabilidade, que chegou a família a recear que a razão lhe não voltasse. O distinto colega Dr. Mario Gouvêa removeu diversas crises de assistolia e de excita-bilidade que teve.

Continua a frequentar meu consultório.

M.M. é uma moça nervosa que vive esgotada por uma vida de festas e bailes e grandes abalos morais. Era extraordinário o desespero, em que se apresentou ao meu gabinete. Estava convicta de que ia ficar louca. Sentia uma enorme aflição na cabeça. Havia como que um punho a lhe apertar a cabeça. Na região orbicular direita tinha um peso enorme. Custava-lhe raciocinar e notava que a memória se esvaía. Cada dia mais se aprimorava na análise introspectiva e mais se arreceava do cérebro.

Às vezes, impulsos absurdos surgiam e grande esforço empregava em sopitá-los. De uma feita pensou em matar a própria mãe. As obsessões exacerbavam a aflição em que vivia.

A reação de Wassermann foi francamente positiva. Instituído tratamento mercurial e admi-nistrada uma medicação tônico-sedativa, ficou a doente completamente curada, gorda e bem disposta.

H.A.C. é uma doente que tem tido metrorragias repetidas e que se aproxima de menopausa. Queixava-se de uma sensação vertiginosa constante.

Cefaleia supraorbitária. Dormência nos miolos e nas pernas. Constrição na região pré-cordial.

Anginofobia e psicopatofobia. Palpitações. Crises de taquicardia emotiva. Crises de dispneia, posteriormente a qualquer susto.

Estase varicosa nos membros inferiores. Fatigabilidade excessiva. Irritabilidade. Insônias. Nevralgias fugazes e erráticas. Tremor interno intenso.

Gastroenteroptose. Está medicada e vai melhor.

E.R. é uma moça bem emagrecida que, de há algum tempo vinha sofrendo de distúrbios bem acentuados de cenestesia. Vivia só a pensar no cérebro e no ventre. Naquele havia sempre uma dormência, uma sensação de ar a escorrer; neste, cólicas e distensão gasosa, com tremulação nas paredes do intestino.

Enteronevrose. Fimatose incipiente. Leucorreia. Dismenorreia. Gastralgias periódicas. Piroses, nos paroximos dolorosos. Antecedentes nevropáticos. Hiperestesia sensorial. Suscetibilidade enorme a sustos. Reações emotivas muito intensas. Crises de pranto. Medicada ficou perfeitamente curada.

Apresentadas, muito resumidamente, algumas observações de nervosismo, cujos caracteres essenciais foram apenas enunciados, para que em demasia não cresça o volume deste trabalho, resta-me dizer como trato estes doentes.

Se tudo depende de uma fraqueza irritável, é claro que antes de tudo se faz mister repouso.

O doente deve evitar todas as preocupações morais, afastar-se do trabalho em que labute e procurar dormir e alimentar-se bem.

Nunca deve dormir menos de oito horas e, caso possa, deve repousar numa cadeira de espaldar uma hora após cada refeição.

Regimes alimentares muito severos não convêm no nervosismo, pois o doente pode enfastiar-se e antes de tudo convém nutri-lo. No entanto, há alguns alimentos que são preferíveis. Os legumes e os ovos fornecem grande quantidade de fósforo ao cérebro e são, portanto, úteis.

Ao passo que a carne de vaca contém apenas 35 centigramas de ácido fosfórico, as sementes de ervilha, favas, trigo e centeio tem 1g, 45%.

A carne é um executante cerebral e por isso se deve ser muitíssimo parco no seu uso. Se se não pode prescindir totalmente dela, pela carência de bons legumes, convém utilizá-la só no almoço.

O leite é um bom alimento, salvo se o doente tiver grande flatulência ou constipação após o seu uso. Há no tocante a este ponto a questão da idiossincrasia individual, pois há indivíduos que se dão mal com o regime lácteo, e, naturalmente, neles se não deve prescrevê-lo.

As frutas, mormente uvas, maçãs, cerejas, ameixas, as laranjas e limas, devem ser aconselhadas. O doente deve procurar alimentar-se de três em três horas, sendo sempre o almoço mais copioso que o jantar.

Para que o doente não recuse alimento, apelando para a falta de apetite, aconselhe o uso de caldo de cereais (cevada, trigo, milho branco, centeio e aveia) e de legumes (ervilha, lentilhas, cenouras, batatas, etc.), em xícaras, como se fossem um remédio que devessem tomar.

Obtive geralmente ótimo resultado com o uso de banhos mornos de 32°, durante meia hora. As duchas mornas e as duchas escocesas, com transição lenta, representam recursos de grande valia.

Nunca se deve receitar estricnina, nem tão pouco cola, para qualquer doente de nervosismo.

Qualquer injeção tônica em que haja estricnina deve ser condenada.

Excita ela extraordinariamente a medula e Bally demonstrou que pode ser ela causa de zumbi-dos de ouvido, vertigens e insônias, fenômenos que já são foreiros do nervosismo.

Em doses de um a três miligramas, muito pequenas, por conseguinte, já exagera as excita-bilidades visual e auditiva. Excita e não nutre a célula nervosa. Evidentemente, não pode curar o nervosismo e fá-lo piorar.

A cola atua pela cafeína que contém, e como é esta um excitante que nas crianças chega a provocar delírio, não deve ser, outrossim, receitada.

O melhor tônico é o arsênico. É o elemento nutritivo, por excelência, da célula nervosa. Isnard apregoa-o um verdadeiro tônico dos nervos e Cantani declara-o o melhor remédio que conhece, nos casos de hipotrofia do sistema nervoso, na degeneração incipiente das fibras nervosas, no torpor nutritivo e no esgotamento funcional dos centros nervosos. É o melhor alimento de poupança para a célula nêurica. Isnard indica-o particularmente no eretismo nervoso que ele chama nervosismo.

A pouco e pouco, o seu uso vai substituindo o fósforo das lecitinas da substância nervosa.

Os preparados arsenicais de que me sirvo são o licor de Fowler, na dose de quatro gotas todos os dias, até chegar a vinte gotas diárias e depois diminuindo para uma gota a cada dia, até voltar a quatro, quando haverá repouso de dez dias; o arseniato de sódio na dose de dois miligramas cada dia, durante vinte dias de cada mês, e, finalmente, o iodeto de arsênico na dose de 5 miligra-mas cada dia.

O fósforo representa um bom remédio.

Crocq aconselha muito o fosfato de sódio como tônico do sistema nervoso e com o objetivo particular de evitar a irritabilidade nervosa.

Os hipofosfitos de sódio e de cálcio, aqueles na dose de 50 centigramas diários e estes na de 30, são igualmente vantajosos. O ácido fosfórico medicinal, na dose de 1 grama, 50 a 5 gramas, cada dia, é igualmente empregado por mim, com vantagens. A opoterapia, representada pela lipocerebrina Chevretin, cerebrina de Poëhl, orquitina, sequardina, constitue recurso, de que não dispenso vários doentes meu.

Igualmente, aconselho pílulas de lecitina, na dose de 20 centigramas.

Ao mesmo tempo busco nutrir o sistema nervoso, dando-lhe arsênico ou fósforo; corrijo a excitabilidade, dando preparados de valeriana, meimendro, Cannabis indica, Daturna stramonium, cânfora ou símulo.

Não se deve dar cloral, nem tampouco brometo em dose alta. Em qualquer dos casos deprime-se o que já vem abatido.

Os outros preparados, a que me referi, atuam como antiespasmódicos, sedativos, que não deprimem.O valerianato de zinco, na dose de 40 centigramas diários, a conhecida solução de valerianato de amônio do Codex, o pó de meimendro, 40 centigramas, a cada dia, a Cannabis indica, sob forma de extrato gorduroso na dosagem de 5 centigramas diários, o pó de Datura stramonium, no máximo 80 centigramas, o brometo de cânfora, de 20 centigramas a 1 grama, e os extratos fluidos de símulo ou de Leptolobium elegans, 5 a 20 gramas cada dia, são recursos que acarretam valiosos resultados.

Em qualquer caso não prescindo da psicoterapia. É preciso sempre que o doente saia do gabinete médico na firme persuasão de que a cura lhe vai advir. Isto é meio caminho andado.

No entanto, acredito que o método de Dubois, por si só, não baste para determinar a cura, a menos que se não trate em casa de saúde.

O médico demonstra ao doente que ele vai ficar bom, lê a ratificar o que afirma, páginas admiráveis e persuasivas, mas logo que do doente se afaste, a sua influência vai se quebrantando e com o menor distúrbio na cenestesia reaparecem todos os fenômenos. Numa casa de saúde há os substitutos do médico, pessoas igualmente preparadas, que não permitem, esmaeça a persuasão. O doente sente-se influenciado a cada passo e compreende-se bem que isto possa atuar como uma verdadeira nutrição psíquica.

Apesar de tudo, porém, não se consegue aí o mesmo brilhante efeito que na histeria, em que a persuasão remove tudo.

Aqui é sempre preciso mais e os recursos medicamentosos completam e suprem as insuficiências da persuasão. Cabe ao critério do médico dosar esta e aqueles. Num caso, é o raciocínio do doente que desperta a "vis medicatrix", que em última análise vem sanar o mal, noutro, não cede ele quase aos argumentos que se emitem, e a demonstração objetiva e palpável dos efeitos do remédio acarreta a convicção que completa a cura.

Em qualquer hipótese é preciso agir demoradamente junto do doente.

O nervosismo é perfeitamente curável, mas se não remove em poucos dias. O doente não padece porque esteja a fantasiar, ou se deleite em chamar a atenção sobre si mesmo.

Sofre realmente e os distúrbios da cenestesia que o abroquelam podem ser exagerados pela imaginação doentia, mas não são criados por ela.

É um sofredor que merece ser tratado com o mesmo carinho que outro qualquer.

O bálsamo consolador da persuasão médica virá sempre bafejar aquele, cuja fraqueza irritável do sistema nervoso a terapêutica sabe curar.

Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, Rio de Janeiro, n.1-2, 1916, p.73-106

N.E. - Sobre este artigo, ver "O nervosismo como categoria nosográfica no começo do século XX", de Luiz Fernando Duarte, neste número de História, Ciências, Saúde - Manguinhos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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