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A prática oceanográfica e a coleção iconográfica do rei dom Carlos I

Oceanography and King Dom Carlos I’s collection of iconography

Resumos

Após a expedição do Challenger (1872-1878), outras nações começaram a interessar-se pela pesquisa oceanográfica e a organizar suas próprias expedições. Desde 1885 que o príncipe Albert I de Mónaco realizava campanhas oceanográficas, com a colaboração de alguns dos melhores cientistas em biologia marinha e em oceanografia física, inventando técnicas e instrumentos para a realização dos trabalhos oceanográficos. A atividade científica do príncipe Albert certamente contribuiu para estimular o interesse do seu amigo, o rei dom Carlos I de Portugal, pelo estudo dos oceanos e da vida marinha. Ambos compartilhavam a necessidade de usar a fotografia para documentar suas pesquisas. Este artigo analisa o papel da fotografia científica na ciência oceanográfica, particularmente nas expedições realizadas pelo monarca português.

fotografia científica; expedições oceanográficas; Carlos I de Portugal


After the Challenger expedition (1872-1878), other nations started to show interest in oceanographic research and organizing their own expeditions. As of 1885, Prince Albert I of Monaco conducted oceanographic campaigns with the collaboration of some of the best marine biologists and physical oceanographers of the day, inventing new techniques and instruments for the oceanographic work. Prince Albert’s scientific activity certainly helped kindle the interest of his friend, Dom Carlos I, king of Portugal, in the study of the oceans and marine life. Both shared the need to use photography to document their studies. This article analyzes the role of scientific photography in oceanography, especially in the expeditions organized by the Portuguese monarch.

scientific photography; oceanographic expeditions; Carlos I of Portugal


No século XIX, devido a múltiplos fatores, tecnológicos e sociais, houve uma grande transformação da cultura visual e da circulação das imagens, incluindo as científicas. Entre os mais importantes está a invenção da fotografia em 1839, a partir de experiências pioneiras realizadas por investigadores, entre eles Antoine Hercules Florence (1804-1879) no Brasil, Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) e Louis Jacques Daguerre (1787-1851) em França e William Fox Talbot (1800-1877) na Inglaterra. Como afirma Sicard (2006)SICARD, Monique. A fábrica do olhar: imagens da ciência e aparelhos de visão (séculos XV-XX). Lisboa: Edições 70. 2006., em pleno século XIX a fotografia modificou profundamente os fundamentos da prova, o modo de ver e de compreender.

No início, a utilização da fotografia no papel de auxiliar documental da ciência é entendida, segundo o astrónomo Jules Janssen (1824-1907), como a “retina do cientista” (Davanne, 1893DAVANNE, Louis-Alphonse. Invention et applications de la photographie, conférence du 22 Novembre 1891. In: Conservatoire National des Arts et Métiers. Conférences publiques sur la photographie, organisées en 1891-1892. Paris: Gauthier-Villars et Fils. p.11-32. 1893., p.29). Mas ela foi também testemunho de fenómenos invisíveis a olho nu: fotografias de manchas solares, de micro-organismos e do movimento de fluidos são disso alguns exemplos. A possibilidade de a técnica fotográfica registar a variação do sinal óptico com o tempo tornou-a particularmente importante para a astronomia e espectroscopia óptica. Apesar das qualidades atribuídas à fotografia, como a autenticidade, objetividade1 1 Segundo Daston e Galison (2010), a exigência pública relativamente à objetividade em ilustração científica e às estratégias conduzidas por cientistas e artistas que com estes colaboraram tem uma longa evolução que é independente da utilização da fotografia como forma de representação visual da ciência. e rapidez na obtenção da imagem científica, a sua prática não se tornou generalizada senão nos finais do século XIX, muitas vezes por dificuldades aliadas à técnica fotográfica (Gunthert, 2000GUNTHERT, André. La rétine du savant. Études Photographiques, n.7, p.28-49. 2000.). Por outro lado, obter uma fotografia científica envolvia fazer escolhas estéticas, julgamentos e intervenções, o que levou a que debates sobre a sua utilização fossem realizados em laboratórios e em conferências científicas (Tucker, 2006TUCKER, Jennifer. Nature exposed: photography as eyewitness in Victorian science. Baltimore: John Hopkins University Press. 2006.). A fotografia, e em particular a fotomicrografia (fotografia de preparação microscópica) introduzia, por vezes, distorções na imagem que os cientistas procuraram corrigir com o recurso a modificações efetuadas no negativo fotográfico ou até na execução das matrizes para impressão. Essas dificuldades e manipulações eram, no entanto, raramente mencionadas, mas pelo contrário, em geral omitidas, pois o cientista pretendia que o leitor se debruçasse sobre o conteúdo da imagem e não sobre a forma como tinha sido obtida (Smith, 2006SMITH, Jonathan. Charles Darwin and victorian visual culture. Cambridge: Cambridge University Press. 2006.).

A consciencialização dos limites da representação fotográfica levou os cientistas a sublinhar a complementaridade entre o desenho, a aguarela e a fotografia, na ilustração de publicações (Fieschi, 2008FIESCHI, Caroline. Photographier les plantes au siècle XIX.Paris: Éditions du Comité des Travaux Historiques et Scientifiques. 2008.), particularmente nas ciências biológicas e médicas. Na ilustração a fotografia interveio de dois modos: a imagem fotográfica era reproduzida segundo diversos modos de impressão (gravura em metal ou madeira, litografia ou processos fotomecânicos), ou utilizada como meio de reprodução duma imagem (desenho, aguarela, gravura), através dos processos fotomecânicos. Em 1878, foi inventado por Charles-Guillaume Petit2 2 Esse processo foi sendo sucessivamente aperfeiçoado pelo alemão George Meisenbach em 1888 e pelo americano Frederic Ives em 1890. um novo processo fotomecânico em relevo, a similigravura, que permitia imprimir simultaneamente numa mesma página os caracteres tipográficos do texto e a imagem fotográfica, reproduzindo os meios-tons. A introdução da similigravura permitiu não só a produção de publicações de pequeno formato a baixo custo, mas também a generalização da utilização dos processos fotomecânicos na reprodução de ilustrações, incluindo desenhos e aguarelas. Com essa nova técnica, a partir dos anos 1880 são lançadas as bases de uma nova cultura visual, permitindo a circulação em massa de imagens e em escala global.

Também, embora menos frequente, é utilizada a fotografia como ponto de partida e posteriormente como controle para a obtenção de desenhos, como acontece, e já no início do século XX, no atlas de anatomia patológica e de histologia do anatomista alemão Sobotta (1903)SOBOTTA, Johannes. Atlas and epitome of human histology and microscopic anatomy. Philadelphia: W.B. Saunders. p.11-13. 1903.; segundo esse autor evitavam-se, assim, distorções na imagem microscópica. Alguns dos desenhos aguarelados de peixes que ilustram o livro de Henry Bourée (1912) sobre pesquisa oceanográfica foram também obtidos por um processo semelhante ao de Sobotta, mas utilizando autocromos como fotografias de referência.

Nos finais do século, a circulação e difusão da ciência e da técnica passa por uma utilização cada vez mais frequente da imagem fotográfica impressa, confirmando a sua “utilidade científica”, como o previra Arago (1839ARAGO, François. Le daguerreotype. Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris. v.9, n.8, p.249-267. 1839., p.265).

As primeiras explorações oceanográficas

Oceanografia, a ciência do mar, é uma agregação de saberes científicos que envolve as ciências biológicas, a física, a química e as ciências da terra. Conhecer o comportamento dos oceanos e a forma da vida animal e vegetal marinha no passado é importante para compreender a sua evolução ao longo dos séculos.

Para a história da oceanografia foi primordial o desenvolvimento das ideias científicas resultantes da publicação em 1859 da obra de Charles Darwin, The origin of species by natural selection. Anteriormente ao conceito de evolução e seleção natural, o estudo dos oceanos era realizado sobre fenómenos superficiais e com o objetivo de obter o mapeamento náutico, bem como estabelecer as coordenadas geográficas de interesse para a ciência da navegação.

Os registos efetuados nas primeiras grandes viagens marítimas e as observações de naturalistas foram uma tentativa para estudar o mar e as espécies marinhas que o habitam. O navegador português Fernão de Magalhães, na sua viagem de circum-navegação, tentou, na passagem pelo Pacífico, em 1521, determinar a profundidade, o que é considerada a primeira experiência de sondagem de alto-mar (Herdman, 1923HERDMAN, William. The founders of oceanography and their work. London: Edward Arnold. 1923.).3 3 Fernão de Magalhães utilizou seis vulgares linhas de sondar, provavelmente de cânhamo, ligadas entre si. A sondagem realizou-se entre as ilhas de coral, São Paulo e a dos Tubarões (Carrington, 1960). Foi só no século XVIII, durante as viagens do período 1772-1773 realizadas pelo explorador James Cook (1728-1779), que foram registadas as temperaturas da água superficial (Murray, Hjort, 1912MURRAY, John; HJORT, John. The depths of the ocean. London: Macmillan. 1912.). No início do século XIX, países como a Inglaterra, França, Rússia e os EUA procuraram empreender expedições oceanográficas com o objetivo de fazer mapeamento náutico como principal tarefa; dentre elas destaca-se a viagem de circum-navegação da U.S. Exploring Expedition (1832-1842), dirigida pelo capitão Charles Wilkes (Junqueira, 2012JUNQUEIRA, Mary Anne. Os objetivos da circunavegação da U.S. Exploring Expedition (1838-1842): longitude, mapeamento náutico e instituição das coordenadas geográficas modernas. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.19, n.1, p.27-48. 2012.).4 4 Durante essa expedição, foram igualmente feitas várias sondagens e algumas dragagens em águas pouco profundas. Wilkes comprovou ser a Antártida separada dos outros continentes. Durante a expedição à Antártica a bordo dos navios ingleses H.M.S. Erebus e H.M.S. Terror de 1839 a 1843, conduzida por James Clark Ross (1800-1862), foram utilizados termómetros concebidos para determinações de temperatura a elevada profundidade, de duas mil braças5 5 Uma braça é equivalente a 1,83m. e realizadas determinações da densidade da água (Murray, Hjort, 1912MURRAY, John; HJORT, John. The depths of the ocean. London: Macmillan. 1912.). Foi também conduzida nessa expedição a primeira sondagem abissal.6 6 Abissal: relativo às grandes profundidades marinhas, onde não há normalmente vida marinha, em geral com mais de 4.000m (Silva, 1998, p.10). Em 1839 a British Association for the Advancement of Science nomeou uma comissão, a British Association Dredging Committee, para investigar a zoologia marinha da Grã-Bretanha, com recurso a dragagens (Rice, Wilson, 1980RICE, Anthony; WILSON, John. The British Association Dredging Committee: a brief history. In: Sears, Mary; Merriman, Daniel (Ed.).Oceanography, the past: proceedings of the Third International Congress on the History of Oceanography. New York: Springer. p.373-385. 1980.). Edward Forbes (1815-1854), um distinto naturalista escocês que tinha feito estudos sobre a distribuição batimétrica7 7 Batimétrica: linha definida pelos pontos de igual profundidade (Silva, 1998, p.27-28). da vida marinha, foi um dos inspiradores dessa comissão. Com base nas suas observações, em 1841, no mar Egeu, é enunciado num trabalho publicado postumamente em 1859, o princípio da ausência de vida abaixo de trezentas braças de profundidade, a que se chamou teoria azoica de Forbes (Saldanha, 1991SALDANHA, Luíz. Fauna das profundidades marinhas.Colóquio/Ciência, v.3, n.7, p.26-42. 1991.). Essa teoria foi mais tarde refutada pelos resultados obtidos nas expedições oceanográficas como a do H.M.S. Challenger (Herdman, 1923HERDMAN, William. The founders of oceanography and their work. London: Edward Arnold. 1923.).

A exploração da região Ártica e do Atlântico Norte foi iniciada em 1861 por cientistas suecos e noruegueses, e em 1864, Otto Torell (1828-1900) obteve especímenes zoológicos a mil e 1.400 braças de profundidade (Murray, Hjort, 1912MURRAY, John; HJORT, John. The depths of the ocean. London: Macmillan. 1912.). Em 1864, o naturalista português José Vicente Barboza du Bocage (1823-1907) publica um artigo sobre a ocorrência de uma nova espécie, a esponja Hyalomena lusitanica, capturada pelos pescadores de Setúbal a uma considerável profundidade, na proximidade da costa portuguesa (Barbosa du Bocage, 1864BARBOSA DU BOCAGE, José. Note sur la découverte d’un zoophyte de la famille Hyalochaetides sur la côte du Portugal. Proceedings of the Zoological Society of London, p.265-269. 1864.).

A partir de 1868, sob a direcção de naturalistas ingleses, uma série de explorações oceanográficas foi conduzida no Atlântico Norte e no Mediterrâneo. Assim, em 1868, os ingleses William. B. Carpenter (1813-1885) e Charles Wyville Thomson (1830-1882), a bordo do H.M.S. Lightning, exploraram o mar, numa área próxima das ilhas britânicas, determinando não só parâmetros físicos, como também a distribuição da vida marinha a grandes profundidades. As dragagens realizadas mostraram que a vida animal era variada e abundante a profundidades superiores a seiscentas braças. Nos verões de 1869 e 1870, Gwyn Jeffreys (1809-1885), associado com Carpenter e Thomson, embarcou a bordo do navio H.M.S. Porcupine, mais bem equipado que o Lightning para a exploração oceanográfica, e procedeu à recolha de especímenes a uma profundidade de 2.435 braças, “estabelecendo o fato de que, mesmo a essa profundidade, os invertebrados se encontram representados” (Thomson, 1878THOMSON, Wyville. The voyage of the Challenger: the Atlantic, v.1. London: MacMillan. 1878., p.7).

Das ilhas Faroe no norte da Europa até Gibraltar, a descrição da viagem feita por Wyville Thomson (1873)THOMSON, Wyville. The depths of the sea. London: MacMillan. 1873. em The depths of the sea constitui o que pode ser considerada a primeira publicação moderna sobre a ciência oceanográfica. As investigações realizadas pelos ingleses abriram caminho para a grande expedição oceanográfica do século XIX, a do H.M.S. Challenger, que decorreu entre dezembro de 1872 e maio de 1876.

Durante aquele período e sob a direcção de W. Thomson, o Challenger circum-navegou o globo, tendo recolhido informações de natureza biológica, química e física, que produziram resultados muito importantes para o conhecimento científico dos oceanos. Nessa expedição foram descobertos vários especímenes biológicos, no total de 715 novos géneros e 4.417 novas espécies, e realizadas inúmeras medições de parâmetros físicos. Os resultados da expedição foram publicados em cinquenta volumes,8 8 As ilustrações desses relatórios foram na sua maioria executadas a aguarela por Jean Jacques Wild, o artista a bordo do Challenger. A coleção de fotografias é constituída fundamentalmente por fotografias étnicas, retratos de grupo e paisagens. As fotografias e aguarelas foram reproduzidas por gravura e litografia. Ver NHM, s.d. b. tornando-se o modelo para todas as subsequentes observações das explorações oceanográficas. A bordo, viajavam, entre outros cientistas, o químico John Young Buchanan (1844-1925)9 9 As tarefas de Buchanan (1873) a bordo eram múltiplas: medidas da densidade e extração de gases da água do mar e análises de sedimentos, tendo determinado a composição do gelo da Antártida. Ele inventou diversos instrumentos para a prática oceanográfica: garrafas de recolha de amostras biológicas, aerómetros e termómetros (Carpine, 2002). e o naturalista e futuro oceanógrafo John Murray (1841-1914), ambos da Universidade de Edimburgo. O navio estava equipado com um laboratório de química e uma sala de trabalho de história natural, possuindo ainda um laboratório fotográfico. A costa portuguesa foi uma das zonas marítimas exploradas, tendo o navio aportado a Lisboa, e os cientistas visitado o Museu de Zoologia, a Escola Politécnica de Lisboa, recentemente reconstruída após o terrível incêndio que aí tinha ocorrido, e o Observatório Meteorológico e Magnético dirigido por João Brito Capello (1831-1901) (Thomson, 1878THOMSON, Wyville. The voyage of the Challenger: the Atlantic, v.1. London: MacMillan. 1878.). O rei dom Luís I (1838-1889) foi recebido a bordo do navio.10 10 O rei dom Luís I foi fotografado, com alguns oficiais e cientistas, a bordo do Challenger em Lisboa em janeiro de 1873. A fotografia encontra-se na coleção de imagens do Natural History Museum, de Londres (NHM, s.d. a). Dom Luís era filho da rainha dona Maria II e do rei dom Fernando. Ainda como príncipe, estudou e dedicou-se aos assuntos marítimos: no posto de guarda-marinha embarcou na corveta Bartolomeu Dias com destino às colônias portuguesas da África Ocidental, obtendo mais tarde o posto de capitão de fragata (Noronha, 1924). Após a morte inesperada do rei dom Pedro V, irmão de dom Luís, este assumiu a governação do reino em 1861.

Do outro lado do Atlântico, na costa americana, e a partir de 1867, dragagens e sondagens a 1.555m foram conduzidas pela United States Coast Survey, sob o comando de Louis François de Pourtalès (1823-1880) e de Louis Agassiz (1807-1873), perto da costa da Flórida e entre esta e Cuba, a bordo do Bibb (Murray, Hjort, 1912MURRAY, John; HJORT, John. The depths of the ocean. London: Macmillan. 1912.).11 11 Agassiz fez o estudo comparativo de especímenes com fósseis, tendo concluído que as áreas continentais e oceânicas haviam ocupado sempre as mesmas posições. Essas explorações ao longo da costa americana foram continuadas, anos mais tarde, entre 1878 e 1880, por Alexander Agassiz (1835-1910) a bordo do Blake (Saldanha, 2002SALDANHA, Luíz. The discovery of the deep-sea Atlantic fauna. In: Benson, K.; Rehbock, P. (Ed.). Oceanographic history: the Pacific and beyond. Seattle: University of Washington Press. p.235-247. 2002.).

A partir de meados do século XIX, os objetivos das numerosas expedições oceanográficas foram essencialmente: o conhecimento topográfico do fundo oceânico para a obtenção das cartas batimétricas e da instalação dos cabos telegráficos, o estudo das correntes marinhas, a relação entre as pescas e a distribuição das espécies biológicas, sobretudo da fauna submarina dos grandes fundos, assim como a determinação de propriedades físicas da água do mar (temperatura, densidade, salinidade etc.). Com o avanço tecnológico, o equipamento utilizado na recolha de material biológico e determinações físico-químicas pelas missões dos navios oceanográficos tornou-se cada vez mais sofisticado.

Em França, Alphonse Milne-Edwards (1835-1900)12 12 Alphonse Milne-Edwards foi nomeado professor de ornitologia no Muséum National d’Histoire Naturelle em 1876, dedicando-se especialmente ao estudo das aves fósseis e à exploração submarina. Foi nomeado diretor do museu em 1891. dirigiu expedições no Atlântico Norte e Mediterrâneo, a bordo dos navios Travailleur e Talisman (1880-1883), recolhendo abundante fauna abissal. A exposição realizada em Paris em 1884, no Muséum National d’Histoire Naturelle, mostrando os resultados das expedições francesas, foi decisiva para o príncipe Albert I do Mónaco se dedicar ao estudo da oceanografia, organizando e dirigindo campanhas oceanográficas que decorreram durante um longo período (Carpine-Lancre, 2001CARPINE-LANCRE, Jacqueline. Oceanographic sovereigns: Prince Albert I of Monaco and King Carlos I of Portugal. In: Deacon, Margaret; Rice, Tony; Summerhayes, Colin (Ed.). Understanding the oceans. London: Routledge. p.56-68. 2001.). O trabalho desse brilhante oceanógrafo, que adotou a seguinte divisa Ex abyssis ad alta, teve uma grande influência sobre a decisão do rei dom Carlos I de Portugal de iniciar a exploração oceanográfica da costa portuguesa. Os dois monarcas trocaram entre si importante correspondência científica (Carpine-Lancre, Saldanha, 1992CARPINE-LANCRE, Jaqueline; SALDANHA, Luís. Souverains océanographiques. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.), tendo essa colaboração permitido confrontar os seus resultados e esclarecer muitas questões relacionadas com as técnicas, sobretudo de recolha de espécimenes biológicos.

As campanhas do príncipe Albert I do Mónaco

Albert Honoré Charles nasceu em Paris em 1848. Tal como os outros Grimaldis, foi desde cedo incentivado a interessar-se pelo mar, tendo iniciado aos 18 anos a carreira de navegador. O príncipe tornou-se oceanógrafo por amor ao mar, foi marinheiro antes de ser cientista, conhecendo os mistérios do mar antes de os estudar (Carpine, 2002CARPINE, Christian. La pratique de l’océanographie au temps du prince Albert I. Monaco: Musée Océanographique. 2002.). Em 1865 começou sua formação como oficial da Marinha Imperial Francesa, a que se seguiram dois anos na Marinha Real Espanhola. Como jovem aluno, o príncipe criou ligações com alguns cientistas, como o fisiologista Paul Regnard, que mais tarde se tornou seu colaborador, e com Alphonse Milne-Edwards.

Após 15 anos de formação o príncipe decide consagrar a sua vida à pesquisa oceanográfica, tendo organizado e dirigido 28 campanhas entre 1885 e 1915. Nessas expedições estiveram envolvidos quatro navios: Hirondelle (1885 a 1888), Princesse Alice (1891 a 1897), Princesse Alice II (1897 a 1912) e Hirondelle II (1912 a 1915).

No Hirondelle, um barco de 200t, não existia equipamento sofisticado. Mesmo assim, o príncipe fez sondagens com a profundidade de 1.600 braças (cerca de 3.520m), recorrendo apenas à sua equipa de 14 marinheiros. Nesse primeiro barco esteve presente, a partir de 1888, o cientista Jules Richard (1863-1945).13 13 Jules Richard licenciou-se em ciências físicas e naturais. Doutorou-se em ciências em 1891 e em medicina em 1900.

Mais tarde, em 1891, as expedições prosseguiram num barco mais robusto, de 560t, o Princesse Alice, já equipado para realizar pesquisa científica (Albert I, 1898aALBERT I of Monaco. Oceanography of North Atlantic. The Geographical Journal, v.12, n.5, p.445-469. 1898a.), com laboratórios a bordo.

O Princesse Alice II era um navio em aço, com 73,15m de comprimento e 1.420t. A bordo havia um laboratório químico bem equipado com diversos instrumentos científicos (Richard, 1900RICHARD, Jules. Les campagnes scientifiques de S.A.S., le prince Albert Ier de Monaco. Monaco: Imprimerie de Monaco. 1900.). Além desse, existia também um laboratório fotográfico que era iluminado à noite por lâmpadas elétricas.

Em 1889 começaram a ser publicados, sob a direção do príncipe, os resultados científicos dessas expedições, Résultats des campagnes scientifiques accomplies sur son yacht par Albert Ier;14 14 Ver Résultats..., s.d. nessa série de publicações, além da descrição das estações oceanográficas realizadas e do estudo de vários grupos zoológicos, encontram-se também os resultados das determinações de dados relativos à oceanografia física. As campanhas oceanográficas foram conduzidas no mar Mediterrâneo e Atlântico Norte (Richard, 1900RICHARD, Jules. Les campagnes scientifiques de S.A.S., le prince Albert Ier de Monaco. Monaco: Imprimerie de Monaco. 1900.). Nos Açores foram efetuadas 12 campanhas, com o objetivo de estudar espécies zoológicas e realizar determinações de parâmetros oceanográficos. A 9 de julho de 1896, a bordo do navio Princesse Alice, quando se iniciava uma campanha de sondagens de grande profundidade, foram descobertos fundos rochosos a apenas 241m de profundidade. Iniciado o levantamento da área, foi encontrada uma extensa plataforma, com cerca de 55km de perímetro, que foi designada Banco Princesa Alice.15 15 É um monte submarino com extensa área de baixas profundidades no mar dos Açores e situa-se a cinquenta milhas náuticas (90km) a sudoeste da ilha do Pico (a 45 milhas náuticas a sudoeste da ilha do Faial), nos Açores. O banco atinge a profundidade mínima de 35m na sua zona ocidental, com a área de batimetria inferior a 500m a ocupar mais de 100km2. De 1898 a 1899 foram igualmente exploradas as regiões árticas.

Nas campanhas científicas participaram cientistas de diversas nacionalidades e de diferentes campos da ciência. Inicialmente, Albert teve a colaboração dos zoólogos Georges Pouchet (1833-1894), professor no Muséum National d’Histoire Naturelle, de Paris, e de Jules de Guerne (1855-1931), que participou nas campanhas do Hirondelle e do Princesse Alice (Carpine, 2002CARPINE, Christian. La pratique de l’océanographie au temps du prince Albert I. Monaco: Musée Océanographique. 2002.).

Jules Richard (1863-1945) foi desde 1887 o diretor científico a bordo, estando presente em todas as expedições a partir dessa data. Era responsável pela triagem a bordo das espécies recolhidas, pela publicação dos resultados das campanhas e mais tarde pela organização do Musée Océanographique de Monaco. Inventou e testou muitos dos instrumentos científicos usados a bordo. O fisiologista Paul Regnard (1850-1927) concebeu igualmente vários instrumentos para a investigação conduzida nas campanhas do príncipe.

A bordo iam também ilustradores com a finalidade de registar, com recurso ao desenho e à aguarela, as espécies recolhidas; entre eles, Emma Kissling e o francês Louis Tinayre (1861-1942).

Nessas expedições foram descobertas numerosas novas espécies, como oOpistoproctus grimaldii Zugmayer, peixe com forma bizarra e olhos telescópicos, que foi capturado à profundidade de 4.700m (Figura 1), ou o Stomias, representado na mesma figura (Bourée, 1912); esses desenhos aguarelados foram realizados recorrendo aos autocromos da autoria de Bourée, como controle.

Figura 1
: Desenho aguarelado dos peixes Opistoproctus grimaldii e Stomias, segundo autocromo de Henry Bourée (1912, prancha IV)

Em 1906, o tenente da armada da Marinha francesa Henry Bourée (1873-1904) foi recrutado por Albert I como seu assistente. Em 1907 é nomeado chefe de gabinete científico, tendo contribuído para o desenvolvimento de dispositivos de medição e colheita de amostras. Cineasta e fotógrafo, foi o autor de grande parte das fotografias realizadas a bordo. Pela primeira vez a bordo de um navio, foram fotografadas em cores espécies marinhas utilizando os autocromos Lumière e luz de magnésio.16 16 A fotografia em cores só começou a ser praticada depois de 1907 com a comercialização das placas autocromos, patenteadas pelos irmãos Lumière em 1903.

Esse tipo de luz artificial era também usado durante o dia (Figura 2), pois segundo Bourée (1912, p.126) “sua utilização apresenta a vantagem de permitir a obtenção de instantâneos”.17 17 No original: “L’emploi présente en outre l’avantage de permettre les instantanés”.

Figura 2
: Henry Bourée fotografando, em cores e com luz de magnésio, um espécimen de grande profundidade (Louis Gain, Campagne Hirondelle 1911; Institut Océanographique de Paris)

O dispositivo de Bourée para a obtenção dos autocromos possibilitava a reprodução exata em cores dos especímenes biológicos, tal como exemplifica a fotografia da fisália, reproduzida pelo método tipográfico de meios-tons (Figura 3).

Figura 3
: Fisália; reprodução fotomecânica de um autocromo de Henry Bourée (1912, p.56) obtido a 9 de agosto de 1909

Albert I foi um entusiasta fotógrafo amador e encorajou o uso da fotografia como modo de documentar as suas expedições.

No relatório de 1895 (Albert I, Richard, 1895ALBERT I of Monaco; RICHARD, Jules. Résultats des campagnes scientifiques accomplies sur son yacht par Albert Ier. Monaco: Imprimerie du Monaco. v. 8. 1895., p.4-5), sobre o estudo dos cefalópodes, escreve o zoólogo Louis Joubin (1861-1935):

A imagem fotográfica é de fato um documento em que nada é deixado de fora, nenhum detalhe é esquecido ou mudado devido às dificuldades de reprodução, apresentando-se com uma tal fidelidade que pode ser usada como base para a discussão científica.18 18 No original: “Une image photographique constitue en effet un document où rien n´étant laissé de côté, où aucun détail n’étant plus modifié ou oublié par les difficultés de la reproduction, se présente avec des caractères de fidélité qui peuvent servir de base à une discussion scientifique”.

No entanto, a opção escolhida para a maioria das ilustrações não seria a técnica fotográfica, mas sim o desenho aguarelado, devido à necessidade de registar a cor das espécies recolhidas. Os desenhos aguarelados teriam que ser feitos a bordo do navio em consequência da rápida mudança de cor pelo facto de as espécies biológicas serem habitualmente conservadas em álcool. A partir da década de 1890, algumas edições dos Résultats des campagnes, além de desenhos e aguarelas, contêm ilustrações com reproduções fotomecânicas de fotografias que representam espécies biológicas, aspetos geológicos e fotomicrografias.

A influência das correntes marinhas sobre a física do oceano e a vida submarina é reconhecida desde o início da navegação. Os dois parâmetros essenciais, velocidade e direção, podiam ser determinados por métodos diferentes. A primeira descrição de um aparelho registador data de 1845. Foi em 1910 que o sueco Otto Pettersson (1848-1931), colaborador do príncipe, construiu um aparelho de registo fotográfico que permitia determinar por longos períodos a velocidade e a direção do vento. O registo era realizado sobre um filme fotográfico durante 15 dias. Foi usado pela primeira vez num pontão no porto de Göteborg em 1911 (Carpine, 1987CARPINE, Christian. Catalogue des appareils d’océanographie en collection au Musée Océanographique de Monaco. 1: photomètres; 2: mesureurs de courant. Bulletin de l’Institut Océanographique Fondation Albert Ier, Prince de Monaco. v.73, n.1437. 1987.).

Outra determinação física importante para o conhecimento dos oceanos era a transparência da água. Em 1865 o padre Pietro Angelo Secchi (1818-1878) e Alessandro Cialdi (1807-1882) apresentaram à Academia de Ciências de Paris uma comunicação sobre a medida da transparência do mar, que foi levada a cabo no barco italiano S.S. L’Immacolata Concezione (Cialdi, Secchi, 1865CIALDI, Alessandro; SECCHI, Pietro A. Sur la transparence de la mer.Comptes Rendus de l’Académie des Sciences, v.60, 1er semestre, p.100-104. 1865.). Foi utilizado um instrumento que recebeu o nome de disco de Secchi. A profundidade a que se dava o desaparecimento visual do disco de Secchi tornou-se uma medida da transparência da água. Embora tenha sido um instrumento útil e simples de usar, pressupunha uma avaliação subjetiva.

Em 1873 o cientista suíço François-Alphonse Forel (1841-1912), pioneiro da limnologia, recorreu pela primeira vez à técnica fotográfica para a medição da penetração da radiação solar no lago Léman, na Suíça, empregando garrafas que continham papel sensibilizado com cloreto de prata, as quais mergulhava nas águas do lago. Recorrendo ao processo fotográfico do gelatino-brometo de prata, instrumentos como os fotómetros inventados por Hermann Fol (1845-1892) e E. Sarasin permitiram determinar com maior rigor o valor do limite de obscuridade total (Forel, 1895FOREL, François-Alphonse. Le Léman. Lausanne: F. Rouge. 1895.).

Após os estudos de Forel, Fol e Sarasin, Paul Regnard, pioneiro no estudo do efeito químico e biológico dos raios solares em meio marinho, inventou, em 1888, um instrumento com registo fotográfico. Esse instrumento permitia medir a intensidade da radiação do visível a diferentes profundidades. Designado como fotometrógrafo, foi utilizado pela primeira vez pelo príncipe Albert na costa do Funchal (Madeira), em março de 1889, a profundidades de vinte, trinta e quarenta metros (Regnard, 1891REGNARD, Paul. Recherches expérimentales sur les conditions physiques de la vie dans les eaux. Paris: G. Masson. 1891.).

Regnard usou papel platinográfico por este ter maior sensibilidade fotográfica. O ins-trumento era colocado e retirado da água à noite. A bordo ficava um aparelho igual, exposto à luz direta do sol, para servir de controlo. No final era possível comparar a intensidade da luz durante as várias horas de exposição e determinar a profundidade a que se obtinha a obscuridade total.

Em 1910 o professor austríaco Rudolf Bertel (s.d.-1939) inventou um instrumento que permitia estudar a penetração na água de diferentes frequências da radiação do visível. O espectrógrafo foi construído pelo fabricante R. Fuess, de Berlim. Bertel usava placas pancromáticas de Lumière, formato 45×60mm. Os primeiros ensaios foram feitos em 1911, a bordo do Eider,19 19 O Eider era uma embarcação pequena, para pesquisa oceanográfica, pertencente ao Musée Océanographique de Mónaco. com a participação de Jules Richard. Bertel (1912)BERTEL, Rudolf. Description d’un spectrographe sous-marin pour les recherches qualitatives de la lumière à différentes profondeurs de la mer.Annales de L’Institut Océanographique, v.3, p.277-288. 1912. verificou que, a uma profundidade superior a 400m, só penetravam as radiações azuis e violetas.

O príncipe Albert participou nas exposições universais de Paris de 1889 e de 1900. Na exposição de 1889 dedicou à oceanografia mais de uma sala do Pavilhão do Mónaco. Foram exibidas espécies biológicas, várias fotografias com os resultados obtidos nas suas expedições, bem como instrumentos usados nos seus navios (Carpine-Lancre, 1989CARPINE-LANCRE, Jacqueline. Le prince Albert de Monaco et l’exposition universelle de 1889. Annales Monégasques, v.13, p.7-42. 1989.). A exposição de oceanografia do Mónaco recebeu prémios em várias classes. Paul Regnard foi distinguido pelos instrumentos exibidos, de sua invenção, entre eles um termómetro registador e o fotometrógrafo.

Na Exposição Universal de Paris de 1900, o príncipe voltou a dedicar mais de uma sala às suas campanhas científicas. A publicação de Richard (1900)RICHARD, Jules. Les campagnes scientifiques de S.A.S., le prince Albert Ier de Monaco. Monaco: Imprimerie de Monaco. 1900., Les campagnes scientifiques de S.A.S. le prince Albert Ier de Monaco foi utilizada para servir de guia aos visitantes do evento. Nessa exposição era possível ver as maquetes dos barcos, espécies capturadas, fotografias diversas, bem como os instrumentos usados nas várias áreas da oceanografia

Naquele ano foi inaugurado o Musée Océanographique de Monaco destinado a receber os resultados das suas campanhas.

Em 1904 foi adotada pelo Congresso Internacional de Geografia de Washington, de 8 de setembro de 1904, a carta geral batimétrica em 24 folhas, na escala de 1:10.000.000, mandada executar pelo príncipe Albert I, sob a supervisão de Charles Sauerwein (1876-1913). Em 1910, o príncipe Albert cria o Institut Océanographique de Paris, destinado ao ensino e à promoção da oceanografia em França.

Carlos de Bragança, filho mais velho do rei dom Luís I e da rainha Maria Pia, nasceu em Lisboa em 1863. Foi o penúltimo rei de Portugal, e um distinto homem de ciência, um pintor de talento e fotógrafo amador desde a sua juventude.

Enquanto o monarca do Mónaco dedica mais de trinta anos às campanhas, dom Carlos só pode utilizar dez anos, do seu reinado e vida. O rei dedicou-se também ao estudo das aves de Portugal, tendo publicado dois volumes sobre ornitologia.

Quando o Princesse Alice fez escala em Lisboa, em 1894,20 20 A vinda do príncipe Albert I a Lisboa estaria relacionada com a intenção de desenvolver nos Açores um conjunto de observatórios meteorológicos modernos, projeto para o qual já havia convidado o capitão Francisco Afonso Chaves (1857-1926) (Carpine-Lancre, Saldanha, 1992). Albert I foi recebido pelo rei e pela rainha dona Amélia21 21 Nascida Amélie de Orléans, casou em 1886 com dom Carlos, na época príncipe herdeiro. (1865-1951); as relações entre os dois monarcas e suas famílias estreitaram-se a partir dessa visita.

As campanhas oceanográficas de dom Carlos tiveram início em 1896. A exploração da costa marítima portuguesa incidiu sobre uma zona limitada, mas notável pelas suas grandes variações batimétricas. Entre 1896 e 1907, realizou 290 estações, com quatro embarcações diferentes. Em 1896 foi utilizado um iate de 147t, o Amélia, construído na Inglaterra em 1878 por W. Allsup & Co., de Preston. Como esse se revelou pequeno, comprou um iate maior, de 301t, que serviu nas campanhas de 1897 e 1898, o Amélia II, construído em 1880, em Leith, na Inglaterra, por Ramage & Fergunson. As campanhas de 1899 e 1901 foram feitas num iate maior, de 650t, o Amélia III, construído em 1898 na Inglaterra por J. Scott & Co., de Kinghorn. O Amélia IV foi usado nas campanhas de 1902 a 1907 (Bragança, 1902)BRAGANÇA, Carlos de. Rapport préliminaire sur les campagnes de 1896 à 1900, v.1. Introduction. Campagne de 1896. Bulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le yacht Amelia par D. Carlos de Bragança. Lisboa: Imprimerie Nationale. 1902..

Dom Carlos (Bragança, 1902BRAGANÇA, Carlos de. Rapport préliminaire sur les campagnes de 1896 à 1900, v.1. Introduction. Campagne de 1896. Bulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le yacht Amelia par D. Carlos de Bragança. Lisboa: Imprimerie Nationale. 1902., p.4) refere noBulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le Yacht Ameliade 1902:

Ocupando-me desde há muito com estudos zoológicos e tendo, desde a minha infância, a paixão pelo mar, decidi, em agosto de 1896, consagrar o meu iate a pesquisas científicas na nossa costa e, após alguns ensaios preliminares, iniciei definitivamente os meus trabalhos a 1o de setembro de 1896.22 22 No original: “M’occupant depuis longtemps d’études zoologiques et ayant dès mon enfance la passion de la mer, j’ai résolu au mois d’août 1896 consacrer mon yacht à des recherches scientifiques sur nos côtes et, après quelques essais préliminaires, j´inaugurais définitivement mes travaux le 1er septembre 1896”.

Assim, os trabalhos de pesquisa oceanográfica tiveram início em 1º de setembro de 1896. Foram realizadas cinco campanhas até 1900. Nessas pesquisas dom Carlos foi acompanhado pelo explorador e capitão de fragata Roberto Ivens (1850-1898), o capitão de fragata dom Fernando de Serpa, os capitães de corveta J. Vellez Caldeira (1855-1943), J. Moreira de Sá e António Pinto Basto (1862-1946) e o naturalista Albert Girard (1860-1914) (Bragança, 1902BRAGANÇA, Carlos de. Rapport préliminaire sur les campagnes de 1896 à 1900, v.1. Introduction. Campagne de 1896. Bulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le yacht Amelia par D. Carlos de Bragança. Lisboa: Imprimerie Nationale. 1902.). Na campanha de 1899, fez-se também acompanhar pelo seu irmão, dom Afonso, duque do Porto, e pelo marquês do Faial (Markham, 1908MARKHAM, Clements. Oceanographic researches of his late Majesty King Carlos of Portugal. The Geographical Journal, v.31, n.5, p.514-518. 1908.).

Albert Arthur Girard começou por estudar engenharia civil, mas dedicou a sua investigação às ciências naturais. A sua carreira iniciou-se no Museu de Zoologia da Escola Politécnica de Lisboa, tendo sido convidado para conservador das coleções científicas do rei dom Carlos. Foi responsável pela organização das diversas exposições das quais o rei participou e pela preparação para publicação dos manuscritos relativos às campanhas.

Embora já tivessem sido realizadas várias expedições científicas à costa portuguesa – Porcupine em 1870 na sua quarta campanha; Norna na mesma época; Challenger em 1873; Travailleur na segunda e na terceira campanhas em 1881 e 1882; Talisman em 1883 e as campanhas do príncipe do Mónaco, Princesse Alice em 1894 e 1895 – o conhecimento científico sobre a costa portuguesa estava incompleto pois não havia existido articulação no planeamento dessas expedições.23 23 Dom Carlos também refere as dragagens feitas por Mac-Andrew em 1847, as observações feitas por Perceval Wright em 1868 e algumas pesquisas da Comissão das Pescas em Lisboa, a bordo do Lidador em 1895.

A campanha de 1896 tinha como objetivo estudar o fundo próximo da embocadura do Tejo, conhecida como fossa de Albufeira,24 24 A existência em Portugal de grandes profundidades perto da costa constitui uma situação única na Europa. que se encontra a sul da entrada do Tejo, e a sua fauna abissal, assim como a fauna litoral no porto de Setúbal e na baía de Cascais. O rei pretendia igualmente determinar a natureza da fauna pelágica-plâncton.25 25 Foi o explorador e fisiologista alemão Victor Hensen (1835-1924) quem introduziu, em 1887, o termo plâncton na terminologia científica. Em 1889 Hensen dirigiu uma expedição aos trópicos, a Plankton-Expedition, a bordo do navio National, tendo concebido diversos instrumentos destinados à recolha do plâncton. Para os relatórios referentes a essa expedição, ver Ergebnisse..., 1889. Na captura da fauna pelágica foram utilizados camaroeiros de superfície e redes finas de pesca superficial. No decorrer da campanha, “vários fatos vieram confirmar a influência que a proporção e natureza das espécies que o compõem têm sobre a marcha das espécies ichthyologicas emigrantes” (Bragança, 1897BRAGANÇA, Carlos de. Yacht Amelia: campanha oceanográfica de 1896. Lisboa: Imprensa Nacional. 1897., p.18). O relatório referente a essa campanha é ilustrado com desenhos da autoria de dom Carlos, incluindo a capa, em que figura a reprodução de um desenho aguarelado.

Nessa campanha, em que a fotografia já era usada como prova documental, foram realizadas 57 estações, com 57 sondagens de 26m a 1.200m e cinquenta dragagens de 22m a 460m (Figura 4).

Figura 4
: “A bordo do Yacht Amelia (1896)” (autor desconhecido, 1896; Aquário Vasco da Gama, Lisboa)

Foram feitas pescas, explorações às praias, recolha de rochas e de aves etc. Lançaram-se flutuadores ao largo do cabo Espichel e das ilhas Berlengas. Os materiais recolhidos nessa campanha foram exibidos numa exposição no Museu de Zoologia da Escola Politécnica de Lisboa.

A campanha de 1897 foi destinada à pesquisa zoológica. Dessa vez a expedição foi dirigida para a baía entre o cabo Espichel e Sines. Para as dragagens foram lançados grandes palancres26 26 Foram também utilizados por Barbosa du Bocage para a captura da esponja Hyalonema. (espinhéis), utilizados também pelos pescadores de Setúbal e Algarve a uma profundidade máxima de 1.700m, e os pequenos palancres, denominados pelos pescadores como aparelhos. Para a pesca em alto-mar, o rei usava uma lâmpada elétrica de imersão que descia até aos 8m de profundidade. Foram realizadas 56 estações, com 72 sondagens até aos 2.400m.

A campanha de 1898 foi destinada aos trabalhos na baía de Cascais, à fossa de Albufeira e à fossa de Sesimbra, assim como à costa do Algarve (Bragança, 1902BRAGANÇA, Carlos de. Rapport préliminaire sur les campagnes de 1896 à 1900, v.1. Introduction. Campagne de 1896. Bulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le yacht Amelia par D. Carlos de Bragança. Lisboa: Imprimerie Nationale. 1902.). O rei refere a importância da pesquisa feita sobre a pesca do atum, uma das grandes fontes de riqueza da região algarvia. Como era um assunto de grande importância para a indústria pesqueira portuguesa, tomou a decisão de publicar os seus resultados em Mémoires sur les recherches scientifiques du yacht Amelia (Bragança, 1899BRAGANÇA, Carlos de. Resultados das investigações scientificas feitas a bordo do yacht Amelia e sob a direcção de D. Carlos de Bragança. Pescas marítimas 1: pesca do atum no Algarve em 1898. Lisboa: Imprensa Nacional. 1899.). Como refere o zoólogo Louis Roule (1861-1942), citando o trabalho de dom Carlos, é pela primeira vez estabelecida a relação entre as migrações desse peixe e as variações térmicas verificadas no meio marinho (Roule, 1924ROULE, Louis. Études sur les déplacements et la pêche du thon en Tunisie et dans la Méditerranée occidentale. Paris: Blondel. 1924.). Com base nas observações feitas nos postos meteorológicos de Lagos e Faro, de maio a agosto de 1898, foi também investigada a relação entre as variações meteorológicas e a densidade e marcha dos cardumes de atum. Nessa campanha foram realizadas 21 estações, com 22 sondagens até 2.000m.

Na campanha de 1899, dom Carlos continuou a explorar as regiões anteriores, prin-cipalmente ao largo do cabo Espichel e nas fossas de Sesimbra. Foram feitas quarenta estações e, entre outras, 41 sondagens até os 1.856m. Nesse ano, em junho, Girard realizou a bordo do Lidador uma série de pesquisas oceanográficas na costa algarvia, para determinar qual a relação entre as variações da abundância do atum e as condições oceanográficas, questão que era importante para uma exploração piscatória mais racional daquele peixe nas águas portuguesas.

Na campanha de 1900 o rei optou por realizar pesquisas ao largo do cabo Espichel, na costa perto de Cascais, Arrábida e Galé, num total de dez estações, com dez sondagens, até os 1.280m.

Em 1904, dom Carlos publica um trabalho científico sobre os esqualos capturados na costa portuguesa durante as campanhas de 1896 a 1903. Nesse estudo é referida a captura de 32 espécies, “costeiros e abissais” (Bragança, 1904ARAGO, François. Le daguerreotype. Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris. v.9, n.8, p.249-267. 1839.), tendo sido determinada a sua distribuição batimétrica. Um dos exemplares, o Odontaspis nasustus (Mitsukurina owstoni), capturado pela primeira vez na costa portuguesa, a 603m de profundidade, em 1901, faz parte da coleção zoológica do Museu Oceanográfico do Aquário Vasco da Gama (AVG).

No início das campanhas, devido à pequena dimensão dos iates, os exemplares recolhidos eram levados para um laboratório que o rei mandou instalar no palácio da Cidadela (Ramalho, 2001RAMALHO, Margarida. Rei D. Carlos. Mem Martins: Círculo de Leitores. 2001.). À medida que as campanhas eram realizadas de forma mais afastada da costa, tornava-se imprescindível ter um laboratório a bordo. Por esse motivo, o Amélia III, por ser um navio de maior porte, já possuía condições para ter um laboratório bem equipado.

O laboratório encontrava-se equipado com material para recolha e preservação das espécies, instrumentos para a sua preparação e observação, como microscópios, e outros para a prática da oceanografia física: garrafas de recolha de água (modelo Negretti-Zambra), termóme- tros para as grandes profundidades (termómetro de inversão de Negretti-Zambra e o termómetro de Chabaud), densímetros e o disco de Secchi para o estudo da transparência da água. Para a análise das correntes, dom Carlos utilizou com sucesso os flutuadores de Hartreux.

O laboratório também estava preparado para servir de câmara escura:

Através de uma disposição muito simples aplicada às janelas, o laboratório podia ser transformado rapidamente em câmara escura, fosse para trabalhos científicos, fosse para o estudo da fosforescência dos peixes e dos animais inferiores (Bragança, 1902BRAGANÇA, Carlos de. Rapport préliminaire sur les campagnes de 1896 à 1900, v.1. Introduction. Campagne de 1896. Bulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le yacht Amelia par D. Carlos de Bragança. Lisboa: Imprimerie Nationale. 1902., p.27).27 27 No original: “Par une disposition très simple appliqué aux fenêtres, le laboratoire pouvait se transformer rapidement en chambre noire, soit pour les travaux scientifiques, soit pour l´étude de la phosphorescence chez les poissons et les animaux inférieurs”.

No AVG, na coleção iconográfica e documental referente ao espólio do rei dom Carlos, podemos encontrar inúmeras fotografias que ilustram a atividade científica desenvolvida nas campanhas.

Em 1896 o rei decide documentar fotograficamente as preparações microscópicas de plâncton que recolheu nessa campanha. Foram feitas nove fotomicrografias (Figura 5), tendo sido enviadas algumas ao príncipe do Mónaco, tal como documenta a carta de dom Carlos a Albert I, de 4 de outubro de 1896:

Figura 5
: Fotomicrografias de organismos planctónicos recolhidos na campanha de 1896 (Carlos de Bragança, 1911; Aquário Vasco da Gama, Lisboa)

Tenho feito ao mesmo tempo pescas superficiais que têm, de momento, dado bons resultados. Fiz muitas preparações microscópicas (plâncton) e vou tentar reproduzi-las, fotografando-as. Creio que este método dará muito bons resultados e tornará o estudo mais fácil (citada em Carpine-Lancre, Saldanha, 1992CARPINE-LANCRE, Jaqueline; SALDANHA, Luís. Souverains océanographiques. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992., p.46).28 28 No original: “Mon cher Albert, je fais en même temps des pèches superficielles, qui ont donné jusqu’a ce moment de bons résultats. J’en ai fait de quantités de préparations microscopiques (plancton) et je vais tacher de les reproduire en agrandissements par la photographie. Je crois que cela nous donnera de très bons résultats et rendra l’étude beaucoup plus facile”.

As fotomicrografias do plâncton, as primeiras realizadas em Portugal, foram exibidas em 1903 na Exposição Agrícola do Porto e atualmente fazem parte da exposição de longa duração do AVG.

Na época em que se iniciaram as campanhas científicas, foram adquiridos à firma José Joaquim Ribeiro de Lisboa, pela casa Real, os seguintes microscópios:29 29 No âmbito do projeto “Fotografia científica: estudo da instrumentação e dos processos físico-químicos no período século XIX-início século XX” foi realizada uma pesquisa na Torre de Tombo à correspondência da Casa Real (1888 a 1907). (a) microscópio de Reichert com condensador Abbe Íris, três oculares n.2-3 e 4, três objetivas n.6-7-9 (Documento..., 30 jun. 1894); (b) microscópio Nachet modelo pequeno articular; (c) microscópio Zeiss IV n.26084 com três objetivas A A D, oculares n.2-4 e cinco com caixa de mogno (Documento..., 31 ago. 1897DOCUMENTO… Documento de despesa da firma José Joaquim Ribeiro. PT-TT-CR-5978 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa). 31 ago. 1897.).

Faz parte da coleção de instrumentos oceanográficos do rei no AVG um microscópio binocular com um conjunto completo de acessórios, que possui a inscrição “R. & J. Beck, 31 Cornhill London 8001”. Pela data e indicação de endereço do fabricante, podemos situar o fabrico desse microscópio entre 1865 e 1880. No entanto, esse instrumento não é adaptável à técnica fotomicrográfica.

O microscópio Zeiss permitia a adaptação vertical30 30 Na pesquisa realizada não nos foi possível encontrar esses dois microscópios. Não conhecendo o modelo do microscópio Reichert, não é possível saber como poderia ter sido eventualmente utilizado em fotomicrografia. a uma câmara fotográfica, como se pode ver na Figura 6. Terá sido provavelmente esse o microscópio utilizado para a realização das fotomicrografias de plâncton.

Figura 6
: À esquerda, microscópio Zeiss modelo IV (Zeiss, 1891, p.41); à direita, microscópio com câmara adaptada para fotomicrografia (Zeiss, 1891ZEISS, Carl. Microscopes and microscopical accessories. Jena: Carl Zeiss. 1891., p.99)

Desde a primeira campanha de 1896, o rei procurou documentar, recorrendo ao processo fotográfico, o estudo zoológico que fez durante as suas expedições científicas. A maior parte das fotografias teria sido obtida pelo rei ou por Albert Girard (Figura 7). Dom Carlos também teria usado o serviço de fotógrafos profissionais. A Figura 8 ilustra uma das experiências realizadas pelo rei dom Carlos sobre processos de conservação das espécies recolhidas (Bragança, 1902BRAGANÇA, Carlos de. Rapport préliminaire sur les campagnes de 1896 à 1900, v.1. Introduction. Campagne de 1896. Bulletin des campagnes scientifiques accomplies sur le yacht Amelia par D. Carlos de Bragança. Lisboa: Imprimerie Nationale. 1902.). Segundo Girard e Ortigão (1908GIRARD, Alexandre; ORTIGÃO, Ramalho S. Sua Majestade El-Rei D. Carlos I e a sua obra artística e científica. Lisboa: António Palhares. 1908., p.76-77), foi a investigação feita nessa área que permitiu o sucesso alcançado nas exposições sobre oceanografia de que dom Carlos participou:

Figura 7
: “Jamanta pescada na costa de Cascais em 7 de setembro de 1890, largura 4,45m; comprimento 3,6m; redução 1/30” (Albert Girard, s.d.; Aquário Vasco da Gama, Lisboa)

Figura 8
: “Alcionária (Pteroides). Fixação em formol, conservação em álcool” (autor desconhecido, s.d.; Aquário Vasco da Gama, Lisboa)

Nenhuma nação da Europa pôde vangloriar-se, como Portugal, de ter 1.500 a 2.000 metros de profundidade ao pé da porta... O processo de conservação das cores pela glicerina é-lhe devido e tais são os seus resultados que alguns camarões, carmesins naturalmente, pescados em 28 de Julho de 1899, conservam ainda hoje a sua cor natural.

Outro colaborador de dom Carlos foi o coronel Francisco Afonso Chaves (1857-1926), cientista açoriano, que exercia atividade científica em campos tão diversos como a zoologia e a meteorologia. Em 1892 o príncipe Albert propõe o estabelecimento nos Açores de um Serviço Meteorológico Internacional. Pouco depois, em 1901, o governo português implementa primeiro na ilha de São Miguel e mais tarde na ilha das Flores observatórios meteorológicos sob a direcção de Afonso Chaves (Albert I, 1898bALBERT I of Monaco. On the meteorological observatories of the Azores, Proceedings of the Royal Society, v.63, n.1, p.206-208. 1898b.). Chaves, além de ser responsável pela instalação e pelo funcionamento dessa rede de observatórios, foi também um naturalista empenhado. Em 1890 publica com G. Pouchet, no Journal de l’Anatomie et Physiologie Normales et Pathologiques de l’ Homme e des Animaux, fotografias de dois cachalotes capturados na ilha de São Miguel, Açores. Essas imagens foram consideradas pelos autores como as primeiras fotografias científicas existentes desse animal (Chaves, Pouchet, 1890CHAVES, Francisco; POUCHET, Georges. Des formes extérieures du cachalot. Journal de l’Anatomie et Physiologie Normales et Pathologiques de l’Homme e des Animaux, v.26, p.270-272. 1890.). Em 1904, Chaves envia para Albert Girard uma carta contendo fotografias de cachalotes, conservados no Museu da Ponta Delgada, com anotações sobre as dimensões desse animal (Figura 9). Naquele ano a correspondência entre os dois monarcas, Carlos e Albert, incidiu particularmente sobre as características desses cetáceos (Carpine-Lancre, Saldanha, 1992CARPINE-LANCRE, Jaqueline; SALDANHA, Luís. Souverains océanographiques. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.).

Figura 9
: Cachalote (autor desconhecido, s.d.; Aquário Vasco da Gama, Lisboa)

No espólio fotográfico do rei dom Carlos (AVG), encontram-se também radiografias de peixes feitas por Auguste Bobone (1852-1910) (Figura 10). Augusto Bobone, um dos fotógrafos da Casa Real, foi um dos primeiros em Portugal a obter radiografias, que também estão incluídas num conjunto de provas obtidas por Bobone e que foi apresentado à Academia das Ciências em 1897, com a finalidade de documentar os seus estudos sobre raios X, realizados entre 3 de março e 15 de abril de 1896 (Bobone, 1897BOBONE, Auguste. Raios X: notas práticas de radiografia sobre as primeiras investigações feitas em Lisboa em 1896. Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira. 1897.).

Figura 10
: Radiografia de “Goraz, grossura 0,040m” (Auguste Bobone, 1896; Aquário Vasco da Gama, Lisboa)

Dom Carlos participou em várias exposições nacionais e internacionais, procurando divulgar os resultados das suas investigações oceanográficas. A primeira teve lugar em 1897 na Escola Politécnica de Lisboa e no ano seguinte no AVG, também em Lisboa. No Porto participou da Exposição Internacional no Palácio de Cristal em 1902 e da Exposição Agrícola em 1903 e 1904. No âmbito do Congresso da Associação Internacional da Marinha, apresentou as suas coleções na Exposição Oceanográfica Internacional que teve lugar na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1904. Em 1906 fez parte da Exposição Internacional de Milão, na qual lhe foram atribuídas uma medalha de ouro, a placa artística de cobre do Grand Prix e uma medalha de prata. Organizou ainda um museu oceanográfico (Real Museu de História Natural) no Palácio das Necessidades em Lisboa.

Nessas exposições, dom Carlos apresentou os resultados obtidos nas suas campanhas, entre os quais exemplares zoológicos e fotografias que ilustravam o trabalho de recolha das espécies, as atividades desenvolvidas a bordo dos Amélias, bem como as espécies capturadas no mar. Eram igualmente exibidos instrumentos utilizados na coleta de especímenes biológicos, nas sondagens e nas determinações meteorológicas.

Dom Carlos foi nomeado sócio honorário de várias sociedades científicas entre as quais a Zoological Society of London (1903) e a Société Zoologique de France (1905). A 24 de novembro de 1905, o rei foi recebido em França no Muséum National d’Histoire Naturelle pelo presidente Émile Loubet, mas também como cientista, pelos seus pares. Foi-lhe dedicada uma sessão solene, tendo nela participado Henri Bequerel, Madame Curie, Lippmann, Lacroix, Moissan, que apresentaram comunicações sobre as suas investigações, acompanhadas de projeções de fotografias (Perrier, 1906PERRIER, Edmond (Ed) Visite de sa Majesté Charles Ier roi de Portugal et des Algarves et de M. le Président de la République Française au Muséum National d’Histoire Naturelle.Paris: Imprimerie Nationale. 1906.). Por ocasião dessa visita dom Carlos doou ao museu uma coleção de peixes provenientes das suas campanhas.

Após a morte do rei em 1908, o escritor Ramalho Ortigão (1836-1915) e Albert Girard, numa homenagem à sua obra artística e científica, referem: “A nação portuguesa tem de convencer-se de que perdeu em dom Carlos de Bragança um dos seus mais prestigiosos homens de ciência” (Girard, Ortigão, 1908GIRARD, Alexandre; ORTIGÃO, Ramalho S. Sua Majestade El-Rei D. Carlos I e a sua obra artística e científica. Lisboa: António Palhares. 1908., p.78).

Considerações finais

Desde o início do século XIX, contribuições importantes para a descoberta de novas espécies de quase todos os grupos zoológicos e determinação de dados físicos fundamentais relativos aos oceanos foram dadas pelas missões oceanográficas de vários países europeus. Dois monarcas, o príncipe Albert I de Mónaco e o rei dom Carlos I de Portugal, participaram do labor quotidiano e da pesquisa conduzida nas expedições oceanográficas que organizaram e dirigiram na “era da exploração dos oceanos”, intensificada sobretudo a partir de finais do século. O trabalho científico de ambos esteve diretamente relacionado com o desenvolvimento económico que pretendiam para os seus países, mas também com o seu interesse na preservação da biodiversidade dos oceanos.

Os conselhos científicos de um navegador e oceanógrafo com mais recursos e mais experiente, como era o príncipe Albert, foram importantes para a condução da pesquisa efetuada pelo rei dom Carlos à costa marítima de Portugal continental. Os resultados decorrentes da sua atividade oceanográfica tiveram à época um reconhecido interesse científico, por ter sido explorada uma região de grande biodiversidade biológica e os seus fundos marinhos. Os estudos do rei, sobretudo no que diz respeito às pescas e à ictiologia, foram pioneiros em Portugal; só nos anos 1920 foi retomada a pesquisa sobre o comportamento e as migrações dos peixes, em particular do atum, em relação com as condições do meio marinho (Maurin, 1997MAURIN, Claude. Recherches halieutiques ibero-atlantiques et nord-ouest africaines. In: Saldanha, Luiz; Ré, Pedro (Ed.). One hundred years of Portuguese oceanography. Lisboa: Publicações avulsas do Museu Bocage. p.307-355. 1997.).

A reformulação da prática científica no século XIX esteve relacionada com as aplicações da fotografia na ciência, tendo esta assumido um duplo papel, como meio de ilustração do objeto científico e como registo de experiências. Tal como aconteceu com outros ramos da ciência, a fotografia contribui para o desenvolvimento da pesquisa oceanográfica, sobretudo quando empregada em instrumentos de registo fotográfico de parâmetros físicos, como foi referido. Como meio de ilustração científica, a sua utilização na representação de organismos marinhos foi mais limitada do que o desenho e a aguarela, mesmo após a invenção da fotografia em cores, por ser difícil e dispendiosa a impressão a partir de autocromos.

O legado iconográfico deixado pelo rei, constituído por documentos, fotografias, desenhos e aguarelas, é para a história da oceanografia portuguesa mais do que uma simples representação da sua atividade científica; ele indica também a importância que a técnica fotográfica tinha para dom Carlos, como forma visual de registo de experiências, das atividades a bordo dos navios, das preparações microscópicas de organismos marinhos ou ainda dos especímenes biológicos recolhidos durante as campanhas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a colaboração do Aquário Vasco da Gama e Institut Océanographique de Paris, assim como o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal, no âmbito do projeto “Fotografia científica: estudo da instrumentação e dos processos físico-químicos no período século XIX-início século XX” (PTDC/HIS-HCT/102497/2008-FCT).

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  • ZEISS, Carl. Microscopes and microscopical accessories Jena: Carl Zeiss. 1891.

NOTAS

  • 1
    Segundo Daston e Galison (2010)DASTON, Lorraine; GALISON, Peter. Objectivity. New York: Zone Books. 2010., a exigência pública relativamente à objetividade em ilustração científica e às estratégias conduzidas por cientistas e artistas que com estes colaboraram tem uma longa evolução que é independente da utilização da fotografia como forma de representação visual da ciência.
  • 2
    Esse processo foi sendo sucessivamente aperfeiçoado pelo alemão George Meisenbach em 1888 e pelo americano Frederic Ives em 1890.
  • 3
    Fernão de Magalhães utilizou seis vulgares linhas de sondar, provavelmente de cânhamo, ligadas entre si. A sondagem realizou-se entre as ilhas de coral, São Paulo e a dos Tubarões (Carrington, 1960CARRINGTON, Richard. Biografia do mar. Lisboa: Livros do Brasil. 1960.).
  • 4
    Durante essa expedição, foram igualmente feitas várias sondagens e algumas dragagens em águas pouco profundas. Wilkes comprovou ser a Antártida separada dos outros continentes.
  • 5
    Uma braça é equivalente a 1,83m.
  • 6
    Abissal: relativo às grandes profundidades marinhas, onde não há normalmente vida marinha, em geral com mais de 4.000m (Silva, 1998SILVA, Joaquim Ferreira da. Oceanos: glossário anotado de termos correntes. Lisboa: Parque Expo 98. 1998., p.10).
  • 7
    Batimétrica: linha definida pelos pontos de igual profundidade (Silva, 1998SILVA, Joaquim Ferreira da. Oceanos: glossário anotado de termos correntes. Lisboa: Parque Expo 98. 1998., p.27-28).
  • 8
    As ilustrações desses relatórios foram na sua maioria executadas a aguarela por Jean Jacques Wild, o artista a bordo do Challenger. A coleção de fotografias é constituída fundamentalmente por fotografias étnicas, retratos de grupo e paisagens. As fotografias e aguarelas foram reproduzidas por gravura e litografia. Ver NHM, s.d. bNHM. Natural History Museum (London). The H.M.S. Challenger Expedition. Disponível em: http://www.nhm.ac.uk/nature-online/science-of-natural-history/expeditions-collecting/hms-challenger-expedition/life-on-board/index.html. Acesso em: 8 nov. 2012. s.d. b.
    http://www.nhm.ac.uk/nature-online/scien...
    .
  • 9
    As tarefas de Buchanan (1873)BUCHANAN, John. Some observations on sea-water ice.Proceedings of the Royal Society of London, v.22, n.1, p.431-432. 1873. a bordo eram múltiplas: medidas da densidade e extração de gases da água do mar e análises de sedimentos, tendo determinado a composição do gelo da Antártida. Ele inventou diversos instrumentos para a prática oceanográfica: garrafas de recolha de amostras biológicas, aerómetros e termómetros (Carpine, 2002CARPINE, Christian. La pratique de l’océanographie au temps du prince Albert I. Monaco: Musée Océanographique. 2002.).
  • 10
    O rei dom Luís I foi fotografado, com alguns oficiais e cientistas, a bordo do Challenger em Lisboa em janeiro de 1873. A fotografia encontra-se na coleção de imagens do Natural History Museum, de Londres (NHM, s.d. aNHM. Natural History Museum (London). Picture library. Disponível em: http://piclib.nhm.ac.uk/results.asp?image=040166&itemw=4&itemf=0002&itemstep=1&itemx=2. Acesso em: 18 dez. 2012. s.d. a.
    http://piclib.nhm.ac.uk/results.asp?imag...
    ).
    Dom Luís era filho da rainha dona Maria II e do rei dom Fernando. Ainda como príncipe, estudou e dedicou-se aos assuntos marítimos: no posto de guarda-marinha embarcou na corveta Bartolomeu Dias com destino às colônias portuguesas da África Ocidental, obtendo mais tarde o posto de capitão de fragata (Noronha, 1924NORONHA, Eduardo. O rei marinheiro (D. Luís I). Lisboa: João Romano Torres. 1924.). Após a morte inesperada do rei dom Pedro V, irmão de dom Luís, este assumiu a governação do reino em 1861.
  • 11
    Agassiz fez o estudo comparativo de especímenes com fósseis, tendo concluído que as áreas continentais e oceânicas haviam ocupado sempre as mesmas posições.
  • 12
    Alphonse Milne-Edwards foi nomeado professor de ornitologia no Muséum National d’Histoire Naturelle em 1876, dedicando-se especialmente ao estudo das aves fósseis e à exploração submarina. Foi nomeado diretor do museu em 1891.
  • 13
    Jules Richard licenciou-se em ciências físicas e naturais. Doutorou-se em ciências em 1891 e em medicina em 1900.
  • 14
    Ver Résultats..., s.d.
  • 15
    É um monte submarino com extensa área de baixas profundidades no mar dos Açores e situa-se a cinquenta milhas náuticas (90km) a sudoeste da ilha do Pico (a 45 milhas náuticas a sudoeste da ilha do Faial), nos Açores. O banco atinge a profundidade mínima de 35m na sua zona ocidental, com a área de batimetria inferior a 500m a ocupar mais de 100km2.
  • 16
    A fotografia em cores só começou a ser praticada depois de 1907 com a comercialização das placas autocromos, patenteadas pelos irmãos Lumière em 1903.
  • 17
    No original: “L’emploi présente en outre l’avantage de permettre les instantanés”.
  • 18
    No original: “Une image photographique constitue en effet un document où rien n´étant laissé de côté, où aucun détail n’étant plus modifié ou oublié par les difficultés de la reproduction, se présente avec des caractères de fidélité qui peuvent servir de base à une discussion scientifique”.
  • 19
    O Eider era uma embarcação pequena, para pesquisa oceanográfica, pertencente ao Musée Océanographique de Mónaco.
  • 20
    A vinda do príncipe Albert I a Lisboa estaria relacionada com a intenção de desenvolver nos Açores um conjunto de observatórios meteorológicos modernos, projeto para o qual já havia convidado o capitão Francisco Afonso Chaves (1857-1926) (Carpine-Lancre, Saldanha, 1992CARPINE-LANCRE, Jaqueline; SALDANHA, Luís. Souverains océanographiques. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.).
  • 21
    Nascida Amélie de Orléans, casou em 1886 com dom Carlos, na época príncipe herdeiro.
  • 22
    No original: “M’occupant depuis longtemps d’études zoologiques et ayant dès mon enfance la passion de la mer, j’ai résolu au mois d’août 1896 consacrer mon yacht à des recherches scientifiques sur nos côtes et, après quelques essais préliminaires, j´inaugurais définitivement mes travaux le 1er septembre 1896”.
  • 23
    Dom Carlos também refere as dragagens feitas por Mac-Andrew em 1847, as observações feitas por Perceval Wright em 1868 e algumas pesquisas da Comissão das Pescas em Lisboa, a bordo do Lidador em 1895.
  • 24
    A existência em Portugal de grandes profundidades perto da costa constitui uma situação única na Europa.
  • 25
    Foi o explorador e fisiologista alemão Victor Hensen (1835-1924) quem introduziu, em 1887, o termo plâncton na terminologia científica. Em 1889 Hensen dirigiu uma expedição aos trópicos, a Plankton-Expedition, a bordo do navio National, tendo concebido diversos instrumentos destinados à recolha do plâncton. Para os relatórios referentes a essa expedição, ver Ergebnisse..., 1889.
  • 26
    Foram também utilizados por Barbosa du Bocage para a captura da esponja Hyalonema.
  • 27
    No original: “Par une disposition très simple appliqué aux fenêtres, le laboratoire pouvait se transformer rapidement en chambre noire, soit pour les travaux scientifiques, soit pour l´étude de la phosphorescence chez les poissons et les animaux inférieurs”.
  • 28
    No original: “Mon cher Albert, je fais en même temps des pèches superficielles, qui ont donné jusqu’a ce moment de bons résultats. J’en ai fait de quantités de préparations microscopiques (plancton) et je vais tacher de les reproduire en agrandissements par la photographie. Je crois que cela nous donnera de très bons résultats et rendra l’étude beaucoup plus facile”.
  • 29
    No âmbito do projeto “Fotografia científica: estudo da instrumentação e dos processos físico-químicos no período século XIX-início século XX” foi realizada uma pesquisa na Torre de Tombo à correspondência da Casa Real (1888 a 1907).
  • 30
    Na pesquisa realizada não nos foi possível encontrar esses dois microscópios. Não conhecendo o modelo do microscópio Reichert, não é possível saber como poderia ter sido eventualmente utilizado em fotomicrografia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    Jan 2013
  • Aceito
    Dez 2013
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