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O coelho é a saúva: a proposta brasileira e o uso do vírus do mixoma (MYXV) contra a praga de coelhos na Austrália, 1896-1952

Rabbits and leaf-cutting ants: the Brazilian plan to use the myxoma virus (MYXV) against rabbit plagues in Australia, 1896–1952

Resumo

O artigo analisa a singularidade dos processos históricos, científicos e políticos que vão da descoberta da doença que passou a ser conhecida como mixomatose infecciosa, causada pelo vírus do mixoma (MYXV), à sua aplicação no controle de uma praga de coelhos na Austrália. A narrativa segue especialmente as pesquisas de Henrique de Beaurepaire Aragão, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, e posteriormente os esforços da cientista Jean Macnamara para promover pesquisas e implementar o MYXV na Austrália. Foram consultadas notas de pesquisa de cientistas, documentos oficiais que registraram o desenvolvimento dos experimentos, bem como periódicos. Nesse processo, foi considerado o desenvolvimento histórico do campo de estudos da virologia e controle biológico.

mixomatose infecciosa; Austrália; coelhos; controle biológico; MYXV

Abstract

This article analyzes the singularity of historical, scientific, and political processes from the discovery of the disease caused by the myxoma virus (MYXV) that came to be known as infectious myxomatosis to the application of this virus against a plague of rabbits in Australia. This narrative focuses on research by Henrique de Beaurepaire Aragão, a researcher at the Oswaldo Cruz Institute, and later efforts by the scientist Jean Macnamara to promote studies and implement MYXV in Australia. The scientists’ research notes were consulted, along with official documents recording the experiments and periodicals. In this process, the historical development of virology and biological controls as a field of study was also considered.

infectious myxomatosis; Australia; rabbits; biological control; MYXV

O perigo aqui é confundir criação com controle. Apenas porque podemos criar e manipular as coisas, não significa necessariamente que nós conseguimos controlar as nossas criações.

Patricia Piccinini (19 fev. 2006)

Não exagero quando digo que o solo literalmente se movia. A quantidade de coelhos era tão grande que, se você caminhasse pelo campo, teria a sensação de que o pasto caminhava junto.

Bill McDonald (O vírus..., 27 maio 2018).

O coelho-bravo, também chamado de coelho doméstico europeu (Oryctolagus cuniculus), foi introduzido na Austrália em meados do século XIX para servir como caça recreativa. Porém, passou a se reproduzir de forma desenfreada, causando grande prejuízo para as atividades rurais a partir do início do século XX. Embora o uso de um possível patógeno para o controle biológico dessa espécie tenha sido discutido desde o início do século XX, a implementação de uma solução de tal natureza só se deu de forma abrangente a partir de 1951, com o uso do vírus da mixomatose (MYXV).

O presente artigo investiga, a partir da história das ciências, em especial da virologia e estudos dos animais, os caminhos científicos, políticos e ecológicos que fizeram um vírus descoberto ao acaso, na América do Sul, ter se tornado um caso sem precedentes no controle biológico de vertebrados. Vamos analisar os processos históricos que fizeram do MYXV um objeto para o campo das pesquisas com vírus no início do século XX, os impasses políticos e científicos do seu uso como agente de controle biológico e como esses estudos promoveram o desenvolvimento dos campos da imunologia e virologia a partir do trabalho de cientistas brasileiros e australianos (Kerr, Hall, Strive, 2021; Fenner, 2006FENNER, Frank. Nature, nurture and chance: the lives of Frank and Charles Fenner. Canberra: ANU Press, 2006.).

A mixomatose foi reconhecida em 1896 no Uruguai após ter devastado uma colônia de coelhos que eram utilizados para experimentos no laboratório do cientista italiano Giuseppe Sanarelli. Definido por Sanarelli como vírus myxomatosum cuniculi, esse patógeno tornou-se notório no início do século XX por afetar apenas coelhos, sendo especialmente letal para o coelho-bravo. Estudos sobre esse vírus foram iniciados no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) por acaso, após um coelho infectado chegar ao biotério da instituição. Em 1918, Henrique de Beaurepaire Aragão,1 a partir dos estudos de Sanarelli e dos experimentos realizados no IOC, propôs pela primeira vez o uso do MYXV para a eliminação de pragas de coelhos na Argentina e na Austrália, afirmando que a praga de coelhos na Austrália equivaleria à praga de saúvas no Brasil (Aragão, 1952ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem. A mixomatose dos coelhos na Austrália. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.1, n.4, p.1-4, 1952.).

Os testes de campo realizados pelo Council for Scientific and Industrial Research (CSIR)2 da Austrália entre 1937 e 1944 não tiveram sucesso, mas a partir de 1949, quando foram retomados, levaram a resultados surpreendentes, havendo uma grande redução na população de coelhos a partir de 1951. O papel político e científico de Jean Macnamara, cientista australiana mais reconhecida por suas pesquisas sobre poliomielite, foi fundamental na reabilitação do MYXV como solução (Smith, 1986SMITH, Ann G. Macnamara, Dame Annie Jean (1899-1968). In: National Centre of Biography/Australian National University. Australian dictionary of biography, 1986. Disponível em: http://adb.anu.edu.au/biography/macnamara-dame-annie-jean-7427/text12927. Acesso em: 13 jan. 2021.
http://adb.anu.edu.au/biography/macnamar...
).

O impacto do MYXV na população de coelhos decaiu com os anos devido a uma diminuição da virulência e à adaptação dos coelhos. Essa possibilidade de adaptação foi prevista por cientistas que fizeram o balanço dos eventos epizoóticos (distribuição dos casos na população de coelhos) entre 1950 e 1952, como Francis Noble Ratcliffe, da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO) e Frank Fenner da Australian National University (ANU). A atenuação do MYXV e a emergência da resistência dos coelhos contra esse patógeno ao longo dos anos são consideradas parte de um processo exemplar de coevolução entre hospedeiro e patógeno que pôde ser acompanhado ao longo do seu desenvolvimento (Ratcliffe et al., 1952RATCLIFFE, F.N. et al. Myxomatosis in Australia: a step towards the biological control of the rabbit. Nature, v.170, p.7-19, 1952.; Fenner, Marshall, Woodroofe, 1953).

O estudo do MYXV como patógeno que, se devidamente aplicado em campo, poderia produzir uma epizootia, está intimamente relacionado ao processo que liga o desenvolvimento das pesquisas com vírus no início do século XX à ideia de controle biológico de animais vertebrados na segunda metade do mesmo século e aos estudos contemporâneos relacionados à adaptação imunológica (Fenner, Fantini, 1999; Kerr, Hall, Strive, 2021; Alves et al., 2019ALVES, Joel M. et al. Parallel adaptation of rabbit populations to myxomavirus. Science, v.363, n.6433, p.1319-1326, 2019.). O emprego do MYXV, bem como do RHDV (acrônimo em inglês para Rabbit Hemorrhagic Disease Virus) – o vírus da doença hemorrágica dos coelhos, que se espalhou de forma acidental em meados dos anos 1990 pela Austrália –, são casos exemplares do uso de vírus para controle biológico em escala continental (Kerr, Hall, Strive, 2021).

Inicialmente, o coelho-bravo chegou à Austrália levado pelos colonos europeus ao final do século XVIII, porém, o alastramento incontrolável da espécie é atribuído ao seu uso com finalidade de caça em meados do século XIX (Bartrip, 2008BARTRIP, Peter W. J. Myxomatosis: a history of pest control and the rabbit. New York: Tauris Academic Studies, 2008.). A noção de praga ganhou força no início do século XX, quando a expressão grey blanket (cobertor cinza) passou a ser utilizada para definir a população de coelhos que devastava os campos australianos (Fenner, Fantini, 1999, p.30). A história do MYXV como objeto científico e o seu entrelaçamento na história de animais, sejam coelhos, pulgas ou mosquitos, como veremos a seguir, se orienta por tendências contemporâneas que compreendem os processos históricos como repletos de objetos atuantes em múltiplos agenciamentos, humanos e não humanos (Maia, 2017MAIA, Carlos Alvarez. Agência material recíproca: uma ecologia para os estudos de ciência. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.2, p.447-464, 2017.). A nossa abordagem também é inspirada pelos estudos multiespécies nas humanidades, uma vez que se trata de “organismos cujas vidas e mortes estão ligadas ao mundo social humano” (Kirksey, Helmreich, 2010, p.545).3

Como aponta Harriet Ritvo (2002RITVO, Harriet. History and animal studies. Society and Animals, v.10, n.4, p.403-406, 2002., p.406), o estudo histórico e multidisciplinar dos animais se intensificou a partir do início do século XXI com foco na relação “entre cientistas (sejam zoólogos, naturalistas ou fisiologistas) e os animais que eles estudam”. A aproximação dos estudos dos animais com os estudos das ciências se deu em um contexto de redefinição da ideia de objeto, que passou a ser considerado um elemento ativo nas narrativas possíveis. O sentido de agenciamento recíproco, como aponta Carlos Alvarez Maia (2017MAIA, Carlos Alvarez. Agência material recíproca: uma ecologia para os estudos de ciência. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.2, p.447-464, 2017., p.460) em sua abordagem aos estudos das ciências, compreende que “coisas, pessoas e objetos são, todos, agentes ativos”, por isso mesmo desafiam a divisão entre natureza e cultura, e atravessam tanto o material quanto o simbólico. A aproximação de historiadores a esses “objetos desobedientes”, que atravessam as ciências da natureza, ciências humanas e sociais, não está separada dos desafios dos estudos de animais, plantas e coisas como elementos atuantes na história, como analisa Ewa Domanska (2021DOMANSKA, Ewa. The paradigm shift in the contemporary humanities and social sciences. In: Kuukkanen, Jouni-Matti (ed.). Philosophy of history: twenty-first-century perspectives. London: Bloomsbury, 2021. p.180-197., p.187).

A noção de “praga” é antropocêntrica e enquadra a proliferação de determinada espécie como um elemento indesejável e danoso. É uma expressão circunscrita a limites históricos relacionados ao desenvolvimento da agricultura, sendo, sobretudo, parte da história da relação do ser humano com o uso da terra e da sua relação com animais considerados prejudiciais ao cultivo e armazenamento de alimentos. Situar essa perspectiva histórica em relação ao coelho-bravo é importante, uma vez que, devido à sua grande capacidade de se reproduzir e de ocupar os espaços rurais da Austrália, essa espécie passou a afetar aspectos ecológicos e econômicos de grandes extensões geográficas, o que levou às especulações sobre a possibilidade de um controle biológico factível a partir do uso do MYXV (Fenner, Fantini, 1999).

Embora os conceitos de coexistência, parcerias entre espécies e de intimidade compartilhada sejam importantes nos estudos dos animais em propostas mais recentes, suas limitações se encontram quando determinadas espécies são consideradas indesejáveis e danosas aos seres humanos. No enquadramento de animais como vilões epidêmicos na antropologia e na história, como proposto por Christos Lynteris (2019LYNTERIS, Christos. Introduction: Infectious animals and epidemic blame. In: Lynteris, Christos (ed.). Framing animals as epidemic villains. London: Palgrave Macmillan, 2019. p.1-25., p.2), as construções inspiradas no entrelaçamento harmônico e nas espécies companheiras “se desmancham no ar” dando lugar às iniciativas de separação, erradicação e expurgo. Uma abordagem equivalente é clara no caso australiano: mesmo o coelho-bravo não tendo sido enquadrado como um vilão epidêmico (pois não transmite patógenos), ele se torna uma espécie exótica invasora, ou seja, uma espécie fora de sua distribuição natural, que ameaça outras espécies, o ecossistema e a economia local.

É importante destacar que os principais referenciais historiográficos sobre o mixoma foram escritos por pesquisadores que participaram, e que em alguns casos ainda participam, de forma ativa em debates sobre o tema. O livro Biological control of vertebrate pests: the history of myxomatosis, an experiment in evolution, escrito por Frank Fenner e Bernardino Fantini, publicado em 1999, talvez seja a análise mais extensa já publicada sobre o MYXV do ponto de vista da história de seu desenvolvimento científico. O livro Myxomatosis: a history of pest control and the rabbit, de Peter Bartrip, publicado em 2008, também cobre a trajetória histórica do MYXV, porém tem como principal foco questões políticas e econômicas sobre o controle da população de coelhos na Grã-Bretanha a partir do caso australiano. A trajetória do MYXV, de um patógeno pouco conhecido no início do século XX até a sua transição como elemento que permitiu um controle biológico sem precedentes de animais vertebrados, é um tema pouco explorado por historiadores, principalmente no que diz respeito às análises de Henrique B. Aragão sobre a proposta de viabilidade do emprego do MYXV para o controle de coelhos no início do século XX e aos desafios político-científicos das propostas de Macnamara para a pesquisa e implementação desse vírus como controle biológico na Austrália.

Os primeiros estudos com o vírus e a proposta de Henrique Aragão

No dia 30 de outubro de 1952, o Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, publicou um artigo com o seguinte título: “Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem: a mixomatose dos coelhos na Austrália”. De autoria do doutor Henrique de Beaurepaire Aragão, o texto contava em tom otimista o que era o chamado “mixoma dos coelhos”, falava das pesquisas feitas com o vírus causador da doença e apresentava a situação dos coelhos na Austrália. Aragão prometia demonstrar, logo no início de seu artigo, que, embora parecesse paradoxal, era possível converter doenças e insetos, vistos como agentes prejudiciais, em algo contrário a isso. A doença, que clinicamente se caracterizava por “intensa blefaro-conjuntivite, pelo aparecimento de tumores de consistência e aspecto lardácio-gelatinosos em várias partes do corpo, pela febre, dispneia e emagrecimento do animal” (Aragão, 1952, p.1), já era objeto de estudos no instituto desde 1911, e, na época em que Aragão escrevia, vários trabalhos já tinham sido publicados pelos pesquisadores do IOC. Além disso, um histórico de trocas científicas e materiais já estava estabelecido entre alguns pesquisadores do IOC e as autoridades da CSIRO da Austrália. Fato é que, segundo Aragão, a doença de coelhos no Brasil poderia ser a salvação para um dos maiores problemas ecológicos da Austrália.

Após cinco experiências realizadas durante 1918, um relatório foi redigido e enviado às autoridades australianas no ano seguinte. O relatório dos pesquisadores do IOC despertou interesse pela originalidade da proposta, mas também críticas com relação à eficácia da doença no extermínio dos coelhos e a possibilidade de o vírus afetar outros animais da fauna australiana. Para Aragão, a ideia de utilizar uma epizootia desconhecida num outro país, disseminando o vírus através de uma área de mais de um milhão de milhas quadradas, “era coisa revolucionária demais para ser aceita sem algumas objeções muito sensatas e razoáveis”. Era necessário provar que o agente etiológico do mixoma que seria remetido à Austrália não seria contaminado por outro microrganismo, a respeito do que, segundo Aragão (1952, p.2): “não nos foi difícil tranquilizar as autoridades do Departamento de Agricultura do Estado de Nova Gales do Sul”.

Após as autoridades australianas aceitarem a proposta de Aragão, a primeira tentativa de envio do vírus falhou devido à longa distância da viagem entre o Brasil e a Austrália, que era feita somente por navio. Em 1926, entretanto, outra remessa chegou com êxito, tendo sido confirmada a sua virulência nos coelhos australianos e a sua inocuidade para outros animais. A etapa seguinte desse processo passou por novas experiências feitas em Manguinhos, que atestaram que a doença poderia ser transmitida por vetores como pulgas e mosquitos. Essas pesquisas, que confirmaram a transmissão do vírus por artrópodes “de um modo puramente mecânico”, foram depois confirmadas pelo cientista australiano Frank Fenner. O que ocorreu, entretanto, ao longo das décadas de 1930 e 1940, foi uma série de tentativas frustradas, dado que o vírus do mixoma possuía “todas as suas qualidades infectantes e letais” no laboratório e nos cercados, mas no campo “os resultados não correspondiam às expectativas” (Aragão, 1952ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem. A mixomatose dos coelhos na Austrália. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.1, n.4, p.1-4, 1952., p.3). Em 1950, o Wildlife Survey da CSIRO iniciou novas experiências de campo que finalmente teriam tido êxito: “Em três meses essa extraordinária epizootia tinha invadido uma área de cerca de 800 mil milhas quadradas, com uma mortalidade avaliada em muitos milhões de coelhos” (Aragão, 1952ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem. A mixomatose dos coelhos na Austrália. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.1, n.4, p.1-4, 1952., p.3). As novas epizootias continuaram com intensidade, segundo Aragão, até o momento da escrita de seu texto. Além disso, os relatórios que atestavam os seus resultados chegaram até o presidente do Conselho Nacional de Pesquisas do Brasil, almirante Álvaro Alberto, e a repercussão da situação australiana chegou até o jornal norte-americano The New York Times.4 Aragão também comentou com satisfação que a primeira publicação científica sobre as epizootias australianas de 1950 e 1952 acabava de ser publicada na revista Nature, em sua edição de 5 de julho de 1952.

Feita essa breve passagem que antecipa o sucesso do uso do MYXV, é importante apresentar alguns detalhes sobre a pesquisa de Aragão e o modo como esse vírus mobilizou a imaginação do cientista brasileiro diante do grande problema econômico e ecológico que o coelho-bravo representava para a Austrália.

O relato do criador de animais Bill McDonald, apresentado na epígrafe deste artigo ajuda a entender a dimensão que o coelho-bravo ocupava na zona rural australiana: “Não exagero quando digo que o solo literalmente se movia. A quantidade de coelhos era tão grande que, se você caminhasse pelo campo, teria a sensação de que o pasto caminhava junto” (O vírus..., 27 maio 2018).

Embora o comércio de peles e carne de coelhos fosse bastante rentável, cerca de seis milhões de libras anuais, o prejuízo causado pela praga de coelhos passava dos cinquenta milhões de libras. Nesse sentido, para Aragão (1952ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem. A mixomatose dos coelhos na Austrália. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.1, n.4, p.1-4, 1952., p.2), “o coelho é para a Austrália o que a formiga saúva representa para o Brasil”. Essa analogia, feita a partir de dados econômicos, bem como todo o êxito e a repercussão das experiências com o MYXV na Austrália, expressa certo protagonismo dos brasileiros do IOC num problema que já se arrastava por mais de um século naquele outro continente.

A comparação entre os coelhos e as saúvas feita por Aragão é apropriada. Na década de 1930, as formigas saúvas (Atta spp.) ganharam projeção no Brasil com as campanhas de erradicação, figurando como um ponto importante da agenda entomológica e agronômica do período. O agrônomo e entomólogo Luiz Augusto de Azevedo Marques, responsável pela redação do projeto relativo à Campanha Nacional contra a saúva de 1935, lançou mão de estatísticas que evidenciavam as perdas ocasionadas pelas formigas, cerca de “dez por cento da produção agrária do país” (Silva, 2010SILVA, Valéria Mara. O Brasil contra a saúva: considerações sobre a Campanha Nacional de 1935. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, v.23, n.2, p.563-580, 2010., p.567).

De acordo com Valéria Mara Silva (2010)SILVA, Valéria Mara. O Brasil contra a saúva: considerações sobre a Campanha Nacional de 1935. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, v.23, n.2, p.563-580, 2010., embora os agrônomos tivessem predileção pelo uso de produtos químicos na contenção da praga, fungos, bactérias e animais como tatus e outras espécies de formigas foram algumas das alternativas empregadas. Embora o caso das formigas seja interessante, já existindo, aliás, uma historiografia que apresenta outros aspectos ligados a esse grupo animal, como a sua agência na história agrária do Brasil (Cabral, 2015CABRAL, Diogo de Carvalho. Into the bowels of tropical earth: leaf-cutting ants and the colonial making of agrarian Brazil. Journal of Historical Geography, v.50, p.92-105, 2015.) ou as análises naturalistas sobre as suas propriedades terapêuticas e outras utilidades (Capozzi, 2020CAPOZZI, Rebeca. Formigas, ovos e formigueiros: uma análise sobre as propriedades terapêuticas e a utilidade dos animais em Paraguay Natural Ilustrado (1771-1776). Temporalidades, v.11, n.3, p.135-155, 2020.), trabalhos como o de André Felipe Cândido da Silva evidenciam como outras pragas, como a broca-do-café, causada por um inseto do gênero Stephanoderes, ainda na década de 1920, também mobilizaram uma ampla rede de atores, um aparato de pesquisa, fiscalização e divulgação científica que levou à criação do Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, em 1927 (Silva, 2006SILVA, André Felipe Cândido da. A campanha contra a broca-do-café em São Paulo, 1924-1927. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.13, n.4, p.957-993, 2006.). Nesse sentido, há um histórico constituído pela relação entre cientistas, animais e preocupações políticas e econômicas, do qual a história do mixoma dos coelhos também faz parte.

Como mostra Regina Horta Duarte (2020DUARTE, Regina Horta. Aliança e submissão, extinções e resiliências: caminhos entrecruzados da sociedade brasileira e animais. Brésil(s): Sciences Humaines et Sociales, v.10, p.1-15, 2020., p.4), os animais na história também estão presentes em processos que os definem como “inimigos da Nação”, representando desafios sanitários, políticos e científicos. Dessa forma, Aragão, ao apontar a praga de coelhos na Austrália como o equivalente à formiga saúva no Brasil, oferecendo o uso do MYXV como solução, também iniciou uma proposta de experimentação, colocando o coelho no centro de uma narrativa que reconhece, sobretudo, a capacidade da população de coelhos em desorganizar uma ordem ecológica e econômica desejável. O coelho-bravo é um elemento ativo dessa história, uma vez que, apesar dos ideais de controle e manipulação da natureza, se tornou uma força sem precedentes, afetando aspectos econômicos, sociais e políticos em grande escala.

O coelho-bravo, levado da Europa para a Austrália para servir de objeto de caça recreativa, seguiu sua tendência reprodutiva baseado nas condições ecológicas locais e passou a ser lido de uma forma radicalmente diferente. Dada a sua grande proliferação, essa espécie deixou de ser considerada o componente de atividade recreativa de caça de colonizadores abastados para se tornar o “cobertor cinza”, uma praga. Durante a primeira metade do século XX, cercas de telas de arame, venenos e gases tóxicos, armadilhas e até mesmo animais como cães adaptados à caça ao coelho e raposas europeias foram alguns dos métodos utilizados contra a praga de coelhos, sempre sem sucesso (Fenner, Fantini, 1999).

A proposta inusitada de um cientista brasileiro, que vinha junto de seus colegas realizando pesquisas com esse vírus, foi vista, assim, como a melhor solução contra esse problema, ainda que no início as autoridades australianas tivessem receio de suas consequências. Segundo Aragão (1927)ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927., a epizootia já era conhecida pelos criadores de coelhos da região de Montevidéu quando foi identificada por Sanarelli. O reconhecimento da doença pelo cientista italiano ocorreu quando uma colônia de coelhos de laboratório foi devastada pelo vírus (Fenner, 1959FENNER, Frank. Myxomatosis. British Medical Bulletin, v.15, n.3, p.240-245, 1959., p.240). Sanarelli deu ao vírus o nome de vírus myxomatosum cuniculi e à doença o nome de mixoma dos coelhos, devido ao seu entendimento de que os tumores gerados eram constituídos por tecidos de natureza “mixomatosa”. O vírus também era, na visão de Sanarelli, semelhante ao da raiva. Em pouco tempo, o trabalho do cientista italiano passou a nortear outros trabalhos, como os do Instituto Oswaldo Cruz, que em vários pontos retornavam a Sanarelli, aprofundando ou rebatendo algumas de suas observações.

Ao longo de todo o século XIX, o termo vírus correspondeu a algo de natureza desconhecida, um veneno – como o significado no latim clássico da palavra virus –, capaz de transmitir doenças. Com o advento da bacteriologia, o termo manteve seu significado genérico, ou seja, o de um produto patogênico, um material infectante ou uma substância tóxica inespecífica (Benchimol, 2006BENCHIMOL, Jaime. Adolpho Lutz e o surgimento da virologia. In: Benchimol, Jaime; Sá, Magali Romero. Adolpho Lutz e a entomologia médica no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. p.185-203.). Em 1891, o botânico russo Dmitri Ivanovski demonstrou que um patógeno poderia ser “inframicroscópico”. O cientista passou um líquido, contendo material de planta infectada com a doença do mosaico do tabaco, por um filtro de porcelana e demonstrou que esse líquido não perdia a sua virulência. Sete anos depois, seu colega holandês Martinus Willem Beijerinck confirmou esses achados e anunciou que o agente, que chamou de contagium vivum fluidum, mantinha a sua virulência após a passagem pelo filtro e a secagem do material. No mesmo ano, em 1898, Friedrich Löffler e Paul Frosch descobriram que o vírus da febre aftosa também era filtrável. Após essas descobertas, o fenômeno da filtrabilidade foi demonstrado para os agentes causadores de várias outras doenças, como a febre amarela e a raiva (Grmek, 1990GRMEK, Mirko.History of Aids: emergence and origin of a modern pandemic. New Jersey: Princeton University Press, 1990.). Assim, o conceito de “vírus filtráveis” passou a frequentar os laboratórios de bacteriologia como algo diferente de uma bactéria, definido pelos instrumentos utilizados no seu isolamento, como os filtros Chamberland ou Berkefeld, e por outras propriedades negativas: a invisibilidade por métodos microscópicos comuns, a falha na retenção por filtros bacterianos e a incapacidade de propagação na ausência de células suscetíveis. De acordo com Van Helvoort (1994)VAN HELVOORT, Ton. History of vírus research in the twentieth century: the problem of conceptual continuity. History of Science, v.32, n.1, p.185-235, 1994., a única característica positiva para a identificação dos vírus filtráveis era justamente a sua infecciosidade no organismo hospedeiro, evidenciada por meio da multiplicação do vírus e da observação das consequências da infecção em animais de laboratório. Foi nesse sentido que no Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Madri, em 1898, Sanarelli anunciou a descoberta do que ele chamou de virus myxomatosum cuniculi (Aragão, 1927ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927.). No mesmo evento, Edmond-Isidore Etienne Nocard e Émile Roux, do Instituto Pasteur de Paris, também divulgaram outro “vírus filtrável”, causador da pleuropneumonia bovina (Benchimol, 2006BENCHIMOL, Jaime. Adolpho Lutz e o surgimento da virologia. In: Benchimol, Jaime; Sá, Magali Romero. Adolpho Lutz e a entomologia médica no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. p.185-203.).

Em 1911, Arthur Moses publicou o primeiro artigo sobre o tema no Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Em seu trabalho, Moses (1911MOSES, Arthur. O vírus do mixoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.3, n.1, p.46-53, 1911., p.51) narra a origem dos estudos da doença no IOC como algo acidental, após um coelho com o vírus ser introduzido no instituto, e conclui que o “mixoma é moléstia que exclusivamente acomete aos coelhos, sendo sempre mortal a infecção. São refratários os pequenos animais de laboratório e animais domésticos comuns”, mesmo quando submetidos a altas doses de material virulento.

Arthur Moses apontou para uma divergência em relação à conclusão de Sanarelli, de que a transmissão da moléstia por via digestiva poderia ocorrer facilmente. Utilizando cápsulas de gelatina e introduzindo soro ou extrato de tumores, o cientista do IOC não chegava à mesma conclusão. A “porta de entrada” mais comum para o vírus seria, assim, por via cutânea, por contato. Divergindo também de Splendore, que havia publicado em 1908, Moses (1911MOSES, Arthur. O vírus do mixoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.3, n.1, p.46-53, 1911., p.49) afirmava não ter sido possível averiguar a presença de inclusões parecidas com as do tracoma nas células “mixomatosas” e em leucócitos. Em relação às propriedades biológicas do vírus, o autor relata a execução de uma série de testes químicos e de temperatura, feitos com o objetivo de verificar em quais condições o vírus podia ser inativado, a quais condições o vírus resistia, e quais alterações o vírus sofria com a aplicação de determinados agentes químicos. Moses concluiu ser o coelho-do-mato (Lepus brasiliensis) mais resistente à infecção, enquanto o doméstico não apresentaria imunidade natural. Alguns testes foram feitos buscando encontrar a “imunidade passiva” ao vírus. Os trabalhos com imunização foram todos improfícuos (Moses, 1911MOSES, Arthur. O vírus do mixoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.3, n.1, p.46-53, 1911., p.53).

O trabalho pioneiro de Moses, publicado simultaneamente em português e em alemão, como era comum no periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, reflete o estágio dos estudos com vírus em geral na época, com a utilização das técnicas de filtração, tentativas frustradas de cultivo in vitro e observação microscópica. Demonstra também como o tema do mixoma dos coelhos foi, junto da varíola e da febre amarela, um dos poucos impulsos para as pesquisas com vírus no Brasil nas primeiras décadas do século XX, constituindo parte da história da virologia no país (Lara, 2020LARA, Jorge Tibilletti de. A virologia no Instituto Oswaldo Cruz e a emergência da dengue como problema científico. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.). Moses dialogou com apenas dois outros autores que haviam escrito sobre o mixoma, Sanarelli (1898)SANARELLI, Giuseppe. Das myxomatogene Virus: Beitrag zum Studium der Krankheitserreger ausserhalb des Sichtbaren (Vorläufige Mitteilung). Centralblatt für Bakteriologie, v.23, n.20, p.865-873, 1898. e Splendore (1908)SPLENDORE, A. Il virus mixomatoso dei conigli: nota preventiva. Revista da Sociedade Científica de São Paulo, n.1-2, p.13-15, 1908., e propôs a continuidade desses estudos no IOC, focando a análise das lesões anatomopatológicas dos coelhos.

Foi por meio dos estudos em anatomopatologia que em 1927, no segundo artigo sobre o tema publicado em Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Henrique Aragão (1927ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927., p.226) afirmou ser equivocada a terminologia cunhada por Sanarelli: “Os tumores que se formam no tecido celular subcutâneo dos animais atacados não são realmente de tecido mixomatoso, mas sim de natureza edematosa”. Assim, propôs o nome vírus edematosum cuniculi, para se adequar melhor à natureza das lesões. Outra mudança proposta por Aragão era relacionada ao nome dado às inclusões celulares do vírus. Na época, alguns dos efeitos citopáticos eram categorizados como fases da infecção viral e identificados microscopicamente como clamidozoários ou estrongiloplasmas, sendo às vezes confundidos com os próprios vírus, que ainda não podiam ser observados devido à ausência do microscópio eletrônico na paisagem dos laboratórios (Lara, 2020LARA, Jorge Tibilletti de. A virologia no Instituto Oswaldo Cruz e a emergência da dengue como problema científico. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.). Nos experimentos de Aragão, assim como em Moses, as semelhanças apontadas por Splendore (1908)SPLENDORE, A. Il virus mixomatoso dei conigli: nota preventiva. Revista da Sociedade Científica de São Paulo, n.1-2, p.13-15, 1908. entre as inclusões do mixoma e do tracoma, “denominadas clamidozoários”, não puderam ser confirmadas. Aragão associava os efeitos celulares do mixoma com “o micróbio da varíola, molluscum contagiosum, epitelioma das aves etc.”, e, assim sendo, o “micróbio do mixoma” deveria pertencer aos estrongiloplasmas, “e deveria ser denominado Strongyloplasma myxomae, em substituição ao [nome] de Chlamydozoon mixomae que anteriormente lhe demos” (Aragão, 1927ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927., p.231).

Os diagnósticos estabelecidos por Aragão, baseados em seus experimentos no IOC, podem indicar a tentativa de manter-se à frente dos estudos sobre o mixoma, que começavam a ganhar maior dimensão no final da década de 1920 (Hobbs, 1928HOBBS, Joseph. Studies on the nature of the infectious myxoma vírus of rabbits. American Journal of Epidemiology, v.8, n.5, p.800-839, 1928.). Além disso, os vírus enviados por Aragão haviam chegado no ano anterior à Austrália (Aragão, 1952), o que pode ter impulsionado a continuação dos trabalhos com o vírus no IOC, que contava apenas com a publicação solitária de Moses em 1911MOSES, Arthur. O vírus do mixoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.3, n.1, p.46-53, 1911..

Em seu artigo de 1927, Aragão apresenta pela primeira vez a possibilidade de “animais sugadores” propagarem a doença, a partir de sua consideração sobre o fato de o vírus circular no sangue. Os primeiros animais visados para esses experimentos foram as pulgas (Stenopsyllas felis), por ser mais comuns nos coelhos. Embora tenha sido possível confirmar a transmissão do vírus pelas pulgas, Aragão acabou considerando que a transmissão pudesse ser excepcional, devido ao pequeno número de resultados positivos obtidos. Para Aragão (1927, p.230), o vírus não evoluía nem se multiplicava na pulga. Mesmo assim, nenhuma menção ainda havia sido feita aos mosquitos. De qualquer modo, o cientista concluiu seu artigo aparentemente entusiasmado com as experiências que começavam na Austrália.

Um ano após a publicação de Aragão, Joseph R. Hobbs, do Departamento de Vírus Filtráveis da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, publicou na American Journal of Epidemiology um extenso artigo sobre o tema. Visitando vários pontos já abordados, como a filtrabilidade do vírus, o modo do contágio, a distribuição, suscetibilidades, imunidade e histopatologia, Hobbs (1928HOBBS, Joseph. Studies on the nature of the infectious myxoma vírus of rabbits. American Journal of Epidemiology, v.8, n.5, p.800-839, 1928., p.800-807) comenta o fato de o tema ser estudado por Sanarelli e “pesquisadores sul-americanos”, mas, ainda assim, ter sido pouco estudado por outros pesquisadores, sendo que “há certos aspectos de sua natureza que a tornam uma infecção muito interessante”. Apresentando uma revisão geral dos trabalhos sobre o tema, Hobbs deixa claro, mais uma vez, como nessa época pareciam ser os brasileiros a principal referência.

Hobbs aborda aspectos que só futuramente seriam estudados no IOC, como a suscetibilidade do vírus à radiação (Lagoa, 1952LAGOA, Francisco de Paula da Rocha. Modificação da virulência do vírus do mixoma provocada pelos raios X. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.50, p.197-204, 1952.), e outros que já eram conhecidos na prática (Moses, 1911MOSES, Arthur. O vírus do mixoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.3, n.1, p.46-53, 1911.; Aragão, 1927ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927.), como a especificidade imunológica do vírus, mas que seriam aprofundados apenas no final da década de 1950 com os estudos sobre imunologia e resistência genética (Fenner, Marshall, 1955; Fenner, 1956FENNER, Frank. Evolutionary aspects of myxomatosis in Australia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.54, n.1, p.269-278, 1956., 1959FENNER, Frank. Myxomatosis. British Medical Bulletin, v.15, n.3, p.240-245, 1959.). Aponta também que o vírus ainda não podia ser cultivado, “a menos que a cultura de tecidos seja considerada um meio de cultivo” (Hobbs, 1928HOBBS, Joseph. Studies on the nature of the infectious myxoma vírus of rabbits. American Journal of Epidemiology, v.8, n.5, p.800-839, 1928.), o que reflete o momento pelo qual passavam as pesquisas com vírus, que apenas a partir da década de 1930 começariam a adotar o cultivo de vírus em cultura de tecidos (Lara, 2020LARA, Jorge Tibilletti de. A virologia no Instituto Oswaldo Cruz e a emergência da dengue como problema científico. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.).

Em 1943, outro artigo de Henrique Aragão foi publicado em Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Intitulado “O vírus do mixoma no coelho-do-mato (Sylvilagus minenses), sua transmissão pelos Aedes scapularis e aegypti”, o texto dava continuidade à primeira ideia de transmissão do vírus pelas pulgas (Aragão, 1927ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927.), mas agora com o foco nos mosquitos. Aragão (1943ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. O vírus do mixoma no coelho do mato (Sylvilagus minenses), sua transmissão pelos Aedes scapularis e aegypti. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.38, n.1, p.93-99, 1943., p.94) cita o trabalho de Sylvio Torres (1936)TORRES, Sylvio. Transmissão da mixomatose dos coelhos pelo Culex quinquefaciatus. Boletim da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária, v.6, p.4-6, 1936., que já havia provado que o mosquito Culex fatigans possuía capacidade de transmitir o vírus, e afirma ter demonstrado a capacidade de transmissão do Aedes (Ochlerotatus) scapularis e Aedes (Stegomyia) aegypti.

As experiências de Aragão permitiram constatar que o vírus não se multiplicava no organismo dos mosquitos, mas que permanecia na sua tromba, de seis a 17 dias após picar um coelho infectado. O cientista estabeleceu aproximações do processo de transmissão “mecânica” do mosquito no caso do MYXV com outras doenças, como a bouba e o epitelioma das aves. Além disso, o modo de transmissão pelos mosquitos explicaria as “inesperadas epizootias” nas criações de coelhos domésticos e a frequência de epizootias do MYXV no verão, devido à abundância de mosquitos nesse período (Aragão, 1943, p.94). As intuições de Aragão sobre a transmissão mecânica por mosquitos se tornariam um componente fundamental alguns anos depois, mesmo que de forma inesperada, nos experimentos na Austrália.

Figura 1
: Tumor mixomatoso em coelho experimentalmente infectado pela picada de pulgas (Aragão, 1927ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Myxoma dos coelhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.20, n.2, p.225-235, 1927., p. 239)

Jean Macnamara e a praga de coelhos na Austrália

Como mencionado na primeira seção do artigo, Aragão enviou novas amostras de vírus do mixoma para a Austrália, recebidas em 1926. O material foi encaminhado ao NSW Department of Agriculture (Departamento de Agricultura do Estado de Nova Gales do Sul) para testes, e em 1927 foram realizados experimentos de transmissibilidade e especificidade pela estação de pesquisa veterinária em Glenfield. Porém, o diretor da estação, H.R. Seddon, duvidou que a doença fosse eliminar uma colônia inteira ou se espalhar de uma colônia para outra, sendo necessário realizar testes complementares. Em 1933, a pedido do CSIR, o fisiologista e patologista sir Charles Martin iniciou uma pesquisa sobre o potencial da mixomatose como uma arma biológica contra os coelhos (Bartrip, 2008BARTRIP, Peter W. J. Myxomatosis: a history of pest control and the rabbit. New York: Tauris Academic Studies, 2008.).

Os primeiros esforços na experimentação do mixoma devem muito à inspiração, entusiasmo e dedicação de Jean Macnamara, uma pediatra nascida em Melbourne, capital do estado de Victoria, na Austrália, reconhecida especialmente pelo seu trabalho com poliomielite, tanto no desenvolvimento da vacina quanto no trabalho de reabilitação dos acometidos. Em 1935, Macnamara recebeu o título de Dame Commander of the Order of the British Empire. É impossível falar do esforço de retomada das pesquisas com o mixoma do coelho sem passar pela trajetória de pesquisa de Macnamara e seu contato com os desafios virológicos e ecológicos que se impuseram aos estudiosos desse vírus (Smith, 1986SMITH, Ann G. Macnamara, Dame Annie Jean (1899-1968). In: National Centre of Biography/Australian National University. Australian dictionary of biography, 1986. Disponível em: http://adb.anu.edu.au/biography/macnamara-dame-annie-jean-7427/text12927. Acesso em: 13 jan. 2021.
http://adb.anu.edu.au/biography/macnamar...
).

Em 1933, com uma bolsa de pesquisas da Fundação Rockefeller, Macnamara viajou para os EUA e conheceu Richard Shope, que liderava pesquisas em um laboratório na Universidade de Princeton, em Nova Jersey. O Department of Animal and Plant Pathology for Medical Research, que abrigava o laboratório de Shope, era uma filial do Instituto Rockefeller (Fenner, 2006FENNER, Frank. Nature, nurture and chance: the lives of Frank and Charles Fenner. Canberra: ANU Press, 2006.). A bolsa de Macnamara durou cerca de 18 meses, e seu percurso de pesquisas, que também cobriu laboratórios no Canadá e na Grã-Bretanha, foi noticiado nos periódicos que acompanhavam as notícias sobre medicina e ciências, com informes sobre seus estudos relativos à poliomielite e até com comentários sobre as possíveis lições que a Austrália poderia aprender com a ciência de outros países a partir da experiência de Macnamara (Research Work…,16 mar. 1934).

Mesmo sem ter conhecimento prévio sobre a mixomatose (e sem saber dos esforços de cientistas brasileiros e australianos), Macnamara observou a possibilidade de a mixomatose ser uma solução para o problema de seu país ao observar estudos realizados por Richard Shope em Princeton (Bartrip, 2008BARTRIP, Peter W. J. Myxomatosis: a history of pest control and the rabbit. New York: Tauris Academic Studies, 2008.). De maneira específica, a investigação de Shope estava centrada nos tumores evidenciados nas criações de Sylvilagus floridanus (conhecidos como coelhos-de-cauda-de-algodão), que aparentemente eram causados por um poxvírus relacionado ao MYXV, nomeado por Shope vírus do fibroma (hoje conhecido como vírus do fibroma de Shope). Na emergência do surto epizoótico de mixomatose nas criações de O. cuniculus na Califórnia, Shope descobriu que o vírus do fibroma poderia proteger os coelhos contra a mixomatose (Fenner, 2006FENNER, Frank. Nature, nurture and chance: the lives of Frank and Charles Fenner. Canberra: ANU Press, 2006.).

A partir de suas observações no laboratório de Shope, apostando no sucesso do mixoma para o controle da população de coelhos, Macnamara incentivou as pesquisas sobre o MYXV com fins de extermínio do coelho na Austrália em dois momentos-chave: nos testes realizados nos anos 1930, que consideraram seu uso inviável e pouco eficiente, e posteriormente na retomada dos testes de campo em 1950, que levou a uma redução drástica no número de coelhos no ano seguinte.

A discussão sobre o uso de doenças para combater os coelhos não era exclusiva dos laboratórios, agências governamentais e cientistas. Ela ocorreu desde pelo menos o início do século XX em periódicos na Austrália, antes mesmo da identificação do MYXV realizado por pesquisadores do IOC em 1911. Nos periódicos australianos, o problema dos coelhos como praga e uma possível solução baseada em patógenos contava com comentários de especialistas e de criadores de animais, e era atravessado por preocupações com o custo-benefício de uma contaminação maciça de coelhos e com os riscos para humanos e outros animais. Um exemplo dessa discussão está em “The rabbit question”, no periódico Australian Town and Country Journal, em meados de 1906, que já colocava em discussão o uso de uma doença para controlar a “praga de coelhos”, advertindo que seria um erro apostar em tal solução (M’Kinney, 30 maio 1906, p.13), sendo ela muito arriscada.

Além de possuir uma boa articulação científica com renomados pesquisadores da época, Macnamara procurou defender a retomada das pesquisas sobre a mixomatose em periódicos de grande circulação, buscando explicar para o grande público os benefícios que o uso do vírus poderia ter para aliviar os fazendeiros da praga de coelhos em um momento em que a opinião pública estava bastante sensível ao problema (Ward, 21 mar. 2011).

Para afirmar o seu ponto de vista, Macnamara entrou em disputa com executivos do CSIR que discordavam da viabilidade de retomar as pesquisas com o vírus do mixoma ao final dos anos 1940. Em especial, houve intensa troca de argumentos entre Macnamara e Lionel Batley Bull que, juntamente com William Mules, conduziu testes com o mixoma em 1937, concluindo que o mixoma não poderia ser adotado de forma generalizada nas condições naturais que a Austrália apresentava (Bull, Mules, 1944).

Peter Kerr, pesquisador atuante no estudo do MYXV e ex-funcionário da CSIRO, afirmou recentemente em entrevista para o jornalista Tim Lee (7 ago. 2020), que Macnamara deve ter sido “uma força da natureza” pela sua energia na defesa sobre suas ideias em relação ao mixoma. Macnamara também é descrita por Fenner e Fantini como uma pediatra “cientificamente capaz e politicamente astuta” (Fenner, Fantini, 1999, p.119). Talvez um dos registros mais significativos do empenho de Macnamara sobre o problema do mixoma esteja nas suas análises para reabilitar o mixoma com solução para a praga de coelhos nos periódicos australianos. Em “Should rabbit disease have a second chance?”, um artigo de mais de 1.700 palavras escrito por Macnamara para o periódico The Adelaide Chronicle, publicado em 26 de maio de 1949, há uma forte defesa da retomada dos testes com o MYXV. Macnamara descreve rapidamente como sua trajetória a levou aos estudos da mixomatose e remete à bolsa de pesquisas da Fundação Rockefeller para uma viagem de estudos sobre a poliomielite (1931-1933) e seu encontro com Richard Shope. A pesquisadora indica que os dados obtidos nos estudos anteriores, realizados nos anos 1930 e 1940 pelos especialistas do CSIR, não foram suficientes para desqualificar o MYXV como solução para a praga de coelhos. Seu principal argumento é que os experimentos conduzidos pelo CSIR foram abandonados de maneira precipitada e que não foram usadas áreas privilegiadas nem considerados de forma apropriada a virulência do MYXV e seus modos de propagação. Um dos argumentos utilizados nos experimentos anteriores era o de que os coelhos infectados se isolavam do bando, o que não permitia propagação suficiente do vírus.

Refazendo o caminho de seu encontro com o problema da mixomatose, Macnamara mostra como estudou o material relacionado e participou de conferências com três especialistas renomados como Richard Shope, R.R. Hyde, de Baltimore, e G.M. Findlay, de Londres, fortalecendo as suas hipóteses. No artigo, também registra que, em 1933, ao término da sua viagem de pesquisas, enviou ao Alto Comissário sediado em Londres um documento indicando a importância do vírus para a Austrália, para que dessa forma ele pudesse convencer o governo australiano, como também aponta Frank Fenner (2006)FENNER, Frank. Nature, nurture and chance: the lives of Frank and Charles Fenner. Canberra: ANU Press, 2006.. Macnamara, além de reafirmar a autoridade de Shope nos estudos sobre a interação entre vírus e animais, destacando-o como uma autoridade internacional, amplia a força da sua argumentação ao esclarecer ao leitor que o resultado dos estudos por ela contestados também foram encaminhados para Shope nos EUA. Dessa forma, Macnamara articula seus argumentos citando as afirmações do cientista sediado em Princeton: “dizer categoricamente à luz de nosso conhecimento atual que este meio de controle não funcionará na Austrália seria um grande erro” (Shope citado em Macnamara, 26 maio 1949, p.20).

Todos os argumentos de Shope transcritos nos periódicos reforçam a proposta de Macnamara de que novos testes fossem realizados de forma ampla e de preferência em sítios que tivessem condições favoráveis ao alastramento. De forma específica, os argumentos também estimulam a aplicação do MYXV em áreas de importância econômica, pois seria uma tarefa mais simples; além disso, valorizam o uso de vetores, pulgas ou outro tipo, para ajudar a transportar o vírus entre os coelhos. O novo trabalho também necessitaria de equipes compostas por naturalistas com familiaridade com as condições ecológicas das novas áreas, bem como pesquisadores com uma boa base em virologia. No encerramento do artigo, Macnamara (26 maio 1949, p.20) fornece uma mensagem clara ao leitor: “a especulação e teorização por especialistas de poltrona não vai fornecer uma solução. O trabalho de campo com especialistas é o único caminho”.

O drama dos cercos aos coelhos, episódios em que trabalhadores do campo e suas famílias cercavam e matavam coelhos de modo a diminuir seus números, também deu força aos argumentos de Macnamara para o uso do vírus. No documentário The Rabbit in Australia, são exibidas cenas de uma grande matança de coelhos ocorrida em 1948 em que, em uma tarde, foram mortos mais de cinco mil coelhos, em sua maioria a golpes de pedaços de pau (The rabbit..., 1979).

Em 1949, Francis Ratcliffe, que atuava como chefe da recém-formada Wildlife Survey Section da CSIRO (período de renomeação da instituição de CSIR para CSIRO), decidiu retomar os testes com o mixoma. O clamor de setores agropecuários e o incentivo de Ian Clunies Ross, diretor recém-empossado da CSIRO, somados à persistência de Macnamara, foram fundamentais para a nova empreitada.

Figura 2
: A ciência está vencendo a batalha contra os coelhos (Myxomatosis, 22 fev. 1953)

“O mosquito da mixomatose está vencendo a guerra contra os coelhos”

Com aumento da população de coelhos após a Segunda Guerra Mundial, Macnamara insistia, em oposição a Francis Ratcliffe e Lionel Bull (CSIR/CSIRO), que a liberação do vírus do mixoma deveria ocorrer em uma área em que houvesse coleções de água disponíveis. A hipótese de Macnamara se confirmou com o alastramento da mixomatose pela bacia de Murray-Darling no sudeste australiano. Esse fenômeno foi acompanhado de perto por Ratcliffe, que desde 1948 atuava como zoólogo na Wildlife Survey do CSIR (Fenner, Fantini, 1999).

A liberação do MYXV, mesmo sendo reconhecidamente segura para os seres humanos desde o início do século XX, mobilizou ansiedades sobre efeitos danosos na população, ao ser relacionada a casos de encefalite. Esse medo na população levou a uma demonstração pública, na qual autoridades sanitárias foram inoculadas com o vírus para provar que ele era inofensivo (Ward, 21 mar. 2011; Fenner, 2006FENNER, Frank. Nature, nurture and chance: the lives of Frank and Charles Fenner. Canberra: ANU Press, 2006.).

Em “Myxomatosis in Australia: a step towards the biological control of the rabbit”, publicado na revista Nature em 1952, Ratcliffe e colegas pesquisadores da Wildlife Survey Section da CSIRO fizeram um balanço do uso do mixoma de 1950 a 1952. Um dos elementos mais notáveis da avaliação, que define um ponto de virada, foi a dramática mudança na contaminação, atribuída à maior atuação do Anopheles annulipes sobre os coelhos. Esse mosquito, considerado o principal vetor na temporada epizoótica de 1951-1952, conseguia se deslocar muito bem no complexo de tocas dos coelhos e contaminá-los. Os A. annulipes saíam de áreas já praticamente despovoadas pela mixomatose e apareciam em áreas com coelhos saudáveis, que rapidamente adoeciam. Nas áreas em que houve drástica queda na população de coelhos foi identificada prevalência do A. annulipes, tanto de mosquitos na forma adulta quanto em criadouros em potencial dessa espécie, como pântanos e alagadiços com matéria vegetal, embora concomitante à presença de mosquitos que ajudaram a transmissão do mixoma, como o Culex annulirostris (Ratcliffe et al., 1952RATCLIFFE, F.N. et al. Myxomatosis in Australia: a step towards the biological control of the rabbit. Nature, v.170, p.7-19, 1952.).

O uso de vetores para o alastramento do vírus foi testado ao final de 1939 com resultados inconclusivos (apesar do otimismo inicial) antes de o CSIR suspender os testes e abandonar os investimentos no vírus do mixoma (Spreading..., 11 jan. 1940). A partir de estudos iniciados em 1951, o A. annulipes é identificado como um vetor fundamental para o alastramento do MYXV. Profissionais da agropecuária comemoravam o avanço do mixoma com destaque para a atuação do mosquito. O artigo “Myxomatosis mosquito is winning war against rabbits”, publicado em 13 de fevereiro de 1951, colocou o A. annulipes como uma grata surpresa e o principal protagonista da guerra contra os coelhos, uma vez que facilitava a transmissão do MYXV (Myxomatosis..., 13 fev. 1951).

Segundo Frank Fenner, que esteve diretamente envolvido com a avaliação dos experimentos, o encadeamento de fatores como o clima e a presença de mosquitos como vetores foi fundamental para o alastramento do MYXV. Em uma entrevista concedida a Max Blythe para a Australian Academy of Science, realizada em 1992-1993, Fenner mostra que a mudança de estação causou um revés no experimento:

já estava prestes a ser cancelado [o experimento], em dezembro de 1950 – quando as condições climáticas e a reprodução do mosquito eram boas – ele [o mixoma] escapou e foi encontrado a 16 quilômetros do local de teste mais próximo. Em seguida, por todo o sudeste da Austrália em questão de cerca de três meses. A taxa de mortalidade, descobrimos mais tarde, era de mais de 99 por cento no campo – inacreditável (Blythe, 1992-1993).

O registro das impressões de Fenner mostra que a transmissão mecânica do mixoma pelos mosquitos, mesmo tendo sido inicialmente verificada por Aragão em 1943ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. O vírus do mixoma no coelho do mato (Sylvilagus minenses), sua transmissão pelos Aedes scapularis e aegypti. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.38, n.1, p.93-99, 1943., ganhou proporções surpreendentes, em especial pela ação do A. annulipes a partir do início de 1951 (Kerr, Strive, 2020).

É importante observar a participação dos A. annulipes, em relação às possibilidades e aos limites de alastramento do MYXV na população de coelhos, como um fator decisivo. Entretanto, essa é apenas uma parte de um encadeamento que conta com a participação de diversos elementos e condicionantes históricos que podem ser parcialmente citados, mas não esgotados – a natureza seletiva do vírus, ao infectar gravemente apenas Oryctolagus cuniculus, uma característica que “recomendou” e dirigiu o olhar treinado de Aragão para seu uso como solução na Austrália; os acordos políticos; a atuação de Macnamara; a mudança institucional na CSIRO que possibilitou a retomada dos experimentos em campo; condições ecológicas ideais e contexto social favorável –, dada a frustração com os métodos de controle do coelho-bravo até então vigentes. Temos uma série de agenciamentos recíprocos distribuída em um “contexto de ação” historicamente singular (Maia, 2017MAIA, Carlos Alvarez. Agência material recíproca: uma ecologia para os estudos de ciência. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.2, p.447-464, 2017., p.453, 456).

Nas conclusões da pesquisa liderada por Ratcliffe publicada em 1952, previu-se que a mixomatose tinha a possibilidade de se estabelecer como uma infecção enzoótica (de ocorrência regular) nos coelhos australianos, e que os efeitos em longo prazo dependeriam de fatores ecossistêmicos como a concentração populacional de coelhos e coleções de água (relacionadas à reprodução dos mosquitos).

É possível observar as impressões da população rural sobre o impacto inicial do MYXV no coelho-bravo a partir de depoimentos como o de Bill McDonald, citado na epígrafe deste artigo. Em entrevista publicada em 2014, concedida ao programa de rádio Witness History, da BBC, McDonald, além de demonstrar a sua perplexidade com a quantidade de coelhos nos campos australianos, também relatou a agressividade da atuação do vírus na devastação dos coelhos: “os genitais dos coelhos ficavam deformados, e a maioria deles ficava cega antes de morrer. Eles também perdiam muito peso porque não conseguiam comer”, mesmo assim, McDonald afirma que “era uma batalha que já havíamos perdido antes em termos de controle dos coelhos. E, se eu quisesse criar ovelhas e produzir lã, não podia me dar ao luxo de pensar se estava certo ou não. Eu simplesmente tinha de fazê-lo” (Australia’s rabbit plague, 27 nov. 2014; O vírus..., 27 maio 2018).

A atuação do vírus continuou a chamar a atenção de pesquisadores após o sucesso inicial na redução da população do coelho-bravo. Ao longo da década de 1950, Frank Fenner buscou responder a outras questões para além do modo de transmissão e da ecologia dos mosquitos (Fenner, Marshall, 1955; Fenner, 1959FENNER, Frank. Myxomatosis. British Medical Bulletin, v.15, n.3, p.240-245, 1959.). Enquanto isso, no Brasil, falecia Henrique Aragão, em fevereiro de 1956. Nesse mesmo ano, Fenner (1956)FENNER, Frank. Evolutionary aspects of myxomatosis in Australia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.54, n.1, p.269-278, 1956. publicou o artigo intitulado “Evolutionary aspects of myxomatosis in Australia” no periódico brasileiro Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Em seu texto, o cientista australiano apontava “duas principais descobertas” de Aragão, feitas ainda em 1942: a de que o coelho brasileiro parecia ser o hospedeiro natural do vírus e a de que o vírus podia ser transmitido por mosquitos. Enviado para publicação em outubro de 1955, é improvável que a atribuição desses créditos ao cientista brasileiro tenha sofrido alguma influência de sua morte.

Fenner (1956)FENNER, Frank. Evolutionary aspects of myxomatosis in Australia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.54, n.1, p.269-278, 1956. considerou que a mixomatose ofereceu uma oportunidade única de estudar os ajustes do hospedeiro e do parasita a partir da introdução de uma nova doença altamente letal em uma grande e disseminada população de mamíferos. Além disso, mencionou o fato de que essa oportunidade foi aproveitada por grupos ligados à CSIRO de diferentes especialidades, como os etólogos, os entomologistas e os geneticistas e virologistas. E, por fim, sugeriu que as respostas para as questões que estava tentando resolver estariam na América do Sul.

Fenner também apontou que, desde a introdução do vírus em território australiano, parecia estar havendo um aumento da resistência genética na população de coelhos e que era possível que essa resistência, mesmo em relação às cepas mais virulentas, continuasse aumentando progressivamente. Nesse sentido, algumas questões foram lançadas, tais como: “Qual é a história natural da mixomatose em Sylvilagus e, em particular, como a doença ocorre durante o inverno?”, “Qual é a faixa geográfica da mixomatose de Syvilagus na América do Sul? A doença é coexistente com o coelho?”, “Qual a explicação para os surtos ocasionais de mixomatose em coelhos europeus em lugares como Montevidéu (1896 e 1947)?” (Fenner, 1956FENNER, Frank. Evolutionary aspects of myxomatosis in Australia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.54, n.1, p.269-278, 1956., p.278). Essas questões representavam um desafio para os cientistas da América do Sul. Esse chamado de Fenner é curioso, pois, além da morte de Aragão e do fato de que suas últimas publicações sobre o tema foram pequenos textos de balanço entre 1952 e 1953 (Aragão, 1952ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem. A mixomatose dos coelhos na Austrália. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.1, n.4, p.1-4, 1952., 1953ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. A mixomatose dos coelhos na França. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.2, n.9, p.9-10, 1953.), os trabalhos sobre o mixoma dos coelhos levados a cabo no IOC nesse período estavam preocupados com outras questões, como a alteração da virulência do vírus por raios X (Lagoa, 1952LAGOA, Francisco de Paula da Rocha. Modificação da virulência do vírus do mixoma provocada pelos raios X. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.50, p.197-204, 1952.), hemogramas dos coelhos com mixomatose (Trindade, 1954TRINDADE, Alvaro Emery. Hemograma do coelho normal e mixomatoso. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.52, n.2, p.398-403, 1954.) e transplantações (Torres, Cardoso, 1955). Ou seja, os trabalhos não dialogavam com as problemáticas enfrentadas naquele momento pelos cientistas australianos. Além disso, no artigo de Aragão de 1952ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Uma epizootia e vários insetos sugadores úteis ao homem. A mixomatose dos coelhos na Austrália. Boletim do Instituto Oswaldo Cruz, v.1, n.4, p.1-4, 1952., o assunto parecia estar resolvido. De todo modo, de acordo com Fenner (1956FENNER, Frank. Evolutionary aspects of myxomatosis in Australia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.54, n.1, p.269-278, 1956., p.278), para compreender a doença que “causou os surtos mais destrutivos do que qualquer doença infecciosa de mamíferos e matou mais animais em menos tempo do que qualquer outra doença conhecida pelo homem” na Austrália e na Europa, seria necessário retornar à região onde tudo começou.

Em discurso pronunciado em nome da família de Henrique Aragão na Fundação Oswaldo Cruz em 1979, na ocasião do centenário de nascimento do cientista, e que em 1986 foi publicado em Cadernos de Saúde Pública, assinado pelo pesquisador Mário Aragão (1986ARAGÃO, Mário. Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão. Cadernos de Saúde Pública, v.3, p.375-379, 1986., p.377), a epizootia de 1950 na Austrália que teve origem na proposta do brasileiro foi tratada como “o primeiro grande êxito de controle biológico por intermédio de microrganismo”.

Considerações finais

Em uma história que atravessa a virologia, relações ecológicas e a história dos animais, tanto o MYXV quanto o coelho-bravo e o A. annulipes são objetos que surpreenderam e modelaram os caminhos experimentais possíveis, elementos ativos de uma história que inclui desafios científicos e políticos.

O mixoma não só mobilizou esforços, estratégias e intercâmbios entre brasileiros, australianos e norte-americanos, de um período que vai de pelo menos 1911 a 1952, como também marcou os primeiros trabalhos com vírus no IOC. A proposta de Aragão não foi feita num vazio histórico e científico, como é possível evidenciar pela análise dos trabalhos, mas o protagonismo dos brasileiros num grande problema de ordem científica, ecológica e econômica pode ser evidenciado pela documentação.

Pesquisadores australianos estabeleceram estudos e esforços visando ao combate à praga de coelhos, e, ao longo da década de 1950, vários outros aspectos do problema passaram a ganhar destaque com as atividades de pesquisa da CSIRO. Com o desenvolvimento desses trabalhos, o lugar dos estudos brasileiros foi diminuindo, embora Aragão continuasse sendo um dos nomes centrais dessa história.

A atuação de Jean Macnamara foi fundamental para colocar em execução a proposta de uso do MYXV como controle biológico, com um forte trabalho informativo e debate público na Austrália. A atuação do Anopheles annulipes como transmissor mecânico do vírus não era conhecida na época em que Macnamara defendia o uso do MYXV de forma mais ativa, nas décadas de 1930 e 1940, mas a possibilidade de transmissão mecânica já havia sido apontada por Aragão há muitos anos, porém, a partir de outras espécies de pulgas e mosquitos. Como observado, a atuação do A. annulipes foi surpreendente e modificou o padrão de alastramento, juntamente com fatores climáticos, tornando possível uma contaminação significativa da população de coelhos (Kerr, Strive, 2020).

Tanto o MYXV quanto a praga de coelho-bravo são objetos que atravessam dimensões políticas, éticas, ecológicas (micro e macroscópicas) e imunológicas, são objetos desobedientes entre natureza e sociedade (Domanska, 2021DOMANSKA, Ewa. The paradigm shift in the contemporary humanities and social sciences. In: Kuukkanen, Jouni-Matti (ed.). Philosophy of history: twenty-first-century perspectives. London: Bloomsbury, 2021. p.180-197.), elementos ativos que participam da história, afetam e são afetados em agenciamentos recíprocos (Maia, 2017MAIA, Carlos Alvarez. Agência material recíproca: uma ecologia para os estudos de ciência. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.2, p.447-464, 2017.), compondo um social ampliado e ativo e não uma mobília do social humano ou uma mera paisagem na marcha dos homens no tempo.

Iniciando na proposta de Aragão, desde 1918 enormes modificações ocorreram na trajetória do mixoma dos coelhos, algo que ainda não foi encerrado até hoje. No presente, a mixomatose se apresenta como uma ameaça à biodiversidade na região ibérica e tem sido acompanhada de perto por pesquisadores devido a sua ameaça às populações de coelho-bravo da região, que possuem um importante papel na “transferência de biomassa vegetal para inúmeras espécies” (Carvalho et al., jul.-ago. 2020, p.1).

Nesse caminho, a proposta brasileira tornou-se não só um método concreto de controle biológico, mas, sobretudo, possibilitou estudos em diferentes áreas da pesquisa biológica de meados do século XX. Esperamos ter conseguido apresentar esse tema de modo a ressaltar as suas diferentes facetas, abrindo um caminho de estudos para a história das ciências, a história da virologia e da imunologia, a história dos animais e a história ambiental que possam explorar ainda mais objetos articulados nessa trama.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – código de financiamento 001.

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NOTAS

  • 1
    Henrique de Beaurepaire Aragão (1879-1956) nasceu em 21 de dezembro de 1879, em Niterói (RJ), e diplomou-se em medicina em 1904 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ingressou em Manguinhos em 1903, ainda como estagiário, entrando em 1905 para a instituição como assistente. Fez parte, assim, da primeira geração de cientistas, como Figueiredo Vasconcelos, Rocha Lima, Carlos Chagas, Ezequiel Dias, Cardoso Fontes e Alcides Godoy. Aragão deu contribuições em diversas áreas da pesquisa biomédica, como a sistemática, a epidemiologia, e a profilaxia de doenças parasitárias de homens e animais, tendo sido também pioneiro no estudo dos vírus em Manguinhos. “As incursões de Aragão na nascente virologia, levaram-no a determinar os agentes etiológicos do alastrim, da varicela e do mixoma dos coelhos, assim como a transmissão desta última doença pelas pulgas. Mais tarde, no estudo do vírus amarílico muito trabalhou” (Nery-Guimarães, 1955NERY-GUIMARÃES, Felippe. Notas bio-bibliográficas do Prof. Dr. Henrique de Beaurepaire Aragão, diretor emérito do Instituto Oswaldo Cruz. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.53, n.2-3-4, p.144-156, 1955., p.145). Além disso, trabalhou com o parasita Haemoproteus columbae e o ciclo exoeritrocitário dos hemosporídeos e foi o primeiro pesquisador a demonstrar a transmissibilidade da Leishmaniose brasiliensis por Phlebotomus.
  • 2
    Instituição renomeada, a partir de 1949, como Commonwealth Scientific and Industrial Research Organization (CSIRO).
  • 3
    Nessa e nas demais citações de textos em inglês a tradução é livre.
  • 4
    As principais conclusões até aquele momento foram apresentadas em sequência, em letras garrafais. “Virus wiping out surplus rabbits”, “Australia kills pest by tens of millions with disease”, “Insects help to spread”, “Mortality 90 per cent”, “First experiments thought to have failed – the plague is harmless to man”. O nome de Aragão é citado como aquele que havia fornecido as “culturas de mixomatose”, além de ter sido o descobridor do vírus na espécie nativa de coelho chamada Sylvilagus (Virus wiping out..., 12 jul. 1952, p.15).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2021
  • Aceito
    25 Maio 2021
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