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Violência, saúde e adoecimento dos corpos na comarca de Vila Rica, século XVIII

Violence, health and ailment of bodies in the parish of Vila Rica, eighteenth century

Resumo

Estudos sobre violência no século XVIII abrangem especialmente questões relacionadas à justiça e à criminalidade, mas não à saúde. A pesquisa objetivou compreender como os corpos nas Minas Gerais setecentistas eram afetados por atos violentos. Foram investigados autos de devassas do termo de Vila Rica pertencentes ao acervo do Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência. Os resultados mostraram crimes causados por motivos distintos e de tipologias diferentes, predominando os crimes contra o corpo, com consequentes lesões corporais provocadas predominantemente por objetos/instrumentos perfurocortantes. Os homens foram os mais acometidos, sendo a cabeça a principal região atingida. Atos criminosos e violentos, muito comuns nessa sociedade, interferiam na saúde e no adoecimento dos corpos.

corpo; saúde; doença; devassa; corpo de delito

Abstract

Studies into violence in the eighteenth century tend to address questions related to justice and criminality, but not health. The aim of this study is to understand how, in eighteenth century Minas Gerais, Brazil, bodies were affected by violent acts. The investigation records from the parish of Vila Rica held at the historical archive of the Museu da Inconfidência were investigated. The results showed crimes of different kinds associated with a variety of motives, primarily crimes against the body, with the resulting bodily injuries being caused by sharp or pointed objects/instruments. There were more male victims than female, the head being the principal part of the body affected. Criminal and violent acts, very commonplace in this society, interfered in the health and disease processes of the bodies.

body; health; disease; investigation; corpus delicti

A violência, fenômeno presente em diversas sociedades, é historicamente produzida, sendo-lhe atribuídos, em diferentes tempos e espaços, sentidos e significados próprios. Na atualidade, é considerada um “evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes ou nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a si próprio ou a outros” (Brasil, 2000).

Desde a década de 1980, a violência, juntamente com os acidentes, é considerada pela Classificação Internacional de Doenças como “causa externa” (Minayo, 2004MINAYO, Maria Cecília. A difícil e lenta entrada da violência na agenda do setor saúde. Caderno de Saúde Pública, v.20, n.3, p.646. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000300001&lng=en. Acesso em: 12 nov. 2017. 2004.
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) do adoecimento dos corpos, uma vez que provoca morbidade e mortalidade, gerando importante impacto para o setor de saúde, que trata dos feridos e contabiliza os mortos (Jorge, Koizumi, Tono, 2007).

Compreendida como um problema de saúde pública de grande magnitude e transcendência (Guimarães, Villela, 2011; Jorge, Koizumi, Tono, 2007; Brasil, 2000), ela repercute sobre a saúde das coletividades e deve ser tratada por diferentes setores: educação, serviço social, justiça e saúde (Guimarães, Villela, 2011). Além de ser uma questão social, é um tema da saúde.

A associação entre violência e saúde é, no entanto, recente, como também são os planejamentos e ações de políticas públicas para diminuir sua ocorrência, pois, como mostra Minayo (2004)MINAYO, Maria Cecília. A difícil e lenta entrada da violência na agenda do setor saúde. Caderno de Saúde Pública, v.20, n.3, p.646. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000300001&lng=en. Acesso em: 12 nov. 2017. 2004.
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, ao longo dos anos a violência foi tratada como objeto exclusivo da segurança pública.

Estudos sobre violência nas Minas Gerais setecentistas, recorte espacial e temporal deste artigo, elaborados a partir da análise de crimes, também perpassam essa temática. São abordados, entre outros assuntos, defesa da honra (Pereira, 2014PEREIRA, Luciano Guimarães. A defesa da honra: processos de injúria no século XVIII em Mariana, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.), práticas ou atividades da justiça (Costa, 2012COSTA, Wellington Júnio Guimarães da. As tramas do poder: as notificações e a prática da justiça nas Minas setecentistas, comarca de Vila Rica (1711-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2012.; Lemos, 2003LEMOS, Carmen Silva. A justiça local: os juízes ordinários e as devassas da Comarca de Vila Rica (1750-1808). Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2003.),1 1 Essa dissertação, a partir do estudo das devassas da segunda metade do século XVIII e início do XIX, guardadas no Arquivo Histórico Museu da Inconfidência, localizado na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, analisa as ações dos juízes ordinários e traz importantes levantamento, sistematização e análise dos processos que abarcam o período, sendo referência para estudos que mobilizam esse tipo documental. criminalidade e perfil dos culpados (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. Crime e justiça: uma análise dos processos-crimes da cidade de Mariana no século XVIII. In: Encontro Regional Anpuh-MG, 18., Mariana. Anais... Mariana: Edufop. p.1-10. Disponível em: <http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340765534_ARQUIVO_topraAnpuhMARIAGABRIELASOUZADEOLIVEIRA.pdf. Acesso em: 10 dez. 2017. 2012.
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, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.), transgressões da moral (Silva, 2005SILVA, Edna Mara Ferreira da. A ação da justiça e a as transgressões da moral: processos-crime em Mariana – 1747-1830. In: Colóquio do Lahes, 1., Juiz de Fora. Anais..., p.1-10. Disponível em: <http://www.ufjf.br/lahes/files/2010/03/c1-a17.pdf. Acesso em: 12 jan. 2018. 2005.
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, 2007SILVA, Edna Mara Ferreira da. A ação da justiça e as transgressões da moral em Minas Gerais: uma análise dos processos criminais da cidade de Mariana, 1747-1820. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora. 2007.), fiscalização de cobranças da Coroa e insurgências (Azevedo, 2006AZEVEDO, Edeílson Matias de. Minas insurgente: conflitos e confrontos no século XVIII. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia. 2006.) e geografia do crime (Anastasia, 2005ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 2005.). Não têm sido comuns trabalhos que relacionem violência e saúde, embora alguns abordem ocorrências de lesões corporais e mortes das vítimas como consequências de crimes, em particular os que derivam de violência física (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. Crime e justiça: uma análise dos processos-crimes da cidade de Mariana no século XVIII. In: Encontro Regional Anpuh-MG, 18., Mariana. Anais... Mariana: Edufop. p.1-10. Disponível em: <http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340765534_ARQUIVO_topraAnpuhMARIAGABRIELASOUZADEOLIVEIRA.pdf. Acesso em: 10 dez. 2017. 2012.
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, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.).2 2 Alguns trabalhos sobre o século XIX apontam a violência e os acidentes como causa de morte violenta, como Viana (2016). Porém, o tema é apenas citado, não há uma discussão aprofundada, talvez devido a características das fontes utilizadas, como assentos de óbito e inventários.

Estudos sobre o corpo e seus achaques no século XVIII ainda são poucos. O conhecimento mais divulgado, como mostra Nogueira (2013)NOGUEIRA, André Luís Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII). Tese (Doutorado) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2013., está muito atrelado ao discurso oficial propagado por médicos, cirurgiões e boticários, e encontrado em tratados médicos. Entre esses estudos, destaca-se o de Abreu (2011)ABREU, Jean Luiz Neves. Nos domínios do corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2011., que pesquisou concepções de corpo, saúde e doença no contexto luso-brasileiro do século XVIII, tendo como principal referência tratados e manuais médicos que abordavam, entre outros temas, a ciência médica e os cuidados com a saúde e com o corpo.3 3 Para obter informações mais detalhadas sobre esse livro, bem como sobre o processo de pesquisa do qual ele se originou, ver a entrevista “O corpo e o saber médico no século XVIII” (Quadros, Gelape, Rosa, 2015), em que o autor fala, entre outros temas, sobre os tratados e manuais de medicina, a sua potencialidade como fonte, assim como dá dicas de algumas bases de consultas em que estão disponibilizados. Poucos estudos investigaram outras fontes, como as manuscritas, como Pimenta, Gomes e Kodama (2018), que utilizaram assentos de óbito e inventários post-mortem; Rosa e Oliveira (2014)ROSA, Maria Cristina; OLIVEIRA, Júlia. Doença e escravidão no século XVIII: construindo um quadro nosológico. In: 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, Belo Horizonte. Anais Eletrônicos..., p.1-14. Disponível em: <https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiwpo7W1LjnAhUJHLkGHUFCCQMQFjAAegQIAhAB&url=http%3A%2F%2Fwww.sbhc.org.br%2Fresources%2Fdownload%2F1422888703_ARQUIVO_MariaCristinaRosa.pdf&usg=AOvVaw0C0hLJnx0PQwwE3VD9kVT1. Acesso em: 4 fev. 2018. 2014.
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, que pesquisaram inventários post-mortem; e Nogueira (2013)NOGUEIRA, André Luís Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII). Tese (Doutorado) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2013., que usou devassas eclesiásticas.

Esses trabalhos relatam a identificação de algumas doenças, como opilação, erisipela, reumatismo, bouba, cegueira, feitiço, quebranto, asma, papo, demência, gota coral, tísica, corrução ou mal de bicho, pleuris, sezão e pneumonia, revelando uma concepção de doença e de saúde influenciada pela religião e pela magia, vinculada a fatores naturais e/ou sobrenaturais. Ao mesmo tempo, revelam dificuldades para identificar as enfermidades, pois em alguns documentos, como nos inventários post-mortem, são descritos sinais e/ou sintomas, como “inchado de pés e pernas” e “expelindo sangue pela boca”, que podem ser associados a diferentes enfermidades e causas de adoecimento, ou indicações genéricas, como “doença de sangue” e “achacado”.

Além disso, nessa temporalidade, muitos fatores decorrentes de condições externas, de circunstâncias das vidas dos sujeitos, adoeciam os corpos, como alimentação precária, condição sanitária, situação de trabalho, clima, acidentes, comportamento nos divertimentos, sevícias e magia (Nogueira, 2016NOGUEIRA, André Luís Lima. Dos tambores, cânticos, ervas... Calundus como prática terapêutica nas Minas setecentistas. In: Pimenta, Tânia Salgado; Gomes, Flávio (Org.). Escravidão, doença e práticas de cura. Rio de Janeiro: Outras Letras. p.15-35. 2016.; Dias, 2011DIAS, Elianne Cristina Jorge. As condições físicas e de saúde dos escravizados nos anúncios de jornais da Paraíba oitocentista. Temporalidades, v.3, n.2, p.98-112. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/5434. Acesso em: 19 dez. 2017. 2011.
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; Rosa, 2005ROSA, Maria Cristina. Da pluralidade dos corpos: educação, diversão e doença na Comarca de Vila Rica. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2005.), contrapondo a concepção de doença como algo natural, ou seja, como uma “indisposição natural, alteração do temperamento, que ofende imediatamente alguma parte do corpo” (Bluteau, 1712BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.3. 1712., p.279). E a violência, coletiva e interpessoal, presente em todos os estratos sociais (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.; Vellasco, 2005VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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) e em vilas, freguesias e outras paragens, bem como serras, caminhos e sertões de Minas durante todo o século XVIII e ainda no XIX (Costa, 2012COSTA, Wellington Júnio Guimarães da. As tramas do poder: as notificações e a prática da justiça nas Minas setecentistas, comarca de Vila Rica (1711-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2012.; Anastasia, 2005ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 2005.; Rosa, 2005ROSA, Maria Cristina. Da pluralidade dos corpos: educação, diversão e doença na Comarca de Vila Rica. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2005.; Vellasco, 2005VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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), também fragilizava ou enfraquecia os corpos, uma vez que, em contendas, conflitos, delitos, bulhas, roubos e brigas, eles eram atacados, violados e golpeados, ocasionando lesões corporais e, por vezes, óbito.

O corpo que sofria algum tipo de violência, que, segundo Bluteau (1720)BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.7. 1720., é algo extraordinário, não natural, muitas vezes tinha suas funções ou disposição alteradas por essa condição, podendo não estar mais com saúde, sem doença ou achaque. Muitas vezes precisava ser tratado, cuidado, curado, para ficar são novamente, ou seja, ter a sua saúde recuperada, ficar “sem lesão, sem ferida, sem chaga alguma. Sadio” (p.485).

Nesse contexto, de forma indireta ou direta, violência, saúde e adoecimento estavam relacionados. A debilidade e a morbidade de corpos agredidos e feridos causavam impactos sociais, econômicos, políticos e culturais que alteravam as diversas esferas da vida, como o trabalho, pois quem está corporalmente afetado muitas vezes exerce seu ofício de maneira precária, ou não exerce, ou mesmo tem o seu valor de mercado reduzido, como ocorria com os escravos, grande parte da população.4 4 Sobre as implicações do adoecimento dos corpos, especificamente dos escravos no século XIX, na dinâmica econômica e social, ver Amantino (2007) e Viana (2016).

Neste trabalho,5 5 Este trabalho é um dos produtos da pesquisa História das doenças na comarca de Vila Rica (1700-1808), que teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). que estuda corpos das Minas setecentistas no século XVIII, ao analisar processos em que crimes que geram violência física ou corporal (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. Crime e justiça: uma análise dos processos-crimes da cidade de Mariana no século XVIII. In: Encontro Regional Anpuh-MG, 18., Mariana. Anais... Mariana: Edufop. p.1-10. Disponível em: <http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340765534_ARQUIVO_topraAnpuhMARIAGABRIELASOUZADEOLIVEIRA.pdf. Acesso em: 10 dez. 2017. 2012.
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) são narrados e registrados de forma circunstanciada, tem-se o objetivo de compreender como o corpo, matéria, é afetado a partir de atos de violência, o que ainda é muito pouco tratado nos estudos sobre história da violência, história da saúde e história do corpo.

Como afirma Weber Santos (2011WEBER SANTOS, Nádia Maria. O corpo como objeto e fonte para produção de sentidos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.18, n.3, p.939-943. Disponível em: <http://www.redalyc.org/html/3861/386138056021/. Acesso em: 12 dez. 2017. 2011.
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, p.940), os corpos “são individuais e sociais; são marcados e deixam marcas; são vividos e mortificados; são ‘o mesmo’ e ‘o outro’. Possuem marcas de historicidade/sociabilidade e marcas de sensibilidade/subjetividade”, são objeto e fonte para produção de sentidos. Identificar lesões corporais das vítimas dos crimes, mapear segmentos corpóreos afetados e tomar conhecimento de circunstâncias ou motivos do evento causador dos acometimentos corporais pode ajudar a compreender: formas de violência, especialmente as interpessoais, muito utilizadas (Costa, 2012COSTA, Wellington Júnio Guimarães da. As tramas do poder: as notificações e a prática da justiça nas Minas setecentistas, comarca de Vila Rica (1711-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2012.), que afetavam os corpos; ações que provocavam a morbidade e mortalidade das pessoas; conhecimentos que se tinha sobre os corpos; saberes e práticas de agentes das artes de curar.

Para isso foram investigados processos e crimes pertencentes ao acervo do Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência (AHMI), que guarda documentação referente ao termo de Vila Rica,6 6 A comarca de Vila Rica é dividida no termo de Vila Rica e no termo de Mariana (Fonseca, 1998). recorte espacial desse texto, especificamente autos de devassa, que são sumários em que, a partir da formação do corpo de delito, que fundamenta a denúncia e atesta o fato, e da inquirição das testemunhas são registradas informações sobre o delito com a intenção de pronunciar e punir o culpado (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.; Rosa, 2005ROSA, Maria Cristina. Da pluralidade dos corpos: educação, diversão e doença na Comarca de Vila Rica. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2005.).

O objetivo foi estudar como e por que os corpos das vítimas foram violados, quais as consequências da violência física no corpo e o contexto em que o delito ocorreu, buscando compreender relações entre violência, saúde e adoecimento. Para tanto, foi necessário mapear e sistematizar informações de cada devassa em um grande quadro com os seguintes dados: códice, data e local da devassa; abertura do processo por motivo do delito; nome, qualidade e condição da vítima e do acusado; parte do documento com informação sobre o corpo atingido; atuação de agente das artes de curar e qual tipo de exame feito nesse corpo; descrição dos acometimentos corporais/lesões; áreas do corpo afetadas; indícios de cura; se houve óbito; arma/objeto utilizado no delito; presença de escravo. Essa organização deu uma nova visibilidade para os dados, possibilitando a realização de análises quantitativa e qualitativa.

As análises se concentraram especialmente nos termos de abertura e nos corpos de delito, autos de ferida e certidões presentes nos processos, buscando, a partir da materialidade dos corpos que essas partes do processo criminal trazem, identificar e conhecer: as vítimas, a natureza das lesões corporais, os segmentos corpóreos afetados, os objetos ou instrumentos que provocaram as lesões e as motivações para a prática dos crimes.

Os processos criminais, como as devassas, são fontes primárias que contêm informações valiosas relativas ao cotidiano e aos valores sociais de uma determinada época, permitindo entrar em contato com vestígios, pistas e práticas sociais de pessoas comuns, como os escravos (Vogt, Randüz, 2012), sendo uma fonte riquíssima que permite estabelecer padrões de comportamento e valores aceitos pela sociedade e entender normas (Silva, 2005SILVA, Edna Mara Ferreira da. A ação da justiça e a as transgressões da moral: processos-crime em Mariana – 1747-1830. In: Colóquio do Lahes, 1., Juiz de Fora. Anais..., p.1-10. Disponível em: <http://www.ufjf.br/lahes/files/2010/03/c1-a17.pdf. Acesso em: 12 jan. 2018. 2005.
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). Permitem avaliar também as consequências de um crime (Vellasco, 2005VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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), como os efeitos da violência na saúde dos corpos.

De maneira concomitante ao trabalho com as devassas, foram realizados levantamento e análise de estudos sobre: saúde e doença no século XVIII na América portuguesa; violência e saúde; e escravidão e doença. Não foram localizados estudos com tema e enfoque similar a esta pesquisa, dificultando um pouco as discussões dos resultados, mas reforçando sua originalidade.

Devassas, crimes e contextos

As devassas são instrumentos da justiça que, na tentativa de manter a ordem, buscam o estabelecimento do controle social e registram os crimes mais violentos (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.). Neste trabalho foram analisadas o total de 128 devassas especiais7 7 Devassas especiais eram abertas quando necessário, e eram de responsabilidade do juiz da localidade, cujo processo deveria inquirir trinta testemunhas, podendo variar conforme o juiz necessitasse (Oliveira, 2014). do termo de Vila Rica, abrangendo de 1725 a 1800. O Gráfico 1 apresenta a quantidade de devassas abertas por década.

Gráfico 1
: Quantidade de devassas por década no termo de Ouro Preto, século XVIII

O aumento expressivo de devassas na década de 1730 coincide com dados apresentados por Oliveira (2014)OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014., que pesquisa crimes ocorridos na vila do Ribeirão do Carmo, também pertencente à comarca de Vila Rica, entre 1730 e 1780, a partir da análise do Inventário das Devassas e do Rol dos Culpados.8 8 O Inventário das Devassas registra de forma sucinta as devassas realizadas nessa localidade de aproximadamente 1712 a 1765, contabilizando 562 (25 devassas janeirinhas entre outros autos); no Rol de Culpados são listados culpados pela justiça de 1709 a 1740, contendo indicação de 259 culpados. Essa ampliação do número de processos deveu-se à instalação dos aparelhos administrativos e judiciários nas localidades sede (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.; Costa, 2012COSTA, Wellington Júnio Guimarães da. As tramas do poder: as notificações e a prática da justiça nas Minas setecentistas, comarca de Vila Rica (1711-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2012.), o que também ocorre em Vila Rica.

Observa-se também o aumento acentuado de crimes de 1791-1800 (Gráfico 1). Nessa década, mesmo com a diminuição da população na região, uma vez que “na virada do século, a comarca do Rio das Mortes já se configurava como a mais extensa em área habitada e a mais populosa da então capitania de Minas Gerais” (Vellasco, 2005VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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, p.172), houve crescimento de devassas de crimes de bens, como roubo e furto, o que pode estar associado a mudanças econômicas na sociedade, implicando alterações na dinâmica social. Outra possibilidade é esse aumento ser uma repercussão de alterações na estrutura da administração e da justiça, o que possibilitaria a realização de um maior número de processos, intensificando a atuação dessa instância reguladora. A própria situação econômica poderia estar gerando o aumento de crimes.

Os crimes pelos quais as devassas foram abertas são bem diversos. O Quadro 1 mostra a tipologia e a frequência dos crimes.

Quadro 1
: Tipologia dos crimes

Examinando a diversidade de motivos, observam-se mais casos de feridos do que de mortos. Além disso, já se constatava uma crescente incidência de crimes como furtos e roubos, que podem estar vinculados a questões políticas e econômicas ou a relações, costumes e resistências a condições sociais (Silva, 2007SILVA, Edna Mara Ferreira da. A ação da justiça e as transgressões da moral em Minas Gerais: uma análise dos processos criminais da cidade de Mariana, 1747-1820. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora. 2007.).

Esses crimes são muito similares aos apresentados por Oliveira (2014)OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014. e Silva (2007)SILVA, Edna Mara Ferreira da. A ação da justiça e as transgressões da moral em Minas Gerais: uma análise dos processos criminais da cidade de Mariana, 1747-1820. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora. 2007., predominando casos de morte e de ferimento, que implicam crime contra a ordem pública e violência física, ocasionando, na maioria das vezes, lesões corporais. Esse dado é importante para o presente trabalho, pois revela o potencial das devassas para estudar as lesões corporais e suas implicações na saúde e no adoecimento das pessoas.

Oliveira (2012)OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. Crime e justiça: uma análise dos processos-crimes da cidade de Mariana no século XVIII. In: Encontro Regional Anpuh-MG, 18., Mariana. Anais... Mariana: Edufop. p.1-10. Disponível em: <http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340765534_ARQUIVO_topraAnpuhMARIAGABRIELASOUZADEOLIVEIRA.pdf. Acesso em: 10 dez. 2017. 2012.
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divide os delitos encontrados em: crime de bens (venda ilegal, furto, apreensão e fuga de escravo e cobrança), também denominado crime contra a propriedade (Pereira, 2014PEREIRA, Luciano Guimarães. A defesa da honra: processos de injúria no século XVIII em Mariana, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.); crime contra o corpo (agressão, assassinato, ferimento, espancamento, facada, tiro, ameaça, distúrbio e prisão); crime moral (injúrias, defloramento e adultério); e outros (processos que aparecem somente uma vez). Para sistematização e análise dos crimes encontrados nas devassas, empregou-se no presente trabalho essa classificação, sendo acrescentado o crime contra religião, como pode ser verificado no Gráfico 2, pois há uma devassa em que o acusado é Caetano da Costa Nação Angola, que traz em seu termo de abertura “por se dizer que o mesmo usava de feitiçarias mágicas indústrias enganosas contra a nossa santa religião” (Devassa, 10 mar. 1791).9 9 Essa devassa foi analisada de forma aprofundada por alguns autores, como Nogueira (2006) e Pereira (2016). Além disso, os crimes indicados como insulto foram colocados em crime de moral, pois, como mostra Pereira (2014)PEREIRA, Luciano Guimarães. A defesa da honra: processos de injúria no século XVIII em Mariana, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014., o insulto é promotor da injúria, considerado crime contra a moral.

Gráfico 2
: Caracterização dos crimes

Interessante observar que na vila do Ribeirão do Carmo, segundo Oliveira (2012)OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. Crime e justiça: uma análise dos processos-crimes da cidade de Mariana no século XVIII. In: Encontro Regional Anpuh-MG, 18., Mariana. Anais... Mariana: Edufop. p.1-10. Disponível em: <http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340765534_ARQUIVO_topraAnpuhMARIAGABRIELASOUZADEOLIVEIRA.pdf. Acesso em: 10 dez. 2017. 2012.
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, muitos processos relacionados à violência física (assassinato, ferimento, agressão) foram originados por devassas, abertos pela “Justiça e Seu Promotor”, mostrando a atuação da justiça em casos de violência corporal, em crimes violentos, numa tentativa de evitar desordens e controlar a violência. Entretanto, essa mesma autora mostra o aumento de crimes morais e a diminuição de crimes contra o corpo ao longo dos anos, o que não ocorre em Vila Rica, uma vez que nas devassas predominam esses crimes e há, no final daquele século, o aumento significativo das mesmas, como mostra o Gráfico 1.

A predominância de crimes contra o corpo, como pode ser observado no trabalho de Vellasco (2005)VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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, permanece no início do século XIX na comarca do Rio das Mortes, que fazia divisa com a comarca de Vila Rica. Essa passa a ser a região mais habitada à época, devido à agricultura, que se torna a principal atividade econômica em Minas, em substituição à mineração, em declínio já havia algum tempo. Segundo esse autor, no Rio das Mortes as ofensas constituíam 35,5% dos crimes, seguidas por 16,4% de homicídio. Os dois tipos de crimes eram considerados violentos, e o corpo era muito atingido, uma vez que “a maior parte das ofensas físicas era responsável por lesões que, por muito pouco, não ocasionavam a morte da vítima” (Vellasco, 2005VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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, p.181).

A classificação dos crimes no presente trabalho foi feita com base no sumário e no termo de abertura das devassas. Porém, verifica-se no decorrer do processo, em que as testemunhas declaram as circunstâncias do crime, pistas sobre outros motivos que levaram ao delito, denotando outras causas ou que elas se misturam.

Por exemplo, a devassa aberta em 1735 para verificar ferida feita a uma negra crioula que veio a falecer, chamada Maria Gonçalves, escrava do licenciado Antônio de Cavedrene, foi classificada como crime contra o corpo por constar ferida, contudo, há indicações em depoimentos de testemunhas de que a escrava desafiou o acusado, o soldado Manoel Francisco, descompondo-o com palavras, o que seria um crime moral. Pedro Alves da Silva, testemunha, disse que ouviu dizer que ela “o desafiara com razões e palavras, das quais resultou que o dito Carvalho lhe desse uma estocada”. Da mesma forma, Bernardo Ribeiro Cansado declarou que também ouvira dizer que a dita negra “o [tratara] mal de palavras”. Antônio Ferreira Medina “disse que sabe pelo ouvir dizer, a Manoel Francisco de Carvalho Soldado Dragão ... que esta a descompusera de palavras injuriosas chamando-lhe moroso e filho da puta” (Devassa, 10 maio 1735). Não há como afirmar se esse fato realmente ocorreu, mas há pistas importantes que possibilitam essa presunção.

Situação similar ocorre na devassa “pelo ferimento feito ao preto Joaquim Mina escravo do capitão Lourenço Dias Rosa” (Devassa, 12 jan. 1751), sendo acusado Manoel da Costa e a vítima Joaquim Mina. Testemunhas dizem que Joaquim desafiou e descompôs com palavras asquerosas Manoel por motivo de ciúmes.

Ao buscar identificar qual era a população envolvida nos crimes expostos nas devassas, identificamos que tanto os homens quanto as mulheres eram atingidos pela violência (Gráfico 3), os homens, contudo, em maior proporção. Essa constatação está de acordo com as características da população, que teve grande aumento na primeira metade do século XVIII por diversas questões, mas sobretudo econômicas, em decorrência de demandas comerciais, sendo formada principalmente por escravos do sexo masculino (Costa, 2011COSTA, Iraci del Nero. As populações das Minas Gerais no século XVIII: um estudo de demografia histórica. Revista Crítica Histórica, v.2, n.4, p.176-197. Disponível em: <http://seer.ufal.br/index.php/criticahistorica/article/view/2772. Acesso em: 13 nov. 2017. 2011.
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).

Gráfico 3
: Incidência de vítimas nas devassas

No século XIX, Vellasco (2005)VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
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, ao tratar da cultura da criminalidade na comarca do Rio das Mortes, mostra o maior envolvimento dos homens em situações de violência, corroborando os dados apresentados neste estudo, quando são analisadas as vítimas nas devassas (Gráfico 3). Antunes e Silveira (2012)ANTUNES, Álvaro de Araújo; SILVEIRA, Marco Antônio. Reparação e desamparo: o exercício da justiça através das notificações (Mariana, Minas Gerais, 1711-1888). Topoi, v.13, n.25, p.25-44. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/topoi/v13n25/1518-3319-topoi-13-25-00025.pdf. Acesso em: 20 set. 2017. 2012.
http://www.scielo.br/pdf/topoi/v13n25/15...
, a partir da análise dos réus e das vítimas de notificações do termo de Mariana, de 1711 a 1888, também apresentam dados similares.

A maioria das vítimas nas devassas analisadas é proveniente de crimes contra o corpo, contabilizando 99 homens, do total de 106, e 26 mulheres, do total de 30, conforme mostra o Gráfico 3. Muitos desses crimes têm como consequência ferimentos corporais, como pode ser observado no Gráfico 4. Se contabilizarmos os óbitos, que podem ser decorrentes de ferimentos, o número aumenta significativamente.

Gráfico 4
: Situação das vítimas das devassas

Considerando o potencial dos crimes contra o corpo (108) para estudar as lesões corporais e suas implicações na saúde das pessoas, decidiu-se por analisar apenas esse tipo de crime no próximo item, que aborda os corpos feridos, não tratando, portanto, de crimes morais (3), de bens (16) ou contra a religião (1).

Além disso, levando em consideração os crimes contra o corpo (108) e suas vítimas (122), optou-se pelo estudo das vítimas que não vieram a óbito (77), ou seja, apenas dos corpos feridos, extinguindo-se os crimes mais violentos que resultaram em mortes e serão analisados em outro trabalho.

Corpos feridos

O corpo, além da matéria, é também composto de expressões e marcas culturais, sociais e físicas. É constituído de traços, sinais e registros das experiências vividas. Em sua materialidade (músculos, membros, órgãos etc.), no que o ser humano tem de mais concreto, também há registros de memória, inscrições do tempo e do espaço vivido e de suas ações.

É a partir da materialidade dos corpos, recuperada, acessada a partir da materialidade do processo criminal, especialmente dos corpos de delitos, autos de ferida e certidões, que trazem um conjunto de elementos e circunstâncias sobre as consequências das transgressões nos corpos, que tentamos compreender os corpos feridos: vítimas, lesões, segmentos corpóreos afetados, objetos e instrumentos que os acometeram, bem como motivações que provocaram ações que lesionaram os corpos.

Essas constatações só foram possíveis a partir das descrições detalhadas dos acometimentos corporais feitas pelos agentes das artes de curar, intitulados nos documentos “licenciado”, “cirurgião”, “cirurgião licenciado” ou “cirurgião aprovado”, “responsáveis pela produção do corpo de delito”, “certidão” ou “auto de ferida”, após examinarem o corpo. A leitura e transcrição desses documentos permitiu identificá-las e analisá-las.

Caracterização das vítimas dos corpos feridos

Na atualidade, a violência entre os corpos pode causar, e causa, transgressões com lesões corporais superficiais ou profundas no corpo acometido (Brasil, 2000), que podem ser descritas por peritos, se chegarem a um processo criminal, e tratadas por profissionais da saúde, conforme sua gravidade.

No século XVIII, episódios de violência descritos nas devassas, muitos deles comuns até os dias de hoje, ocorreram em diferentes lugares, como casa, botequim e rua. Envolveram pessoas de variadas condições e qualidades, e também provocaram lesões físicas em corpos envolvidos.

Identificou-se na fonte mobilizada, que como qualquer outra também tem limites, a descrição de lesões diversas, predominando feridas e ferimentos (Tabela 1).

Tabela 1
: Tipos de lesões que acometeram as vítimas

A ferida é compreendida como “solução (separação) de continuidade, fresca, e sanguenta, em partes moles do corpo”, e o ferimento remete ao ato de ferir (Bluteau, 1713BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.4. 1713., p.78). No entanto, a partir da análise realizada, compreendeu-se que os dois termos foram utilizados como sinônimos. Até mesmo na abertura das devassas o termo variava, como ocorre na devassa pelas “feridas” perpetradas certa noite em Bernarda do Espírito Santo, na rua da ponte de São José, em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, cujo acusado é João das Neves, marido da vítima (Devassa, 21 jun. 1742), e na devassa pelo “ferimento” feito em Antônio Nação Angola, escravo de Manoel Antunes de Faria, na mesma localidade (Devassa, 8 out. 1743).

Da mesma maneira, em uma devassa por ferimento, há apontamentos sobre feridas, como ocorre na devassa pelos ferimentos feitos no corpo de Feliciano Francisco dos Santos, que morava ao pé da ponte de Antônio Dias, em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em cujo exame o cirurgião-mor Antônio José Vieira de Carvalho descreve:

lhe achou nas costas da mão direita duas feridas contusas de couro e carne cortada, uma do comprimento de uma polegada e outra de meia polegada de comprimento, e duas feridas de couro e carne cortada no braço esquerdo, digo cortada no antebraço esquerdo, uma na parte superior e posterior, e a outra na parte inferior e posterior, cada uma do comprimento de três linhas que mostravam ser feitas com instrumento contundente e cujos ferimentos se achavam vertendo sangue (Devassa, 10 nov. 1794).

Além de feridas e ferimentos, contusão e pisadura também têm relação. Contusão, termo que vem da cirurgia, remete a uma “pisadura na carne, ou nos músculos causada de uma queda, ou de uma pancada, sem sinal de ferida na parte pisada”; já a pisadura é “concurso do sangue em alguma parte do corpo, escandalizada com queda, ou pancada, que se faz com a pele lívida” (Bluteau, 1720BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.7. 1720., p.513, 532).

Em algumas descrições, há indicações do estado da lesão, como a indicação de inflamação, que é um termo que vem da medicina e descreve “tumor preternatural, produzido do sangue, que se ajuntando de continho sem seguir o movimento da circulação, fica parado e coalhado em alguma parte do corpo, à qual, com acrescentamento desse humor, se estende e à extensão se segue vermelhidão, calor e dor” (Bluteau, 1720BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.7. 1720., p.126). Aparece também inchaço, entre outras. Porém, em alguns processos não constavam apontamentos sobre lesões, conforme demonstrado na Tabela 1.

A constatação de que esses crimes provocavam lesões e muitas vezes o adoecimento dos corpos pode ser atestada por diferentes registros nos processos. Na certidão presente na devassa pelos ferimentos feitos em Elisbão, crioulo escravo do padre Antônio de Souza Lobo, cujos ferimentos foram feitos na rua das Cabeças de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto por uns cachorros que Jerônimo da Costa de Oliveira, o acusado, soltara em cima de Elisbão. O tabelião Manoel da Costa Guimaraens, que examinou o corpo da vítima junto com o cirurgião assistente, o licenciado Manoel de Alcovia, afirma que achou o enfermo na cama. Como pode ser verificado abaixo, o estado dele era complicado:

uma ferida na capela inferior do olho esquerdo que tomava todo o osso crivoso quase transversal de couro e carne cortada a qual era ferida penetrante a venta esquerda interiormente a qual estava curada e composta com cinco pontos e assim mais outra no bico superior pela parte interior com perdimento de substância das partes carnosas a qual também se achara curada e composta com um ponto e assim mais oito feridas no braço direito umas maiores e outras mais pequenas e em todas elas com ofensa nas partes internas em umas mais e em outras menos e assim mais no braço esquerdo dez feridas com a mesma semelhança das do braço direito e com a mesma ofensa e assim mais outra ferida na perna direita junto ao artelho transversalmente a parte exterior por cima do tendão ou linha reta com alguma ofensa na mesmas súbita digo ofensa no mesmo tendão que também estava curada e composta com quatro pontos e assim mais quatro feridas pequenas na perna esquerda juntas ao artelho e todas perigosas as quais denotavam serem feitas segundo a notícia que achei de mordeduras de cães no dia de ontem (Devassa, 16 jul. 1777).

Como mostra Bluteau (1713BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.4. 1713., p.78), uma ferida feita por cães é uma ferida venenosa, ou seja, “é solução de continuidade, feita na carne, com instrumento ervado, ou com dente de animal, ou infecto venenoso, quais são cão danado, víbora, escorpião, aranha, e às vezes do homem, cavalo, bugio raivoso etc.”. Será esse o caso?

Vale destacar que, em alguns documentos, há indícios de tratamento ou de cura do corpo da vítima, denotando também o seu adoecimento. Um corpo que precisava ser restabelecido, como ocorre em uma devassa aberta em 1749, em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, que versa sobre ferimento feito certa noite em Thereza Rodrigues de Jesus, parda forra, em que o licenciado Luis Pinto Ribeiro, cirurgião aprovado, “que a cura e lhe assiste”, indica no termo de ferida, em que atesta ter visto e examinado o corpo, a realização de pontos:

para efeito de ver e examinar uma ferida que se lhe havia feito na noite do dia de ontem dezenove do corrente pelas oito horas pouco mais ou menos: se sendo aí presente o Licenciado Luis Pinto Ribeiro Cirurgião aprovado, que a cura e lhe assiste, por ele comigo Tabelião foi vista e examinada uma ferida na dita queixosa em a cabeça acima da fonte da parte direita onde chamam os ossos escumezos[?] e protezos do tamanho de quatro dedos entraves com contusão, de couro e carne cortada já curada com dois pontos (Devassa, 22 mar. 1749).

Em outros documentos, há menção de que a vítima estava sob a assistência de um agente das artes de curar. Contudo, na maioria das vezes os procedimentos de cura, os saberes e as práticas envolvidos, não foram explicitados.

Tanto homens como mulheres eram acometidos pelos crimes e atos violentos, sendo que homens crioulos e negros escravos em maior proporção do que as mulheres (Gráfico 5 e Tabela 2).

Gráfico 5
: Incidência de vítimas feridas por crimes contra o corpo nas devassas

Tabela 2
: Vítimas nas devassas de acordo com a qualidade e a condição

Também se observava a violência contra as mulheres crioulas e pardas escravas ou forras, apesar de nas devassas não constarem qualidade e condição da maior parte das vítimas, dados similares aos encontrados por Oliveira (2014)OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014. quando também apresenta resultados referentes às vítimas nas devassas.

Vale destacar que nas devassas analisadas há importante presença da população escrava, tanto homens quanto mulheres. Eles “surgem como vítimas de delitos executados por seus parceiros ou por outros homens pardos ou brancos, aparecem também como acusados – réu único, acompanhado de seu senhor ou de outros homens parceiros” (Rosa, 2005ROSA, Maria Cristina. Da pluralidade dos corpos: educação, diversão e doença na Comarca de Vila Rica. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2005.).

Vogt e Randüz (2012) chamam atenção para uma contradição importante nos processos, uma vez que os escravos eram mercadoria e sujeito ao mesmo tempo. “Sendo mercadoria, era negado ao cativo o status de pessoa. Não podia, por conseguinte, ter direitos políticos nem exercer cargos públicos ou eclesiásticos. No entanto, em caso de praticar algum crime, respondia à Justiça como sujeito” (p.225) e era julgado por cidadãos, quase sempre proprietários de escravos, e não por seus pares. Também eram contemplados quando eram vítimas, é importante destacar.

Os escravos constavam como vítimas na maioria das devassas. Isso ocorria por diversos fatores: por estarem muito envolvidos em diferentes situações de desordens; por terem a violência física como uma ferramenta para solucionar desavenças e conflitos; por terem a violência como estratégia de resistência à condição de servidão a que estavam submetidos; e por sofrerem punição ou castigo físico em função de comportamentos considerados inadequados por seus senhores, como fuga, bebedeira, afrontamento e desobediência. Paradoxalmente, a partir de uma atitude por vezes educativa (Lara, 1988LARA, Silvia Hunold. Campos de violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1988.), o corpo, um bem a ser preservado devido a seu valor de mercado, era maltratado, chegando a ficar enfermo.

Segmentos corpóreos afetados pelas transgressões sofridas pelas vítimas dos corpos feridos

com uma ferida sobre o olho direito, na comissura cornal [sic] de couro, e carne cortada, pericrânio e [iranio] que penetrara dentro a substância de sernio [sic] de sernio de cumprimento de polegada e meia, e com bastante sangue, outra ferida sobre os músculos temporais por cima da orelha direita de cumprimento de meia mão travessa, de couro e carne cortada, pericrânio, e [Icranio], e substância da sernio, e as quais denotaram ser feitas com instrumento cortante, perfurante (Devassa, 9 jun. 1763).

A partir de fragmentos do processo, como o descrito acima, cujo conteúdo a respeito das partes do corpo acometidas pelas feridas era produzido principalmente pelos agentes das artes de curar, foi possível identificar que as lesões ocorriam nas várias partes do corpo, como membros superior e inferior, tronco e, principalmente, na região da cabeça (Gráfico 6 e Quadro 2).

Gráfico 6
: Incidência de feridas nas partes do corpo das vítimas dos crimes nas devassas

Quadro 2
: Áreas de incidência de feridas nas partes do corpo das vítimas dos crimes no corpo ou contra o corpo nas devassas

Amantino (2007)AMANTINO, Márcia. As condições físicas e de saúde dos escravos fugitivos anunciados no Jornal do Commercio (RJ) em 1850. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.14, n.4, p.1377-1399. 2007., ao analisar condições físicas e de saúde de escravos fugitivos anunciados no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, em 1850, constatou que os escravos possuíam diversos tipos de patologias, como doenças infectopatológicas, traumáticas e de má formação, mas sobretudo lesões que afetavam membros superiores e inferiores e a cabeça, estando de acordo com os resultados mostrados no presente trabalho. Essa aproximação é feita com informações do século XIX, pois não foram encontrados resultados dessa natureza referentes ao século XVIII, no Brasil, denotando a necessidade de estudos.

As fontes mobilizadas neste trabalho apresentam limites, pois houve dificuldade de quantificar alguns dados, devido à forma como aparecem no documento. Contudo, são importantes, pois trazem pistas valiosas que possibilitam abordar temáticas ainda pouco tratadas na história do corpo e na história da saúde e da doença.

Levando-se em consideração que tanto as patologias quanto as lesões afetavam a condição de saúde e de vida das pessoas, qual era a influência das lesões provocadas pelos crimes de corpo na condição de saúde das vítimas nas devassas nas Minas setecentistas? O tipo de lesão ou a sua caracterização são indícios valiosos para tentar responder a essa questão.

Nos registros acerca dos corpos feridos e suas lesões há detalhes sobre os objetos ou instrumentos utilizados para dar pancada, facada, porretada, manguelada, paulada, zagaiada, estocada, arranhada ou outra ação qualquer, como pode ser observado em alguns exemplos já citados e também no Quadro 3.

Quadro 3
: Objetos e instrumentos utilizados para atentar contra as vítimas

Interessante notar que, além das armas de fogo, foram utilizados nos delitos diferentes objetos e instrumentos, principalmente os perfurocortantes, como faca, facão, foice, espada, bordão e cutelo. Muitos de fácil acesso aos agressores, por serem comumente utilizados na atividade laboral que exerciam, predominantemente o trabalho manual, tornavam-se armas brancas nos atos transgressores. Também há indícios do uso de alguns objetos e instrumentos utilizados para castigar, como o chicote e o mangual, e de outros, como pedra, porrete e até mesmo cães, presentes em diferentes contextos da vida cotidiana.

Os objetos e instrumentos eram classificados, entre outros adjetivos, como contundente, cortante, penetrante, perfurante e incisório, dando-nos pistas sobre sua eficácia no contato com o corpo ou acerca do golpe, pois o corpo era rasgado, cortado, penetrado, aleijado etc., quando não aconteciam lesões mistas.10 10 Lemos (2003) chama atenção para as devassas mistas.

Na devassa de 1792DEVASSA. Códice 449, auto 9469, 1° ofício (Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência, Ouro Preto). 22. fev. 1792. pelo ferimento feito em Custódia Fernandes da Encarnação, parda forra, moradora na ladeira de São José, em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, cujo acusado é Raimundo, consta uma certidão feita pelo tabelião João Dias Rosa em que podem ser encontrados detalhes importantes sobre o instrumento e as consequentes lesões:

que visse e examinasse o ferimento, que em seu rosto tinha: e vendo eu e examinando, achei ter a mesma uma ferida no nariz do comprimento de duas polegadas que mostrou ser feita com espada ou outro qualquer instrumento cortante, a qual principia no meio do nariz pela parte direita, e finda no fim do beiço de cima pela parte esquerda, tendo o dito instrumento separado quase a metade do nariz e beiço, cuja ferida era bastante funda, e dela havia lançado bastante sangue, e disse a dita queixosa que lhe havia feito aquele ferimento um rebuçado à porta dela pelas dez horas da noite de hoje vindo-se recolhendo para sua casa (Devassa, 22. fev. 1792).

Assim como os objetos, também há uma diversidade de tipos de lesões, como as feridas. A ferida simples, “aquela que não tem perdimento de substância, nem outra coisa complicada, que lhe possa impedir união”, a composta, “que tem perdimento de substância, ou qualquer outro acidente, que lhe possa impedir união”, e a espedaçada, que “é a em que se perdeu a carne” (Bluteau, 1713BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.4. 1713., p.78).

São muitas as feridas, como são muitos os adjetivos que as qualificam. Bluteau (1713)BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico... Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus. v.4. 1713. cita, além dos já apontados: venenosa, cavernosa, penetrante, mortal, fresca e sanguenta, profunda, penetrante, incurável, pequena, entre outros. Nas devassas há também uma vasta qualificação das feridas, como profunda, perfurante, superficial, grande, pequena, mortal, disforme, penetrante, perigosa, aberta, rota, de couro e carne, sanguenta; além de detalhes sobre suas medidas (comprimento, largura e profundidade); se lançam, vertem, botam ou extravasam alguma matéria, como sangue; se adentram alguma parte do corpo ou se saem.

Motivos dos crimes

As causas dos crimes contra o corpo, declaradas pelas testemunhas dos processos, foram diversas, como pode ser observado no Quadro 4. Possibilitam compreender um pouco melhor como a violência se manifestava naquela sociedade.

Quadro 4
: Relação dos possíveis motivos que geravam as feridas

Muitos crimes aconteceram por questões amorosas, como ciúmes, mancebia, adultério e trato ilícito; outros tratavam de questões econômicas, como cobrança ou não pagamento de uma dívida. Alguns resultaram de conflitos, como briga, bulha, demanda, razão, pendência, dúvida ou vingança, motivados por fatores variados, podendo ser amorosos, econômicos etc. Há ainda aqueles que ocorreram em situações de divertimentos, como numa festa de entrudo, durante um jogo e após consumo de bebida alcoólica. Outros crimes denunciam situações de maltrato, como fraqueza, debilidade, fome, castigo, amarrar negros e pancada, bem como o maltrato consigo mesmo, como o suicídio e o enforcamento, talvez como forma de protestar contra outros tratos recebidos, como castigos.

A violência está presente em diversas situações e era recurso para resolver problemas de diferentes naturezas, fazendo parte das relações sociais (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.; Costa, 2012COSTA, Wellington Júnio Guimarães da. As tramas do poder: as notificações e a prática da justiça nas Minas setecentistas, comarca de Vila Rica (1711-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2012.; Vellasco, 2005VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, século XIX. Tempo, v.9, n.18, p.171-195. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18a08.pdf. Acesso em: 11 nov. 2017. 2005.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v9n18/v9n18...
). Interessante observar que alguns estudos destacam problemas de saúde ou o adoecimento dos corpos relacionando-os à condição física dos escravos, às condições do cativeiro e do trabalho (Dias, 2011DIAS, Elianne Cristina Jorge. As condições físicas e de saúde dos escravizados nos anúncios de jornais da Paraíba oitocentista. Temporalidades, v.3, n.2, p.98-112. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/5434. Acesso em: 19 dez. 2017. 2011.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tem...
); outros destacam elementos da vida social, como os divertimentos, em que encontros e desencontros ocorriam, podendo causar, nos conflitos, lesões aos corpos envolvidos (Rosa, 2005ROSA, Maria Cristina. Da pluralidade dos corpos: educação, diversão e doença na Comarca de Vila Rica. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2005.).

No presente estudo são destacados conflitos sociais que culminaram em violência e crime contra o corpo, impactando a saúde dos envolvidos. Muitas dessas contendas surgiram no convívio interpessoal ou coletivo cotidiano e mostraram algumas características das relações sociais estabelecidas, como hierarquia, respeito, submissão e influência de questões passionais.

Considerações finais

A violência era fundamentalmente abordada nos estudos a partir de questões sobre justiça e criminalidade, tendo como enfoque a dimensão social. Posteriormente, passou a ser também um assunto de saúde. De maneira similar, estudos sobre o processo saúde/doença produzidos no âmbito da história da saúde têm, nas últimas décadas, cada vez mais tentado compreender as relações entre doença, saúde e sociedade (Hochman, Teixeira, Pimenta, 2018). Outra perspectiva, também importante, como mostra Nogueira (2013NOGUEIRA, André Luís Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII). Tese (Doutorado) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2013., p.29), tem sido a possibilidade de estudar as doenças para pensar aspectos da sociedade, como de “ordem religiosa, moral, ações de Estado e relações mais gerais de poder no cerne do momento histórico escolhido como objeto de estudo”.

Este trabalho, ao problematizar questões que relacionam influências de atos violentos muito comuns nas Minas setecentistas com saúde e adoecimento dos corpos, abrangendo questões anatômicas, sociais etc., apresenta análises e resultados pioneiros que revelam como ações cotidianas contra os corpos provocavam a morbidade e a mortalidade das pessoas, pois violência, saúde e adoecimento estavam diretamente implicados.

Ações violentas contra o corpo estavam presentes entre diversos sujeitos, como senhor e escravo, escravo e escravo e amásio e amásia, tendo como uma de suas consequências lesões corporais. Muitos desses atos ocorriam em situações de conflitos ou de embates em que diferentes formas de poder, sobre o corpo entre elas, eram disputadas.

Os resultados evidenciaram registros de atos violentos contra homens e mulheres, mas na maioria homens, provocados pelos mais diversos tipos de crimes, como moral, de bens, contra a religião e, principalmente, contra o corpo.

Esses crimes, que tiveram aumento em algumas décadas, geraram vítimas feridas e mortas. Os homens foram os mais afetados pela violência corporal, com lesões provocadas nas diferentes regiões do corpo, sendo a cabeça a área mais atingida. Embora a violência estivesse presente na sociedade, os crimes analisados envolveram predominantemente pessoas dos estratos sociais mais baixos, em especial escravos.

As feridas e os ferimentos foram as lesões mais relatadas. Era constante o uso de instrumentos e objetos para atingir os corpos. Os motivos que estimularam os crimes e a violência contra os corpos perpassam diferentes dimensões da vida: econômica, amorosa, laboral e de divertimento.

As fontes mobilizadas mostraram potencial importante para se estudar a temática, particularmente a partir dos registros feitos pelo exame dos agentes das artes de curar os corpos.

Alguns desafios surgiram durante o estudo, como a pouca precisão de algumas informações na identificação dos objetos e instrumentos usados para agredir fisicamente o corpo, uma vez que, em muitos casos, são descritas apenas as suas características, como ser perfurante, de ferro e pontiagudo. Ao mesmo tempo, há uma riqueza de informações sobre as lesões causadas pelos objetos ou instrumentos que pode ser associada, como tamanho, profundidade, se verteu sangue e como foi curada.

Nogueira (2013)NOGUEIRA, André Luís Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII). Tese (Doutorado) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2013., ao escrever sobre as ações curativas realizadas por curandeiros não licenciados nas Minas Gerais, no século XVIII, chama atenção de que só foi possível acessar esse conhecimento em função da repressão à população mediante ações persecutórias da Igreja, dadas especialmente por meio das devassas eclesiásticas. De modo similar pode-se afirmar que as informações sobre o exame feito nos corpos acometidos nas devassas cíveis são um importante registro que possibilita acessar conhecimentos sobre a violência contra o corpo e as implicações em sua saúde.

O presente trabalho pretende trazer contribuições para estudos sobre escravidão, saúde e doença, devido à qualidade e condição de muitas das vítimas analisadas e à conformação da população das Minas setecentistas, aqui contemplada.

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  • VIANA, Iamara da Silva. Doenças de escravizados em Vassouras, 1840-1880: principais causas mortis e suas implicações. In: Pimenta, Tânia Salgado; Gomes, Flávio (Org.). Escravidão, doença e práticas de cura. Rio de Janeiro: Outras Letras. p.130-149. 2016.
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    » http://www.redalyc.org/html/3861/386138056021/

NOTAS

  • 1
    Essa dissertação, a partir do estudo das devassas da segunda metade do século XVIII e início do XIX, guardadas no Arquivo Histórico Museu da Inconfidência, localizado na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, analisa as ações dos juízes ordinários e traz importantes levantamento, sistematização e análise dos processos que abarcam o período, sendo referência para estudos que mobilizam esse tipo documental.
  • 2
    Alguns trabalhos sobre o século XIX apontam a violência e os acidentes como causa de morte violenta, como Viana (2016)VIANA, Iamara da Silva. Doenças de escravizados em Vassouras, 1840-1880: principais causas mortis e suas implicações. In: Pimenta, Tânia Salgado; Gomes, Flávio (Org.). Escravidão, doença e práticas de cura. Rio de Janeiro: Outras Letras. p.130-149. 2016.. Porém, o tema é apenas citado, não há uma discussão aprofundada, talvez devido a características das fontes utilizadas, como assentos de óbito e inventários.
  • 3
    Para obter informações mais detalhadas sobre esse livro, bem como sobre o processo de pesquisa do qual ele se originou, ver a entrevista “O corpo e o saber médico no século XVIII” (Quadros, Gelape, Rosa, 2015), em que o autor fala, entre outros temas, sobre os tratados e manuais de medicina, a sua potencialidade como fonte, assim como dá dicas de algumas bases de consultas em que estão disponibilizados.
  • 4
    Sobre as implicações do adoecimento dos corpos, especificamente dos escravos no século XIX, na dinâmica econômica e social, ver Amantino (2007)AMANTINO, Márcia. As condições físicas e de saúde dos escravos fugitivos anunciados no Jornal do Commercio (RJ) em 1850. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.14, n.4, p.1377-1399. 2007. e Viana (2016)VIANA, Iamara da Silva. Doenças de escravizados em Vassouras, 1840-1880: principais causas mortis e suas implicações. In: Pimenta, Tânia Salgado; Gomes, Flávio (Org.). Escravidão, doença e práticas de cura. Rio de Janeiro: Outras Letras. p.130-149. 2016..
  • 5
    Este trabalho é um dos produtos da pesquisa História das doenças na comarca de Vila Rica (1700-1808), que teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
  • 6
    A comarca de Vila Rica é dividida no termo de Vila Rica e no termo de Mariana (Fonseca, 1998FONSECA, Cláudia Damasceno. O espaço urbano de Mariana: sua formação e suas representações. In: Termo de Mariana: história e documentação. Mariana: Imprensa Universitária da Ufop. p.27-86. 1998.).
  • 7
    Devassas especiais eram abertas quando necessário, e eram de responsabilidade do juiz da localidade, cujo processo deveria inquirir trinta testemunhas, podendo variar conforme o juiz necessitasse (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Maria Gabriela Souza de. O rol das culpas: crimes e criminosos em Minas Gerais (1711-1745). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. 2014.).
  • 8
    O Inventário das Devassas registra de forma sucinta as devassas realizadas nessa localidade de aproximadamente 1712 a 1765, contabilizando 562 (25 devassas janeirinhas entre outros autos); no Rol de Culpados são listados culpados pela justiça de 1709 a 1740, contendo indicação de 259 culpados.
  • 9
    Essa devassa foi analisada de forma aprofundada por alguns autores, como Nogueira (2006)NOGUEIRA, André. E se diz do dito negro que é feiticeiro e curador: a união entre o natural e o sobrenatural na saúde e na doença das Gerais do século XVIII. Outros Tempos, v.3, p.60-75. Disponível em: <http://www.outrostempos.uema.br/OJS/index.php/outros_tempos_uema/article/view/395/330. Acesso em: 20 jan. 2018. 2006.
    http://www.outrostempos.uema.br/OJS/inde...
    e Pereira (2016)PEREIRA, Larissa Freire. Faces do feitiço: os feiticeiros e suas práticas mágicas nas Minas setecentistas (1748-1821). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei. 2016..
  • 10
    Lemos (2003)LEMOS, Carmen Silva. A justiça local: os juízes ordinários e as devassas da Comarca de Vila Rica (1750-1808). Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2003. chama atenção para as devassas mistas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    1 Fev 2018
  • Aceito
    9 Ago 2018
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