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Bactéria ou parasita? a controvérsia sobre a etiologia da doença do sono e a participação portuguesa, 1898-1904

Resumos

A etiologia da doença do sono era desconhecida até o início do século XX. Essa doença tipicamente africana em breve se tornaria o principal obstáculo à colonização europeia. O envio de missões científicas às colônias para seu estudo in loco tornou-se inevitável. Portugal enviou a primeira missão de estudo, a Angola, em 1901, e a Royal Society of London apoiou duas missões britânicas de estudo da doença, em Entebe. O resultado dessas investigações estabeleceu uma controvérsia, na qual Portugal esteve envolvido de 1898 a 1904, no circuito nacional e internacional, objeto de análise deste artigo.

medicina tropical; doença do sono (tripanossomíase); Annibal Bettencourt (1868-1930); Charles Lepierre (1867-1945); Aldo Castellani (1877-1971)


The etiology of sleeping sickness was unknown until the early twentieth century. This African disease soon became the main obstacle to European colonization. Sending scientific missions to the colonies to monitor its progression in loco thus became inevitable. Portugal sent the first research mission to Angola in 1901, and the Royal Society of London sponsored two British missions to study the disease in Entebbe (1902 and 1903). Their results led to a controversy in which Portugal was involved from 1898 to 1904, on the national and international circuits, analysed in this article.

tropical medicine; sleeping sickness (trypanosomiasis); Annibal Bettencourt (1868-1930); Charles Lepierre (1867-1945); Aldo Castellani (1877-1971)


Bactéria ou parasita? a controvérsia sobre a etiologia da doença do sono e a participação portuguesa, 1898-1904

Isabel Amaral

Professora auxiliar do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas/ Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa. Monte da Caparica 2829-516 - Caparica - Portugal ima@fct.unl.pt

RESUMO

A etiologia da doença do sono era desconhecida até o início do século XX. Essa doença tipicamente africana em breve se tornaria o principal obstáculo à colonização europeia. O envio de missões científicas às colônias para seu estudo in loco tornou-se inevitável. Portugal enviou a primeira missão de estudo, a Angola, em 1901, e a Royal Society of London apoiou duas missões britânicas de estudo da doença, em Entebe. O resultado dessas investigações estabeleceu uma controvérsia, na qual Portugal esteve envolvido de 1898 a 1904, no circuito nacional e internacional, objeto de análise deste artigo.

Palavras-chave: medicina tropical; doença do sono (tripanossomíase); Annibal Bettencourt (1868-1930); Charles Lepierre (1867-1945); Aldo Castellani (1877-1971).

Nos finais do século XIX, dois acontecimentos marcaram a agenda dos vários países europeus no quadro imperialista: a corrida para a África, no sentido de uma expansão colonialista, e a especialização no âmbito das ciências biológicas, da qual a medicina tropical viria a beneficiar-se. O interesse dos Estados e da comunidade científica pela doença do sono está diretamente associado aos elevados picos epidemiológicos registados entre 1895 e 1910, particularmente na África, e à falta de preparo científico e médico para enfrentar a doença. Na agenda da colonização, a tripanossomíase humana africana assumia assim um papel de relevo na comunidade médica internacional.

Fundados os primeiros centros de ensino e de investigação especializados em medicina tropical na Inglaterra e na França, na Alemanha, nos Estados Unidos e em Portugal, a medicina tropical assumia-se num contexto transnacional e transdisciplinar no qual se procurava legitimar um novo conceito de doença (Worboys, 1976), específico das doenças tropicais (Arnold, 1996). A etiologia dessas doenças era, pois, uma questão candente dessa nova área disciplinar. A visão clássica da microbiologia, que orientara os protocolos de investigação metropolitanos sobre os germes, desde 1890, começava a dar sinais de insuficiência na explicação da especificidade identificada nas doenças tropicais. A doença do sono constituía uma ameaça preocupante para a fixação dos europeus na África, pois dizimava grande número de pessoas, o que comprometia as políticas coloniais das diversas potências europeias. Por essa razão, era uma das doenças tropicais mais estudadas na Europa (Bradley, 1980). Dada a importância de uma doença tipicamente africana, missões médicas foram enviadas a colônias africanas por vários países, com o objetivo de identificar o agente responsável pela doença. A dificuldade em determiná-lo viria a originar uma controvérsia entre 1898 e 1904, que envolveu especialistas de diversas nacionalidades, incluindo portugueses.

O Estado português, através do Ministério da Marinha e dos Negócios Estrangeiros, enviou a Angola, em 1901, a joia da coroa do império, a primeira missão de estudo da doença do sono, incumbida de analisá-la nessa província, e também a etiologia e a transmissão da malária (Comissão..., 1901, p.496). Integraram-na os investigadores mais conceituados no âmbito da microbiologia e da medicina tropical: Annibal Bettencourt, diretor do Real Instituto Bacteriológico Câmara Pestana1 1 O Real Instituto Câmara Pestana, criado em 1892, à semelhança dos Institutos Pasteur de Paris, era uma instituição de grande prestígio na época, no âmbito da bacteriologia, em Portugal. , chefe da missão; Annibal Celestino Correia Mendes (1870-?), médico do quadro de saúde de Angola; Ayres Kopke (1866-1947), médico naval, diretor do laboratório microbiológico do Hospital da Marinha; e, ainda, José Gomes de Rezende Junior (1871-1905), médico militar do Real Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, e João Brás de Gouveia (1865-?), preparador dessa instituição. Por seu turno, a Royal Society, de Londres, apoiou o envio da primeira missão de estudo da doença do sono britânica a Entebe (Uganda), em 1902. Por indicação de Patrick Manson (1844-1922), dela faziam parte dois de seus alunos, George Carmichel Low (1872-1952), chefe da missão, e Aldo Castellani, e ainda Cuthbert Christy (1864-1932), oficial médico da West African Field Force, com experiência médica nas regiões tropicais. A segunda missão chegou a Entebe em março de 1903, e dela faziam parte David Nunes Nabarro (1874-1958), que substituía Low, David Bruce (1855-1931), que substituía Christy, e Castellani, que lá permaneceria por mais algum tempo.

A discussão científica que iria opor os investigadores das missões portuguesa e britânica localizou-se na interface da teoria bacteriológica e parasitológica, a primeira baseada nos pressupostos pasteurianos do conceito de doença; a segunda, proveniente da história natural. Bactéria ou parasita, essa se tornou a questão fundamental da controvérsia.

Na Inglaterra, ela se iniciou em um momento em que a medicina tropical assente na investigação laboratorial estava consolidada, sob a liderança de Patrick Manson, figura destacada da Escola de Medicina Tropical de Londres, que contava com o apoio direto de Joseph Chamberlain (1836-1914), secretário-geral das Colônias, e da RSL, da qual era membro. Em Portugal, a controvérsia teve início numa época em que a medicina tropical ainda não existia como área científica institucionalizada, e a bacteriologia constituía a área por excelência de suporte à medicina experimental.

O debate decorreu em dois planos, nacional e internacional, e em duas fases. Para além da disputa entre médicos portugueses e britânicos, em cada um dos países ocorreram controvérsias internas. No que se refere às fases do debate, a primeira centrou-se na identificação de uma bactéria supostamente causadora da doença; a segunda, na identificação de um parasita e sua relação com a causa da doença.

No plano interno, em Portugal, na primeira fase da controvérsia, o debate começou em torno de uma bactéria que se supunha ser a causa da doença, opondo Annibal Bettencourt a António Pádua e Charles Lepierre (1901-1903). Transitou, entretanto, para o plano externo, envolvendo Annibal Bettencourt e Aldo Castellani (1902-1903), ambos defendendo tratar-se de uma bactéria, sendo o motivo da disputa a prioridade da sua descoberta. No Reino Unido, Castellani opôs-se a David Bruce (1903-1904). Para este último, o causador da doença do sono era um parasita. A discussão refletiu-se no contexto português, contrapondo Annibal Bettencourt a Correia Mendes e Ayres Kopke (1904), os dois últimos assumindo posição idêntica à de Castellani-Bruce.

Na primeira fase da controvérsia, entre 1902 e 1904, no plano nacional, a discussão mobilizou diferentes conceitos de rigor na investigação científica e envolveu uma estratégia de divulgação dos resultados para a comunidade científica internacional, de modo a evidenciar e afirmar a autoridade científica dos médicos portugueses, com base em trabalhos conhecidos desde 1898. Entre os protagonistas da controvérsia, estavam Bettencourt e sua equipe, do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, e Cagigal e Lepierre, do Laboratório de Microbiologia da Universidade de Coimbra, laboratórios, como veremos, com recursos e visibilidade pública diferenciados. No plano internacional, em 1903, a controvérsia irrompeu entre os membros das duas primeiras missões de estudo da doença, organizadas por Portugal e Grã-Bretanha, respectivamente, a primeira liderada por Annibal Bettencourt, e a segunda, por Aldo Castellani, que disputaram a prioridade da descoberta da bactéria, tendo sido inicialmente identificada como agente causador da doença uma infecção meningocócica. Após a identificação do tripanossoma nos doentes portadores da doença, por Aldo Castellani, em 1903, o debate transitou para uma segunda fase, tanto na Inglaterra, como em Portugal. Tratava-se agora de estabelecer a relação entre o tripanossoma e a etiologia da doença. Na Grã-Bretanha, o debate se desenrolaria entre os protagonistas da primeira e da segunda missão de estudo da doença. David Bruce se oporia a Aldo Castellani, e o resultado dessa disputa poria termo à controvérsia relativa ao agente causador da doença.

Em Portugal, a divergência surgiu entre Annibal Bettencourt, que continuava a defender sua posição, e Ayres Kopke e Correia Mendes, que consideravam que a doença do sono era causada, de fato, por um parasita, por eles identificado no sangue e no líquido cefalorraquidiano de doentes internados no Hospital Colonial de Lisboa. A divergência de posição entre os integrantes da missão de 1901 está relacionada com o fato de, naquela ocasião, não terem conseguido afastar-se do paradigma bacteriológico já em consolidação no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, ao passo que, após 1902, com a insti-tucionalização da medicina tropical e a criação da Escola de Medicina Tropical em Lisboa, à qual se integraram Ayres Kopke e Correia Mendes, a aceitação da teoria parasitológica não ofereceria qualquer resistência. A partir de 1904, ambos se aproximaram das concepções inglesas e passaram a apoiar Castellani e Bruce.

A missão de estudo da doença do sono: os médicos de Lisboa

A doença do sono, hoje conhecida como tripanossomíase africana humana, é provocada por um parasita protozoário do gênero Trypanossoma, transmitido pela picada de um inseto vetor, a mosca tsé-tsé (gênero Glossina). A doença apresenta três estádios coincidentes com o desenvolvimento do parasita: no primeiro, caracterizado pelo aparecimento de gânglios cervicais, estado febril e sonolência, o parasita invade a corrente sanguínea e linfática; no segundo, o parasita se aloja no sistema nervoso central e se multiplica, provocando maior sonolência; no terceiro, verifica-se inflamação das meninges cerebrais que leva ao coma e à morte.

Em 1902, quando teve início a controvérsia sobre a etiologia dessa doença, pensava-se apenas que se tratasse de uma doença contagiosa, dada a elevada taxa de incidência entre os africanos. As posições dos participantes nesse debate refletem, naturalmente, o seu percurso científico, a sua autoridade na comunidade médica e fora dela, através de um conjunto de motivações de ordem não só científica, mas também política. Todos os intervenientes, por uma razão ou por outra, almejavam um lugar de destaque na histó-ria da etiologia das doenças tropicais, de cujo conhecimento dependia seu controle e o sucesso da colonização europeia na África.

A missão apoiada pelo Estado português fez uso de recursos impensáveis em outras circunstâncias, atendendo aos constrangimentos econômicos com os quais o país se debatia na época. O Estado contribuiu com praticamente tudo que a missão exigia para o sucesso de seu trabalho, a avaliar pela forma como seus integrantes se dirigiam ao ministro da Marinha (Relatórios..., 1901, p.5):

A maneira como S. Exa., liberalmente nos dotou dos meios necessários para o desempenho da tarefa cometida e acolheu os resultados das nossas investigações, dá ensejo a que signifiquemos neste momento os protestos da nossa gratidão a quem, tendo superiormente compreendido o grande alcance de todas as medidas.

Na verdade, uma missão desse gênero tinha vantagens óbvias para ambas as partes: para o Estado que, num quadro de competição internacional pelos territórios africanos, demonstrava, assim, seu empenho na ocupação efetiva do território africano, a qual dependia diretamente do controle no avanço da doença; para os médicos, por sua vez, abria-se um espaço mais amplo de intervenção e desenvolvimento profissional.

A Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa assumiu uma influência decisiva sobre o Estado português, e também na nomeação dessa missão (Bombarda, 1900b), ao defender a alteração da agenda colonial, na qual a medicina deveria ocupar um lugar de destaque, em articulação com os princípios declarados na Conferência de Berlim: "necessário é que de Portugal parta uma expedição científica, constituída por homens habituados a estudos, que na nossa África diligencie um esclarecimento que vem a redundar numa questão de humanidade e numa questão de interesse" (Bombarda, 1900b, p.268). Para reforçar a pertinência da participação da medicina portuguesa no projeto colonial, a Sociedade foi ainda mais longe, enfatizando a importância das missões médicas como garantia da colonização europeia na África (Bombarda, 1900b, p.268):

A Alemanha, a Inglaterra, a França, a Áustria têm multiplicado as suas expedições científicas, e a África e a Ásia têm visto os sábios dos laboratorios europeus arrancarem-se às suas comodidades da vida para irem a essas longínquas e quantas vezes bárbaras paragens, através de perigos e inclemências estudarem de perto alguns desses males terríveis, que são o açoite da humanidade.

No quadro da retórica imperialista, os médicos advogavam uma posição de supremacia científica e autoridade moral, na medida em que se mostravam dispostos a abdicar de seu conforto, possuindo os instrumentos para contornar as dificuldades sanitárias colocadas pelo ambiente inóspito, entendido como principal obstáculo a uma colonização efetiva.

Tendo como destino Angola, dada a importância vital desta colônia para o Estado, a missão fez, primeiro, uma escala na Ilha do Príncipe, lá permanecendo 15 dias, uma decisão eminentemente científica. Essa paragem foi importante, dada a pequena dimensão da ilha e a consequente possibilidade de se estudar a evolução da epidemia entre os seus habitantes de vários pontos de vista, com eficácia superior à que se poderia obter em Angola.

A missão era majoritariamente constituída por investigadores do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, incluindo o seu líder, Annibal Bettencourt. Tal instituto resultou de um conjunto de iniciativas em prol da investigação bacteriológica em Portugal, a começar pelo estudo bacteriológico das águas de Lisboa e da raiva, à semelhança do que ocorria na França e na Alemanha, estudos desencadeados por influência direta da Sociedade de Ciências Médicas. Em 1901, a bacteriologia já estava institucionalizada há nove anos, constituindo uma área disciplinar reconhecida e suficientemente prestigiada, o que lhe conferia poder e influência em relação a outras áreas médicas, como a medicina tropical, por exemplo, que só se institucionalizaria em 1902. Pelo Instituto Bacteriológico Câmara Pestana passaram as figuras médicas mais influentes da medicina moderna portuguesa da primeira metade do século XX, que ali se formaram nos princípios e práticas pasteurianas, antes de dirigir os seus próprios laboratórios ou institutos de investigação - Câmara Pestana (1863-1899), Annibal Bettencourt, Carlos França (1877-1926), Marck Athias (1875-1946), Henrique Parreira (1895-1945), Ayres Kopke e Ricardo Jorge (1858-1939), nomes que evidenciaram a singularidade e o prestígio dessa unidade de investigação médica no panorama nacional. Os resultados obtidos distinguiam particularmente a Escola Médica de Lisboa, ofuscando, de algum modo, a Universidade de Coimbra - a única no país até 1911 - que não possuía um instituto com infraestrutura e características iguais às do Instituto Câmara Pestana.

Integraram ainda essa missão um médico do Quadro de Saúde de Angola, Annibal Correia Mendes, habituado a lidar com a doença naquela colônia, especialmente no Hospital Maria Pia, situado em Luanda2 2 Construído em 1886, o Hospital Maria Pia é conhecido desde a independência de Angola como Hospital Josina Machel, em homenagem à esposa de Samora Machel (presidente de Moçambique de 1975 a 1986), devido à sua importância na luta pelos direitos das mulheres. É ainda hoje um dos edifícios mais imponentes da cidade de Luanda, por seu plano e grandeza, a que as obras de vulto de anos recentes conferem grande importância. ; e Ayres Kopke, médico naval que, desde 1897, se dedicava à investigação laboratorial sobre doenças tropicais no rudimentar laboratório de microbiologia da Escola Naval, do qual era coordenador. Datam dessa época seus primeiros trabalhos sobre o paludismo (malária), referenciados por Alphonse Laveran (1845-1922) na obra Traité du paludisme (1907). A partir de 1902, Kopke foi nomeado diretor da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, dado o prestígio científico que alcançara na área. No tocante à doença do sono, se notabilizaria pela investigação sobre a terapêutica na primeira fase da doença, tarefa à qual dedicou toda sua carreira.

Não obstante dispor do conhecimento sobre os princípios da bacteriologia pasteuriana, a missão enviada a Angola evidenciava alguma heterogeneidade. A medicina laboratorial ainda era um domínio recente na medicina portuguesa. O impulso nascido do prestígio do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana e das contribuições de Ricardo Jorge, no âmbito da epidemiologia, da higiene e da saúde pública, apenas se consubstanciaria com a reforma do ensino médico nas faculdades de medicina, em 1911 (Amaral, 2006). Apesar de possuírem uma formação em bacteriologia no Instituto, devido às suas posteriores ligações à medicina tropical, Correia Mendes e Kopke se afastariam da posição da missão liderada por Bettencourt. Privilegiariam a medicina dos vetores, objeto de ensino e investigação na Escola de Medicina Tropical de Lisboa, instituição moldada nas escolas de medicina tropical de Liverpool e Londres, símbolos do reconhecimento da medicina tropical como disciplina autônoma, na transição do século XIX para o XX (Amaral, 2008).

Os microbiologistas da Universidade de Coimbra

O Gabinete de Microbiologia e de Química Biológica da Universidade de Coimbra, criado em 1882, foi o primeiro laboratório desse tipo criado em Portugal (Lepierre, 1906), dez anos antes do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana. Fundado por Augusto Rocha (1849-1901), médico e professor de microbiologia na Universidade, granjeou algum reconhecimento público na comunidade científica portuguesa (Pita, 2006, p.49), em grande parte devido às contribuições de Charles Lepierre. Este último havia concluído o curso de engenharia química na Escola de Física e Química Industriais de Paris, em 1887, onde fora aluno do químico português, radicado na França, Roberto Duarte Silva (1837-1889). Em 1891, Lepierre foi contratado como preparador e chefe do laboratório em Coimbra, que dirigiria por vinte anos. Formado na tradição francesa, muito próximo dos microbiologistas de orientação pasteuriana, Lepierre consolidaria aqui a microbiologia, ao desenvolver todo um trabalho laboratorial para análise das águas de consumo da cidade e de produtos suspeitos, provenientes do matadouro municipal, ao mesmo tempo que dava apoio à microbiologia médica e, por consequência, ao hospital da Universidade de Coimbra, nomeadamente no âmbito das análises médico-legais. Nesse contexto, realizou as primeiras análises bacteriológicas em um doente ali internado, proveniente de Benguela (Angola), no qual foi diagnosticada a doença do sono, com base na sintomatologia clínica específica. Lepierre e António Olimpio Cagigal (1867-1933), aluno do quinto ano do curso de medicina, publicaram em 1898 (Cagigal, Lepierre, 28 jan. 1898) um trabalho - tomado como referência - sobre a possível causa da doença, uma bactéria que haviam identificado nos materiais provenientes daquele doente. Estes resultados seriam publicamente defendidos, em 1899, por António de Pádua (1869-1914), professor de medicina, formado pela Universidade de Coimbra e diretor do Gabinete de Microbiologia, entre 1902 e 1903. Pádua alimentaria o debate interno sobre os resultados obtidos por Lepierre e Cagigal, em Coimbra e pela missão dos médicos de Lisboa (Pádua, Lepierre, 1904).

Embora Lepierre e Pádua fossem prestigiados no plano nacional na área da bacteriologia (Pereira, Pita, 1998), nenhum deles foi escolhido pelo Estado português para integrar a primeira missão designada oficialmente para estudar a doença do sono, em 1901. Além de não terem influência sobre a Sociedade de Ciências Médicas, sediada em Lisboa, seus resultados em microbiologia não eram comparáveis àqueles do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.

Os protagonistas britânicos

No Reino Unido, os protagonistas da controvérsia estudada no presente artigo integraram as duas primeiras missões da Royal Society of London designadas para o estudo da doença do sono, em Uganda. Da primeira missão, fizeram parte George Low, Aldo Castellani e Cuthbert Christy. O primeiro possuía uma visão da medicina tropical nos seus aspectos geográficos, biológicos e patológicos; o segundo tinha formação em microbiologia; e Christy, por sua vez, manifestava interesse em zoologia e história natural. Low cursara medicina na Universidade de Edimburgo e fora convidado por Patrick Manson, no próprio ano de abertura da Escola de Medicina Tropical de Londres, a integrar seu corpo docente. Fora enviado por Manson para Heidelberg, a fim de fazer uma especialização em técnica de manipulação de mosquitos, contribuindo assim para o esclarecimento da importância do ciclo de vida do mosquito e sua relação com a malária (Manson-Bahr, 1956, p.158-162; Cook, 2007, p.127-144). Posteriormente, dedicou-se à investigação do papel dos artrópodes como vetores de parasitoses nos trópicos, particularmente na transmissão da filaríase linfática através do Plasmodium falciparum, agente da malária (Low, 1900). Seu percurso futuro foi orientado para a história natural e para a ornitologia, tendo terminado a carreira acadêmica na Escola de Medicina de Liverpool.

Castellani terminara o curso de medicina em Florença, em 1899, com uma tese sobre o isolamento do bacilo da febre tifoide a partir do sangue. Passou algum tempo no laboratório de microbiologia de Walther Kruse (1864-1943), na Universidade de Bona, onde se especializou em técnicas de identificação de bactérias. Estudou com Manson, na Escola de Medicina Tropical de Londres e, em 1900, foi por ele convidado a se juntar ao corpo docente (Cook, 2007, p.197-209; Castellani, 2010). Terminada a missão em Uganda, viajou para o Ceilão, regressou à Inglaterra, mas terminou a carreira em Lisboa, no Instituto de Medicina Tropical.

Christy estudara na Universidade de Edimburgo, à semelhança de Low, e lá se interessou pela história natural e pela zoologia. Chegou a participar de várias expedições à América do Sul e à Índia, antes de ser nomeado para a missão da Royal Society of London. Era médico militar e mais tarde se notabilizaria na Escola de Medicina Tropical de Liverpool (Christy, 1932), dirigida por George Low. Sua ligação com os demais membros da missão em Uganda nunca foi fácil. Por razões temperamentais e por divergir das orientações de Low, foi forçado a regressar à Grã-Bretanha precocemente.

David Bruce, médico do Exército britânico, formado na Universidade de Edimburgo, notabilizara-se, em 1894, pela descoberta da bactéria responsável pela febre de malta, em Natal (África do Sul), posteriormente designada como brucelose, em sua homenagem. Em 1889, aperfeiçou-se em bacteriologia experimental no laboratório de Robert Koch (1843-1910), particularmente em técnicas de cultura de microrganismos e de produção de vacinas. Era também um investigador com interesses em medicina tropical veterinária, dados sua formação e interesse pela zoologia e história natural que marcaram sua juventude. Identificou a presença de tripanossoma no gado, associando-a à "doença da mosca", conhecida como nagana (Cook, 2007, p.145-156; Esch, 2007, p.109-127). A formação diversificada e seu interesse pela relação entre vetores e parasitas seriam cruciais no debate sobre a etiologia da doença do sono em humanos, como veremos adiante.

David Nabarro, que era também médico do Exército britânico, iniciara a sua carreira clínica como demonstrador de histologia e fisiologia no University College of London, onde se formara e, em poucos anos, tornou-se assistente de patologia e de bacteriologia (O'Connor, 1991, p.162-163). Foi nomeado para a comissão de estudo da doença do sono, em Uganda, com os objetivos de confirmar o tripanossoma como agente etiológico da doença e de averiguar o seu método de transmissão e sua ação num possível ciclo de vida do inseto vetor, numa perspectiva histopatológica. A formação em histologia e parasitologia iria orientar sua carreira futura.

As contribuições de Aldo Castellani desencadearam uma controvérsia diante dos resultados da segunda missão, igualmente alimentada pela posição prudente da Royal Society of London, em relação aos resultados de Castellani. De fato, essa sociedade recusou-se a publicar os resultados por ele obtidos em Entebe, provavelmente por considerar suas conclusões prematuras e por estar mais inclinada a uma interpretação de carácter parasitológico da etiologia da doença do sono (Cook, 1933). Por iniciativa própria e com o apoio de Walter Kruse, Castellani publicou os seus trabalhos, que adiante citaremos, reclamando depois, diante de Bruce, a prioridade na descoberta da etiologia da doença do sono. Essa disputa definirá a última fase da controvérsia analisada neste trabalho.

Qualquer dos intervenientes nessas missões de estudo e também os membros do Comitê de Malária da Royal Society of London eram figuras de referência na história da doença do sono, não só do ponto de vista experimental, mas também em relação ao conhecimento dos trópicos. Tinham preparo científico abrangente nos domínios da bacteriologia, parasitologia, história natural, zoologia, fisiologia e histologia, contrastando com o dos médicos portugueses, cuja formação era mais especializada e, portanto, restrita.

Prelúdio da controvérsia: a identificação de uma bactéria

O primeiro trabalho português sobre o agente da doença do sono foi realizado por António de Carvalho Figueiredo, em 1889, com base em um doente internado no Hospital de São José, em Lisboa (Azevedo, 1891), que veio a falecer em menos de um mês; sendo assim, foi possível estudar culturas de microrganismos post-mortem. Figueiredo encontrou dois tipos de bacilos, isolados e aos pares, cilíndricos, de cadeias mais ou menos longas, semelhantes a coccus, e as cadeias, a streptococcus. Esses microrganismos aeróbios móveis desenvolviam-se relativamente bem em caldo de carne gelose e gelatina, mas não em meio de cultura de batata e de albumina. Coravam eficazmente na presença de anilina, e não na presença de Gram. Tendo sido obtidos a partir de um único cadáver, esses resultados não foram considerados significativos, mas contribuíram para a suspeição de que a doença seria de natureza microbiana, e que o sangue e o líquido cefalorraquidiano seriam o habitat possível do agente patológico (Cagigal, Lepierre, 1897b, p.470-472).

Em 1897, no sangue de um jovem angolano de 16 anos, de raça negra, portador de doença do sono e internado no Hospital de Coimbra, Cagigal e Lepierre (1897a, p.493-494; 1898, p.3) identificaram outra bactéria que imaginaram ser o agente da doença. Essa análise tinha dois objetivos: em primeiro lugar, a identificação do agente patogênico nos fluidos biológicos; em segundo, a inoculação do agente isolado em animais de laboratório, visando testar se, de fato, se tratava do agente da doença nos humanos.

A observação dos principais sintomas do 'sono patológico' conduziu os autores à hipótese de que o agente causador da doença seria um microrganismo que tinha o sangue por habitat. Sendo assim, recolheram várias amostras ao longo da evolução da doença, em períodos febris e não febris, e, ainda, no cadáver. As análises laboratoriais foram realizadas em estrita observância das indicações dos manuais de doenças tropicais, adotados nos institutos Pasteur. Foram feitas várias preparações microscópicas, umas sem coloração, outras coradas por anilina, e utilizados diversos meios de cultura: gelatina, gelose, amido de batata, albumina, caldos de carne e peptona. O crescimento em qualquer um dos meios de cultura foi muito difícil, e somente após um mês de passagens sucessivas em soro, surgiram os primeiros resultados. O bacilo observado no sangue não se desenvolveu senão no soro, e muito lentamente na gelatina. Essas amostras revelaram a existência de uma única cultura microbiana que os autores designaram como "bacilo da doença do sono" (Cagigal, Lepierre, 1897a, 1897b). Segundo Cagigal e Lepierre, ele apresentava as seguintes características (Cagigal, Lepierre, 1897b, p.472-474):

É um bastonete com as extremidades um pouco mais volumosas do que a parte média e diferindo do observado no sangue apenas nas suas dimensões; ...[os bastonetes] são pouco móveis, coram pela anilina e descoloram-se pelo método de Gram; apresentam esporos; ...[o bacilo] é um microrganismo aeróbio verdadeiro.

Da autópsia foram recolhidos o líquido intrapericárdico, intrapleural, intraperitonial e do terceiro ventrículo. Para cada um deles foi realizada uma cultura em placas de gelatina, em soro e em caldo de carne. Para além do bacilo identificado no doente em vida, somente nas culturas do líquido intraperitonial foi possível observar o Bacilus coli, posteriormente inoculado em coelhos, cobaias e galinhas, em alguns casos, com virulência aumentada (Cagigal, Lepierre, 1897a). Os autores afirmaram ter observado e descrito o verdadeiro agente da doença que vitimou Gô [nome do doente] (Cagigal, Lepierre, 1897a, p.494). Em 1904, António de Pádua e Lepierre (1904, p.8) admitiram que as suas observações deveriam se sujeitar a experiências de prova, uma vez que tinham utilizado um único caso clínico.

Os trabalhos da missão portuguesa em Angola foram preparados de modo a incluir uma estada na Ilha do Príncipe. Essa escala foi estrategicamente favorável à missão em Angola, uma colônia que merecia mais atenção, dadas a extensão e a riqueza a ela associadas. A ameaça de devastação pela doença do sono era evidente nessa localidade, já a Ilha do Príncipe tinha uma pequena extensão territorial e uma elevada incidência da doença (a população fixa diminuíra drasticamente de três mil habitantes, em 1885, para oitocentos, em 1900). Abstraindo essa causa de mortalidade específica, a demografia da ilha era habitualmente estável. Essas características não eram negligenciáveis para os objetivos daquela missão exploratória em todos os domínios, que incluíam a aquisição de conhecimento sobre o ambiente local, tanto em relação às condições de vida da população como à própria natureza (Correia Mendes et al., 1909, p.4). Na ilha, foi estudado o desenvolvimento da doença (observação clínica e experimental), associando-o ao aumento dos fluxos de comércio e de importação de trabalhadores (Relatórios..., 1901, p.9). No relatório, é admitida a hipótese de que a doença existiria na ilha associada aos "sítios quentes, húmidos e de vegetação abundante" (Relatórios..., 1901, p.23). Essa suposição a associava de forma genérica às características ambientais dos climas tropicais. Para a administração colonial portuguesa, essa missão foi importante na medida em que alertou para a gravidade da enfermidade, que tornaria essa colônia inabitável num curto espaço de tempo. A esta altura, começava a se consolidar a ideia de que a elevada mortalidade existente no Príncipe se devia à doença do sono, o principal obstáculo à sua colonização (Bruto da Costa, s.d., p.88, 90).

Com base nas observações efetuadas na ilha, a equipe começou a procurar explicações para a etiologia da doença. Sustentou que era transmissível e contagiosa (A doença..., 1901, p.301), mas ainda estava longe de poder avançar em uma explicação de caráter etiológico, uma vez que não havia dados experimentais que evidenciassem a existência de algum microrganismo, mesmo no contexto internacional. Os doentes eram enviados para a metrópole no intuito de ser estudados nos hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra, dado que as condições para o seu acompanhamento nos hospitais da colônia não eram adequadas, por falta de recursos e de informação clínica especializada em doenças tropicais. A partir de 1902, o Hospital Colonial de Lisboa receberia a maior parte desses doentes.

Chegando em Luanda, a equipe instalou-se no Hospital Maria Pia e ali teve à sua disposição alguns espaços: o gabinete de bacteriologia cedido pelo chefe do serviço de saúde e diretor do Hospital, José de Brito Freire e Vasconcellos; duas pequenas salas, uma utilizada como sala de cultura, de esterilização e de preparação de amostras histológicas, outra, como sala de fotografia, e ainda uma terceira, para a internação de doentes. As condições de funcionamento eram rudimentares, não obstante a boa vontade e a colaboração do pessoal médico do hospital. O equipamento que a missão trouxera de Lisboa era composto por microscópios, mesas inclinadas de visualização de amostras, reagentes e material de uso corrente em laboratório, parte dele adaptado para funcionar como gerador a petróleo. Os ambientes de trabalho eram exíguos, escasseava o material de laboratório, o equipamento existente localmente era obsoleto ou não podia funcionar devido, por exemplo, à falta de gás na cidade (Relatórios..., 1901, p.14).

A missão de Annibal Bettencourt contou com a experiência de dois médicos locais do Quadro de Saúde da província de Angola, Alberto de Sousa Maia Leitão e Annibal Correia Mendes, embora apenas o segundo fosse nomeado integrante da missão. Maia Leitão foi incumbido de viajar às zonas da província com maior incidência de casos, para fazer o estudo epidemiológico, tendo em conta a sintomatologia e a etiologia da doença (Leitão, 1901). Das conclusões gerais do relatório que apresentou, destaco as seguintes: a doença existia em todas as zonas visitadas do leste de Luanda; era elevada a taxa de mortalidade entre as crianças indígenas (90%); os indígenas que emigravam para a Ilha do Príncipe (quatro a cinco por ano) não regressavam; a taxa de mortalidade era sempre superior à de natalidade; a doença do sono conduzia inevitavelmente à morte (Leitão, 1901, p.127-128). Tais observações apenas confirmavam a letalidade da doença que parecia ser altamente contagiosa e capaz de se desenvolver em curto espaço de tempo (Doença..., 1901).

Paralelamente, os demais integrantes da missão debruçavam-se sobre a sintomatologia clínica, a pesquisa microbiológica de agentes patogênicos e seu efeito em animais de laboratório (Bombarda, 1901). Ao microscópio, as análises de amostras de sangue e fluido cerebroespinal de portadores da doença, coradas com anilina e com o corante de Gram, mostraram que as culturas de bactérias cresciam com dificuldade nos meios tradicionalmente utilizados, líquidos ou sólidos (gelose, gelatina ou caldo de carne). O meio de cultura que deu melhores resultados foi o de Martin, obtido pela maceração do fígado de porco. Nas culturas assim obtidas, a missão identificou um microrganismo descrito como um diploestreptococo e designado 'hypnococco'. Em 46 das 48 amostras feitas intra-vitam e post-mortem, foi isolado o bacilo semelhante ao diplococcus de Weichselbaum, um diploestreptococo disposto aos pares, imóvel, de formas arredondadas e por vezes elípticas (Relatórios..., 1901, p.32-33). A missão teve grande dificuldade em encontrar um meio de cultura viável para esse microrganismo. No entanto, aquela frequência tão elevada levou-a a concluir que a doença era uma meningoencefalite de natureza microbiana, como descreve no relatório:

o seu poder patogênico para os animais, os fatos de transmissão que as histórias dos doentes, as pessoas que com eles habitam e a própria marcha progressiva e invasora da endemia nos levam a aceitar são elementos que consideramos suficientes para admitir que a hipnose é de natureza microbiana e que o diploestreptococos por nós encontrado é o seu agente etiológico.

Os resultados foram inicialmente publicados no primeiro relatório enviado ao Ministério do Ultramar, em 1901, e em A Medicina Contemporânea (A doença..., 1901b, p.319; 1901a, p.325-328). Considerados heróis nacionais, os seus autores foram condecorados por dom Carlos I. As conclusões animadoras da missão portuguesa foram apresentadas numa conferência pública na Sociedade de Geografia de Lisboa, e, simultaneamente, foi publicado um relatório mais completo que incluía ilustrações de peças anatômicas, além de culturas e preparações microscópicas, numa edição de luxo, a expensas do Estado. Na Revista Portuguesa de Medicina e Cirurgia Práticas foi publicada, em 1902, uma versão reduzida desse segundo relatório (Doença..., 1902). O ministro da Marinha enalteceu a missão junto à Sociedade de Ciências Médicas, agradecendo-lhe pela influência que exercera sobre o Estado, em prol da defesa da glória portuguesa no contexto médico europeu.

A última versão do relatório seria editada em francês, em 1903. Suas duas últimas edições evidenciam a intenção de ostentar, interna e externamente, a competência científica da missão portuguesa, e dar uma medida da capacidade do Estado português de ocupar e administrar os seus territórios na África. A missão foi assim convertida num importante elemento na recuperação do orgulho nacional, ferido após a humilhação do ultimatum inglês.3 3 A Conferência de Berlim (1884-1885) criou um novo ordenamento jurídico para a ocupação europeia do território africano, baseado na ocupação efetiva. Para Portugal, o primeiro país colonizador daqueles territórios, as pretensões portuguesas fundamentadas no direito histórico só se tornariam válidas se se apoiassem numa autoridade que fizesse respeitar os direitos adquiridos e a liberdade de comércio e trânsito. Em 1886, este país daria a conhecer as suas pretensões coloniais sob a forma do 'Mapa cor de rosa' - um mapa que ligava a costa angolana à moçambicana. O governo português deu então início a várias tentativas de ocupação efetiva, numa disputa colonial com a Inglaterra. A uma dessas tentativas a Inglaterra respondeu com o Ultimato, em 11 de janeiro de 1890. A missiva exigia a retirada imediata das forças militares portuguesas mobilizadas nos territórios entre Angola e Moçambique, sob a ameaça de uma invasão militar massiva da Inglaterra. Portugal recuou, ficando somente com a jurisdição de Angola e Moçambique.

Entre 1901 e 1904, a imprensa médica publicou vários artigos em cinco periódicos médicos de grande circulação: A Medicina Contemporânea (Lisboa), o Jornal da Sociedade de Ciências Médicas (Lisboa), a Revista Portuguesa de Medicina e Cirurgia Práticas (Lisboa), o Movimento Médico (Coimbra) e Coimbra Médica (Coimbra). Esses foram os principais veículos das polêmicas em torno da etiologia da doença do sono, que envolviam os resultados obtidos, quer pelos microbiologistas de Coimbra, quer por Castellani, em face das posições defendidas pela missão de Bettencourt.

Todas as demais missões foram realizadas pela Escola de Medicina Tropical de Lisboa e revelam a importância da doença do sono para a defesa dos interesses nacionais e para a legitimação da medicina tropical lusa, como campo especializado de ação médica. Entre 1902 e 1935, essa escola empreendeu oito missões científicas, seis das quais sobre a doença do sono: na Ilha do Príncipe em 1904, 1907 e 1911; em Moçambique, em 1910 e 1927 e na Guiné, em 1932. Todas visavam cartografar a doença e desenvolver programas de ação terapêutica capazes de diminuir os índices patológicos até a sua erradicação. Os trabalhos foram realizados tanto in loco como na Escola de Medicina Tropical de Lisboa, para onde eram enviados espécimes entomológicos, amostras biológicas ou os próprios doentes. Para além da redução da mortalidade devido à doença, cujas consequências para a economia eram evidentes, as missões também pretendiam demonstrar a 'justeza' das pretensões portuguesas em relação aos territórios africanos, através da competência médica nas doenças tropicais. A comunidade médica tinha, assim, a oportunidade de se afirmar como protagonista e elemento decisivo na concretização das políticas coloniais portuguesas.

A controvérsia em Portugal: Bettencourt vs. António de Pádua e Charles Lepierre, 1901-1903

Os resultados da missão de Bettencourt não foram bem aceitos em toda a comunidade científica portuguesa, e os principais opositores surgiram, naturalmente, do grupo de microbiologistas da Universidade de Coimbra, que reivindicavam a prioridade na descoberta do bacilo causador da doença. Os médicos de Coimbra afirmavam que seu bacilo era o mesmo descrito pela missão. A Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, que exercera influência capital na decisão do Estado português de enviar a missão de 1901, defendeu de imediato seus resultados e méritos (Bombarda, 1901; A doença..., 1903); no entanto, a equipe da Universidade de Coimbra, liderada por António de Pádua e Charles Lepierre, envolveu-se num confronto aberto, criticando o valor das observações microbiológicas e o rigor da apresentação dos conceitos e dos resultados da missão. Toda essa disputa desenvolveu-se em torno do 'bacilo do sono', o meningococo identificado por Cagigal e Lepierre em 1898, e do 'hypnococco', identificado pela missão de Bettencourt.4 4 Essa controvérsia pode ser acompanhada na Revista Portuguesa de Medicina e Cirurgias Práticas (de 15 nov. 1901 a 15 out. 1902) e no Movimento Médico (de 1 dez. 1901 a 15 jan. 1902). A primeira relata a posição da missão de Bettencourt, e a segunda, a dos investigadores de Coimbra. Em seu conjunto, pode também ser acompanhada na Medicina Contemporânea (entre 1901 e 1904). A posição de Lepierre foi cautelosa, mas a da missão, categórica. Para o primeiro, o bacilo encontrado poderia ser o agente etiológico; para a missão, havia sido encontrado o verdadeiro agente responsável pela doença. A missão estava, evidentemente, empenhada na demonstração de sua autoridade científica, habilmente associada à necessidade de Portugal de mostrar sua capacidade enquanto potência colonial.

Os principais argumentos dessa controvérsia interna situavam-se no âmbito da bacte-riologia enquanto metodologia científica, nos quais se discutiam a validade das observações, fenômenos e métodos, elementos de análise na problemática das controvérsias (Machamer, Pera, Baltas, 2000).

Bettencourt advogava que o bacilo do sono de Coimbra não poderia ser o mesmo que a missão identificara, pois possuía características diferentes (Lepierre, 1903b, p.179). Lepierre e Pádua contrapunham essa afirmação, indicando que as diferenças não justificavam a presença de um microrganismo distinto, e que a missão estaria pouco atualizada em relação às mais recentes investigações na área, o que, de fato, correspondia à verdade. Identificam-se, assim, quatro aspectos essenciais no confronto entre Bettencourt e António de Pádua e Charles Lepierre, partindo das críticas da missão portuguesa aos resultados obtidos em Coimbra: a identificação simultânea do bacilo e dos esporos em cultura e o tempo demasiado extenso para que os animais de laboratório pudessem reagir à inoculação do bacilo, o que justificaria uma diferença entre o 'bacilo do sono' de Coimbra e o 'hypnococo' de Lisboa. No sentido inverso, as críticas situam-se antes na estranheza da defesa intransigente da descoberta. Soma-se, ainda, a falta de clareza na exposição dos resultados, particularmente ao se referirem a situações in-vitram ou post-mortem e, em alguns casos, ainda, a acusação aos médicos da missão de forjar resultados - diante das diferenças existentes entre o primeiro e o segundo relatórios da missão - com o intuito de alcançar um maior protagonismo.

Comparando estes argumentos, somos levados a concluir que, embora pudessem não existir diferenças significativas entre os dois bacilos, esse fato, por isso só, não seria suficiente para se afirmar que o 'bacilo do sono' e o 'hypnococco' fossem a mesma entidade microbiológica. O confronto de resultados não parece significativo para a resolução da questão fundamental, provavelmente porque seria necessário encontrar outros meios seletivos para bacilos com afinidades tão próximas, o que poderia invalidar os pressupostos do próprio debate. As críticas feitas em Coimbra à forma como a missão se confrontou no plano teórico com outros investigadores parecem fazer todo o sentido no desenrolar da controvérsia, que ultrapassa as fronteiras nacionais e chega até Aldo Castellani, em Uganda.

Os meandros da controvérsia: Bettencourt vs. Castellani, 1902-1903

O Comitê de Malária da Royal Society, que apoiou a escolha de Low, Christy e Castellani para a primeira missão de estudo da doença do sono, estava particularmente atento aos métodos microbiológicos utilizados por seus membros e à possibilidade de o parasita, Filaria pestrans, estar de alguma forma relacionado com a doença. Nessa altura, também Miguel Bombarda, em Lisboa, considerava que a posição de Manson não poderia ser ignorada pelos investigadores portugueses, cuja investigação laboratorial apontava para uma causa bacteriana (Bombarda, 1900a, p.421).

Ao chegar em Uganda, em 1901, a missão britânica tinha conhecimento de que os tripanossomas haviam sido identificados no sangue periférico por Robert Michael Forde (1861-1948), em Gâmbia, em doentes com 'febre do tripanossoma', e confirmados por Joseph Everett Dutton (1874-1905). Todavia, nenhum desses autores, nem mesmo Manson, associava esta patologia à doença do sono (Cook, 1933, p.225). Este último, a partir do acompanhamento de três doentes, admitia que a doença era causada pela Filaria perstans, já que identificara embriões desse nematode no sangue dos pacientes. Entretanto, tomou conhecimento dos resultados da missão de Bettencourt e enviou-os diretamente para Low (Cook, 1933, p.225), que os comunicou a Castellani, recentemente instalado em seu novo laboratório. Tal como a missão portuguesa, a de Low admitia ter excelentes condições de equipamento para a realização dos trabalhos de microbiologia em Uganda (Cook, 1933, p.221). Em 15 de outubro de 1902, Low informou Manson de que Castellani havia encontrado um streptococcus ou organismo semelhante em casos de doença do sono, considerando ser essa a causa da doença. Castellani apressou-se em enviar um relatório preliminar à Royal Society, indicando que teria encontrado um microrganismo em oito de dez amostras de fluido cefalorraquidiano post-mortem. A sociedade reagiu com ceticismo a esses resultados (Boyd, 1973, p.95), provavelmente pelo fato de Castellani ser estrangeiro, ter ainda pouca experiência e não contar com uma amostragem significativa de resultados experimentais. Dessa forma, decidiu pela não publicação de seu trabalho e admitiu a possibilidade de enviar outra missão para confirmar os resultados, tal como viria a acontecer. Inconformado, Castellani submeteu o artigo, em 14 de novembro de 1902, ao Bristish Medical Journal, que viria a publicá-lo no ano seguinte (Castellani, 1903c). Nesse artigo, Catellani reivindicava para si a descoberta do agente etiológico da doença do sono, rejeitando qualquer analogia entre a sua bactéria e o 'hypnococco' de Bettencourt, por razões de caracterização do microrganismo - à semelhança do que acontecera entre Bettencourt e António Pádua e Charles Lepierre. Referindo-se à missão portuguesa, Castellani começou afirmando que essa só recolhera amostras no sangue dos doentes - o que era falso (Relatórios..., 1901, p.33) - o microrganismo não crescendo nos meios de cultura de uso corrente em laboratório, contrariamente ao que afirmava a missão portuguesa (Relatórios..., 1901, p.34-35), que não observou se o sangue dos doentes tinha algum poder aglutinante em relação ao 'hypnococco'. Castellani afirmava ter identificado um diplococcus, variedade streptococcus, de aspecto variável e móvel, em doentes de sono. Charles Lepierre e António de Pádua admitiram a existência de uma diferença absoluta entre os dois cocos encontrados pela missão de Bettencourt e por Castellani, motivo pelo qual não podiam ser o mesmo microrganismo, tendo em vista as diferenças de critérios utilizados na identificação microbiológica (Lepierre, 1903a, p.261; Lepierre, 1904, p.53-54) - particularmente os testes de aglutinação, que a missão portuguesa desconhecia. No entanto, Bettencourt apressou-se em escrever a Castellani e em publicar dois artigos, um no A Medicina Contemporânea (Bettencourt, 1903a), outro no British Medical Journal (Bettencourt et al., 1903b), admitindo que os dois bacilos eram semelhantes e que a prioridade da descoberta deveria ser atribuída aos autores portugueses e não ao bacteriologista italiano. Assim, em A Medicina Contemporânea, pode-se ler (Bettencourt, 1903a, p.95):

as nossas investigações não se limitaram às culturas e exames microscópios dos líquidos patológicos do organismo. Fizemos também o estudo de numerosos cortes, sobretudo do tecido nervoso, e neles fomos os primeiros a encontrar e a assinalar a presença do hypnococco. Como compreender que o micróbio, por nós tantas vezes obtido em cultura pura, não seja o mesmo que está nos cortes, dada a identidade morfológica? E como poderá o de Castellani, isolado das mesmas regiões do organismo, onde nós o fomos buscar, em vida e post-mortem, não ser o mesmo que vimos nos nossos cortes? Em vista de tudo isto não nos resta dúvida de que o micróbio de Castellani é o que nós descrevemos e que as suas investigações são a plena confirmação das nossas ... a questão da prioridade é relativamente secundária e ninguém ... pode contestar que nos pertence; mas os trabalhos do membro da missão inglesa, feitos independentemente dos nossos, em regiões muito distantes daquelas em que trabalhamos, não perdem por isso o valor próprio nem importante significado que têm para o esclarecimento da etiologia da hipnose.5 5 Hipnose era uma palavra utilizada como sinônimo de doença do sono.

Em resposta, Castellani reiterou que o seu bacilo era diferente daquele isolado por Bettencourt, pois se multiplicava bem em meios de cultura de gelatina e em outros, nos quais não se desenvolvia o micróbio isolado pela equipe portuguesa. Além disso, admitia que Bettencourt teria alterado os resultados no segundo relatório para aproximá-los dos seus, em agosto de 1903 (Castellani, 1903b), posição igualmente partilhada pelo grupo de microbiologistas de Coimbra. É preciso salientar que Castellani enviou tanto para Lepierre e Pádua, como para Bettencourt as suas justificações (Pádua, Lepierre, 1904, p.101).

Todavia, em 12 de novembro de 1902 Castellani já havia evoluído em sua investigação ao identificar, surpreendido, um tripanossoma numa amostra de fluido cerebrospinal de um doente, claramente identificado como portador da doença (Castellani, 1903b, p.501).6 6 De Entebe Castellani envia uma carta ao Comitê de Malária da Royal Society, em 5 de abril de 1903, intitulada "On the discovery of a species of Trypanosoma in the cerebro-spinal fluid cases of sleeping sickness", que é recebida em 8 de maio e lida em 14 de maio de 1903. A identificação do parasita não era fácil, motivo pelo qual utilizou uma variante do método experimental normalmente utilizado para a identificação desse tipo de protozoário. Castellani (1903b, p.501) centrifugou uma amostra de fluido cerebroespinal durante 15 minutos e analisou o sobrenadante ao microscópio (de médio poder de resolução), visualizando os tripanossomas que, por serem móveis, podiam ser identificados com mais facilidade. Desse modo, ele se viu forçado a mudar a sua rota de investigação da bactéria para o parasita. Observou o mesmo em vinte dos 34 casos analisados (percentagem muito elevada) e concluiu que, devido à sua semelhança com o de Dutton, se tratava provavelmente de uma variante (Castellani, 1903b, p.507). Ainda assim, não perdeu a oportunidade de designá-lo como Tripanossoma ugandense7 7 Aldo Castellani foi mantendo contato regular com Walter Kruse, que já havia indicado que o tripanossoma identificado por Castellani deveria ser designado como Tripanosoma castellani. (Kruse, 1903; Cook, 1933, p.225) em oposição ao de Forde-Dutton, o Tripanossoma gambiense, mesmo em investigações futuras realizadas após ter deixado a missão em Uganda (Castellani, 1910). Castellani prosseguia com o seu trabalho e, em agosto de 1903, encerrou o ciclo das suas inves-tigações sobre a doença do sono, defendendo que ela era causada pelo tripanossoma encontrado no líquido cefalorraquidiano e que, na fase final da doença, poderia ocorrer uma infecção con-comitante por estreptococos (Castellani, 1903b, p.507-508).

No mesmo mês, no segundo relatório que publicou, a missão portuguesa voltou a defender a prioridade na descoberta do 'hypnococco', o diploestreptococo de Castellani (Bettencourt et al., 1903a), ao mesmo tempo em que refutava a nova hipótese do autor quanto à causa da doença ser um parasita (Bettencourt, 1903b). Essa publicação, escrita em francês, tinha como alvo os microbiologistas pasteurianos, numa tentativa de angariar defensores da primazia da descoberta para a missão portuguesa, em detrimento de Castellani. No entanto, de imediato, surgiu no Journal of Tropical Medicine um comentário contundente em relação aos resultados da missão portuguesa: tal como Castellani concluíra, "exceto do ponto de vista da distribuição geográfica da doença do sono, o relatório da missão portuguesa merece pouca atenção" (Report..., 1904, p.230).8 8 Nesta e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.

A entrada dos resultados da missão portuguesa no circuito dos médicos que investigavam a doença do sono deixou Castellani preocupado, pois ameaçava não somente o seu prestígio como também o da missão que lhe fora confiada. Diante disso, ele se converteu, rapidamente, ao "tripanossoma" numa tentativa de restaurar o seu protagonismo na descoberta e etiologia da doença do sono (Cook, 1933, p.215). No entanto, nem para ele, nem para a missão portuguesa, a discussão havia terminado.

Epílogo (1903-1907): Castellani vs. Bruce e Kopke vs. Bettencourt

A segunda missão inglesa chegou a Entebe em 16 de março de 1903, diante da necessidade de enviar reforços para aquela colônia, dada a elevada taxa de incidência da doença, por um lado, e, por outro, a necessidade de reconfirmar os resultados de Castellani. O Malaria Committee da Royal Society julgou preferível juntar a Castellani uma equipe mais experiente, formada por David Nabarro e David Bruce. Estes últimos abriram nova frente de controvérsia na corrida à causa da doença, opondo desta vez Castellani a Bruce. O primeiro reclamava ter descoberto o tripanossoma e, por consequência, o agente etiológico da doença do sono; Bruce, por seu turno, reivindicava ter sido ele a estabelecer a relação do parasita com a doença, dado que Castellani somente havia identificado o parasita, ainda estando preso ao streptococcus responsável por uma infecção secundária no último estádio da doença. A controvérsia foi resolvida no Malaria Committee da Royal Society, em 1904 (Boyd, 1973).

Quando chegou a Entebe, ao examinar os resultados obtidos por Castellani, Bruce concluiu que eles não confirmavam a patogenicidade do parasita, dado que o italiano não estabelecera qualquer relação entre o parasita e o hospedeiro, ao contrário do que ele tinha verificado: o nagana no gado era transmitido entre humanos pela mosca tsé-tsé (Boyd, 1973, p.101). Castellani reagiu de imediato. Enviou várias cartas à Royal Society reivindicando a descoberta do agente etiológico da doença do sono, mas não teve êxito. O Committee of Malaria da Royal Society, presidido por Ray Lankester, amigo de Bruce, decidiu que, embora Castellani houvesse identificado o parasita, não estabelecera a sua relação com a etiologia da doença, e sim Bruce, dadas as contribuições adicionais às do antecessor, que teriam permitido a explicação do mecanismo de transmissão do tripanossoma ao homem (Boyd, 1973, p.102-105). A reivindicação de Castellani se manteria na imprensa médica britânica até quase o início da década de 1930, embora sem um resultado que lhe fosse favorável.9 9 Quando regressa a Londres, em 1908, e percebe que Ray Lankester tinha publicado um livro no ano anterior - intitulado The Kingdom of Man - no qual a história da doença do sono dá a Bruce a primazia na descoberta da etiologia da doença, Castellani volta a reivindicar a sua posição no British Medical Journal e no jornal The Times, que reúne em sua defesa, Low, Christy, Nabarro, Kruse e Robert Koch, entre outros. Conferir os vários artigos sobre a doença do sono publicados no Journal of Tropical Medicine and Hygiene ou na revista Times, entre 1908 e 1926. Devido à sua formação em história natural, Bruce estava mais habilitado a pensar na associação do parasita com a mosca tsé-tsé e a esclarecer o mecanismo da doença com o agente, o vetor e o hospedeiro, do que Castellani, cuja formação privilegiara a identificação de microrganismos na escola de Kruse, e tais variáveis teriam pesado na decisão da Sociedade.

Também em Portugal, o debate se manteve entre Bettencourt e os investigadores de Coimbra. O primeiro sustentou a sua linha de argumentação até o fim (A doença..., 1903; Bettencourt, 1903b, p.163-165), mas dois dos membros da missão se afastaram das posições defendidas por seu chefe. Em 1903, após a demonstração feita por Castellani da existência de tripanossomas nos doentes portadores da doença, Correia Mendes e Ayres Kopke orientaram a sua investigação e argumentação em favor da etiologia parasitária da doença do sono. Em 1904, Correia Mendes analisou um caso em um europeu, situação rara; ao realizar a pesquisa de parasitas no sangue, identificou o tripanossoma e afirmou (Correia Mendes, 1904, p.152):

tenho observado centenas de indivíduos atacados desta doença [do sono] e julgo não errar afirmando que se trata de um caso de hipnose, particularmente interessante pela circunstância de se encontrar no sangue o tripanossoma que os ingleses atribuem à causa da doença ... dada a raridade em indivíduos de raça branca, esta coincidência não pode deixar de ser tomada em consideração levando-nos a acreditar que o tripanossoma também representa um papel importante na doença do sono.

Ayres Kopke, por sua vez, desenvolveu no laboratório de bacteriologia e parasitologia tropical na Escola de Medicina Tropical um projeto de investigação que consistia no acompanhamento clínico e na investigação de alguns doentes hospitalizados no Hospital Colonial para estudo do papel que o tripanossoma e o 'hypnococco' poderiam desempenhar na etiologia da doença, bem como a ação produzida pelos dois agentes associados.

No decurso dessas investigações, Kopke vai-se distanciando da posição da missão de 1901, admitindo, à semelhança de Castellani, que o streptococcus representaria somente um aspecto secundário da evolução da doença. Kopke aceitou por completo a doutrina do parasita responsável pela doença do sono: o tripanossoma identificado por Castellani e confirmado por Bruce e Nabarro. Aos poucos, a nova teoria parasitária foi aceita pelos demais médicos portugueses da missão. Após 1904, a teoria bacteriana para a doença do sono seria definitivamente abandonada, e o consenso da comunidade científica, nacional e internacional, reunido em torno da teoria parasitária.

Considerações finais

A devastação causada pela doença do sono, na África, onde os índices de mortalidade eram elevadíssimos, conduzindo, muitas vezes, a uma redução drástica da mão de obra disponível, levou os médicos dos países colonizadores a dar prioridade à descoberta da sua causa. À corrida política pela África, sucedia-se a corrida pela causa da doença do sono. A missão portuguesa de estudo da doença, a primeira das missões europeias a ser realizada em território africano com esse objetivo, em 1901, viria a desencadear uma teia de polêmicas, não somente entre elementos da comunidade médica portuguesa, mas também entre médicos portugueses e britânicos, e ainda entre médicos britânicos.

A importância dada à missão portuguesa de 1901 pelo Estado português, bem como o modo como os membros que a constituíram divulgaram os resultados dentro e fora da comunidade científica portuguesa, podem ser entendidos como uma tentativa de recuperação do orgulho nacional, frustrado que foi o plano do mapa cor de rosa. A descoberta do agente etiológico da doença do sono traria glória à medicina portuguesa e seria uma demonstração da capacidade de os portugueses ocuparem efetivamente as suas colônias africanas.

A missão portuguesa deu início à controvérsia sobre o agente causador da doença (bactéria ou parasita), após a publicação dos seus resultados, em 1902. No plano interno, o debate prolongado e acutilante estabelecido entre os bacteriologistas de Lisboa e Coimbra configura uma disputa pela autoridade científica na comunidade médica nacional. O gabinete de microbiologia da Universidade de Coimbra dificilmente poderia competir com o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, tanto em meios como em prestígio nacional. No entanto, da disputa entre os investigadores de Lisboa e de Coimbra parece ressaltar um melhor domínio da microbiologia médica por parte dos últimos, provavelmente graças à sua experiência na associação ao Hospital da Universidade do qual provinham vários casos clínicos que potenciavam a investigação microbiológica. De qualquer modo, seria muito difícil aceitar os argumentos desses investigadores sobre o 'bacilo do sono', uma vez que seus resultados incidiam sobre a história de um único caso de doença.

Os resultados da missão foram rapidamente conhecidos pela missão inglesa em Uganda. O debate, centrado num bacilo, o streptococcus, levou Castellani a contestar as conclusões de Bettencourt, fazendo uso de sua perícia em microbiologia - particularmente a utiliza-ção de testes de aglutinação para identificação seletiva de bactérias (Castellani, 1902). Embora estes últimos tivessem falhado algumas vezes na identificação do streptococcus, e os resultados obtidos em animais inoculados fossem pouco satisfatórios, se esse microrganismo não fosse resultado de uma infecção secundária, provavelmente Castellani estaria em melhores condições para contestar a posição portuguesa no contexto internacional: sua técnica era mais específica, e sua experiência em doenças tropicais mais consolidada, dada sua ligação à Escola de Medicina Tropical de Londres e a Manson.

A posição de Annibal Bettencourt e de boa parte da comunidade médica portuguesa foi profundamente marcada pela tradição pasteuriana, o que impediu a identificação do verdadeiro agente etiológico da doença do sono. No entanto, o debate acirrado dentro e fora da comunidade portuguesa foi crucial para a história da medicina tropical (Benchimol, 2010), na medida em que as controvérsias entre uma agenda pasteuriana e uma medicina de vetores (Benchimol, 1999, p.396) estiveram no epicentro da emergência da nova disciplina. À semelhança do que defende Sandra Caponi (2002, p.115), tais controvérsias permitiram-lhe encontrar novos objetos, conceitos e métodos de estudo que não decorriam necessariamente do protocolo de investigação iniciado por Pasteur.

A partir da aceitação do tripanossoma como agente responsável pela etiologia da doença, em nível internacional, os médicos que fizeram parte da missão, mas que não pertenciam ao Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, Correia Mendes e Ayres Kopke, se distanciaram facilmente da posição defendida pela missão chefiada por Bettencourt. Enquanto os bacteriologistas deste Instituto se mantinham fiéis à agenda científica da instituição e à ortodoxia pasteuriana, ou seja, à 'caça aos micróbios', num percurso já com dez anos de história, Correia Mendes e Ayres Kopke, ligados, desde 1902, à Escola de Medicina Tropical - que tinha como referência a Escola de Medicina Tropical de Londres e Patrick Manson - estavam mais preparados para acompanhar a evolução da medicina tropical. Na prestigiada instituição britânica, a medicina microbiana e a medicina dos vetores eram igualmente valorizadas. Também para António de Pádua e Charles Lepierre foi mais fácil aceitar a descoberta do tripanossoma por Castellani, dada a independência que tinham da alçada do Estado português, sendo-lhes mais fácil adotar uma posição contrária.

No debate entre médicos portugueses e britânicos, as posições de Bettencourt e de Castellani são ilustrativas da luta pela primazia que, aliás, existiu também entre as duas missões inglesas, através de Castellani e de Bruce. Se a sede do protagonismo português foi exacerbada pelo fantasma da rivalidade entre Portugal e Inglaterra na disputa pelos territórios africanos, esta se estendeu aos médicos portugueses que estariam, igualmente, em competição com os médicos da missão inglesa. Em relação a Castellani, uma das figuras centrais desta controvérsia, ele desde o início se mostrou muito preocupado em assumir o papel principal na corrida pela causa da doença do sono. A pressão que exerceu sobre a Royal Society para publicar o seu trabalho sobre o streptococcus, ou sobre a etiologia da doença do sono associada ao tripanossoma, a disputa contra a missão portuguesa, e a troca de correspondência com envio de material biológico para Walter Kruse, na Alemanha, antes da publicação dos resultados pela Royal Society, são exemplo desta situação.

Foi a corrida portuguesa pela bactéria que condicionou Castellani a investigar a via microbiológica da doença, na qual sentia que tinha créditos firmados, mas foi também o streptococcus a causa da controvérsia que estabeleceu com Bruce e que não conseguiu resolver a seu favor. Esse investigador defendia que Castellani não tinha sido o autor de uma explicação etiológica da doença, uma vez que somente estava preocupado em identificar e caracterizar o seu streptococcus. Todavia, a identificação fortuita do tripanossoma por Castellani e a sua rápida movimentação para a modificação da técnica de identificação de microrganismos (testes de aglutinação), para identificar parasitas (centrifugação), parecem indicar sua percepção de que o microrganismo identificado apenas em alguns casos e em condições experimentais muito particulares não seria o caminho correto para a investigação em causa.

Em 1904, estava concluída a questão fundamental da controvérsia: seria uma bactéria ou um parasita, o agente patogênico causador da doença do sono? No entanto, as rivalidades entre os principais intervenientes na mesma mantiveram-se durante algum tempo, com destaque para o Reino Unido, onde perduraram, na comunidade médica, até o final da década de 1920.

Embora essa controvérsia tenha tido o seu auge entre 1902 e 1904, há uma abundante análise historiográfica no período que decorre entre 1908 e o final dos anos 1920, envolvendo Castellani e Bruce (Castellani, 1908; Nabarro, 1913a, 1913b, 1917a, 1917b; Chalmers, 1913, 1918; Ross, 1926). Por quê? Provavelmente porque a proposta bacteriana para a etiologia da doença não envolveu figuras de relevo na história da medicina tropical europeia, sendo demasiado curto o período de sua subsistência. Nem Bettencourt, nem Castellani eram suficientemente reconhecidos pelo Comitê de Malária da Royal Society, da qual Patrick Manson era membro. Ao contrário, Bruce era muito influente na comunidade científica britânica, justificando assim o prolongamento do debate com Castellani. Este trabalho pretende contribuir para um melhor conhecimento dos meandros dessa controvérsia, que passam despercebidos na historiografia mais recente sobre a problemática da etiologia da doença do sono, na qual se envolveu parte significativa da comunidade médica portuguesa, no auge do debate entre a agenda pasteuriana e a medicina dos vetores pela descoberta do agente etiológico responsável pela doença do sono.

NOTAS

* Este trabalho foi originalmente apresentado em 2008, no 6th Step Meeting, em Istambul (Turquia), após sua pré-circulação entre os participantes do encontro, com o título "Discovering exotic pathologies: bacteria or parasite on sleeping sickness, controversies at the Lisbon School of Tropical Medicine (1898-1904)".

Recebido para publicação em março de 2012.

Aprovado para publicação em julho de 2012.

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  • 1
    O Real Instituto Câmara Pestana, criado em 1892, à semelhança dos Institutos Pasteur de Paris, era uma instituição de grande prestígio na época, no âmbito da bacteriologia, em Portugal.
  • 2
    Construído em 1886, o Hospital Maria Pia é conhecido desde a independência de Angola como Hospital Josina Machel, em homenagem à esposa de Samora Machel (presidente de Moçambique de 1975 a 1986), devido à sua importância na luta pelos direitos das mulheres. É ainda hoje um dos edifícios mais imponentes da cidade de Luanda, por seu plano e grandeza, a que as obras de vulto de anos recentes conferem grande importância.
  • 3
    A Conferência de Berlim (1884-1885) criou um novo ordenamento jurídico para a ocupação europeia do território africano, baseado na ocupação efetiva. Para Portugal, o primeiro país colonizador daqueles territórios, as pretensões portuguesas fundamentadas no direito histórico só se tornariam válidas se se apoiassem numa autoridade que fizesse respeitar os direitos adquiridos e a liberdade de comércio e trânsito. Em 1886, este país daria a conhecer as suas pretensões coloniais sob a forma do 'Mapa cor de rosa' - um mapa que ligava a costa angolana à moçambicana. O governo português deu então início a várias tentativas de ocupação efetiva, numa disputa colonial com a Inglaterra. A uma dessas tentativas a Inglaterra respondeu com o Ultimato, em 11 de janeiro de 1890. A missiva exigia a retirada imediata das forças militares portuguesas mobilizadas nos territórios entre Angola e Moçambique, sob a ameaça de uma invasão militar massiva da Inglaterra. Portugal recuou, ficando somente com a jurisdição de Angola e Moçambique.
  • 4
    Essa controvérsia pode ser acompanhada na
    Revista Portuguesa de Medicina e Cirurgias Práticas (de 15 nov. 1901 a 15 out. 1902) e no
    Movimento Médico (de 1 dez. 1901 a 15 jan. 1902). A primeira relata a posição da missão de Bettencourt, e a segunda, a dos investigadores de Coimbra. Em seu conjunto, pode também ser acompanhada na
    Medicina Contemporânea (entre 1901 e 1904).
  • 5
    Hipnose era uma palavra utilizada como sinônimo de doença do sono.
  • 6
    De Entebe Castellani envia uma carta ao Comitê de Malária da Royal Society, em 5 de abril de 1903, intitulada "On the discovery of a species of Trypanosoma in the cerebro-spinal fluid cases of sleeping sickness", que é recebida em 8 de maio e lida em 14 de maio de 1903.
  • 7
    Aldo Castellani foi mantendo contato regular com Walter Kruse, que já havia indicado que o tripanossoma identificado por Castellani deveria ser designado como
    Tripanosoma castellani.
  • 8
    Nesta e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 9
    Quando regressa a Londres, em 1908, e percebe que Ray Lankester tinha publicado um livro no ano anterior - intitulado
    The Kingdom of Man - no qual a história da doença do sono dá a Bruce a primazia na descoberta da etiologia da doença, Castellani volta a reivindicar a sua posição no
    British Medical Journal e no jornal
    The Times, que reúne em sua defesa, Low, Christy, Nabarro, Kruse e Robert Koch, entre outros. Conferir os vários artigos sobre a doença do sono publicados no
    Journal of Tropical Medicine and Hygiene ou na revista
    Times, entre 1908 e 1926.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Mar 2012
    • Aceito
      01 Jul 2012
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