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As doenças e as dietas na construção da alteridade entre os integrantes do Exército imperial brasileiro durante a Guerra dos Farrapos

Resumos

Na Guerra dos Farrapos milhares de brasileiros foram convocados para lutar pelo Exército imperial contra os republicanos rio-grandenses. Os dez anos de conflito reuniram no mesmo lugar militares oriundos de diferentes partes do Brasil, o que propiciou a construção de relações de alteridade entre eles. Aglomeravam-se distintos sotaques, experiências e referências, tornando visível a diversidade entre os brasileiros. Tal ambiente estimulou a delimitação de identificações diversas e comuns, entre elas práticas alimentares e incidência de doenças, balizadores para a identificação/diferenciação das origens dos contingentes. Essas questões são analisadas com base na documentação manuscrita produzida cotidianamente pelos administradores do Exército.

Guerra dos Farrapos; doenças; Exército imperial; militares; Brasil Império


During the War of the Farrapos, the imperial army called thousands of Brazilians to fight against the Rio Grande republicans. The ten years of conflict brought soldiers from different regions of Brazil together in one place, and reciprocal social interaction led to the construction of otherness relationships. A broad spectrum of accents, experiences and references came together, making the diversity of Brazilians from different regions visible. This diversity stimulated the demarcation of different and shared means of identification, among which we highlight diet and diseases, which served as signs to identify/differentiate the origins of the troops. These questions are analyzed based on handwritten documentation produced daily by Army administrators.

War of the Farrapos; diseases; Imperial Army; soldiers; Imperial Brazil


ANÁLISE

Professor do Departamento de Metodologia do Ensino e do Programa de Pós-graduação em História/Universidade Federal de Santa Maria. Rua Tuiuti, 2434/ 301, 97050-420 - Santa Maria - RS - Brasil jiranribeiro@gmail.com

RESUMO

Na Guerra dos Farrapos milhares de brasileiros foram convocados para lutar pelo Exército imperial contra os republicanos rio-grandenses. Os dez anos de conflito reuniram no mesmo lugar militares oriundos de diferentes partes do Brasil, o que propiciou a construção de relações de alteridade entre eles. Aglomeravam-se distintos sotaques, experiências e referências, tornando visível a diversidade entre os brasileiros. Tal ambiente estimulou a delimitação de identificações diversas e comuns, entre elas práticas alimentares e incidência de doenças, balizadores para a identificação/diferenciação das origens dos contingentes. Essas questões são analisadas com base na documentação manuscrita produzida cotidianamente pelos administradores do Exército.

Palavras-chave: Guerra dos Farrapos; doenças; Exército imperial; militares; Brasil Império.

Durante os quase dez anos da Guerra dos Farrapos, o Exército imperial brasileiro no Rio Grande do Sul recebeu milhares de efetivos vindos de outras partes do Brasil. Para uma ideia desse contingente, basta mencionar que, em 1845, as forças imperiais eram formadas por 12.537 combatentes, dos quais quase quatro mil eram guardas nacionais em destacamento, em sua maioria rio-grandenses, e cerca de nove mil eram militares do Exército, em boa parte brasileiros chegados de Pernambuco, do Rio de Janeiro e da Bahia.

A reunião no mesmo lugar de militares oriundos de diferentes partes do Brasil e o convívio propiciaram relações de alteridade entre eles. Aglomeravam-se sotaques, experiências e referências as mais distintas, tornando visível a diversidade entre os brasileiros. Não obstante, o fato de a guerra ter-se desenvolvido no sul fez com que o balizamento das diferenças se pautasse nas características dos nativos do Rio Grande do Sul. Em razão disso, dificilmente as características presentes nos brasileiros de outras regiões eram mencionadas na documentação. Algumas particularidades eram apontadas para diferenciar os rio-grandenses dos brasileiros de outras regiões, por exemplo, sua adaptação ao rigoroso inverno da região, o consumo elevado de carne bovina, a fama de serem exímios cavaleiros. O objetivo deste artigo é analisar algumas dessas particularidades.

A maneira pela qual os indivíduos se relacionavam com o clima é uma das questões que se destacam nos registros da época. Como ressaltou Witter (2007), os viajantes estrangeiros que percorriam o Rio Grande do Sul referiam as condições amenas e salutares do clima da província, considerado muito semelhante ao da Europa e mais adequado aos que chegavam do Velho Mundo do que o de qualquer outra parte do Brasil.1 1 Nas palavras de Joseph Hörmeyer (1986, p.41), "não é fácil encontrar uma zona mais amena e saudável do que a província do Rio Grande do Sul". Já para Nicolau Dreys (1961, p.173), "a sobriedade praticada no meio de uma fartura ao alcance de todos, debaixo de um céu salutífero, sobre uma terra que conserva até cadáveres, deve certamente dar em resultado uma geração robusta, sadia e vivaz; é isso o que se vê no Rio Grande". Até mesmo os representantes do governo colonial português elogiavam as qualidades de região. Em 1754 escreveu um deles que "é o melhor clima que tem a América, pois ainda ali se não experimentou, nem houve sezões, nem febres malignas, e mulheres que eu tinha mandado do Rio, as mais corridas e galicadas, sem cura melhoraram, e pariram quase todas" (citado por Cesar, 1998, p.108; Noal Filho, Franco, 2004). Não obstante, Saint-Hilaire (1997), por exemplo, enfatizou a pouca importância que os rio-grandenses davam às baixas temperaturas, e disso também reclamou o cônjuge da herdeira do trono imperial brasileiro alguns anos depois.2 2 Escreveu o botânico francês: "Quando cheguei, fazia frio, mas reparei que todas as portas e janelas estavam abertas. Geralmente, os habitantes desta região resistem às intempéries mais facilmente que nós. Apesar das geadas quase todas as noites, tudo está aberto; não há aquecimento em nenhuma casa, nem meios de fazê-lo" (Saint-Hilaire, 1997, p.24). Em sua viagem ao Rio Grande do Sul, o conde d'Eu (1981, p.37) reparou que "decididamente os cobertores parecem ser desconhecidos na província do Rio Grande do Sul: ao que me dizem, é o poncho, que faz as suas vezes. Felizmente eu tinha feito provisão de cobertores em Porto Alegre, de forma que não tive tanto frio no leito ... é sempre a mesma coberta de seda encarnada estendida sobre o leito, o mesmo lençol transparente e guarnecido de uma larga orla de rendas e bordados. ... Muito luxo e pouca comodidade". É certo que se deve interpretar a percepção dos estrangeiros com todo cuidado, pois admiravam o que viam a partir de perspectivas e interesses específicos, e nem sempre estavam muito preocupados em considerar alguma totalidade (Fleck, 2006). Contudo, não são registros descartáveis e podem servir para sugerir questões desprezadas ou pouco mencionadas em outras fontes.

Conforme relatos de alguns desses observadores, as temperaturas no Rio Grande do Sul oscilavam, no verão, entre 27ºC e 29ºC, podendo alcançar 35ºC; no inverno, entre 1,5ºC e 13ºC, mas a sensação de frio aumentava com a chegada dos ventos minuano e pampeiro, vindos respectivamente da cordilheira dos Andes e dos pampas argentinos (Hörmeyer, 1986; Baguet, 1997). Se essas oscilações podiam ser agradáveis aos estrangeiros, "sufocados com os calorões no Rio de Janeiro, as polvadeiras e as noites frias de Buenos Aires" (Isabelle, 1983, p.58)3 3 O viajante e naturalista francês Arsène Isabelle (1983) referia-se a Porto Alegre, onde encontrou "um ar temperado, perfumado, puro e salubre; também os médicos não fazem fortuna! Os farmacêuticos estão mesmo reduzidos a perfumaria" (p.58). , os indivíduos habituados às regiões quentes custavam a se adaptar às condições ambientais do sul, especialmente se tivessem de enfrentá-las junto com outras asperezas da vida de combatentes.

Por mais rigoroso que fosse o verão, para os militares as dificuldades eram maiores no inverno. A chegada do frio significava a paralisação quase total das operações de combate. As temperaturas baixas e a umidade faziam aumentar as doenças e, as deserções, e muitos homens deixavam as unidades para se abrigar em casa, recusando-se a voltar antes do fim de setembro. Os cavalos ficavam inúteis para a marcha, os caminhos tornavam-se atoleiros, os rios transbordavam (Brito, 27 maio 1836). Era época de invernar, quer dizer, reunir os efetivos em acampamentos protegidos do frio e prepará-los para o reinício das operações.

Todos sofriam. Mas, assim como os soldados europeus enfraqueciam com o calor e as doenças tropicais do Nordeste brasileiro (Mello, 1998), desde os tempos coloniais os militares vindos de outras partes do Brasil incomodavam-se com o frio da região Sul (Possamai, 2006; Seidler, 2003). Em função disso, os comandantes militares podiam calcular os prejuízos causados pela dificuldade de aclimatação da seguinte forma: "Cada recruta que vem do norte não fica aqui posto por menos de 400 réis, porque logo que saindo de suas casas lá do sertão, vêm vencendo, e os condutores, fretes, armamentos e fardamentos, e destas algumas é só número, que vão ao hospital e de lá para o cemitério" (Rodrigues, 17 ago. 1839). Em 1840, estimava-se que, dos 7.979 integrantes do efetivo total em operações no Rio Grande do Sul, podia-se contar com cerca de 6.500. "Todas as mais são doentes, ou praças em outros destinos" (Andréa, 3 out. 1840). Diferenciando a origem dos doentes, o barão de Caxias (1950, p.84) afirmou, em 1843, que por volta de "dois terços dos recrutas que vêm do norte, vão por muito tempo povoar os hospitais".

Parte dessas ocorrências se dava em virtude das dificuldades para alojar tantos efetivos. A maioria dos doentes ficava alojada nas localidades do litoral, e a dificuldade de acomodar tantos homens tornava frequente o uso de espaços poucos salubres, transformados em quartéis mais ou menos temporários. Certa vez o cirurgião do hospital militar de Rio Grande reclamou do fato de alguns soldados pernambucanos estarem alojados numa "charqueada ... onde respiravam um ar impregnado de vapores pútridos" (Cunha, 24 jan. 1841; Barreto, 19 jan. 1841), fazendo-os adoecerem.4 4 Em números, este contingente era formado por 350 homens (Cunha, 24 jan.1841), e sessenta deles tiveram de ser internados (Barreto, 19 jan. 1841). Em Porto Alegre, outras charqueadas junto aos alojamentos foram descritas como "foco primeiro de infecção ... danoso à saúde dos soldados e da população dessa cidade pela putrefação do sangue dos intestinos das reses" (Veloso, 18 maio 1842). Em 1842, um comandante de unidade informou o presidente da província de que havia transferido seus homens de Rio Grande para São José do Norte, devido à "horrorosa mortandade que sofreu o batalhão ... havendo dias de 8 mortos, de sorte que em 10 dias que ali residi faleceram 35 praças pela intensidade da epidemia das afecções cerebrais" (Veloso, 18 maio 1842). Essas ocorrências vinham de antes e continuaram entre os efetivos chegados anos depois do final da Guerra dos Farrapos, apesar das medidas tomadas pelos médicos - isolamento dos doentes e tratamento dos soldados nas santas casas de misericórdia. (Andréa, 6 set. 1849; Landel, 24 jan. 1837; Leitão, 22 maio 1843).

Esses relatos tendem a condizer a afirmação de Eric J. Hobsbawm (1982) sobre o grande perigo de morte nos exércitos da "Era das Revoluções", quando as doenças matavam mais que o inimigo. Em suas palavras, "somente 6 ou 7% dos marinheiros britânicos que morreram entre 1793 e 1815 sucumbiram diante dos franceses; 80% morreram devido a doenças e acidentes" (p.112). Um dos grandes problemas dos exércitos, segundo Hobsbawm, eram as difíceis condições de salubridade e higiene. Contudo, a falta de higiene e salubridade era um problema - ou melhor, uma condição generalizada a quase toda a população -, chamado de "a sujeira como hábito" nas palavras de Emanuel Araújo (1983). Isso deve ser compreendido, num contexto histórico, como fruto de sensibilidades diferentes que não viam no lixo e no pouco asseio, necessariamente, algo negativo (Rodrigues, 1995).5 5 Sobre as mudanças no comportamento da civilização ocidental, ver Elias, 1994, e Vigarello, 1988. Leila Algranti (1997) destaca a incorporação de alguns hábitos de higiene entre os costumes da vida familiar, especialmente nas casas mais abastadas, mas a consolidação desses valores para o restante da população passou a ocorrer a partir do final do século XIX; a esse respeito, ver Chalhoub, 1990 e Rocha, 2003.

É certo que havia especificidades entre as condições de vida de civis e de militares que podiam resultar numa maior ou menor incidência de algum mal típico. Afinal, parece lógico que indivíduos não habituados às frias e úmidas invernias meridionais sofressem consideravelmente ao chegar à província. Segundo Marlon Salomon (2005, p.101), o "clima não exerce uma ação direta sobre os indivíduos", sua incidência é indireta porque depende da constituição dos indivíduos, "dos hábitos anteriormente adquiridos e das maneiras de viver que depois se adotam". Por exemplo, só excepcionalmente os civis eram obrigados a fazer marchas de léguas, a dormir ao relento, a depender das geralmente deficientes redes de abastecimento de alimentos montadas pelas autoridades, a passar noites em postos de guarda. Mesmo que tivessem de enfrentar uma ou outra situação dessas, por sua maior mobilidade e independência, a população civil livrava-se delas com mais facilidade e rapidez.

Pode-se mensurar a dificuldade da rotina militar pelo deslocamento de uma unidade. Eram 1,2 mil homens mobilizados, de Santa Catarina até o oeste do Rio Grande do Sul. Estimava-se que da ilha do Desterro levariam 35 dias em três viagens de barcas a vapor até Rio Grande; dali, transportados em iates puxados por vapores, gastariam oito dias para chegar a Triunfo. Cachoeira seria alcançada em mais dez dias de caminhada, porque era quase impossível levar tanta gente pela correnteza do rio Jacuí no inverno, no que, se fosse feito, demorariam mais de um mês. A marcha continuaria até Alegrete por cerca de 460km de campanha, atravessando rios e arroios que no inverno não davam vau e podiam encher a qualquer momento. Em tempos de paz, uma única unidade ligeira, sem artilharia, cobriria a distância em trinta dias, mas na guerra o tempo de percurso era inimaginável. Se fossem tropas aclimatadas, o desgaste não seria tão grande, mas o soldado 'bisonho', isto é, sem experiência, se "escapasse ao rigor do tempo não poderia escapar ao ferro do inimigo" (Rio Pardo, 15 jul. 1841), vaticinava um pessimista experimentado. Eram muitas as oportunidades de adoecer.

Apesar dessas considerações, as menções sobre a ocorrência de doenças entre as tropas vindas do norte são pouco precisas. Referem-se a bexigas, febres e afecções cerebrais, febre tifoide, disenteria, entre outras moléstias. Infelizmente, apesar do enorme desenvolvimento da pesquisa em história da cura no Brasil, são raros os trabalhos sobre a relação entre doenças e militares no país. As análises sobre as repartições de saúde do Exército contribuem pouco para a discussão, porque se têm preocupado exclusivamente em analisar as instituições6 6 O desenvolvimento da área de história da saúde pode ser mensurada por obras coletivas; ver Chalhoub, 2003 e Hochman, Armus, 2004. Análises a respeito das instituições de saúde do Exército imperial podem ser consultadas em Mitchell, 1963, Santos Filho, 1991 e Passos, Barreira, 2003. , e não a ocorrência de doenças, os tratamentos, a mortalidade, entre outros aspectos. Até mesmo a historiografia militar tem analisado essas ocorrências sumariamente. Isso é válido inclusive para a guerra contra o Paraguai, quando os surtos de cólera-morbo ceifaram milhares de vidas. Na mais ampla e consistente análise sobre esse conflito, Francisco Doratioto (2002) refere apenas que a carne verde e o consumo de água dos rios causavam problemas de saúde, especialmente nos efetivos do norte, além de fazer outros comentários sobre o corpo de saúde do Exército brasileiro e reproduzir registros de testemunhas sobre a cólera. Ricardo Salles (1990) e Wilma Peres Costa (1996) apresentam informações mais detalhadas. Com base nos relatórios do Ministério da Guerra, Salles cita percentuais de doentes de cólera-morbo, febres e diarreia que atacavam os efetivos da Tríplice Aliança. Costa apresenta números que confirmam as afirmações de Eric Hobsbawm sobre a letalidade das doenças, que em certos períodos matavam mais do que os inimigos. Sobre a Europa, Sabina Loriga (1991) apresenta quadros comparativos das causas de mortes entre civis e militares, especialmente entre os infantes. Conclui que morriam três militares para cada civil devido às más condições de salubridade dos quartéis, onde grassavam surtos de doenças venéreas, tuberculose, escorbuto e varíola.

O único trabalho dedicado especificamente a analisar as causas e a ocorrência de doenças entre militares brasileiros em campanha é o de Jorge Prata de Sousa (2004), sobre as condições sanitárias e higiênicas das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai. Baseado nos relatórios dos ministros da Guerra e da repartição da Marinha, o autor concluiu que os militares morriam mais devido às doenças do que em razão dos combates. As principais razões daquelas mortes eram a baixa qualificação dos recrutas mobilizados; o pouco cuidado dos médicos nas inspeções de saúde; as péssimas condições de salubridade e higiene durante a guerra, inclusive em relação às dietas; e as inapropriadas condições para o transporte dos efetivos.

Os dados do governo e as memórias da guerra contra os republicanos rio-grandenses não são tão detalhados quanto os documentos disponíveis aos pesquisadores da guerra contra o Paraguai ou das guerras na Europa. Não obstante, sabe-se que as avaliações de saúde nos depósitos de recrutas não eram muito criteriosas, e que se atestavam como aptos indivíduos que se mostravam doentes quando chegavam ao sul. Tais discrepâncias entre os cirurgiões do Exército no Rio Grande do Sul e da Corte se mantiveram até o final da guerra, e militares considerados incapazes no sul foram julgados saudáveis no Rio de Janeiro (Brasil, 1943, ordem do dia de 8 de novembro de 1844). Esses dados permitem inferir que muitos indivíduos foram aproveitados no Exército imperial sem que tivessem boa saúde. De modo semelhante, foi o que observou Jorge Prata de Sousa na mobilização da guerra contra o Paraguai, anos depois.

O objetivo deste artigo, porém, não é fazer uma análise das condições físicas dos militares, mas sim entender de que maneira a ocorrência de enfermidades servia de elemento diferenciador e identificador dos militares advindos das províncias do norte e do sul do Brasil. Infelizmente, só há dados estatísticos da incidência de doenças no Rio Grande do Sul referentes a quase 18 meses após o término da guerra, exatamente a época do ano em que o inverno é mais rigoroso na província.

No Quadro 1, observa-se que morreram pouco mais de 1% dos doentes relacionados, percentual muito baixo, se comparado com os óbitos dos hospitais brasileiros durante a guerra contra o Paraguai.7 7 Ao analisar os óbitos no hospital brasileiro em Montevidéu entre 1865-1866, Sousa (2004) observou o falecimento de quase 10% dos enfermos, ao passo que em 1864 morreram 17% dos tratados no hospital da Marinha e 16,5% no hospital do Exército. E, à exceção de um doente de 'blenorreia', nenhum dos indivíduos faleceu por 'constipação de pele' ou por qualquer outro dos males mais frequentes. Não há contradição entre a maior ocorrência de algumas doenças e o fato de a maior parte das mortes se dar em consequência de outras enfermidades. Obviamente, algumas doenças eram mais letais que outras, uma vez que se podiam controlar as epidemias.


Segundo o relatório do ministro da Guerra de 1844, o Rio Grande do Sul e a Corte eram os lugares mais necessitados de hospitais e profissionais de saúde no Brasil, devido à enorme concentração de efetivos. No sul as dificuldades eram ainda maiores, entre outros motivos porque grande parte dos cirurgiões era comissionada e encontrava empregos melhores fora do Exército.8 8 Pelo menos quatro dos nove médicos nomeados cirurgiões-mores por comissão do Exército no Rio Grande do Sul, no final de 1842 (Pereira, 27 out. 1842), pediram demissão da função menos de dois anos depois e outro, pouco mais de três anos depois (Brasil, 1943, ordens do dia de 25 de junho de 1845, 19 de agosto de 1845 e 1º de abril de 1845; Coelho, 16 dez. 1846). Antes disso, mesmo nos hospitais militares mais importantes da província, como o Hospital Militar de Porto Alegre, o número de cirurgiões era insuficiente, ao mesmo tempo que também havia problema para o suprimento dos remédios e das dietas necessárias (Silva, 9 mar. 1841). Durante a guerra contra o Paraguai, também havia poucos médicos interessados em trabalhar como cirurgiões do Exército (Sousa, 2004). Em 1846 havia 14 hospitais regimentais no Rio Grande do Sul. Não obstante, muitos dos militares doentes na província eram enviados para a Corte em busca de melhores tratamentos, em virtude da gravidade das doenças que sofriam. Isso fazia com que, embora o número de militares doentes no Rio Grande do Sul fosse maior do que o de tratados no Rio de Janeiro, a Corte concentrasse os casos considerados mais graves, que eram em menor número. O Quadro 2 informa o número de doentes e as doenças mais letais, no hospital de guarnição do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 1845.


No Quadro 2 observa-se maior correspondência entre as doenças mais correntes e as que mais causaram mortes, especialmente no segundo trimestre.9 9 Em 1845, 299 militares do Exército foram tratados no hospital da Marinha no Rio de Janeiro. As doenças ali predominantes, entre julho e outubro, correspondem às do hospital do Exército: diarreias/disenterias (34), bronquites (31), febres intermitentes (24), pneumonias (24). A exceção é o grande número de sifilíticos (66) não mencionados naqueles mapas (Manx [?], 8 out. 1845). Esses dados não foram incluídos no quadro porque o documento não informa o número de mortos. Em algumas inspeções realizadas no hospital da Marinha durante a guerra contra o Paraguai, as doenças mais ocorrentes eram tuberculose, asma, bronquite, pneumonia, problemas cardíacos, reumatismo, hepatite. A epidemia de cólera só ocorreria em 1868 (Sousa, 2004). Além disso, os números do quadro informam que 4% dos doentes tratados morreram, proporção maior do que a observada no Rio Grande do Sul (1%). Não obstante, cabe destacar que esses números são expressivamente baixos se comparados com os analisados em outros estudos. De acordo com Beatriz Teixeira Weber (1999), surtos epidêmicos nas primeiras décadas do século XX vitimaram 25% dos doentes em Porto Alegre, 20% no Rio de Janeiro, 16% em Buenos Aires e 15% em Londres. Weber destaca que as populações tentavam curar suas enfermidades por meio de muitos outros recursos antes de recorrer ao tratamento hospitalar, simplesmente porque não tinham como deixar de trabalhar para garantir a subsistência. Somente os casos em que não se havia conseguido a cura com outros tratamentos eram levados aos hospitais.10 10 "A primeira providência de quem adoecia era ouvir os conselhos de vizinhos, parentes ou amigos que já tinham apresentado os mesmos sintomas e saber o que haviam usado como tratamento ... Estar doente ou precisar procurar um médico significa ficar sem trabalhar e, portanto, sem poder sustentar a si e a sua família" (Weber, 1999, p.215). Os militares internados, por sua vez, continuavam a receber seus soldos, ainda que os valores pudessem ser revertidos para as instituições de saúde. Isso explica, por exemplo, a grande ocorrência de 'constipações de pele' e 'sarna' entre os tratados nos hospitais militares, o que provavelmente não acontecia nos hospitais que atendiam à população civil.

Muitos militares pediam para sair do Rio Grande do Sul alegando que o clima da província dificultava a cura de suas enfermidades, mais facilmente obtida se estivessem ao lado de suas famílias nas províncias de origem. Mas, além deles, muitos outros eram enviados para o Rio de Janeiro em busca de melhores tratamentos para as enfermidades. Segundo o ministro da Guerra, a experiência demonstrara que era dispendioso e pouco eficaz criar hospitais bem aparelhados em vários lugares e que, portanto, urgia criar um grande hospital militar na Corte para atender o crescente número de doentes, muitos vindos do Rio Grande do Sul. O projeto foi concretizado entre 1844-1845, com a reunião dos dois hospitais militares da cidade num novo prédio, no morro do Castelo (Santos Filho, 1991).11 11 Solicitações de dispensa para o tratamento junto às famílias nas províncias de origem podem ser consultadas, entre muitos documentos, em Silva, out. 1837, Carpes, 10 set. 1837 e Souza, 22 nov. 1848. Sobre a reorganização dos hospitais militares da Corte, ver os relatórios anuais do Ministério da Guerra de 1843 e 1844.

Os casos de enfermidades mais graves eram enviados para tratamento no Rio de Janeiro, mas alguns doentes não foram embarcados para a Corte porque "ficaram esperando [no Rio Grande] por não serem suas moléstias bem pronunciadas" (Rodrigues, 4 abr. 1844).12 12 Ver também o caso do sargento Manoel B. Fávila, transferido para o Rio de Janeiro devido aos graves ferimentos recebidos em combate, que resultaram na sua reforma. (Pereira, 22 jun. 1841, 20 jun. 1841). O procedimento para o envio de militares doentes para a Corte era simples. Depois de uma primeira inspeção no Rio Grande do Sul, se fosse o caso, os médicos determinavam a transferência para o Rio de Janeiro. Tais transferências explicam por que grande número das doenças constantes dos mapas dos hospitais regimentais do Rio Grande do Sul acusa baixa letalidade.

Há listas de inspeções de 160 militares vindos do Rio Grande do Sul, realizadas no hospital militar da guarnição do Rio de Janeiro em 1844. São amostras parciais, mas permitem uma ideia melhor do estado de saúde dos militares do Exército imperial, porque se referem aos casos considerados mais graves. As listas não informam a origem dos doentes, somente os diagnósticos e as unidades a que pertenciam. Poucos integrantes das armas da infantaria e da artilharia eram naturais do Rio Grande do Sul, uma vez que os nativos da província quase monopolizavam a arma da cavalaria. Considerando esse critério válido para indicar a origem daqueles indivíduos, pode-se deduzir de onde provinham os militares doentes. A partir disso, a comparação proporcional e por armas, entre o número de doentes e os efetivos do Exército imperial, em 1844, no Rio Grande, sugere algo interessante (Quadro 3).


É grande a semelhança entre os percentuais dos efetivos das armas de infantaria, artilharia e cavalaria e os de doentes tratados no Rio de Janeiro, o que permite inferir que as enfermidades mais graves ocorriam de maneira mais ou menos uniforme entre as tropas imperiais, fossem elas do norte ou do sul. Por exemplo, nessas listas tanto está o corneteiro paraibano Antônio Felipe13 13 Antônio Felipe foi recrutado em 1833 na Paraíba, onde trabalhava como sapateiro, e ocupou a função de corneteiro do Exército em 1834 - esse posto, assim como as referências sobre a unidade em que servia permitiram distingui-lo de dois outros homônimos. Em 1843, Felipe foi inspecionado e transferido como doente para o batalhão do depósito, seguindo depois para inspeção no Rio de Janeiro. quanto o soldado de cavalaria Bento Bandeira de Melo, ambos diagnosticados como portadores de "afecções pulmonares". Aparecem muito mais militares do norte nessas listas porque eles eram em maior número. Contudo, num outro contexto de guerra, a ocorrência das doenças é inversa, e ainda assim as doenças mais letais se alastram igualmente entre todos. É o que também se percebe consultando os registros do Livro de Óbitos do Hospital Militar de Porto Alegre, de 1827, portanto no período da guerra da Cisplatina, outra oportunidade em que efetivos das várias partes do Brasil lutaram lado a lado. Além do nome, da unidade e da causa da morte, entre outros, o livro informa o lugar de nascimento dos falecidos. Os 'sulistas' são em maior número, com destaque para os rio-grandenses, mas as causae mortis são as mesmas.14 14 São 26 militares do norte e 36 do sul, além de 19 estrangeiros, especialmente alemães (11). Entre os 16 rio-grandenses, dois morreram de "ético" e outros dois de "bexigas", assim como um dos dois cearenses, um dos três baianos e o único sueco; um rio-grandense, um fluminense, um baiano e um portenho morreram de "tísica" (Livro, 1827, inspeções 26, 29 e 33).

Se as doenças mais letais atingiam igualmente os militares de todas as regiões do país, como explicar o fato de os do norte adoecerem com maior facilidade? Em certa ocasião, um alto oficial foi categórico ao afirmar: "não é o frio que mata os soldados no Rio Grande do Sul, o que os mata é mandá-los para ali mal alimentados e vestidos à ligeira, com calças e jaquetas de brim, como eu mesmo observei em 1836" (Brito, 15 maio 1841). Há certo exagero nesta afirmação, ainda que reclamações sobre a insuficiência e a inadequação dos uniformes fossem frequentes e atingissem igualmente os efetivos. A esse respeito, os rio-grandenses levavam alguma vantagem, por disporem de roupas mais apropriadas e poderem abrigar-se nas próprias casas ou em residências de conhecidos, embora também estivessem sujeitos às intempéries, nas marchas pelo interior. Em suma, o frio e a umidade muito contribuíam para a ocorrência das doenças, mas parece mais adequado buscar as causas das mortes analisando as moléstias mais incidentes.

Considerações mais detalhadas sobre a maior ou menor gravidade das doenças fogem ao objetivo deste trabalho e ficam para os historiadores das práticas de cura. No entanto, cabem algumas observações a respeito dos casos de tuberculose, diarreia e/ou disenteria. Ao estudar os escravos do Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX15 15 Sobre a relação doença-escravidão em várias partes do Brasil, ver Pôrto, 2007. , Mary Karasch (2000) produziu uma relevante análise sobre a ocorrência de várias doenças no Brasil. Conforme a autora, a tuberculose era a doença que mais matava cativos e pobres livres na capital imperial. Podia ser transmitida pelo contato sexual - assim como o tifo, que devastou tropas na Europa (Bercé, 1985) - e pelo convívio em aglomerações e ambientes pouco ventilados, e atingia principalmente indivíduos com nutrição insuficiente, sob forte estresse e excesso de trabalho. Nessas condições se encontravam os militares residentes nos quartéis, em alojamentos, nas cidades-guarnições do Rio Grande do Sul, sem distinção de origem. Conforme Karasch, sob a designação disenteria estavam as duas variações da doença, indistinguíveis aos médicos do século XIX. O tipo mais letal era a disenteria bacilar, que provocava nos infectados febres e movimentos intestinais, com vômitos de sangue e muco, e os matava em no máximo quatro dias. A menos contagiosa e menos letal era a disenteria amebiana. Ambas eram transmissíveis em ambientes sujos e pelo consumo de água e alimentos contaminados por dejetos.

Não há como determinar qual dessas duas doenças afligia mais os integrantes do Exército imperial; possivelmente, as duas. Contudo, os quadros das doenças mais letais, tratadas nos hospitais militares do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, permitem observar semelhanças e diferenças entre as regiões. A tuberculose, por exemplo, matava em todas as cidades, mas a disenteria só vitimava no Rio Grande do Sul. Tal limite geográfico pode ser explicado pela rapidez do óbito, mas também pode ter relação com os diferentes hábitos alimentares das tropas e os gêneros alimentícios disponíveis para consumo.

A alimentação, no Brasil, baseava-se num tripé formado de feijão, farinha e carne-seca, ainda que cada região tivesse suas peculiaridades (Silva, 2005). No extremo sul a abundância de gado fez com que a dieta se baseasse especialmente na carne-seca ou verde. Em casos extremos, soldados de uma unidade podiam ser supridos unicamente de carne por meses. Uma dieta quase exclusivamente proteica não era algo facilmente digerido por estômagos acostumados a outros alimentos ou a maior variedade nutricional, e resultou em mal-estares frequentes nas tropas de fora da província. Alguns comandantes relataram a situação nestes termos: "rigoroso frio e chuvas, que por extremo aniquilam a nossa infantaria, que com a falta absoluta da farinha, e só reduzida à simples carne de vaca, tem consideravelmente adoecido de disenterias, a que muitos sucumbem" (Rio Pardo, 18 jul. 1841a). Jorge Prata de Sousa (2004) também observou as consequências dessa restrição alimentar aos militares a ela desabituados, durante a guerra no Paraguai, da mesma forma que Silmei de Sant'ana Petiz (2007), em relação aos escravos africanos, numa localidade do interior Rio Grande do Sul.

Observações de natureza alimentar marcavam uma diferenciação importante entre os naturais da província e os "soldados de fora que não podem passar sem ... farinha porque logo adoecem, pois não estão habituados como nós a estas privações" (Seara, 18 jul. 1841).16 16 Ver também Barreto, 22 maio 1841, Rio Pardo, 18 jul. 1841b e Oliveira, 7 dez. 1836. Nas ocasiões em que a carne de gado era o único alimento disponível, em geral se fornecia diariamente uma rês para o consumo de cerca de 25 praças (Labatut, 22 jun. 1840; Villas-Boas, 26 jun. 1845). Assim como outros gêneros, a produção de milho e mandioca é uma herança das tribos que habitavam o continente americano, e uma ou outra dessas culturas estava presente em todo o território correspondente ao Brasil atual quando aqui aportaram os europeus, que se adaptaram ao consumo desses alimentos sob várias formas (Dean, 1996; Holanda, 1994; Silva, 2005). A farinha de mandioca ou de milho sempre foi um dos alimentos mais acessíveis à população em geral, usada pela população colonial como substituto do pão (Algranti, 1997). A dieta prescrita aos militares era composta por vários alimentos, mas muitas vezes a farinha era o único alimento existente e, desde o período colonial, de norte a sul, os soldados consumiam o produto (Mello, 1998; Osório, 2007).

Analisando a disputa pelo domínio do Prata, Cidade (1948) chegou a sugerir que, sem a farinha, a história da expansão portuguesa poderia ter sido diferente, e Richard Graham (2005) destacou o quanto a ação dos barqueiros fornecedores de farinha da Bahia foi vital para a derrota dos portugueses, na guerra de independência. Portanto, a farinha era um gênero presente na alimentação das tropas em todo o Brasil, assim como a carne era costumeiramente fornecida aos soldados do norte, como informa Manuel Correia de Andrade (2005). A questão que aqui se coloca é a proporção de consumo de um e outro desses alimentos. No norte, a farinha era consumida em maior quantidade do que a carne ou consumida sem outros acompanhamentos; no sul, a carne era a base da alimentação dos efetivos e, por isso, causava tantos estragos à saúde dos nortistas.

Parte dos problemas com a alimentação também decorria da forma como os alimentos chegavam aos militares. Durante as operações, e mesmo nas cidades, era mais comum o consumo de carne fresca, chamada carne verde, trazida pelos fornecedores e carneada pelos próprios soldados, que devolviam os couros dos animais aos proprietários, depois dos abates. O procedimento favorecia o descuido com a higienização e a consequente deterioração da qualidade do produto, muitas vezes proveniente de animais que, tangidos até os acampamentos, lá chegavam magros e acometidos de pestes.17 17 Sobre o estado dos animais abatidos, ver Maciel, 6 jul. 1845, Oliveira, 28 set. 1836, Calderón, 22 set. 1839 e Seara, 29 ago. 1841. Parece que era costume, no Rio Grande do Sul, o aproveitamento da carne de animais doentes. Ao menos é o que sugere um oficial, quando escreve ter mandado "charquear quanto antes tanto por não sofrer a nação prejuízo com a falta fornecimento para as tropas, o que de certo acontecerá segundo a progressão do estrago que causa a dita peste" (Souza, 29 abr. 1844). Há registros sobre o consumo de carne de reses doentes de peste por militares no século XVIII (Cesar, 1998). Sobre a grande peste bovina ocorrida no Rio Grande do Sul entre 1840 e 1855, ver Farinatti, 2010. Portanto, além de ser a carne frequentemente o único alimento disponível, as condições sanitárias dos animais e do abate propiciavam a ocorrência de perturbações intestinais graves, especialmente nos indivíduos não habituados.

A disenteria também atingia os rio-grandenses, porém as autoridades da província não a atribuíam ao consumo de carne, e sim a má qualidade das águas e ao consumo de frutas verdes (Witter, 2007). Certamente, a ingestão de bebidas e comidas estragadas era indissociável e diretamente relacionada à disenteria. Há referências sobre a má qualidade da água consumida na província e até sobre a preferência generalizada dos militares pelos cantis de madeira, mais duráveis e especialmente vantajosos por manterem fresco seu conteúdo, no verão (Silva, 30 jul. 1838; Travassos, 22 ago. 1846; Castro, 18 fev. 1838). Contudo, os comandantes militares atribuíam a maior incidência de doenças, entre os soldados vindos do norte, ao maior consumo de carne, ao qual aquele contingente não estava habituado, ao contrário das tropas do Rio Grande do Sul. Um levantamento do efetivo militar naquela província, em 1847, informa que os óbitos entre os infantes (fuzileiros e caçadores) do norte eram sete vezes maiores do que entre os cavalarianos do sul (Costa, 12 nov. 1847). Os dados confirmam as opiniões dos comandantes, mas ainda que eles não sejam verossímeis o que importa, para esta analise, é que os nortistas eram identificados como mais propensos ao ataque das doenças.

Por fim, mais importante que analisar a ocorrência de uma ou outra doença ou buscar descobrir as causas e os números das ocorrências, é destacar que algumas doenças, como a disenteria, eram consideradas, pelos comandantes militares, males que atacavam sobretudo os soldados do norte, independentemente da maior ou menor veracidade da ocorrência da doença entre eles. E este era um elemento para a construção das identidades e das relações de alteridade entre os não rio-grandenses e os nascidos na província - um demonstrativo das diversidades brasileiras que preocupava os administradores do Exército imperial brasileiro.

NOTAS

Recebido para publicação em janeiro de 2009.

Aprovado para publicação em fevereiro de 2011.

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  • As doenças e as dietas na construção da alteridade entre os integrantes do Exército imperial brasileiro durante a Guerra dos Farrapos

    José Iran Ribeiro
  • 1
    Nas palavras de Joseph Hörmeyer (1986, p.41), "não é fácil encontrar uma zona mais amena e saudável do que a província do Rio Grande do Sul". Já para Nicolau Dreys (1961, p.173), "a sobriedade praticada no meio de uma fartura ao alcance de todos, debaixo de um céu salutífero, sobre uma terra que conserva até cadáveres, deve certamente dar em resultado uma geração robusta, sadia e vivaz; é isso o que se vê no Rio Grande". Até mesmo os representantes do governo colonial português elogiavam as qualidades de região. Em 1754 escreveu um deles que "é o melhor clima que tem a América, pois ainda ali se não experimentou, nem houve sezões, nem febres malignas, e mulheres que eu tinha mandado do Rio, as mais corridas e galicadas, sem cura melhoraram, e pariram quase todas" (citado por Cesar, 1998, p.108; Noal Filho, Franco, 2004).
  • 2
    Escreveu o botânico francês: "Quando cheguei, fazia frio, mas reparei que todas as portas e janelas estavam abertas. Geralmente, os habitantes desta região resistem às intempéries mais facilmente que nós. Apesar das geadas quase todas as noites, tudo está aberto; não há aquecimento em nenhuma casa, nem meios de fazê-lo" (Saint-Hilaire, 1997, p.24). Em sua viagem ao Rio Grande do Sul, o conde d'Eu (1981, p.37) reparou que "decididamente os cobertores parecem ser desconhecidos na província do Rio Grande do Sul: ao que me dizem, é o poncho, que faz as suas vezes. Felizmente eu tinha feito provisão de cobertores em Porto Alegre, de forma que não tive tanto frio no leito ... é sempre a mesma coberta de seda encarnada estendida sobre o leito, o mesmo lençol transparente e guarnecido de uma larga orla de rendas e bordados. ... Muito luxo e pouca comodidade".
  • 3
    O viajante e naturalista francês Arsène Isabelle (1983) referia-se a Porto Alegre, onde encontrou "um ar temperado, perfumado, puro e salubre; também os médicos não fazem fortuna! Os farmacêuticos estão mesmo reduzidos a perfumaria" (p.58).
  • 4
    Em números, este contingente era formado por 350 homens (Cunha, 24 jan.1841), e sessenta deles tiveram de ser internados (Barreto, 19 jan. 1841).
  • 5
    Sobre as mudanças no comportamento da civilização ocidental, ver Elias, 1994, e Vigarello, 1988. Leila Algranti (1997) destaca a incorporação de alguns hábitos de higiene entre os costumes da vida familiar, especialmente nas casas mais abastadas, mas a consolidação desses valores para o restante da população passou a ocorrer a partir do final do século XIX; a esse respeito, ver Chalhoub, 1990 e Rocha, 2003.
  • 6
    O desenvolvimento da área de história da saúde pode ser mensurada por obras coletivas; ver Chalhoub, 2003 e Hochman, Armus, 2004. Análises a respeito das instituições de saúde do Exército imperial podem ser consultadas em Mitchell, 1963, Santos Filho, 1991 e Passos, Barreira, 2003.
  • 7
    Ao analisar os óbitos no hospital brasileiro em Montevidéu entre 1865-1866, Sousa (2004) observou o falecimento de quase 10% dos enfermos, ao passo que em 1864 morreram 17% dos tratados no hospital da Marinha e 16,5% no hospital do Exército.
  • 8
    Pelo menos quatro dos nove médicos nomeados cirurgiões-mores por comissão do Exército no Rio Grande do Sul, no final de 1842 (Pereira, 27 out. 1842), pediram demissão da função menos de dois anos depois e outro, pouco mais de três anos depois (Brasil, 1943, ordens do dia de 25 de junho de 1845, 19 de agosto de 1845 e 1º de abril de 1845; Coelho, 16 dez. 1846). Antes disso, mesmo nos hospitais militares mais importantes da província, como o Hospital Militar de Porto Alegre, o número de cirurgiões era insuficiente, ao mesmo tempo que também havia problema para o suprimento dos remédios e das dietas necessárias (Silva, 9 mar. 1841). Durante a guerra contra o Paraguai, também havia poucos médicos interessados em trabalhar como cirurgiões do Exército (Sousa, 2004).
  • 9
    Em 1845, 299 militares do Exército foram tratados no hospital da Marinha no Rio de Janeiro. As doenças ali predominantes, entre julho e outubro, correspondem às do hospital do Exército: diarreias/disenterias (34), bronquites (31), febres intermitentes (24), pneumonias (24). A exceção é o grande número de sifilíticos (66) não mencionados naqueles mapas (Manx [?], 8 out. 1845). Esses dados não foram incluídos no quadro porque o documento não informa o número de mortos. Em algumas inspeções realizadas no hospital da Marinha durante a guerra contra o Paraguai, as doenças mais ocorrentes eram tuberculose, asma, bronquite, pneumonia, problemas cardíacos, reumatismo, hepatite. A epidemia de cólera só ocorreria em 1868 (Sousa, 2004).
  • 10
    "A primeira providência de quem adoecia era ouvir os conselhos de vizinhos, parentes ou amigos que já tinham apresentado os mesmos sintomas e saber o que haviam usado como tratamento ... Estar doente ou precisar procurar um médico significa ficar sem trabalhar e, portanto, sem poder sustentar a si e a sua família" (Weber, 1999, p.215).
  • 11
    Solicitações de dispensa para o tratamento junto às famílias nas províncias de origem podem ser consultadas, entre muitos documentos, em Silva, out. 1837, Carpes, 10 set. 1837 e Souza, 22 nov. 1848. Sobre a reorganização dos hospitais militares da Corte, ver os relatórios anuais do Ministério da Guerra de 1843 e 1844.
  • 12
    Ver também o caso do sargento Manoel B. Fávila, transferido para o Rio de Janeiro devido aos graves ferimentos recebidos em combate, que resultaram na sua reforma. (Pereira, 22 jun. 1841, 20 jun. 1841).
  • 13
    Antônio Felipe foi recrutado em 1833 na Paraíba, onde trabalhava como sapateiro, e ocupou a função de corneteiro do Exército em 1834 - esse posto, assim como as referências sobre a unidade em que servia permitiram distingui-lo de dois outros homônimos. Em 1843, Felipe foi inspecionado e transferido como doente para o batalhão do depósito, seguindo depois para inspeção no Rio de Janeiro.
  • 14
    São 26 militares do norte e 36 do sul, além de 19 estrangeiros, especialmente alemães (11). Entre os 16 rio-grandenses, dois morreram de "ético" e outros dois de "bexigas", assim como um dos dois cearenses, um dos três baianos e o único sueco; um rio-grandense, um fluminense, um baiano e um portenho morreram de "tísica" (Livro, 1827, inspeções 26, 29 e 33).
  • 15
    Sobre a relação doença-escravidão em várias partes do Brasil, ver Pôrto, 2007.
  • 16
    Ver também Barreto, 22 maio 1841, Rio Pardo, 18 jul. 1841b e Oliveira, 7 dez. 1836. Nas ocasiões em que a carne de gado era o único alimento disponível, em geral se fornecia diariamente uma rês para o consumo de cerca de 25 praças (Labatut, 22 jun. 1840; Villas-Boas, 26 jun. 1845).
  • 17
    Sobre o estado dos animais abatidos, ver Maciel, 6 jul. 1845, Oliveira, 28 set. 1836, Calderón, 22 set. 1839 e Seara, 29 ago. 1841. Parece que era costume, no Rio Grande do Sul, o aproveitamento da carne de animais doentes. Ao menos é o que sugere um oficial, quando escreve ter mandado "charquear quanto antes tanto por não sofrer a nação prejuízo com a falta fornecimento para as tropas, o que de certo acontecerá segundo a progressão do estrago que causa a dita peste" (Souza, 29 abr. 1844). Há registros sobre o consumo de carne de reses doentes de peste por militares no século XVIII (Cesar, 1998). Sobre a grande peste bovina ocorrida no Rio Grande do Sul entre 1840 e 1855, ver Farinatti, 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2009
    • Aceito
      Fev 2001
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