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“Mal-estar social... uma agitação demoníaca”: o anarquismo segundo a criminologia do médico francês Alexandre Lacassagne

Resumo

O artigo analisa a maneira como o anarquismo e os seus adeptos foram compreendidos na obra do médico Alexandre Lacassagne L’assassinat du président Carnot (1894). Poucos meses antes da circulação do livro, em junho, o presidente da França, Sadi Carnot, foi morto pelo anarquista italiano Sante Geronimo Caserio. Em razão desse atentado, Lacassagne foi convocado para realizar a autópsia do corpo de Carnot e um exame psiquiátrico de Caserio. Os resultados dessas duas análises foram publicados na referida obra. As suas observações sobre o ácrata estavam inseridas nos debates criminológicos promovidos no final do século XIX, os quais não se restringiram unicamente aos autores da criminologia italiana.

psiquiatria; criminologia; anarquismo; delito político

Abstract

This article analyzes the way anarchism and its followers were understood in L’assassinat du président Carnot, by the French physician Alexandre Lacassagne. A few months before the book was published, in June 1894, the president of France, Sadi Carnot, had been killed by the Italian anarchist Sante Geronimo Caserio. Lacassagne was called upon to perform the autopsy of Carnot’s body and a psychiatric examination of Caserio. The results of these two analyses were published in the aforementioned book. He made his observations on the anarchist in the broader context of criminological debates pursued in the late nineteenth century, which were not restricted solely to the authors of Italian criminology.

psychiatry; criminology; anarchism; political offence

No dia 23 de junho de 1894, um padeiro de origem italiana partiu de Sète, uma pequena cidade localizada no sul da França, em direção a Lyon com o objetivo de vingar a morte de seus companheiros executados pela Justiça francesa, em razão do envolvimento com uma série de atentados a bomba que vinha preocupando as autoridades.1 1 Entre os companheiros vingados, cabe mencionar Émile Henry (1872-1894), militante anarquista, responsável por ter lançado um artefato explosivo no interior do Café Terminus, localizado em Paris, em fevereiro de 1894. Em razão desse ato, Henry foi sentenciado à morte em maio do mesmo ano. Assim como o atentado contra o presidente Sadi Carnot, o caso atingiu notoriedade internacional, trazendo preocupações aos governos de vários países (Maitron, 1981). O alvo escolhido era ninguém menos que o quinto presidente da Terceira República francesa, Marie François Sadi Carnot (1837-1894) (Assassinat…, 25 jun. 1894).

O padeiro era um militante anarquista de origem humilde conhecido como Sante Geronimo Caserio (1873-1894), na época, um jovem de apenas 20 anos de idade, que se encantou pelas ideias libertárias. Caserio chegou de trem à comuna de Vienne na manhã do dia seguinte, portando, no interior da sua roupa, uma adaga metálica com cabo ornamentado de madeira e lâmina de aço de Damasco medindo aproximadamente 28cm de comprimento e 25mm de largura, adquirida dias antes com recursos provenientes de seu trabalho (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.18).

De Vienne, uma pequena comuna que fica a 30 quilômetros de Lyon, Sante Caserio seguiu a pé em direção àquela. Após ter chegado, já à noite, direcionou-se à rue de la République, um logradouro estabelecido na região central entre os rios Saône e Ródano. Em seguida, posicionou-se entre uma multidão entusiasmada que aguardava a passagem da comitiva do presidente Sadi Carnot, que na ocasião fazia uma visita de rotina à região. Quando o veículo do político finalmente passou pelos espectadores, Caserio apoiou-se no estribeiro do automóvel e com a mão esquerda retirou o punhal que trazia em sua roupa. Com um movimento vertical, de cima para baixo, encravou a lâmina na altura do peito da vítima, atingindo parte do coração e lesionando a veia porta, na altura do fígado (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.14-16).

Com as mãos ensanguentadas, Caserio gritava “viva a revolução!”, “viva a anarquia!”, até que os guardas que acompanhavam o presidente o imobilizaram, executando a sua prisão e o conduzindo às autoridades policiais e judiciárias de Lyon. Ainda vivo, Sadi Carnot passou por uma pequena cirurgia, mas não resistiu, vindo a falecer algumas horas depois. Rapidamente a notícia do atentado ganhou as páginas da imprensa mundial. O jornal francês Le Petit Journal estampava com riqueza de detalhes o episódio (Assassinat…, 25 jun. 1894). O The New York Times anunciava em letras garrafais: “CARNOT ASSASSINADO ... Sante Caserio, um anarquista italiano, é o assassino. O povo de Lyon, enfurecido, atacou o consulado e um restaurante italiano” (Carnot…, 25 jun. 1894, p.1).2 2 Nesta e nas demais citações de textos em idioma estrangeiro a tradução é livre. No Brasil, o periódico O Paiz divulgava o ocorrido em primeira página, afirmando ter sido, o atentado, obra do anarquismo, “criminosamente uma horda de loucos” (Sadi..., 26 jun. 1894, p.1).

A autópsia de Carnot foi realizada por um grupo seleto de médicos franceses, para o qual o famoso criminólogo e um dos grandes expoentes da criminologia francesa, Alexandre Lacassagne (1843-1924), foi convidado.3 3 Fizeram parte da equipe e assinaram o relatório médico-legal sobre a autópsia e as causas da morte de Carnot, os seguintes médicos: Antoine Gailleton (1829-1904), o próprio Alexandre Lacassagne, Henry Coutagne (1846-1895), Louis Ollier (1830-1900), Poncet, Lépine, Rebatel, Michel Gangolphe (1858-1919) e Jean Fabre (Lacassagne, 1894, p.72). Além do trabalho de peritagem, elaborado a partir do corpo da vítima, Lacassagne aproveitou o ensejo para emitir um parecer sobre as condições mentais de Caserio e em relação à prática do anarquismo, movimento de cunho socialista que, no final do século XIX, passava por uma fase de intensa radicalidade e penetração entre o operariado de vários países, constituindo-se em um movimento internacionalista e transnacional (Jacob, Kessler, 2021).

As análises produzidas pelo médico de Lyon foram reunidas e publicadas no livro L’assassinat du président Carnot (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894.), tornando-se uma fonte privilegiada para compreender as suas proposições criminológicas sobre os anarquistas, especialmente aqueles adeptos das ações mais radicais. Vale destacar que a referida obra já foi diversas vezes mencionada em trabalhos dedicados tanto ao estudo da história da criminologia francesa no Oitocentos quanto à trajetória intelectual e científica de Alexandre Lacassagne (Artieres, 1994ARTIERES, Philippe. Les aveux de l’écrit le regard des criminologues sur les écrits des criminels à la fin du XIXème siècle. In: Mucchielli, Laurent (org.). Histoire de la criminologie francaise. Paris: Editions L’Harmattan, 1994. p.169-185.; Renneville, 2003RENNEVILLE, Marc. Crime et folie: deux siècles d’enquêtes médicales et judiciaires. Paris: Fayard, 2003., p.233, 2005). No entanto, em tais abordagens, as referências a essa publicação deram-se de forma bastante superficial e sem um exame minucioso das ideias defendidas por Lacassagne a respeito dos militantes anárquicos.

Diante disso, este artigo tem como objetivo analisar essa pequena obra de Lacassagne, extraindo as suas principais observações sobre Caserio, bem como em relação ao anarquismo. Nesse sentido, busca-se ressaltar que o estudo médico-criminal sobre o anarquista fez parte das principais agendas que vinham sendo debatidas no campo da criminologia e da psiquiatria forense no final do século XIX, cujo intuito foi inserir os militantes libertários nas discussões acerca do crime e da loucura.

As teses lacassagnianas contidas no livro L’assassinat du président Carnot permitem compreender que as teorias criminológicas que trataram dos anarquistas foram recorrentes e plurais. Tal fato possibilita a problematização de uma historiografia estrangeira (Pick, 1989PICK, Daniel. Faces of degeneration: a European disorder, c.1848-1918. Cambridge: Cambridge University Press, 1989., p.109; Jensen, 2001JENSEN, Richard Bach. Criminal anthropology and anarchist terrorism in Spain and Italy. Mediterranean Historical Review, v.16, n.2, p.31-44, 2001., 2004JENSEN, Richard Bach. Daggers, rifles and dynamite: anarchist terrorism in nineteenth century Europe. Terrorism and Political Violence, v.16, n.1, p.116-153, 2004.; Ansolabehere, 2005ANSOLABEHERE, Pablo. El hombre anarquista delincuente. Revista Iberoamericana, v.71, n.211, p.539-553, 2005.; Sierra, 2009SIERRA, Álvaro Girón. Los anarquistas españoles y la criminologia lombrosiana (1890-1914). In: Miranda, Marisa; Sierra, Álvaro Girón (org.). Cuerpo, biopolítica y control social: América Latina y Europa en los siglos XIX y XX. Buenos Aires: Siglo XXI, 2009. p.43-67.; Knepper, 2017KNEPPER, Paul. Laughing at Lombroso: Positivism and Criminal Anthropology in historical perspective. In: Triplett, Ruth (org.). The Wiley handbook of the history and philosophy of criminology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017. p.51-66.; Salvatore, 2017SALVATORE, Ricardo. Criminology in Argentina, 1870-1960. In: Triplett, Ruth (org.). The Wiley handbook of the history and philosophy of criminology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017. p.309-320.) e nacional (Samis, 2002SAMIS, Alexandre. Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002.; Lopreato, 2003LOPREATO, Christina Roquette. O espírito das leis: anarquismo e repressão política no Brasil. Verve, v.3, p.75-91, 2003.; Avelino, 2010AVELINO, Nildo. “Le criminel fin-de-siècle”: psiquiatrização da anarquia no século XIX. Aurora, v.7, 2010.; Monteiro, 2010MONTEIRO, Fabrício Pinto. O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX. São Paulo: Annablume, 2010.), que privilegiou o papel da antropologia criminal italiana na temática do acratismo, em especial as proposições de Cesare Lombroso (1835-1909) formuladas nas obras Il delitto politico (1890) e Gli anarchici (1894) (Calafato, 2013CALAFATO, Trevor. “Gli anarchici” and Lombroso’s theory of political crime. In: Knepper, Paul; Ystehede, Per (org.). The Cesare Lombroso handbook. New York: Routledge, 2013. p.47-71.). Apesar da importância das publicações mencionadas, elas acabaram ofuscando as contribuições dos criminólogos franceses – em especial de Lacassagne – em relação ao anarquismo e aos delitos políticos. É essa lacuna que este artigo propõe discutir e procura preencher.

Para tanto, a proposta deste trabalho situa a história da criminologia no campo da história intelectual, em conexão com a história das ciências.4 4 De acordo com Robert Darnton (2010, p.220-221), a “história da ciência pode se revelar como um campo estratégico para avaliar o jogo entre a história social e a história das ideias”. Quanto à metodologia teórica empregada, foi adotado o “paradigma indiciário” sistematizado pelo historiador italiano Carlo Ginzburg (1989)GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.. Considerando o caráter textual da obra L’assassinat du président Carnot, buscou-se nos indícios colhidos nessa fonte histórica uma homogeneidade, um sentido e uma lógica que possibilitem historicizar e interpretar as ideias e os conceitos criminológicos sobre os anarquistas desenvolvidos por Alexandre Lacassagne.

O artigo foi dividido em três seções. Na primeira será discutida a conjuntura do movimento anarquista da Europa central no momento em que Caserio praticou o atentado. Na segunda, buscou-se analisar a conformação da criminologia na última década do Oitocentos, dando destaque especial às ações empreendidas por Lacassagne e ao grupo dos criminólogos franceses. Na terceira parte, o objetivo foi explorar a citada obra elaborada pelo médico francês, na qual discorreu sobre o atentado contra o presidente Carnot e fez uma profunda investigação a respeito da prática do anarquismo.

Adaga, punhal e dinamite: a radicalização do anarquismo na Europa continental

Após o período de conformação de suas principais ideias, a partir da segunda metade do século XIX, o movimento anarquista ganhou proeminência, passando a ser difundido em distintos países (Taibo, 2018TAIBO, Carlos. Anarquistas de ultramar: anarquismo, indigenismo, descolonización. Santiago de Chile: Editorial Eleuterio, 2018.). Durante as duas últimas décadas daquele século, todavia, o anarquismo experimentou um processo de extrema radicalização em suas práticas de militância. Essa fase mais intensa teve relação direta com uma estratégia de luta denominada “propaganda pela ação”, vindo a ser defendida por alguns anarquistas já em meados dos anos 1870.

A “propaganda pela ação” foi uma estratégia insurrecional defendida pelos italianos Carlo Cafiero (1846-1892) e Errico Malatesta (1853-1932), este último um dos grandes representantes do anarquismo, e que contou com o apoio e a adesão do anarquista russo Piotr Kropotkin (1842-1921). Essa estratégia de base revolucionária teria como objetivo “ensinar o socialismo pelos fatos, através da lição das coisas” (Marini, 2017MARINI, Gualtiero. Revolução, anarquia e comunismo: às origens do socialismo internacionalista italiano (1871-1876). Tese (Doutorado em Ciências Políticas) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017., p.336). A intenção, portanto, era gerar uma ação de revolta, como, por exemplo, uma insurreição armada ou uma greve geral. Em outras palavras, uma espécie de gatilho que tivesse força suficiente para contagiar os ânimos dos trabalhadores e, assim, criar condições para a desejada revolução social.

No entanto, entre as décadas de 1880 e 1890, a propaganda pela ação acabou extrapolando as suas definições iniciais, e, com o tempo, os atentados contra as autoridades públicas e aqueles executados em locais frequentados pela alta burguesia assumiriam o objetivo central entre os adeptos dessa estratégia (Jacob, Kessler, 2021, p.9-10). Uma fração dos anarquistas, inclusive, chegou a concluir que um método de luta baseado nesse modus operandi tornaria obsoleta a necessidade de formar grandes organizações, uma vez que pequenos grupos clandestinos eram suficientes para preparar as ações violentas. Ainda assim, alguns militantes, como Kropotkin e Malatesta, manteriam firmes suas posições em defesa da necessidade da existência desses dois tipos de órgãos, já que as organizações de maior amplitude teriam o condão de reunir os trabalhadores e realizar a propaganda libertária (Jensen, 2004JENSEN, Richard Bach. Daggers, rifles and dynamite: anarchist terrorism in nineteenth century Europe. Terrorism and Political Violence, v.16, n.1, p.116-153, 2004.; Cahm, 1989CAHM, Caroline. Kropotkin and the rise of revolutionary anarchism, 1872-1886. New York: Cambridge University Press, 1989., p.115).

Em 1881, foi realizado um congresso na cidade de Londres, contando com a presença de delegados de várias partes da Europa e da América. Apesar da participação de militantes de distintas orientações anárquicas, o encontro foi marcado pela sobreposição de ideias radicais que influenciariam algumas frações do anarquismo por quase duas décadas (Farré, 2012FARRÉ, Juan Avilés. Un punto de inflexión en la historia del anarquismo: el congreso revolucionario de Londres de 1881. Cuadernos de Historia Contemporánea, v.34, p.159-180, 2012., p.161, 166). Na teoria, a intenção de alguns anarquistas, como Kropotkin, era a utilização de ações violentas por pequenos grupos clandestinos com o intuito de “atingir os objetivos revolucionários” (Sierra, 2003SIERRA, Álvaro Girón. Kropotkin between Lamarck and Darwin: the impossible synthesis. Asclepio, v.55, n.1, p.189-214, 2003., p.196), enquanto uma organização maior forneceria auxílio, recursos, entre outras formas de apoio. Na prática, o que acabou acontecendo foi a deflagração de uma série de atentados por indivíduos que agiam isoladamente. Isto é, que se autodeclaravam anarquistas sem ter tido qualquer tipo de vínculo orgânico com as federações (Joll, 1977JOLL, James. Anarquistas e anarquismo. Lisboa: Prodiat, 1977., p.148-149).

De todo modo, enquanto os grandes nomes do anarquismo debatiam questões teóricas sobre o uso da violência, uma série de atentados, como mencionado, veio à tona. Entre o final da década de 1870 e início dos anos 1880, ativistas mais radicais foram responsáveis por atacar figuras públicas em diversas regiões europeias. De acordo com Jensen (2004JENSEN, Richard Bach. Daggers, rifles and dynamite: anarchist terrorism in nineteenth century Europe. Terrorism and Political Violence, v.16, n.1, p.116-153, 2004., p.125), boa parte dessas tentativas de assassinato ocorridas nesse período não foi praticada diretamente por anarquistas. Contudo, como tais atos passaram a ser defendidos em círculos libertários, rapidamente eles foram responsabilizados como os autores inequívocos de toda e qualquer ação de terror, inclusive de alguns episódios desprovidos de cunho político.

A onda de atentados atingiu a sua crista na década de 1890, sendo recorrente em distintas localidades e sob a justificativa de ser uma resposta à realidade econômica, social e política vivenciada pelo proletariado das principais capitais europeias. Por outro lado, para Daniel Colson (2017COLSON, Daniel. Propaganda and the deed: anarchism, violence and the representational impulse. American Studies, v.56, n.1, p.163-186, 2017., p.181), o uso da violência como propaganda revela, ainda, a dificuldade que os movimentos radicais enfrentaram na busca pelo reconhecimento social de suas ideologias e demandas na esfera política. Para as autoridades públicas, o momento mais emblemático desse período ocorreu após os assassinatos da imperatriz austríaca Elizabeth, em 1898, e do presidente estadunidense McKinley, em 1901 – ambos praticados por indivíduos que se declararam anarquistas. Os episódios causaram grande alvoroço na imprensa mundial e atraíram a atenção de inúmeros países, que logo consideraram a necessidade de enfrentar a questão (Jensen, 2004JENSEN, Richard Bach. Daggers, rifles and dynamite: anarchist terrorism in nineteenth century Europe. Terrorism and Political Violence, v.16, n.1, p.116-153, 2004., p.117).

Na França, região onde as ideias anarquistas ganharam proeminência entre os trabalhadores, o momento de radicalidade atingiu notabilidade com os inúmeros grupos anárquicos que editavam pequenos jornais e panfletos, cujo objetivo principal era a disseminação de artigos, canções e poesias “incendiárias”. Tal radicalidade também pode ser atestada pela sequência de atos terroristas executados sob a influência do atentado praticado por Ravachol, em março de 1892.5 5 François Claudius Koënigstein (1859-1892), mais conhecido como Ravachol, figura emblemática para o movimento anarquista em todo o mundo, foi responsável por cometer dois atentados a bomba que sacudiram os alicerces da paz parisiense, durante o final da segunda metade do século XIX. Ravachol “nasceu na comuna francesa de Saint-Chamond, no mês de outubro de 1859. Filho de pais operários, teve uma infância muito humilde e conturbada, sendo deixado aos cuidados de uma ama de leite até o terceiro ano de idade. Posteriormente, até os sete anos, ele residiu em um asilo. Já na fase adulta de sua vida, viveu em diversas regiões na França, vagando de cidade em cidade, ganhando a vida como pôde e de inúmeras maneiras, passando a exercer variadas atividades laborais” (Benevides, 2017, p.216-217). Desse ano até junho de 1894, ocorreram ao todo 11 explosões de dinamite em Paris, nas quais nove pessoas foram mortas (Merriman, 2009MERRIMAN, John. The Dynamite Club: how a bombing in fin-de-siècle Paris ignited the age of modern terror. London: JR Books, 2009.; Woodcock, 2006WOODCOCK, George. História das ideias e movimentos anarquistas: o movimento. v.2. Porto Alegre: L&PM, 2006., p.80).

Em novembro de 1893, Léauthier, sapateiro anarquista, feriu gravemente um ministro da Sérvia que fazia uma visita diplomática em Paris. Um mês depois, Auguste Vaillant arremessou uma bomba na Câmara dos Deputados do Palácio Bourbon como vingança contra a pena de morte que executou Ravachol. Em fevereiro do ano seguinte, o ácrata Émile Henry atirou um material explosivo dentro do Café Terminus, também localizado na capital parisiense. E, no mês de março, o belga Amédeé Pauwels morreu em razão de uma dinamite deflagrada acidentalmente e que seria utilizada em um atentado contra a igreja Madeleine (Maitron, 1981MAITRON, Jean. Ravachol e os anarquistas. Lisboa: Antígona, 1981., p.12-14). No mês de abril de 1894, estilhaços de uma bomba atirada no restaurante Foyot perfuraram um dos olhos do poeta francês Laurent Tailhade. Em junho do mesmo ano, foi a vez do italiano Sante Geronimo Caserio, que, como mencionado, viajou à França desejando vingar a morte de alguns anarquistas franceses e espanhóis executados pelos governos desses dois países (p.12-14).

Paralelamente à fase de extrema radicalização do anarquismo, e preocupados com esses episódios, médicos, juristas e demais intelectuais dedicados à pesquisa sobre os indivíduos criminosos passaram a publicizar seus estudos com o objetivo de delinear uma explicação de base científica para os sujeitos “atraídos” pelo anarquismo. Esses trabalhos, no entanto, estavam intimamente relacionados a um momento de conformação da criminologia europeia no final do século XIX.

Medicina, criminologia e as teorias sobre o crime

Além das revoltas proletárias que grassaram nas principais capitais europeias, outro fenômeno social incomodava as elites políticas do século XIX. Se, por um lado, as contradições econômicas geradas pelo capitalismo despertaram o desejo pela resistência política da classe trabalhadora, por outro, foram responsáveis pelo aumento vertiginoso da criminalidade nas zonas urbanas (Hobsbawm, 2012HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2012., p.318-322).

O crescimento da reincidência criminal no perímetro metropolitano estimulou a produção de inúmeras reflexões em torno do delito e do delinquente, já nas primeiras décadas do século XIX. Esses estudos foram produzidos por “cientistas sociais” de diferentes campos, e buscavam oferecer medidas para administrar a criminalidade por meio da estatística e de pesquisas sobre o perfil das classes criminosas (Horn, 2003HORN, David G. The criminal body: Lombroso and the anatomy of deviance. New York: Routledge, 2003., p.8). Embora essas análises destacassem o papel dos fatores individuais para a prática do crime (como sexo e idade), de acordo com Richard Wetzell (2000WETZELL, Richard F. Inventing the criminal: a history of German criminology, 1880-1945. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2000., p.28), nenhuma delas chegou a caracterizar os criminosos “como biologicamente diferentes da população em geral”.

A partir da segunda metade do Oitocentos, no entanto, a temática também despertou o interesse de médicos dedicados à compreensão dos sujeitos “desviantes” e das moléstias mentais, resultando na formulação de explicações teóricas multicausais sobre o crime, porém bastante focadas nas anormalidades corpóreas e psíquicas dos “criminosos”. Como ressaltou Marc Renneville, à luz do olhar médico, o delito mudou de status: “Não era mais concebido como um pecado ou uma falha, mas como um ato irracional, uma espécie de ‘doença’ que assolava o ‘tecido social’” (Renneville, 2003RENNEVILLE, Marc. Crime et folie: deux siècles d’enquêtes médicales et judiciaires. Paris: Fayard, 2003., p.204). Tais estudos, todavia, contribuíram para o processo de conformação da criminologia, enquanto campo do conhecimento científico, que buscou construir teorias, práticas, agendas e itinerários internacionais, impactando a intelectualidade de várias regiões do mundo (Becker, Wetzell, 2006), inclusive no Brasil (Alvarez, 2002ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados, v.45, n.4, p.677-704, 2002.; Ferla, 2005FERLA, Luis Antônio Coelho. Feios, sujos e malvados sob medida: do crime ao trabalho, a utopia médica do biodeterminismo em São Paulo (1920-1945). Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.; Dias, 2015DIAS, Allister Andrew Teixeira. Arquivos de ciências, crimes e loucuras: Heitor Carrilho e o debate criminológico do Rio de Janeiro entre as décadas de 1920 e 1940. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2015.).

O aumento vertiginoso da criminalidade registrado nas últimas décadas do século XIX trouxa à tona as limitações do “direito penal clássico”6 6 Para os adeptos dessa corrente jurídica, a pena criminal simbolizaria uma espécie de retribuição pelo dano causado à vítima do delito. Baseando-se na teoria dos contratos do direito civil e na ideia de livre-arbítrio como fundamento principal para a punibilidade, defendiam que a sociedade estaria organizada por relações interpessoais de caráter contratual. Sendo assim, ocorrendo o descumprimento desse “contrato social” por meio da prática de um delito, as sanções penais objetivariam punir o delinquente e, com isso, retribuir o mal causado ao ofendido, além de servir como medida preventiva contra novas práticas criminosas (Nye, 1984, p.34; Renneville, 2006, p.32; Fonteles Neto, 2016, p.547; Paula, 2011, p.75-76). para lidar com a temática da delinquência, uma vez que não oferecia às elites políticas europeias uma explicação para a questão da reincidência, além de ser incapaz de propor medidas de combate ao crime de amplitude maior do que a mera aplicação de penas mais duras. Foi nessa conjuntura que se desenvolveram os primeiros discursos médico-criminológicos, cujos principais propósitos foram relativizar o papel da vontade (livre-arbítrio) no cometimento da prática delitiva, transformar o criminoso em objeto central de suas análises, elencar fatores multicausais para o comportamento criminógeno e, segundo Luis Ferla (2005FERLA, Luis Antônio Coelho. Feios, sujos e malvados sob medida: do crime ao trabalho, a utopia médica do biodeterminismo em São Paulo (1920-1945). Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., p.16), reconhecer na pena uma forma de tratamento, e não mera punição.

Seguindo essas diretrizes, boa parte dessas formulações buscava identificar nos criminosos uma variação do gênero humano. Para tanto, os seus idealizadores pretendiam organizar uma ciência que fosse capaz de descrever as desigualdades biológicas existentes entre os homens (Alvarez, 2002ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados, v.45, n.4, p.677-704, 2002., p.680). Essa necessidade resultou na construção de uma abordagem altamente especializada, pautada na observação do crânio, da pele, dos órgãos e da estrutura óssea com o intuito de revelar uma possível “inferioridade” inata (Becker, 2006BECKER, Peter. The criminologists’ gaze at the underworld. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.105-136., p.112-113).

A tentativa de estabelecer uma relação entre as características físicas do corpo e uma “vida propensa à criminalidade”, entretanto, não era basicamente uma novidade, já que outros ramos da medicina mental, como a frenologia e a cranioscopia, já haviam explorado a questão. Desenvolvidas incialmente por Franz Joseph Gall (1758-1828) e depois aprimoradas por seu discípulo de origem alemã, Johann Spurzheim (1776-1832), essas duas ciências médicas deram importantes contribuições às teorias criminológicas produzidas tanto pela antropologia criminal quanto pelos criminólogos franceses (Lanteri-Laura, 1994LANTERI-LAURA, Georges. Phrenology et criminology: Gall’s ideas. In: Mucchielli, Laurent (org.). Histoire de la criminologie française. Paris: Editions L’Harmattan, 1994. p.21-28., p.22-23).

Ao longo da segunda metade do século XIX, a ciência criminológica foi caracterizada por ser um movimento com diferentes vertentes e abordagens (Kaluszynski, 2006KALUSZYNSKI, Martine. The International Congresses of Criminal Anthropology. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.301-316., p.310). Em diversas análises produzidas pela história social, tais divergências seriam caracterizadas por um binarismo estanque representado pelo antagonismo de duas “escolas”: de um lado, estariam os criminólogos franceses, defensores de abordagens etnográficas e sociológicas do crime; do outro, os representantes da antropologia criminal italiana, descritos como excessivamente focados nos corpos desviantes dos criminosos. Nas narrativas mais “whiggianas”, as teorias biodeterministas teriam sido superadas e derrotadas pelos sociólogos franceses: mais sutis e atentos ao meio social (Horn, 2003HORN, David G. The criminal body: Lombroso and the anatomy of deviance. New York: Routledge, 2003., p.3).

O historiador estadunidense David Horn ressalta que esse binarismo entre as escolas “italiana” e “francesa” foi posto em discussão pela primeira vez pelos próprios atores que participaram dos debates criminológicos do final do século XIX. Horn (2003, p.4) menciona, ainda, que essa bifurcação acabou sendo reforçada pela historiografia das décadas de 1970 e 1980, implicando a formulação de interpretações bastante reducionistas. Entretanto, essa oposição binária tem sido cada vez mais contestada por pesquisadores estrangeiros, que vêm relativizando as diferenças existentes entre ambas as “escolas”.7 7 De acordo com Mucchielli, os médicos das últimas décadas do Oitocentos raciocinavam de maneira muito semelhante na Itália, na Alemanha e na Inglaterra; portanto, seria “difícil imaginar por que a situação deveria ter sido diferente na França”. Segundo o autor, “a suposta exceção francesa – especialmente a ‘concepção sociológica’ ... desenvolvida por alguns historiadores franceses – já foi contestada” (Mucchielli, 2006, p.208; destaque no original). Tais estudos têm demonstrado que, para os criminólogos franceses e italianos da segunda metade do Oitocentos, os crimes apresentavam explicações multicausais, o que rechaçaria a ideia de um único fator como elemento determinante para o comportamento criminoso (Wetzell, 2000WETZELL, Richard F. Inventing the criminal: a history of German criminology, 1880-1945. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2000.; Becker, Wetzell, 2006; Mucchielli, 2006MUCCHIELLI, Laurent. Criminology, hygienism, and eugenics in France, 1870-1914. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.207-230.; Knepper, 2017KNEPPER, Paul. Laughing at Lombroso: Positivism and Criminal Anthropology in historical perspective. In: Triplett, Ruth (org.). The Wiley handbook of the history and philosophy of criminology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017. p.51-66.).

Os primeiros estudos desenvolvidos no campo da antropologia criminal foram publicados na Itália pelo médico Cesare Lombroso e pelos juristas Enrico Ferri (1856-1929) e Raffaele Garofalo (1852-1934) (Villa, 2013VILLA, Renzo. Lombroso and his school: from anthropology to medicine and law. In: Knepper, Paul; Ystehede, Per (org.). The Cesare Lombroso handbook. London, New York: Routledge, 2013. p.8-29.). Em 1876, Lombroso publicou a sua principal obra, L’uomo delinquente, na qual defendeu a “teoria do atavismo”. Anos mais tarde, em 1899, ele produziu um compêndio destinado ao grande público, intitulado Le crime, causes et remèdes, compilando todas as suas ideias no campo da criminologia (Gibson, 2006GIBSON, Mary S. Cesare Lombroso and Italian criminology. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.137-158., p.141-142).

Em um primeiro momento, Cesare Lombroso compreendia o crime a partir do referido fenômeno do atavismo. Em outras palavras, o delito seria na verdade uma espécie de comportamento característico de seres humanos “inferiores” que, eventualmente, podia reaparecer em grupos sociais evoluídos. Havia, portanto, uma relação sistemática entre o “homem criminoso” e o “homem pré-histórico” (ou “homem selvagem”). As raízes desse atavismo poderiam ser atestadas pela morfologia de algumas regiões do próprio corpo do delinquente, que, segundo Lombroso, mantinham grandes semelhanças com aquelas encontradas em algumas plantas carnívoras, em roedores, em certos primatas e também em fetos do Homo sapiens (Spierenburg, 2016SPIERENBURG, Pieter. The rise of criminology in its historical context. In: Knepper, Paul; Johansen, Anja (org.). The Oxford handbook of the history of crime and criminal justice. New York: Oxford University Press, 2016. p.373-395., p.384; Knepper, 2017KNEPPER, Paul. Laughing at Lombroso: Positivism and Criminal Anthropology in historical perspective. In: Triplett, Ruth (org.). The Wiley handbook of the history and philosophy of criminology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017. p.51-66., p.54). A ação criminosa, ainda de acordo com o médico italiano, seria reflexo de uma loucura provocada pela “animalidade atávica” da qual os sujeitos não poderiam escapar. Essa conclusão serviu de base para a teoria do “delinquente nato”, expressão utilizada em alusão aos indivíduos predispostos ao “mundo do crime”. Contudo, a ideia de atavismo foi duramente criticada por seus adversários, sendo rapidamente abandonada. Em publicações posteriores, Lombroso optou por explicações etiológicas do crime bastante ecléticas, nas quais foram considerados fatores orgânicos, climáticos, geográficos e sociais (Rafter, Posick, Rocque, 2016, p.70; Musumeci, 2018MUSUMECI, Emilia. Against the rising tide of crime: Cesare Lombroso and control of the “dangerous classes” in Italy, 1861-1940. Crime, Histoire et Sociétés, v.22, n.2, p.83-106, 2018., p.86).

Apesar dos ataques sofridos, os estudos lombrosianos atingiram tamanha popularidade que, no período compreendido entre as décadas de 1870 e 1940, foram apropriados, debatidos e contestados em diversos contextos nacionais. Em consonância com o papel de outros atores, Lombroso contribuiu ativamente para que a criminologia se constituísse em um campo interdisciplinar e transnacional (Henze, 2009HENZE, Martina. Crime on the agenda: transnational organizations 1870-1955. Historisk Tidsskrift, v.109, n.2, p.369-471, 2009.; Villa, 2013VILLA, Renzo. Lombroso and his school: from anthropology to medicine and law. In: Knepper, Paul; Ystehede, Per (org.). The Cesare Lombroso handbook. London, New York: Routledge, 2013. p.8-29., p.10).

O processo de conformação da criminologia francesa também ocorreu a partir da segunda metade do século XIX. Assim como a antropologia criminal, esse movimento contou com a participação de atores com formação acadêmica diversificada; entre eles médicos, juristas, advogados, magistrados, teóricos sociais e autoridades políticas. Essa composição heterogênea teria concedido ao grupo um caráter bastante plural, resultando na formulação de distintas teorias dedicadas à compreensão do crime e do criminoso (Nye, 1984NYE, Robert A. Crime, madness, and politics in modern France: the medical concept of national decline. Princeton: Princeton University Press, 1984., p.98).

Os seus principais representantes estavam localizados na cidade de Lyon e passaram a publicar os seus estudos no periódico organizado pelo médico Alexandre Lacassagne, intitulado Archives de l’Anthropologie Criminelle, que circulou entre 1886 e 1914 (Kaluszynski, 2006KALUSZYNSKI, Martine. The International Congresses of Criminal Anthropology. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.301-316., p.303). Além de Lacassagne, fizeram parte dessa iniciativa os juristas René Garraud (1849-1930) e Gabriel Tarde (1843-1904).8 8 Gabriel Tarde e René Garraud fizeram importantes observações sobre a temática do crime e também acerca da prática do anarquismo. Em relação a Tarde, cabe mencionar a obra La criminalité comparée (1886), na qual o autor destaca a importância da “sugestibilidade” nas explicações sociológicas do crime. Já sobre Garraud, vale destacar o livro L’anarchie et la répression, publicado em 1895.

De acordo com Marc Renneville, a maior parte dos criminólogos franceses desse período rejeitava as teses lombrosianas do atavismo e do “delinquente nato”. Apesar de reconhecerem a existência de anormalidades anatômicas ou fisiológicas nos criminosos, elas não lhes pareciam suficientemente frequentes para que pudessem inferir sobre a sua natureza primitiva (“pré-histórica”). Sob forte influência da teoria da degeneração e das ideias neolamarckistas, davam grande importância às condições ambientais (a pobreza, as péssimas condições de trabalho, o clima, o alcoolismo, as doenças etc.) para a origem dos comportamentos desviantes (Renneville, 2005, p.191).

O grande nome da criminologia francesa nesse contexto foi o médico Alexandre Lacassagne. Para ele, as condições sociais perniciosas teriam o condão de alterar, ao longo de várias gerações, a constituição orgânica do cérebro de um determinado indivíduo, resultando na alteração do comportamento e no aparecimento de condutas socialmente “desajustadas”. Por ser produto do milieu social, tal indivíduo também contribuía para a própria formação de um ambiente prejudicial, na medida em que ajudava a propagar, via transmissão hereditária, a degeneração. Lacassagne, portanto, sempre considerou em suas análises os fatores biológicos; mas, diferentemente de Lombroso, “ele via nas anomalias físicas e psíquicas dos criminosos as consequências de um meio social desfavorável [degenerado] ... e não de fatores etiológicos da criminalidade” (Renneville, 2005RENNEVILLE, Marc. La criminologie perdue d’Alexandre Lacassagne (1843-1924). Criminocorpus: Revue d’Histoire de la justice, des crimes et des peines, 2005. Disponível em: http://journals.openedition.org/criminocorpus/112. Acesso em: 23 jan. 2022.
http://journals.openedition.org/criminoc...
, p.193).

Entre o final do século XIX e início do século XX, foram realizados alguns congressos de antropologia criminal na Europa, reunindo os maiores especialistas na temática. Ao todo foram oito fóruns internacionais planejados entre 1885 e 1914, tendo como sede as seguintes cidades: Roma (1885), Paris (1889), Bruxelas (1892), Genebra (1896), Amsterdã (1901), Turim (1906), Colônia (1911) e Budapeste (1914), embora este nunca tenha ocorrido (Kaluszynski, 2006KALUSZYNSKI, Martine. The International Congresses of Criminal Anthropology. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.301-316.; Henze, 2009HENZE, Martina. Crime on the agenda: transnational organizations 1870-1955. Historisk Tidsskrift, v.109, n.2, p.369-471, 2009.; Del Olmo, 2017DEL OLMO, Rosa. A América Latina e sua criminologia. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2017.).

O primeiro congresso, realizado em Roma, representou o ápice da carreira de Lombroso e da criminologia italiana. No entanto, o segundo evento, ocorrido em Paris, foi marcado por forte oposição à ideia do Homo criminalis. As críticas nesse sentido partiram dos “criminólogos de Lyon”, representados na figura de Lacassagne. Embora nesse encontro os antagonismos entre franceses e italianos tenham sido colocados em evidência, é preciso lembrar os pontos de contato existentes nos pensamentos formulados por esses dois grupos, como mencionado nos parágrafos anteriores. Como salientado por Martine Kaluszynski (2006KALUSZYNSKI, Martine. The International Congresses of Criminal Anthropology. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.301-316., p.306, 307), essas reuniões foram locais de troca, de controvérsias científicas, de divulgação e de desenvolvimento do conhecimento médico-criminal, mas também de conflito de interesses e de poder, “onde adversários se enfrentaram ou se aliaram”, a partir de suas proposições teóricas.

“Besta humana, defeituosa por suas origens”: o militante anarquista, segundo Alexandre Lacassagne

A emergência dos discursos criminológicos, somados a uma série de atentados praticados por alguns anarquistas no fim do século XIX, motivou um aumento na produção de estudos e publicações interessados em compreender a origem social do anarquismo e, na maior parte dos casos, provar que suas práticas e ideias atentavam contra as “bases da organização social”. Nesse sentido, médicos e outros especialistas dedicados à compreensão dos sujeitos “desviantes” passaram a se ocupar dos “delinquentes políticos”, dos revoltados sociais e dos revolucionários em geral. Influenciados por teorias que correlacionavam o crime à loucura, tais intelectuais buscavam encontrar uma solução científica para resolver o “problema” trazido pelo movimento anarquista, sobretudo em relação às suas ações mais radicais (Renneville, 2003RENNEVILLE, Marc. Crime et folie: deux siècles d’enquêtes médicales et judiciaires. Paris: Fayard, 2003.). Foi nesse contexto que Lacassagne, em 1894, publicou o seu L’assassinat du président Carnot, obra que fez parte de uma temática que esteve em voga na virada do século.

Lacassagne, em seu pequeno livro de exatamente 111 páginas, editado em Lyon pela A. Storck, responsável pela publicação de inúmeros títulos do campo da criminologia, iniciou a exposição tratando das supostas razões que levaram Caserio, na qualidade de militante anarquista, a perpetrar o atentado contra Carnot. A primeira tarefa foi apresentar aos leitores o seu conceito de crime. Para o médico de Lyon, a conduta criminosa deveria ser compreendida como qualquer “ato prejudicial à existência de uma comunidade humana”. Apesar de bastante genérica, tal definição teria a vantagem de tipificar como delito condutas consideradas danosas à sociedade “em qualquer momento da história” (Lacassagne, 1894, p.3).

A partir dessa definição de delito, as práticas de militância dos anarquistas deviam ser consideradas “essencialmente criminosas”. O desejo desses indivíduos de “pretender mudar o funcionamento da vida comum, as relações do capital e trabalho” seria, segundo Lacassagne (1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.3, 4), o argumento principal para a criminalização da prática do anarquismo. Além disso, a ideia de uma sociedade organizada a partir da coletivização da propriedade e da divisão dos bens produzidos é interpretada como “aforismas” defendidos por “jovens, quase crianças”. Dito de outra forma, por um grupo de pessoas ingênuas que, em razão da pouca idade, desconhecem as necessidades reais e práticas da vida.

Dando prosseguimento a suas análises, Lacassagne passou a investigar as origens dos ideais defendidos pelos anarquistas. Divergindo do posicionamento de outros especialistas, os libertários, em geral, não poderiam ser compreendidos como um grupo de sujeitos excitados ou mentalmente desequilibrados. Para o médico de Lyon, o anarquismo era um fenômeno social; um mal-estar provocado pelas desigualdades emergentes que afetavam o proletariado nos grandes centros urbanos:

Mas de onde vêm essas tendências, essas ideias? Não é, como costumamos repetir, o estado de espírito de alguns indivíduos, mais ou menos excitado ou desequilibrado.

Não, é o sinal de um mal-estar social, resultado de uma série de causas que vislumbramos, mas que são difíceis de desvendar e cuja influência é impossível especificar. É como a agitação demoníaca, possessão, a bruxaria, que ocuparam toda a Idade Média. Ficamos então preocupados com o destino da alma durante esta vida, especialmente após a morte, mas aceitamos as desigualdades sociais. Hoje, é o corpo, ..., que deve ser satisfeito: temos necessidades e queremos desfrutar as relações da vida moderna (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.4).

O desejo pela satisfação das “necessidades” da vida, no entanto, não poderia ser ilimitado a ponto de produzir discursos e ideias que incentivassem o processo de desapropriação de bens, exigindo o fim da propriedade privada como almejavam os movimentos operários, de base socialista, daquele contexto. Ainda de acordo com Lacassagne, tais ações mereceriam a devida reprovação social por ser “a manifestação de instintos egoístas” de indivíduos que buscam o “bem-estar para si, à custa do bem-estar dos outros”, e para tanto alimentam ambições “fornecidas pelos instintos destrutivos” (Lacassagne, 1894, p.4).

Lacassagne (1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.5) entendeu que a defesa pela completa eliminação do princípio da autoridade e das instituições políticas, assim como a supressão da sociedade baseada na competição, eram proposições desprovidas de fundamentos científicos. Por esta razão, a anarquia significaria a luta dos indivíduos por seus direitos, “mas de um indivíduo em revolta contra a sociedade, em rebelião contra a própria espécie”. Nesse mesmo sentido, a ideia de isonomia, outro preceito importante defendido pelos libertários, teria sido amplamente difundida e aceita pelas “mentes fracas e superficiais, que enxergam a igualdade apenas nas aparências”, e desconhecem as “diversidades naturais dos homens” (p.6).

Sendo assim, a imagem do anarquista traçada pelo médico francês era de uma pessoa possuidora de um “orgulho indisciplinado, repleto de sentimentos de ódio e inveja, e com um estado de raiva crônica”. Entre os jovens, esse ódio seria reafirmado pelo “horror a toda autoridade e, particularmente, ao militarismo”. Contudo, Lacassagne admite que os “males da civilização” existentes nos grandes centros urbanos seriam capazes de inibir a “doçura, a comodidade e a benevolência presentes nos homens”, fazendo com que “o orgulho, ou o instinto de dominação, progredisse e crescesse”, a ponto de os indivíduos “não se sentirem mais obrigados a obedecer”. A “superexcitação” do orgulho, por sua vez, atuaria no instinto destrutivo, o que explicaria “a linguagem de violência e as ações anarquistas” (Lacassagne, 1894, p.7).

Em 1890, Cesare Lombroso e o advogado Rodolfo Laschi (1850-1950) publicaram o livro Il delitto politico e le rivoluzioni in rapporto al diritto, all’antropologia criminale ed alla scienza di governo. Nessa obra, Lombroso e Laschi comentam que o delito político, em seu significado antropológico, não deveria ser entendido apenas como o mero ataque a uma determinada instituição política. Para eles, a verdadeira essência desse crime seria estabelecer uma “oposição violenta ao misoneísmo9 9 Palavra que significa aversão ou desconfiança em relação a mudanças; ou ainda, hostilidade para com o novo. político, religioso ou social”, existente na maioria das nações. O progresso humano ocorreria lentamente em meio a “obstáculos poderosos, provocados por circunstâncias externas e internas”. Tanto os indivíduos quanto a sociedade são concebidos, em seus escritos, como entidades de natureza conservadora. Assim, as ações abruptas e violentas, destinadas a uma mudança social repentina, representariam um fato antissocial “e, portanto, juridicamente, um crime”. Os autores ainda apresentaram uma distinção existente entre as revoluções e as revoltas propriamente ditas. Enquanto as primeiras seriam ações graduais, justas e naturais e, desse modo, lícitas, as segundas devem ser entendidas como precipitadas e artificiais, elementos esses que demonstrariam a sua ilicitude. Ademais, os processos revolucionários se encontrariam na zona da normalidade, ao passo que os pequenos levantes residiriam entre os fenômenos patológicos (Lombroso, Laschi, 1890, p.31).

A percepção dos movimentos insurrecionais como bruscos e repentinos, portanto incompatíveis com a própria natureza humana, também foi explorada e revisitada por Lacassagne (1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.9). Para ele, os “anarquistas, esses homens de rápido progresso, que buscam soluções instantâneas” acabam expondo princípios retrógrados ao defender a destruição da sociedade. Contudo, argumentou o médico francês, “o cérebro humano é um e seu desenvolvimento é tão lento que é quase imutável, assim como nas espécies animais”. Ainda que “certos instintos essenciais, inescapáveis e primordiais do cérebro” apresentem modificações, esse órgão “não sofrerá grandes mudanças se comparado aos demais membros do corpo”.

Ao finalizar a seção do livro que explora os principais fatores etiológicos do anarquismo e a sua interface com os delitos políticos, Lacassagne (1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.9) foi categórico: “O espírito revolucionário é resultado do egoísmo humano superexcitado associado à má educação”. Fazendo referência aos estudos de Gabriel Tarde sobre as multidões criminosas, comentou que tais indivíduos são levados a cometer os atos ilícitos pela sugestão. De acordo com o médico, os jornais, os pequenos periódicos e os panfletos da imprensa libertária, ao divulgar escritos incendiários, contribuiriam para “a sugestão do crime político”, resultando na “combinação explosiva da dinamite com a adaga”, como ocorreu no caso de Sante Geronimo Caserio (p.8).

Na terceira parte de sua obra, Lacassagne analisou a fundo a trajetória social do assassino, o histórico patológico de seus ancestrais, os seus dados antropométricos e se o contato com as ideias libertárias era fruto de uma “mente desorganizada”. A intenção do autor foi levantar hipóteses que explicassem a prática criminosa e, sobretudo, concluíssem se Caserio era louco ou se agiu sob o efeito de forte emoção – dois fatos que o tornariam inimputável.

Para tanto, considerou o seu local de nascimento em Motta Visconti, uma pequena comuna a sudoeste de Milão, na região da Lombardia. Segundo o criminólogo de Lyon, a Itália na segunda metade do século XIX havia se tornado “a terra do maléfico”, “a terra clássica dos crimes de sangue, ou simplesmente, ... do assassinato não planejado”. Desse modo, o “omicidio improvvisato dos italianos” seria “um artigo de exportação frequente” para os países vizinhos, principalmente a França (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.20).

Outro fator etiológico cogitado para o atentado praticado por Caserio era a idade (20 anos). Fazendo referência ao então famoso estudo sobre os regicidas (Les régicides dans l’histoire et dans le présent, 1890) do médico Emmanuel Régis (1855-1918), Alexandre Lacassagne (1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.21) ressaltou que, com raras exceções, “todos os famosos regicidas tinham apenas 30 anos de idade no momento do ataque”, impressionando “o grande número de jovens que participaram do movimento anarquista”. Nas informações antropométricas de Caserio, coletadas na prisão de Saint-Paul, não foram encontrados nenhuma anormalidade ou “elementos da degeneração”, mas apenas os traços físicos comuns aos regicidas, exatamente como relatado por Régis em sua pesquisa, entre eles: barba escassa, olhar fixo e crânio pouco alongado (p.25).

Quanto à trajetória social e ao “estado mental” do autor do atentado, Lacassagne ressalta que Caserio “mal possuía a educação primária”, sendo “fluente na leitura e carente na escrita”. A sua memória visual era excelente, sendo capaz de manter nas lembranças “pequenos fatos de coisas vivenciadas”. Observando o depoimento coletado em juízo, principalmente as declarações manuscritas, afirmou o criminólogo: “Ficamos convencidos de que sua inteligência era rápida o suficiente, porém superficial. Ele entendia as coisas de forma rápida, mas era incapaz de refletir, comparar e julgar”, e o seu conhecimento sobre política “era quase nulo” (Lacassagne, 1894, p.25-27). Caserio submetia-se “a uma alimentação forçada de leituras, das quais havia retido apenas algumas frases”, e que soavam “bem aos seus ouvidos”. Por sua essência “eminentemente simplista”, as ideias anarquistas “incendiárias” eram o “alimento suficiente para sua mente” e, por ser de fácil compreensão, “lia com avidez os jornais e os panfletos dessa seita de estilo vulgar e ardente” (p.28).

Novamente fazendo coro aos estudos de Tarde, as notícias sobre as execuções de outros anarquistas condenados seriam responsáveis por “germinar em seu cérebro as ideias de ódio e de vingança”. Os discursos difundidos pela imprensa libertária eram tão pessimistas, que provocariam em seus leitores uma sensação de “cansaço com a vida”, passando a considerar a possibilidade de cometer suicídio. Contudo, como os “indivíduos anárquicos” possuem uma “vaidade incomensurável”, eles sacrificam tudo por sua causa, “colocando a sua cabeça a prêmio e mostrando aos companheiros” que eram “realmente fortes e resolutos”. Assim concluiu Lacassagne (1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.29; destaque no original): Caserio não era um regicida; “o seu crime é o ‘suicídio indireto’”.

A categoria dos “suicidas indiretos” foi formulada por Emmanuel Régis para os diferenciar dos verdadeiros regicidas. Nessa modalidade, o indivíduo “medroso e desesperançoso com a vida” assassina um político ou um monarca com o objetivo de ser condenado e executado, e assim alcançar indiretamente “a própria morte, que seria o seu único objetivo” (Régis, 1890, p.22). Já os atos praticados pelos verdadeiros regicidas, segundo ele, não devem ser considerados repentinos e inconscientes. Ao contrário, é uma ação lógica “concebida com plena lucidez, premeditada e preparada há muito tempo”. E, apesar desse discernimento, “são doentes, desequilibrados, de vontade fraca, escravos de sua obsessão e que, impelidos por uma força cega e fatal, não estão livres para resistir” (p.20).

Alexandre Lacassagne menciona que, durante a sua trajetória biográfica, Sante Caserio nunca foi “contido ou guiado pela influência da amizade ou do amor”, indicando que o humilde padeiro da Lombardia “era um frígido, rude e insensível ao amor platônico”. Ainda de acordo com o médico, a sua indiferença não despertou qualquer sentimento de remorso ou arrependimento pelo assassinato. A sua baixa escolaridade, “a pouca inteligência, incapaz de elaborar uma observação e reflexão, e a completa ausência de sentimentos afetuosos”, revelam o caráter de um impulsivo. Desse modo, Caserio seria semelhante “a esses indivíduos com músculos de aço” e, portanto, “sem medo de obstáculos, insubordinados, agitados, cujo sangue é como uma dinamite”, sendo tão perigosos “quanto as bombas nas mãos dos líderes anarquistas” (Lacassagne, 1894, p.31).

Após ter traçado o perfil criminológico, Lacassagne ventilou uma série de conjecturas sobre a sanidade mental do anarquista. Mas a despeito disso antecipou o seu parecer afirmando que “os criminosos dos tipos de Caserio não são loucos” nem completos degenerados. Ele também descartou a possibilidade de ser um epilético pela ausência dos sinais que caracterizam essa categoria patológica:

Mas que tipo de loucura ele poderia ter? ... [Ele] seria vítima de uma das formas de epilepsia? Ele é filho de um epilético; esta hereditariedade está estabelecida, e todos sabem que é opressora.

Portanto, vamos averiguar se Caserio possui os sintomas ou o estigma.

Não possui as características de assimetria epileptogênica descritas por Lasègue. Possui, no entanto, um queixo pouco acentuado e ondulado. O rosto não apresenta outras particularidades, exceto esse riso contínuo, contraído, como satânico, e que me causou uma impressão dolorosa. Esse riso foi afetado pela circunstância, ou era usual para ele? Uma risada semelhante e contínua é uma espécie de tique. Devemos tomar cuidado com aqueles que não conseguem rir: eles são bandidos e enganadores.

Lembre-se de que sua envergadura excede em muito o tamanho natural (Tonnini, Civadolli e Amati), que ele possui dedos sobrepostos (Lombroso), que em pé ele tem uma atitude que lembra a dos quadrúmanos, com os pés afastados para ampliar a base de sustentação (Féré).

... Nunca notamos inconsciência, ... não há nele vestígios de alucinações, visões, pesadelos, crises. ... Em suma, pelas informações que temos, podemos dizer que Caserio não era um epilético (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.32-33).

Em tom de síntese, Lacassagne finaliza a sua exposição afirmando que “Caserio não é um tolo”; mas “possuía alguns caracteres dos degenerados”. Tratando-se, segundo ele, de “um caso de homicida fanático”, “uma besta humana, já defeituosa por suas origens” que teria sido “viciada pelas teorias do partido anarquista, que o tornaram um ser antissocial”. Para Caserio, o assassinato do presidente Sadi Carnot foi “um meio de terrorismo, a vingança de um grupo, a satisfação do ódio e, ao mesmo tempo, a consagração de uma reputação” entre os companheiros. Com base nesse parecer, concluiu que Caserio deveria ser considerado imputável, tendo agido com plena lucidez à época dos fatos. Sendo plenamente responsável pelo crime cometido contra o chefe de Estado da França, para o criminólogo de Lyon era “certo e necessário que ele fosse atingido com a punição” oferecida pela lei penal francesa (Lacassagne, 1894, p.37).

O anarquista Sante Caserio foi processado, condenado e sentenciado à morte pela Justiça. A sua pena foi executada no dia 16 de agosto de 1894. De acordo com os relatos da imprensa, Caserio caminhou lentamente até ao patíbulo, mantendo-se firme, sem rancor e sem fraqueza. Lívido, foi auxiliado por dois ajudantes para se aproximar da guilhotina. Por meio de uma descrição quase cinematográfica, as notícias informavam que, no momento em que a lâmina pressionava lentamente o seu pescoço, dava para se ouvir “uma voz rouca, estrangulada pelo medo”, que balbuciava: “Coragem, camaradas, viva a Anarquia!” (L’execution…, 17 ago. 1894).

Considerações finais

O artigo procurou mostrar que o crescimento dessas ações radicais, como o caso de Sante Caserio explorado na obra L’assassinat du président Carnot publicada por Alexandre Lacassagne, levou o anarquismo ao centro dos debates criminológicos que ocorriam na França, na Itália, na Alemanha, na Espanha e em outras regiões da Europa, na segunda metade do século XIX. Baseando-se em teorias pautadas na relação crime e loucura, as formulações produzidas por Lacassagne no referido livro tiveram por objetivo traçar explicações multifatoriais para o fenômeno do anarquismo (como a raça, as condições hereditárias e os aspectos sociais), bem como oferecer meios para conter a propagação das ideias libertárias. Embora Caserio não tenha sido declarado louco, boa parte das análises feitas pelo médico francês buscou inserir a figura do anarquista na seara dos “desvios” mentais.

O início do século XX, ademais, marcou um momento de clivagem das ideias e das práticas libertárias, produzindo mudanças nas formas de organização e atuação entre a classe trabalhadora. De acordo com Bert Altena, o fato de o anarquismo ser um movimento social permite compreender a sua capacidade de adaptação e mutabilidade em relação às novas demandas sociais. Isso também explicaria o seu “poder de permanência no longo prazo”, ainda que entrecortado por períodos de latência (Altena, 2016, p.16). Nesse sentido, após o ciclo de “atos de terror”, as proposições geridas, inicialmente na década de 1870, sobreviveriam na forma de um movimento anarquista em simbiose com as experiências sindicais. A interlocução desses dois campos forjaria as bases do “sindicalismo revolucionário”, no qual as associações de trabalhadores seriam organizadas em torno de federações nacionais ou regionais, adotando o mesmo modelo apartidário e internacionalista defendido na Primeira Internacional (Colombo, 2004COLOMBO, Eduardo. Uma história escamoteada. In: Colombo, Eduardo; Colson, Daniel et al. História do movimento operário revolucionário. São Paulo: Imaginário; São Caetano do Sul: Imes/Observatório de Políticas Sociais, 2004. p.19-31., p.28-29; Hirsch, Van der Walt, 2010, p.li).

Uma consequência gerada pela prática dos atentados foi a forte repressão que desaguou sobre o movimento anarquista, com a participação conjunta de alguns países responsáveis por celebrar acordos internacionais visando ao intercâmbio de informações policiais, bem como à edição de leis de criminalização e expulsão de indivíduos que mantivessem algum vínculo com o anarquismo (Bantman, 2016BANTMAN, Constance. Terrorism and its policing: anarchists and the Era of Propaganda by the deed, 1870s-1914. In: Knepper, Paul; Johansen, Anja (org.). The Oxford handbook of the history of crime and criminal justice. New York: Oxford University Press, 2016. p.192-207.). Entretanto, as muitas deportações de militantes contribuíram para fortalecer a circulação das ideias libertárias e tecer uma rede transnacional de ativistas em regiões distantes do continente europeu, uma vez que muitos desses repatriados foram responsáveis por propagandear o anarquismo em solo estrangeiro (Romani, Benevides, 2021).

Além disso, o espectro do “anarquista dinamiteiro”, explorado exaustivamente pela emergente imprensa sensacionalista sedenta por notícias criminais (Kalifa, 2019KALIFA, Dominique. A tinta e o sangue: narrativas sobre crimes e sociedade na Belle Époque. São Paulo: Editora Unesp, 2019.), contribuiu para construir, no imaginário social, a ideia de um sujeito “lunático” carregando embaixo do braço uma bolsa com artefato explosivo, pronto para “levar tudo pelos ares”. Por fim, a terceira consequência provocada pelos excessos da propaganda pela ação foi o aumento na publicação de estudos médico-criminológicos acerca dos criminosos políticos, dos revolucionários e também dos anarquistas. Um dos objetivos principais de boa parte desses trabalhos foi oferecer uma explicação médica que demonstrasse os fatores etiológicos dos delitos políticos. A emergência de inúmeras teorias dedicadas à compreensão do “indivíduo revoltado” coincidiu tanto com a fase de extrema radicalização do anarquismo, no final do século XIX, quanto com um momento específico da medicina mental desenvolvida em alguns países da Europa, responsável por trazer contribuições significativas para o campo da criminologia.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de financiamento 001.

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NOTAS

  • 1
    Entre os companheiros vingados, cabe mencionar Émile Henry (1872-1894), militante anarquista, responsável por ter lançado um artefato explosivo no interior do Café Terminus, localizado em Paris, em fevereiro de 1894. Em razão desse ato, Henry foi sentenciado à morte em maio do mesmo ano. Assim como o atentado contra o presidente Sadi Carnot, o caso atingiu notoriedade internacional, trazendo preocupações aos governos de vários países (Maitron, 1981MAITRON, Jean. Ravachol e os anarquistas. Lisboa: Antígona, 1981.).
  • 2
    Nesta e nas demais citações de textos em idioma estrangeiro a tradução é livre.
  • 3
    Fizeram parte da equipe e assinaram o relatório médico-legal sobre a autópsia e as causas da morte de Carnot, os seguintes médicos: Antoine Gailleton (1829-1904), o próprio Alexandre Lacassagne, Henry Coutagne (1846-1895), Louis Ollier (1830-1900), Poncet, Lépine, Rebatel, Michel Gangolphe (1858-1919) e Jean Fabre (Lacassagne, 1894LACASSAGNE, Alexandre. L’assassinat du président Carnot. Lyon: A. Storck, 1894., p.72).
  • 4
    De acordo com Robert Darnton (2010DARNTON, Robert. História intelectual e história cultural. In: Darnton, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010. p.204-231., p.220-221), a “história da ciência pode se revelar como um campo estratégico para avaliar o jogo entre a história social e a história das ideias”.
  • 5
    François Claudius Koënigstein (1859-1892), mais conhecido como Ravachol, figura emblemática para o movimento anarquista em todo o mundo, foi responsável por cometer dois atentados a bomba que sacudiram os alicerces da paz parisiense, durante o final da segunda metade do século XIX. Ravachol “nasceu na comuna francesa de Saint-Chamond, no mês de outubro de 1859. Filho de pais operários, teve uma infância muito humilde e conturbada, sendo deixado aos cuidados de uma ama de leite até o terceiro ano de idade. Posteriormente, até os sete anos, ele residiu em um asilo. Já na fase adulta de sua vida, viveu em diversas regiões na França, vagando de cidade em cidade, ganhando a vida como pôde e de inúmeras maneiras, passando a exercer variadas atividades laborais” (Benevides, 2017BENEVIDES, Bruno Corrêa de Sá e. Feiura como indício de delinquência: uma análise de Ravachol segundo Cesare Lombroso. Temporalidades: Revista de História, v.9, n.3, p.211-227, 2017., p.216-217).
  • 6
    Para os adeptos dessa corrente jurídica, a pena criminal simbolizaria uma espécie de retribuição pelo dano causado à vítima do delito. Baseando-se na teoria dos contratos do direito civil e na ideia de livre-arbítrio como fundamento principal para a punibilidade, defendiam que a sociedade estaria organizada por relações interpessoais de caráter contratual. Sendo assim, ocorrendo o descumprimento desse “contrato social” por meio da prática de um delito, as sanções penais objetivariam punir o delinquente e, com isso, retribuir o mal causado ao ofendido, além de servir como medida preventiva contra novas práticas criminosas (Nye, 1984NYE, Robert A. Crime, madness, and politics in modern France: the medical concept of national decline. Princeton: Princeton University Press, 1984., p.34; Renneville, 2006RENNEVILLE, Marc. The origins of French criminology. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (org.). Criminals and their scientists: the history of criminology in international perspective. New York: Cambridge University Press; Washington, DC: German Historical Institute, 2006. p.25-41., p.32; Fonteles Neto, 2016, p.547; Paula, 2011PAULA, Richard Negreiros de. Paciente duplicado: psiquiatria e Justiça no Rio de Janeiro, entre as décadas de 1890 e 1910. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011., p.75-76).
  • 7
    De acordo com Mucchielli, os médicos das últimas décadas do Oitocentos raciocinavam de maneira muito semelhante na Itália, na Alemanha e na Inglaterra; portanto, seria “difícil imaginar por que a situação deveria ter sido diferente na França”. Segundo o autor, “a suposta exceção francesa – especialmente a ‘concepção sociológica’ ... desenvolvida por alguns historiadores franceses – já foi contestada” (Mucchielli, 2006, p.208; destaque no original).
  • 8
    Gabriel Tarde e René Garraud fizeram importantes observações sobre a temática do crime e também acerca da prática do anarquismo. Em relação a Tarde, cabe mencionar a obra La criminalité comparée (1886), na qual o autor destaca a importância da “sugestibilidade” nas explicações sociológicas do crime. Já sobre Garraud, vale destacar o livro L’anarchie et la répression, publicado em 1895.
  • 9
    Palavra que significa aversão ou desconfiança em relação a mudanças; ou ainda, hostilidade para com o novo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2021
  • Aceito
    11 Abr 2022
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