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CARTA DO EDITOR

Caros leitores,

Acabamos de regressar do II Seminário de Avaliação do Desempenho dos Periódicos Brasileiros no JCR 2010, promovido em São Paulo pela Scientific Electronic Library Online (SciELO), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Biblioteca Regional de Medicina (Bireme), da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), e Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo (Fap-Unifesp). As apresentações estarão disponíveis no site do evento (http://migre.me/5L7xa).

O Journal Citation Reports (JCR) é um dos serviços oferecidos pela Thomson Reuters, poderosa empresa que atua em diversas áreas da informação e do conhecimento, fruto da união entre a Thomson Scientific (antigo ISI) e a agência de notícias Reuters. Sua base contém mais de 7.600 revistas científicas.1 1 Para mais informações, ver http://thomsonreuters.com/ e Carta dos Editores publicada por nós no volume 16, número 1, em 2009 (disponível em http://migre.me/5L7Bn).

A edição atualizada do JCR, contendo dados para 2010, confirma a crescente inserção internacional dos periódicos brasileiros: aqueles indexados nas coleções JCR Science e JCR Social Sciences somam 103 - um aumento de 43% em relação a 2009 -, sabendo-se que 11 mantêm Fator de Impacto superior a 1, o que a comunidade acadêmica vê como avanço notável da pesquisa científica brasileira.

Muitas revistas ingressaram há pouco nas bases de dados dos grandes indexadores, por isso a internacionalização não está plenamente refletida nos índices ora apresentados no JCR. Estamos falando da visibilidade de periódicos brasileiros. De outro lado, sabe-se que entre 1997 e 2007 o número de artigos brasileiros em publicações internacionais mais que dobrou, chegando a 19 mil por ano, e que a participação brasileira em publicações científicas internacionais subiu de 1,7% em 2002 para 2,7% em 2008.2 2 Antonio Carlos Santomauro, Nas redes do conhecimento, Presença Internacional do Brasil,v.4, n.13, 2011, p.49.

Subjazem a esses números processos estruturais mais amplos de globalização das sociedades e uma tendência conjuntural de crescente visibilidade externa do Brasil em vários planos, não apenas na economia, como também na música, literatura e outras esferas da criação cultural, inclusive (e muito desigualmente) as ciências. Há que se considerar as dinâmicas específicas às redes que interligam produtores de cultura e conhecimento; a crise econômica, política e civilizacional que atravessa as formações sociais industrializadas e ainda as políticas adotadas pelos mais variados governos e suas agências financiadoras de Pesquisa & Desenvolvimento tendo em mira alguma forma de internacionalização de suas atividades.

No Brasil, tais políticas estão em alta há alguns anos. Segundo Lea Velho3 3 Lea Velho, Internacionalização da ciência: acaso ou necessidade?, Jornal da Unicamp, Campinas, 2-11 set. 2011. , para seus defensores a participação em redes externas de pesquisa é ainda muito baixa e nossa ciência, excessivamente voltada para dentro, para seus próprios objetivos acadêmicos, o que resulta em impacto reduzido dos trabalhos brasileiros, mesmo daqueles veiculados em revistas internacionais mainstream. Além disso, ainda que tenha crescido o número de trabalhos indexados nas principais bases bibliográficas, permanece baixa a proporção daqueles feitos em colaboração com parceiros estrangeiros.

Esse foi, aliás, um dos entraves ressaltados pelos participantes do seminário a que me refiro. A despeito do clima de otimismo ali reinante, advertências importantes foram feitas: olhar não somente para os números, mas também para os conteúdos do que publica a ciência brasileira; entender como são gerados os indicadores internacionais; cruzá-los com dados sociais, econômicos e demográficos, para evitar conclusões apressadas e simplistas. Rogério Meneghini, coordenador científico da SciELO, mostrou ademais que a publicação é apenas uma etapa do ciclo da produção científica4 4 Cientista, infraestrutura, projetos, desenvolvimento de projetos, resultados, discussão informal com os pares e publicação (nacional e internacional). - ou dos ciclos, se considerarmos outra tônica das intervenções feitas no Seminário: as áreas têm suas especificidades.

Segundo os números do JCR, o desempenho dos periódicos brasileiros apresenta avanços notáveis em relação ao de outros países latino-americanos. Prevaleceram, no evento, compa-rações entre Brasil, China e Espanha, que esteve representada por Félix Moya, do CSIC/SCImago Research Group.

Engrenagem da internacionalização dos periódicos científicos, a SciELO desempenha inquestionavelmente papel decisivo nos resultados até agora alcançados. Suas coleções têm crescido de maneira constante e já abarcam a Península Ibérica e a África do Sul (em desenvolvimento). São coleções de acesso aberto que experimentaram notáveis saltos de visibilidade desde sua inclusão nessa biblioteca virtual. Do total, 90 títulos estão indexados em Web of Science e Scopus, ou seja, quase todos os periódicos brasileiros referidos no JCR.

A SciELO tornou-se protagonista no mundo do big publishing e ajuda a ciência brasileira a avantajar-se na big science. Instaurou nova (e instável) correlação de forças de dois atores que dominam esses mundos, a reforçar inclinações hierarquizantes, concentradoras, monopolistas e privatizantes. Indexadores e publishers internacionais têm avançado voraz-mente sobre periódicos dos países emergentes, o Brasil entre eles, incorporando por vezes revistas que não atendem a padrões exigidos pela boa indexação científica. Uma onda de fusões no ramo editorial deu origem a empresas gigantes, como a Elsevier, que protagonizam verdadeira batalha comercial por esse novo tipo de mercadoria. São empresas com poder de arrancar preços elevados de universidades, instituições científicas e produtores individuais que necessitam das informações armazenadas nos periódicos agora sob controle monopolista.

Félix Moya mostrou que o ingresso de revistas espanholas em Scopus e Web of Science intensificou-se após a compra das mesmas por publishers, mas indaga: "quais são hoje os periódicos autenticamente espanhóis? Como fica a ciência espanhola?".

Para quem esteve no I Seminário de Avaliação do Desempenho dos Periódicos Brasileiros no JCR, em 2010, é notável a crescente sedução do 'canto de sereia' do grande capital. Um editor contratado por empresa da área exaltou os cuidados que se deve ter com os 'clientes': autores, revisores e leitores de artigos. Outro, diante dos impasses financeiros enfrentados pela maioria dos periódicos, propôs que estes passassem a cobrar por artigo publicado enquanto não forem comprados por uma editora internacional.

O jogo pesado do grande capital na veiculação de conhecimentos impõe à SciELO desafios novos não somente para preservar o 'acesso aberto', valor democrático que outras organizações locais e internacionais procuram sustentar, como também para compensar as fragilidades dos periódicos brasileiros, ressaltadas por muitos participantes do Seminário, especialmente a dispersão, a fragilidade e o amadorismo que caracterizam boa parte das revistas, em geral associadas a programas de pós-graduação ou sociedades científicas; revistas à míngua de recursos e tocadas por equipes pequenas, com grande dose de voluntarismo, e cujos editores dividem seu tempo de trabalho com variadas atividades acadêmicas.

A SciELO prepara-se para atuar como publisher, articulando esforços e proporcionando aos periódicos 'mecanismos' que potencializem, a um só tempo, capacidade de proces-samento e de veiculação de artigos e ferramentas cientométricas, que fazem da própria SciELO um indexador hoje respeitado nos cenários interno e externo.

Maurício Rocha e Silvia, editor de Clinics, Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni, da Scientia Agrícola, e Luiz Carlos Dias, do Journal of the Brazilian Chemical Society, mostraram que as autocitações representam parcela ponderável dos rankings concernentes, por exemplo, a Estados Unidos e China; se as excluirmos, baixam consideravelmente seus índices de citação. Além do acesso aberto, outra singularidade do caso brasileiro reside na força que a SciELO agregou aos periódicos previamente a sua inclusão nas bases internacionais. As autocitações representaram, assim, alavanca importante e prosseguem com repercussões notáveis nos índices compilados pelos ranqueadores internacionais. Para Rocha e Silvia, pesquisadores e editores precisam superar a "síndrome da baixa auto-estima dos países de língua latina" elevando as autocitações - mas com rigor, sem manobras oportunistas, advertiu Alleoni.

As áreas do conhecimento são diferentes e têm dinâmicas próprias, que devem ser consideradas ao se avaliarem os ranqueamentos induzidos por índices de citação e fatores de impacto. Não por acaso intitulou-se "Por onde anda o impacto dos periódicos das ciências humanas?" a comunicação de Charles Pessanha, único representante da área convidado a se manifestar no conclave paulista. O editor de Dados, a revista há mais tempo no JCR, lembrou a importância que têm os livros na produção dos cientistas sociais e ressaltou a heterogeneidade de seus periódicos e dos idiomas em que veiculam seus trabalhos, com preponderância, é claro, do português.

Profissionalizar o processo editorial, aperfeiçoar o feedback dos editores para com os autores, revisores e leitores, cuidar com responsabilidade das autocitações são desafios que os periódicos das ciências humanas compartilham com os demais, porém, do ponto de vista da internacionalização, para qualquer área nenhum desafio hoje é tão importante quanto o de adquirir capacidade técnica e financeira de veicular os trabalhos no idioma de mais largo uso ainda no plano internacional, o inglês.

Especificamente na área de história, há uma corrente hostil, com razão, à visão 'colonizada' de que só periódicos estrangeiros são bons, e que encara a internacionalização sobretudo como a capacidade de atrair artigos, em português, de historiadores estrangeiros para revistas brasileiras. Isso pode ser verdade também, desde que se tenha o cuidado de evitar o que com muita frequência se observa em periódicos nacionais: traduzir ou requentar trabalhos de fora, apresentando-os como criações originais.

Nesta era de acelerada globalização da comunicação científica, quando os periódicos precisam forçosamente fincar pé na Web, mais importante é permitir às comunidades de pares de diversos países o acesso à produção brasileira por meio do idioma inglês, conservando-se, é claro, a língua portuguesa como meio de comunicação com os leitores nativos e com o vasto mundo lusófono. Igualmente relevante é mobilizar revisores internacionais para avaliação de trabalhos localmente produzidos, como forma de forçar a sintonia de seus autores com o estado internacional da arte sobre seus objetos de pesquisa e como forma, também, de elevar o reconhecimento dos periódicos brasileiros fora do país, e assim capturar colaboradores externos. No que concerne à historiografia, as correntes atuais valorizam cada vez mais abordagens comparativas, enredamentos de atores e mostram que quanto mais bem feita é a redução da escala de análise, mais longe o analista tem de buscar suas fontes. Para ser denso e rico, o estudo de caso nacional, regional ou local precisa de moldura ampla, que extravasa fronteiras de toda espécie.

O momento que vivemos abre a possibilidade de os periódicos brasileiros se imporem como canais de comunicação científica respeitados internacionalmente e para que isso se realize a barreira linguística precisa ser superada. Como bem ressaltou Abel Packer, cabe aos editores avaliar com discernimento quais artigos devem ser publicados também em inglês e quais convém veicular só no idioma do país.

Jaime L. Benchimol

Editor científico

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    Para mais informações, ver
    http://thomsonreuters.com/ e Carta dos Editores publicada por nós no volume 16, número 1, em 2009 (disponível em
  • 2
    Antonio Carlos Santomauro, Nas redes do conhecimento,
    Presença Internacional do Brasil,v.4, n.13, 2011, p.49.
  • 3
    Lea Velho, Internacionalização da ciência: acaso ou necessidade?,
    Jornal da Unicamp, Campinas, 2-11 set. 2011.
  • 4
    Cientista, infraestrutura, projetos, desenvolvimento de projetos, resultados, discussão informal com os pares e publicação (nacional e internacional).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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