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Desigualdades socioeconômicas na América Latina e Caribe: o futuro pós-pandemia para a formação profissional na saúde

Resumo

A desigualdade é um problema global e estrutural que aflige com maior intensidade as populações dos países mais empobrecidos. A pandemia da covid-19 agravou esse problema histórico na América Latina e Caribe e aprofundou as incertezas relacionadas às necessidades humanas básicas. O estudo apresenta um painel sobre o tema produzido pelos relatórios oficiais de agências internacionais (Opas, OMS, Cepal) entre 2019 e 2022, e discute alguns caminhos para a formação profissional em saúde no Brasil, bem como as mudanças nas práticas em saúde que podem impulsionar a proteção social das populações vulneráveis, com base nas propostas de Paulo Freire e Edgar Morin, que colocam em evidência as problemáticas sociossanitárias atuais.

Desigualdades sociais; Iniquidade na saúde; Pandemia; Práticas educativas; Proteção social

Abstract

Inequality is a global, structural problem that is particularly marked in the world’s poorest countries. The covid-19 pandemic exacerbated this historic problem in Latin America and the Caribbean and deepened uncertainties in relation to basic human needs. This study presents an overview of the subject on the basis of official reports from international agencies (PAHO, WHO, ECLAC) between 2019 and 2022 and discusses some paths for the training of health professionals in Brazil. It also investigates how health practices could be changed to ensure greater social protection for vulnerable populations, based on the proposals of Paulo Freire and Edgar Morin, which highlight current social and health problems.

Social inequality; Health inequity; Pandemic; Educational practices; Social protection

A pandemia da covid-19 agravou as históricas desigualdades estruturais na América Latina e Caribe e aprofundou as incertezas relacionadas às necessidades humanas básicas. A crise sociossanitária constitui-se em fator de produção das desigualdades, impondo novas situações sociais e econômicas. Essas desigualdades, com frequência, se refletem no campo da saúde, em especial no acesso diferenciado aos recursos disponíveis nos serviços ( Barreto, 2017BARRETO, Mauricio Lima. Desigualdades em saúde: uma perspectiva global. Ciência e Saúde Coletiva, v.22, n.7, p.2097-2108, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/XLS4hCMT6k5nMQy8BJzJhHx/?lang=pt. Acesso em: 13 ago. 2022.
https://www.scielo.br/j/csc/a/XLS4hCMT6k...
; OECD, 2020OECD, Organisation for Economic Co-operation and Development. Covid-19 en América Latina y el Caribe: panorama de las respuestas de los gobiernos a la crisis. 2020. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=132_132868-3ikx3m7ikl&title=Covid-19-en-America-Latina-y-el-Caribe-panorama-de-las-respuestas-de-los-gobiernos-a-la-crisis. Acesso em: 3 maio 2022.
https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref...
; Faria, Patiño, 2020). Essa região é uma das mais afetadas pelo coronavírus, tanto em número de casos como no de mortes. Com pouco mais de 8% da população mundial, contabilizava até dezembro de 2020 cerca de 20% dos contágios e mais de 25% de mortes em escala global (Montes, Fariza, 4 mar. 2021; Cepal, 2021a). O Brasil foi responsável por 12% das mortes por covid-19 até outubro de 2021, apesar de mais de 80% da população brasileira estar totalmente vacinada ( Our World in Data, 2021OUR WORLD IN DATA. Coronavirus pandemic (covid-19). 2021. Disponível em: https://ourworldindata.org/coronavirus. Acesso em: 17 nov. 2021.
https://ourworldindata.org/coronavirus...
, 2022OUR WORLD IN DATA. Coronavirus (covid-19) vaccinations. 2022. Disponível em: https://ourworldindata.org/covid-vaccinations?country=OWID_WRL. Acesso em: 6 mar. 2022.
https://ourworldindata.org/covid-vaccina...
; Brasil, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial: Doença pelo novo coronavírus – covid-19. Semana Epidemiológica 39, 26/9 a 2/10/2021. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_83.pdf. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
, 2022BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Covid-19 – Painel Coronavírus. Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 17 maio 2022.
https://covid.saude.gov.br/...
).1 1 Em estudo recente publicado na revista The Lancet , em 10 de março de 2022, os autores fizeram importantes contribuições para o entendimento do impacto da covid-19 nas taxas de mortalidade em 191 países. Suas estimativas sugerem que o impacto da mortalidade foi mais devastador do que o documentado pelos relatórios oficiais. Segundo os dados coletados pelo estudo, até 31 de dezembro de 2021, as estatísticas oficiais registraram quase seis milhões (5,94 milhões) de mortes pela doença, contudo, o número estimado pelo estudo indica uma taxa três vezes maior de mortes (18,2 milhões) ( Wang et al., 2022 ).

“Um mundo mais desigual é o legado imediato da pandemia” – os modelos de proteção social eurocêntricos pautados pelo liberalismo e meritocracia não resolveram a questão social da desigualdade na América Latina e Caribe ( Basile, 2020BASILE, Gonzalo. SARS-CoV-2 en América Latina y Caribe: las tres encrucijadas para el pensamiento crítico en salud. Ciência e Saúde Coletiva, v.25, n.9, p.3557-3562, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/JHBckvyp64ZDTmNVTNd6BvS/?lang=es. Acesso em: 23 maio 2022.
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, p.3559).2 2 Nessa e nas demais citações em língua estrangeira a tradução é livre. A disparidade entre ricos e pobres cresceu significativamente entre 2019 e 2022, acentuada por políticas privatizadoras e de retirada de direitos sociais. O Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo, onde os 10% de brasileiros mais ricos estão entre aqueles que ganham mais de dez salários mínimos e concentram 59% da renda nacional total, enquanto mais da metade da população brasileira concentra apenas cerca de 10% da renda nacional total (Pellicer, Grasso, 7 dez. 2021).

Um mundo mais desigual é também o legado das sociedades capitalistas. Segundo Rehbein (2020REHBEIN, Boike. Capitalism and inequality. Sociedade e Estado, v.35, n.3, p.695-722, 2020. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/issue/view/1857/519/blob:https://periodicos.unb.br/0ebd71a9-738f-4ae1-8f74-164e51afb5e0. Acesso em: 30 jul. 2022.
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, p.696) “a visão ideológica do capitalismo combina-se com a invisibilidade da dominação estrutural para construir uma compreensão totalmente equivocada da desigualdade”. Para o autor, o cerne do pensamento capitalista deveria ser a competição em igualdade de condições para uma melhor qualidade de vida. Contudo, as desigualdades nas sociedades contemporâneas estão mais visíveis do que nunca, e a crise sanitária causada pela pandemia pôs em evidência, segundo Sousa Santos (2 abr. 2020) essas abissais desigualdades, além da necessidade de novas políticas públicas e de novos pactos sociais. Para Sousa Santos (2 abr. 2020, p.1), “à medida que o neoliberalismo se foi impondo como a versão dominante do capitalismo e este se foi sujeitando mais e mais à lógica do setor financeiro ... o mundo tem vivido em permanente estado de crise”.

A primeira parte do estudo apresenta um painel produzido pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Organização Pan-americana de Saúde (Opas) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em relatórios oficiais para os anos compreendidos entre 2019 e 2022, entre outros documentos produzidos no mesmo período e que foram utilizados na organização do curso internacional “La pandemia y la salud pública en Latinoamérica”.3 3 Programa Andifes de Mobilidade Virtual Internacional: Destino Brasil. A documentação revela um cenário que exige a compreensão de seus elementos mais críticos e uma visão integradora e multidimensional dos fenômenos sociais em questão, com ênfase na complexidade e precariedade das estruturas sanitárias, econômicas, políticas e sociais que originam tais fenômenos em vários países da América Latina e Caribe.

Importante destacar que um dos caminhos para transformação da realidade (combate à pobreza e enfrentamento das desigualdades socioeconômicas), segundo os vários relatórios dessas agências, é o investimento em políticas de proteção social voltadas para as populações mais vulneráveis, como os investimentos na economia do cuidado ( care economy )4 4 A expressão “economia do cuidado” indica no texto fatores sociais, econômicos, culturais, sanitários, com ênfase em questões de gênero, que influenciam positivamente as condições de vida das populações e reduzem fatores de risco, em especial, entre populações mais vulneráveis, em função de políticas de proteção social e de investimentos em áreas estratégicas, como a área da saúde e, nela, a formação profissional. Abarca questões socialmente vivas que catalisam significações, teóricas e práticas, sobre a prestação de cuidados que contribuam para uma vida de qualidade com igualdade, como diria Paulo Freire. que contribuam, entre outros fatores, para minimizar os danos causados pela desigualdade social, além de promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável e reduzir violências e injustiças sociais ( UN Women, 2020UN WOMEN. Covid-19 and the care economy: immediate action and structural transformation for a gender-responsive recovery. New York: UN Women, 2020. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/digital-library/publications/2020/06/policy-brief-covid-19-and-the-care-economy. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://www.unwomen.org/en/digital-libra...
).

É possível afirmar que a proteção social se configura como “porta de entrada” para políticas de promoção social, por meio de investimentos em necessidades básicas, para atender às demandas mais prementes das sociedades. Portanto, combater as desigualdades, sejam elas de cor, raça, gênero ou sanitárias, econômicas, sociais e políticas, se faz urgente e necessário por meio do diagnóstico e execução de medidas para sua redução ( Opas/OMS, 2012OPAS/OMS. Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. Saúde nas Américas: panorama regional e perfis de países. Washington: Opas/OMS, 2012. Disponível em: https://www3.paho.org/salud-en-las-americas-2012/index.php?option=com_docman&view=list&format=html&layout=default&slug=sa-2012-capitulos-pais-23&Itemid=231⟨=pt. Acesso em: 5 ago. 2022.
https://www3.paho.org/salud-en-las-ameri...
, 2017OPAS/OMS. Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. Saúde nas Américas+, edição 2017: resumo do panorama regional e perfil do Brasil. Washington: Opas/OMS, 2017. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/34323/9789275719671_por.pdf?sequence=8&isAllowed=y. Acesso em: 12 maio 2022.
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, 2019OPAS/OMS, Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. Sociedades justas: equidade em saúde e vida com dignidade. Washington: Opas/OMS, 2019. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/51613/9789275721261_por.pdf?sequence=6&isAllowed=y. Acesso em: 23 maio 2022.
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, 2020OPAS/OMS, Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. Respuesta de la Organización Panamericana de la Salud a la covid-19 en la región de las Américas. Washington: Opas/OMS, 2020. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52454/paho-response-covid-19-americas_spa.pdf?sequence=5&isAllowed=y. Acesso em: 13 abr. 2022.
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). Entretanto, o que se observou desde o início da pandemia na América Latina e Caribe foi

um limiar epidemiológico indefinido de casos ascendentes na região, juntamente com uma curva de pânico coletivo, desinformação/sobreinformação, naturalização da ausência de proteção nas sociedades excludentes, radicalização das desigualdades, iniquidades por gênero, etnia e classes sociais, certa invisibilidade da fragilidade estrutural dos sistemas públicos de saúde e tomada de decisão baseada na doutrina do choque em relação à sociedade ( Basile, 2020BASILE, Gonzalo. SARS-CoV-2 en América Latina y Caribe: las tres encrucijadas para el pensamiento crítico en salud. Ciência e Saúde Coletiva, v.25, n.9, p.3557-3562, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/JHBckvyp64ZDTmNVTNd6BvS/?lang=es. Acesso em: 23 maio 2022.
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, p.3558).

O investimento na economia do cuidado deverá, portanto, considerar os impactos imediatos da pandemia nos sistemas de saúde, com foco nas desigualdades de gênero. A crise na saúde já vinha se manifestando em vários países da América Latina e Caribe, mas a pandemia da covid-19 levou-a a um ponto de ruptura. Nesse sentido, tornam-se urgentes investimentos em proteção social, que incluam os serviços de saúde e políticas de valorização dos profissionais da rede de serviços de saúde, ou seja, políticas permanentes de educação e saúde segundo as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Cepal vem há algum tempo discutindo, em seus relatórios e painéis, a importância da economia do cuidado e da proteção social, especialmente em relação às desigualdades de gênero, suscitando questões importantes para o debate, entre elas, os benefícios de promover a economia do cuidado como um setor impulsionador no contexto atual de recuperação das sociedades, como esforços para eliminar as lacunas estruturais de desigualdade (Cepal, 2020, 2021a, 2021b, 2021c, 2021d, 2021e).

A segunda parte – um ponto de inflexão no debate – irá discutir alguns caminhos para a formação em saúde, com foco no Brasil. Quais as brechas e respostas para uma reorientação da formação que se adeque às crescentes necessidades da realidade do SUS, das comunidades e dos profissionais atuantes na Atenção Primária à Saúde (APS)? Como mudanças na formação em saúde podem se tornar estratégicas para impulsionar a proteção social das populações mais vulneráveis? E como modelos de formação contextualizados em suas realidades societárias podem contribuir para formulações que contemplem o incentivo a novas formas de organização e superação de contradições e desigualdades sociais?

Importante assinalar que a discussão sobre desigualdades sociais estava presente nos movimentos pela Reforma Sanitária no Brasil nos anos 1970. As propostas não se limitavam à criação do SUS, mas incorporavam uma concepção ampliada de saúde, com ênfase em suas determinações sociais e propunham mudanças na situação de saúde da população brasileira, a partir da redução das desigualdades sociais e da melhoria das condições de vida dos diversos grupos ( Almeida-Filho, 2011ALMEIDA-FILHO, Naomar. O que é saúde? Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. ).

Procura-se, portanto, discutir aspectos da educação e do processo de formação profissional, para além da produção do cuidado no campo da saúde. As transformações ocorridas na sociedade brasileira, nos últimos anos, têm implicado o aumento das desigualdades sociais que tornam mais complexas as relações entre condições de vida, determinantes sociais em saúde e formação profissional (Santos, Araújo, Joazeiro, 2019). Esses fatores marcam a relação entre instituições formadoras e os serviços de saúde na construção de saberes necessários à prática educativa com responsabilidade social, como diriam o educador e filósofo brasileiro Paulo Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , 1992FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ) e o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (2002)MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. .

Segundo Ceccim e Feuerwerker (2004)CECCIM, Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura. O quadrilátero da formação para a área de saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v.14, n.1, p.41-65, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 3 mar. 2022.
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, o papel de constatar a realidade e de produzir sentidos, no caso da saúde, pertence tanto ao SUS quanto às instituições formadoras. Nas palavras dos autores, “a formação para a área da saúde deveria ter como objetivos a transformação das práticas profissionais [com orientação social] e da própria organização do trabalho, e estruturar-se a partir da problematização do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado às várias dimensões e necessidades de saúde das pessoas, dos coletivos e das populações” (p.43).

Para Feitosa e colaboradores, fortalecer a dimensão entre o campo teórico e o campo prático requer incentivos ao processo de formação profissional, tanto nas instituições de ensino quanto nos serviços de saúde, uma vez que o compromisso com a realidade social deve permanentemente buscar informações dessa realidade, ou seja, (re)construir significados e práticas com orientação social (Feitosa, Lago, Feitosa, 2017).

Tomando como ponto de partida a interlocução proposta entre as desigualdades socioeconômicas acentuadas pela pandemia da covid-19 e a sua relação com a formação dos profissionais da rede de serviços de saúde, é possível considerar que as vulnerabilidades construídas pela interseccionalidade de cor, raça, gênero e classe materializam-se nas populações pobres, e nem sempre os agravos produzidos por esses fenômenos chegam aos serviços da APS. Porém, a Atenção Primária assume espaço central quando se trata de ações coletivas, integradas e intersetoriais no combate e prevenção desses fenômenos; daí a importância de uma formação com base em propostas inovadoras de transformação social, como as propostas de Paulo Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , 1992FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ) e Edgar Morin (2002)MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. sustentadas por saberes necessários à prática educativa como prática transformadora, ou seja, um modelo de formação com capacidade de capilarizar-se por todo o território nacional e provocar profundo debate a respeito do fortalecimento da educação no SUS em diálogo com a academia.

Nessa parte, serão discutidas essas propostas, na busca por estabelecer um diálogo entre os pensamentos de Freire e Morin. Importante destacar que ambos se distanciam do paradigma tradicional do processo pedagógico e enfatizam a importância da construção de saberes nas instituições formadoras com base nos contextos históricos e sociais, nas complexidades e diversidades humanas e nas necessidades e demandas sociais “de verdadeira transformação da realidade para, humanizando-a, humanizar os homens” (Freire, 1987, p.115).

O SUS com seus problemas crônicos de assistência à saúde de qualidade, acesso aos serviços e financiamento é o cenário em que se coloca o desafio para mudanças na formação em saúde para além do enfrentamento e controle da pandemia da covid-19 no Brasil, uma vez que o SUS agrega uma multiplicidade de serviços. Nesse sentido, constitui lugar privilegiado de reflexão crítica sobre o exercício profissional. Suas inovações influenciam conceitos, parâmetros e princípios associados ao funcionamento dos serviços. A problematização coletiva das vivências pode desencadear processos de aprendizagem na transformação de práticas conservadoras, superando-as para atender às demandas da sociedade e aos novos impasses para o setor saúde.

A problemática das desigualdades sociais na América Latina com foco no campo da saúde

Na América Latina, as agendas públicas transitam por histórias que vão das rebeliões aos sistemas repressivos, da estabilidade democrática aos períodos autoritários, da cidadania inclusiva às reformas excludentes. Barata (2009)BARATA, Rita Barradas. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. já apontava alguns elementos nessa direção, ao demonstrar o modo pelo qual as desigualdades refletem situações de injustiça e sofrimento social e produzem cenários favoráveis às iniquidades em saúde. O quadro social de múltiplas iniquidades retrata indivíduos e/ou comunidades em desvantagem com relação às várias oportunidades que, se ausentes das políticas públicas, levam a condições de vida indignas, injustas e desumanas.

Os problemas sociais persistem em muitos países e, em muitos casos, se correlacionam às desigualdades em saúde entre países, regiões e grupos sociais. A crise sanitária ampliou e exacerbou as disparidades sociais, educacionais, econômicas, e as desigualdades prosperaram em meio à pandemia da covid-19 e provocaram lacunas ainda maiores nos sistemas de saúde. Há a persistência de problemas de saúde ou doenças que deveriam estar erradicados ou controlados, juntamente com a emergência de problemas de saúde (sequelas) provocados pela covid-19 ( Opas/OMS, 2020OPAS/OMS, Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. Respuesta de la Organización Panamericana de la Salud a la covid-19 en la región de las Américas. Washington: Opas/OMS, 2020. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52454/paho-response-covid-19-americas_spa.pdf?sequence=5&isAllowed=y. Acesso em: 13 abr. 2022.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
, 2021OPAS/OMS, Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. No Dia Mundial da Saúde, diretora da Opas pede a recuperação equitativa da pandemia nas Américas. Brasília: Opas/OMS, 2021. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/7-4-2021-no-dia-mundial-da-saude-diretora-da-opas-pede-recuperacao-equitativa-da-pandemia. Acesso em: 20 out. 2021.
https://www.paho.org/pt/noticias/7-4-202...
).

De acordo com os relatórios da Cepal (2021a, 2021b, 2021c, 2021d, 2021e), a região experimenta uma acentuada deterioração das condições de vida, que se observa no aumento do desemprego, da pobreza, das doenças, das violências e das desigualdades. Persistem também condições estruturais de desigualdade especialmente no acesso à saúde, em um contexto em que a pandemia ainda não foi totalmente controlada.5 5 Todos os dados relacionados à pandemia, às desigualdades e a políticas públicas na América Latina e Caribe podem ser pesquisados nos materiais de aula do curso internacional “La pandemia y la salud pública en Latinoamérica”.

Para Cardoso (20 jan. 2021), as desigualdades na América Latina não se limitam ao escopo das rendas, mas abarcam também os sistemas de saúde fragmentados, o que dificulta o acesso, reduz a cobertura dos cuidados e reproduz o padrão de desigualdades da região. Os sistemas de saúde convivem entre relações tensas e interesses financeiros com o sistema privado de saúde, o que não condiz com o direito universal à saúde da população como dever dos Estados, dando lugar a um campo propício para as desigualdades em saúde, que se alastram em toda a região. Um sistema ultrapassado que não acompanhou as mudanças demográficas, político-sociais, culturais e de avanço científico baseado em evidências científicas, o que requer urgente transformação e requalificação condizente com os desafios do século XXI.

Cotlear et al. (2015)COTLEAR, Daniel et al. Overcoming social segregation in health care in Latin America. The Lancet, v.385, n.9974, p.1248-1259, 2015. asseguram que a segregação social na saúde é reflexo do crescimento da segmentação dos sistemas de saúde a partir das desigualdades econômicas na América Latina, constituindo barreiras para o cumprimento do direito social e obstáculo para maior equidade. São muitas, portanto, as clivagens que se transformam em desigualdades e, com muita frequência, em iniquidades, uma vez que, por relações essencialmente de poder, o acesso e a posse aos bens e serviços são desigualmente distribuídos.

Nas palavras de Morin (9 jun. 2020, s.p.), “a crise sanitária desencadeou uma engrenagem de crises que são concatenadas. Essa policrise ou megacrise se estende do existencial ao político, passando pela economia, do indivíduo ao planetário, passando por famílias, regiões, Estados”. Uma crise sanitária que intensificou simultaneamente uma crise humanitária e revelou a carência de políticas públicas que priorizem questões sociais e sanitárias, sacrificando ainda mais as condições de vida das populações vulneráveis, mas também desencadeou um movimento de transformação das práticas em saúde em torno de discussões sobre os desafios da formação em saúde pública em tempos de pandemia, especialmente em função das crescentes desigualdades em saúde.

A problemática das desigualdades no Brasil com foco no campo da saúde

A literatura tem sublinhado o caráter global das desigualdades que afligem especialmente as populações dos países mais pobres, cuja persistência torna-se um dos sérios problemas que desafiam gestores, profissionais e também formuladores de políticas públicas nessa área. Essa mesma literatura tem destacado o impacto que as características socioeconômicas têm sobre a saúde das populações e alerta para o fato de que a distribuição de recursos econômicos, sociais, culturais, educacionais, sanitários é extremamente desigual na maioria das sociedades ( Deaton, 2013DEATON, Angus. The great escape: health, wealth, and the origins of inequality. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2013. ; Marmot, 2017MARMOT, Michael. The health gap: the challenges of an unequal world: the argument. International Journal of Epidemiology, v.46, n.4, p.1312-1318, 2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5837404/pdf/dyx163.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Para Marmot (2017)MARMOT, Michael. The health gap: the challenges of an unequal world: the argument. International Journal of Epidemiology, v.46, n.4, p.1312-1318, 2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5837404/pdf/dyx163.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
, um ambiente de desigualdades, especialmente a dificuldade de acesso à educação, pouco contribuirá para a integração social.6 6 Importante estabelecer as diferenças entre desigualdades e iniquidades em saúde. As desigualdades referem-se às diferenças existentes nas condições de saúde relacionadas às diferenças no acesso aos serviços e aos cuidados. Iniquidades em saúde, por outro lado, referem-se às desigualdades que podem ser evitadas e, portanto, são injustas (Kawachi, Subramanian, Almeida-Filho, 2002; Barreto, 2017 ).

No Brasil, a persistência das desigualdades demonstra as raízes históricas e estruturais desse problema, que se encontram também na formação profissional na área da saúde. O surgimento do novo coronavírus trouxe a oportunidade de repensar a formação em saúde e discutir o papel da saúde pública em momentos de crise sanitária. Segundo Toneto, Ribas e Carvalho (2021) a falta de investimentos em programas sociais ameaça trazer à tona uma das faces mais cruéis da pandemia: as mesmas desigualdades socioeconômicas que agravaram seus efeitos por elevar risco de contágio e o número de mortes pelo vírus poderão aprofundar essa crise, prejudicando as perspectivas de recuperação do Brasil e deixando o país em uma posição ainda mais vulnerável para absorver novas crises.

Segundo dados do Banco Mundial de 2017BANCO MUNDIAL. Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Washington: Banco Mundial, 2017. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf. Acesso em: 16 maio 2022.
https://documents1.worldbank.org/curated...
, no relatório Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público do Brasil , entre 2003 e 2014, o Brasil viveu uma fase de progresso econômico e social em que mais de 29 milhões de pessoas saíram da pobreza e a desigualdade diminuiu expressivamente (o coeficiente de Gini caiu 6,6% no mesmo período, de 58,1 para 51,5). O nível de renda dos 40% mais pobres da população aumentou, em média, 7,1% (em termos reais) nesse período, em comparação ao crescimento de renda de 4,4% observado na população geral ( Banco Mundial, 2017BANCO MUNDIAL. Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Washington: Banco Mundial, 2017. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf. Acesso em: 16 maio 2022.
https://documents1.worldbank.org/curated...
). No período de 2002 a 2015 houve uma queda significativa na desigualdade de renda, “em patamares e com uma qualidade como não havia ocorrido na história brasileira” ( Campello et al., 2018CAMPELLO, Tereza et al. Faces da desigualdade no Brasil: um olhar sobre os que ficam para trás. Saúde em Debate, v.42, n.esp., p.54-66, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/xNhwkBN3fBYV9zZgmHpCX9y/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 13 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/xNhwkBN3f...
, p.55). Os anos seguintes são de recessão econômica no país. A pandemia atingiu o Brasil quando ainda se recuperava da recessão econômica dos anos de 2014 a 2016, e expôs o país a um desafio sanitário. Segundo dados do IBGE de 2020IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de Populações e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101760.pdf. Acesso em: 13 fev. 2022.
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, o total de pobres superou 51 milhões de pessoas em 2019, sendo que a pobreza atingiu sobretudo a população preta, cerca de 38,1 milhões de pessoas ( IBGE, 2020IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de Populações e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101760.pdf. Acesso em: 13 fev. 2022.
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).

O número de casos e mortes por covid-19 relatados no Brasil reflete claramente as profundas desigualdades raciais e regionais do país (Pires, Carvalho, Rawet, 2021). Medidas formuladas durante a pandemia, como o uso de álcool gel e máscaras, higienização das mãos e mesmo recomendações sobre aglomerações esbarram em realidades brasileiras distintas, ou na ausência de direitos básicos, como saúde, emprego e moradia. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pessoas em situação de rua, refugiados, ciganos, moradores de favela e periferia, aqueles que vivem com HIV/aids, trabalhadores informais e outros grupos têm em comum estar à margem da sociedade brasileira, o que os torna ainda mais vulneráveis diante do quadro de crise no país.

Cabe destacar a correlação entre vulnerabilidade socioeconômica e nível de gravidade e morte por covid-19; a interseção de fatores como racismo, sexismo e diferença de renda levaram a maiores taxas de infecção, hospitalização e óbito no país (Pires, Carvalho, Rawet, 2021). Na cidade de São Paulo, por exemplo, áreas com rendimentos mais baixos foram as mais afetadas, a maioria das mortes ocorreu em hospitais públicos e entre os afrodescendentes, asiáticos e indígenas, sendo que 19,1% das mortes por covid-19 de pessoas na lista de espera para leitos de UTI ocorreram em hospitais públicos, enquanto 1% correspondeu a hospitais privados ( Bermudi et al., 2021BERMUDI, Patricia Marques Moralejo et al. Spatiotemporal ecological study of covid-19 mortality in the city of São Paulo, Brazil: shifting of the high mortality risk from areas with the best to those with the worst socio-economic conditions. Travel Medicine and Infectious Disease, v.39, e101945, 2021. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1477893920304427?via%3Dihub. Acesso em: 14 maio 2022.
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).7 7 Segundo estimativas publicadas na revista The Lancet , o Brasil aparece como o quinto país com maior excesso de mortes entre 2020 e 2021, somando 792 mil vítimas. Os pesquisadores descobriram que os países com maior número de excesso de mortes são Índia (4,1 milhões), EUA (1,1 milhão), Rússia (1,1 milhão), México (798 mil) e, em quinto lugar, Brasil (792 mil), com 187 mortes a cada 100 mil habitantes ( Wang et al., 2022 ). Esses dados são significativos no quadro de aumento das desigualdades e ausência de políticas públicas nas áreas da educação, saúde e de proteção social. Nesse sentido, quais os desafios das práticas profissionais no pós-pandemia?

Um ponto de inflexão no debate: o papel da educação nas transformações sociais e culturais

Faz-se importante reconhecer mudanças na formação superior dos profissionais de saúde que vinham sendo estimuladas por meio de políticas públicas, com a aprovação do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) em 2005 e da Política Nacional de Educação Permanente em 2009 (além do Mais Médicos), que impulsionaram iniciativas de mudança na formação nas duas últimas décadas e asseguraram transformações nos processos formativos com foco na relevância social e nos aspectos socioeconômicos e culturais para a produção do cuidado nas comunidades, com base em suas complexidades ( Matias et al., 2019MATIAS, Maria Claudia et al. O Programa Mais Médicos no contexto das estratégias de mudança da formação médica no país: reflexões e perspectivas. Saúde e Sociedade, v.28, n.3, p.115-127, 2019. ; Haddad, Cyrino, Batista, 2018); no entanto, esses mesmos programas foram desmantelados e ou minimizados nos últimos anos, por decisões políticas que reduziram investimentos na educação e na saúde pública.

Esse é um campo de conflitos e de muitas resistências às mudanças no qual as práticas educacionais assumem, muitas vezes, um direcionamento tradicional da formação disciplinar, com competências específicas, que legitimam práticas de saúde esfaceladas com prejuízos para os serviços ofertados à população ( Peduzzi, 2009PEDUZZI, Marina et al. Atividades educativas de trabalhadores na atenção primária: concepções de educação permanente e de educação continuada em saúde presentes no cotidiano de Unidades Básicas de Saúde em São Paulo. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v.13, n.30, p.121-134, 2009. ).

Em relação às metodologias de ensino em saúde, ainda há muito do modelo pedagógico conteudista, fragmentado, centrado na doença, na clínica individual e na acumulação de informação técnico-científica. Em consequência, observa-se uma contrariedade entre o perfil do profissional formado e o requerido na prática pelos serviços de saúde. Segundo Loureiro (2008)LOUREIRO, Isabel. O processo de aprendizagem em promoção da saúde. Revista Portuguesa de Pedagogia, v.42, n.1, p.65-89, 2008. , transformações nos serviços de saúde requerem rompimento com antigos paradigmas e superação de metodologias de ensino tradicionais. É imprescindível que profissionais possam identificar grupos populacionais que se encontram vulnerabilizados, em situação de risco ou de violação de direitos e, que nesse período de crise sanitária, possam estar mais suscetíveis às iniquidades e desvantagens.

Para Morin (2005)MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. , a formação universitária tem-se constituído no sentido de separar os conteúdos de seus contextos; os conteúdos se dividem em disciplinas que não se integram para entender a complexidade da realidade. Como consequência, a formação apresenta uma efetiva perda da “substância” reflexiva, criativa e perceptiva. Torna-se fundamental repensar a universidade, torná-la relevante para a sociedade; aplicar a produção acadêmica de qualidade à sociedade, isto com ações na comunidade, com a comunidade e para a comunidade, tornando a comunidade um efetivo ator dentro do processo, com direitos e responsabilidades.

Essa discussão reveste-se, assim, de grande importância, posto que registra a formação profissional como campo de mudanças no paradigma tradicional na educação, como ato pedagógico que aproxima profissionais da rede de serviços de saúde de práticas pedagógicas socialmente construídas na realidade concreta, que busquem estabelecer uma “intimidade”, como diria Freire, entre os saberes curriculares e as experiências sociais.

Diálogo entre Paulo Freire e Edgar Morin e os saberes necessários à prática social

Nesta parte discute-se o processo de formação de profissionais da saúde diante das demandas advindas da sociedade com base nas seguintes questões: como conectar as ideias propostas de Paulo Freire e Edgar Morin com a formação profissional em saúde nos dias atuais e como uma formação socialmente responsável pode ser propositiva para a diminuição das desigualdades socioeconômicas no país?

Aqui se coloca o seguinte imperativo: uma vez que as desigualdades estão historicamente instituídas na sociedade brasileira e constituem parte de um contexto social perverso, implicado também no campo da saúde, a redução das desigualdades e o fortalecimento da atenção primária e das redes assistenciais regionalizadas só serão possíveis por meio de estratégias de formação qualificada e valorização dos profissionais de saúde, da integração de saberes, das possibilidades diversificadas de vivências e da criação de espaços facilitadores de reflexões que atrelem prática e teoria, tarefa que cabe, principalmente, ao Estado em todos os seus âmbitos.

Como diria Sevalho (2018SEVALHO, Gil. O conceito de vulnerabilidade e a educação em saúde fundamentada em Paulo Freire. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v.22, n.64, p.177-188, 2018. , p.82) no seu ensaio sobre “O conceito de vulnerabilidade e a educação em saúde fundamentada em Paulo Freire”, “a partir de 2012, podemos veementemente referir que, no país que conferiu a Paulo Freire o título de Patrono da Educação, suas ideias são, em grande parte, desconhecidas, desqualificadas por quem defende a subordinação da população aos interesses das elites econômicas e sistematicamente marginalizadas por instituições e políticas oficiais”.

Os sistemas de saúde precisam de melhorias em termos de efetividade, equidade e formação profissional com senso de responsabilidade social e que busquem respostas aos desafios da atenção à saúde da população. Entende-se que essa forma do processo de educação implica construção de competências para lidar com populações vulneráveis e percepção de que a formação social contribuirá com o fortalecimento dos sistemas de saúde no acesso equitativo aos serviços. Segundo Paim e colaboradores (2011), é essencial abordar as causas primordiais dos problemas de saúde que podem ajudar na conformação de modelos de atenção mais abrangentes, apesar das inúmeras dificuldades. A construção de um modelo de atenção em âmbito nacional é um processo complexo que deve ser determinado por múltiplos fatores relacionados aos determinantes sociais em saúde.

Cabe ressaltar que a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) indica processos de educação, formação e capacitação profissional na atenção primária que visam ampliar o compromisso e a capacidade crítica e reflexiva dos gestores e trabalhadores de saúde com as realidades sociais, extraindo dessas realidades a essência da prática comunitária, dialogal e dinâmica, voltada para a responsabilidade social ( Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_promocao_saude_3ed.pdf. Acesso em: 16 maio 2022.
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). Nas palavras de Sperling (2018SPERLING, Stephan. Política Nacional de Atenção Básica: consolidação do modelo de cuidado ou conciliação com o mercado de saúde? Saúde em Debate, v.42, n.esp., p.341-345, 2018. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2018.v42nspe1/341-345/pt. Acesso em: 3 de maio 2022.
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, p.341), “a atenção primária não é apenas o primeiro contato estruturado para atenção de pacientes, é, também, sem dúvida, campo em disputa para produção de significantes e significados no processo de cuidado da vida humana”. Os sistemas de saúde constituem um setor privilegiado de aplicações do conhecimento científico e tecnológico, e suas inovações influenciam conceitos e princípios associados ao funcionamento das sociedades e construção da cidadania.

Importante destacar que, guardadas as diferenças entre as propostas de Paulo Freire e Edgar Morin, ambos acreditavam que a formação deveria estar sustentada por alguns saberes necessários à prática educativa como prática formadora de profissionais preocupados com as questões sociais construídas na prática comunitária e na realidade concreta. Segundo Brandão (2017BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire: uma vida entre aprender e ensinar. São Paulo: Ideias e Letras, 2017. , p.97-98), o projeto de educação popular em Paulo Freire poderia ser formado por meio de sete sentenças: “1) Viver a sua vida; 2) criar o seu destino; 3) aprender o seu pensar; 4) compartilhar seu aprender; 5) dizer a sua palavra; 6) transformar o seu mundo; 7) escrever a sua história”.

Em Paulo Freire, os saberes necessários à prática educativa para transformação social devem ser construídos criticamente com o que se poderia denominar uma “curiosidade epistemológica”. Trata-se de saberes socialmente construídos na prática comunitária e na realidade concreta, que busquem estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares, as experiências sociais e os saberes do senso comum. Nesse sentido, a prática educativa, ainda segundo Freire (2019, p.19-20), exige pensar em uma ética humanitária: “o preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética ... Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente ... Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-se no mundo”.

A educação deve se caracterizar pela profundidade na interpretação dos problemas sociais e se dispor às revisões, afastando-se ao máximo de preconceitos na análise dos problemas para evitar deformações e fortalecer a argumentação pela prática do diálogo ( Freire, 1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ). É preciso, segundo Freire, rejeitar o pensar tradicional, linear, reducionista e simplificador, incapaz de fornecer respostas condizentes para os problemas da realidade.

Já para Edgar Morin (2002MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. , p.13), os saberes “fundamentais” dizem respeito aos sete “buracos negros” da educação, fragmentados no processo ensino-aprendizagem: (1) “As cegueiras do conhecimento”, as tendências “ao erro e à ilusão” da realidade; (2) “Os princípios do conhecimento pertinente”, que articula e organiza os conhecimentos “cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários” (p.36); (3) “Ensinar a condição humana”, ou seja, a posição do indivíduo no mundo para o qual convergem todas as ciências; (4) “Ensinar a identidade terrena” que integra a diversidade das línguas, das culturas e das organizações sociais; (5) “Enfrentar as incertezas”, o inesperado e os imprevistos da história humana, as “aventuras desconhecidas”, apesar dos determinantes sociais, culturais, econômicos e de saúde; (6) “Ensinar a compreensão” da condição planetária, sobretudo na era da globalização, com quantidade de informação que as pessoas não conseguem processar e organizar; (7) “A ética do gênero humano – antropo-ético”, que corresponde à participação social, autonomia e responsabilidades sociais.

Segundo Morin (2002)MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. , a existência desses “buracos negros” da educação demonstra a necessidade de entender o que o autor define por “ecologia da ação”, ou seja, a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa às intenções daquele que a provocou e pode gerar um sentido oposto ao intencionado. Ainda segundo o autor, a história humana está repleta de exemplos dessa natureza. Nesse sentido, as decisões devem estabelecer estratégias que possam ser corrigidas durante o processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.

Vejamos mais detalhadamente cada um desses saberes necessários à prática educativa, propostos por Edgar Morin, e uma aproximação com os pensamentos de Paulo Freire sobre esses saberes.

(1) “As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão”. Morin discorre sobre as dificuldades e tendências “ao erro e à ilusão”. Diz o autor que o conhecimento deve fazer “conhecer o que é conhecer”, ou seja, introduzir na formação as características culturais dos conhecimentos humanos, em seus contextos e em suas complexidades; “o conhecimento não pode ser considerado uma ferramenta ready made , que pode ser utilizada sem que sua natureza seja examinada” ( Morin, 2002MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. , p.14).

Na visão de Freire (1992)FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. , os conhecimentos são os saberes socialmente construídos na realidade concreta; “o respeito às diferenças culturais, o respeito ao contexto a que se chega, a crítica à ‘invasão cultural’, à sectarização e a defesa da radicalidade de que falo na Pedagogia do oprimido ” (p.44). Nesse sentido, o conhecimento (percepções, traduções e reconstruções que os indivíduos vivenciam ao longo da vida) construído a partir da realidade envolve uma postura crítica diante dos problemas e pode causar transformações nas sociedades.

(2) “Os princípios do conhecimento pertinente”. É aquele conhecimento, segundo Morin, capaz de assimilar os problemas globais, parciais e locais – capaz de realizar o vínculo entre as partes e a totalidade e que põe em questão o conhecimento fragmentado. Nas palavras de Morin (2002, p.41), “é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo”.

Para Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , p.55), o diálogo começa na busca do conteúdo programático da educação, que deve ser organizado a partir de situações concretas e existenciais “refletindo o conjunto de aspirações do povo”. Os aspectos objetivos, assim como a dimensão subjetiva do conhecimento, devem ser entendidos como conteúdos concretos da realidade sobre a qual se exerce o ato cognoscente. É essa unidade dialética, afirma Freire, que gera um “atuar” e um “pensar” coerentes sobre a realidade para transformá-la. Portanto, o destino do conhecimento conscientizador é a ação cultural e social transformadora ( Brandão, 2017BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire: uma vida entre aprender e ensinar. São Paulo: Ideias e Letras, 2017. ).

(3) “Ensinar a condição humana”. Uma vez que o homem é a um tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico, a construção das identidades culturais deve estar presente, segundo Morin, no processo ensino-aprendizagem por meio de disciplinas que se comunicam para discutir as identidades complexas, organizar os conhecimentos dispersos e pôr em evidência as diversidades humanas.

Para Freire (2019)FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019. , ensinar exige o reconhecimento e a “assunção” da identidade cultural, ou seja, é preciso que a coletividade venha a assumir as experiências históricas, sociais, culturais e políticas dos indivíduos e comunidades. O homem, nas palavras de Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , p.7), “participa da ambiguidade da condição humana e dialetiza-se nas contradições da aventura histórica, projeta-se na contínua recriação de um mundo que, ao mesmo tempo, obstaculiza e provoca o esforço de superação liberadora da consciência humana”.

(4) “Ensinar a identidade terrena”. Nas palavras de Morin (2002MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. , p.59), “o ser humano é ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e instável. Sorri, ri, chora, mas sabe também conhecer com objetividade; é sério e calculista, mas também ansioso, angustiado, gozador, ébrio, extático; é um ser de violência e de ternura, de amor e de ódio; é um ser invadido pelo imaginário e pode reconhecer o real”. Nesse sentido, a educação deve trabalhar os destinos multifacetados, históricos, entrelaçados e inseparáveis dos indivíduos.

Para Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , p.24), a compreensão humana é decorrente “da mente tornada mais consciente”. A compreensão crítica da realidade é construída por meio da ação de pessoas ou grupos. Não se deve negar nem a objetividade na análise da realidade nem a subjetividade, desde que a permanente dialeticidade passe a ser criação da consciência.

(5) “Enfrentar as incertezas”. Morin (2002MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. , p.86-87) chama a atenção para as grandes interrogações sobre as possibilidades do conhecer, uma vez que o conhecimento é complexo, oriundo dos contextos culturais, sociais, individuais, coletivos. O autor enfatiza a importância de se “preparar as mentes” para os “grandes acontecimentos e desastres” que são, muitas vezes, inesperados. A história humana é uma aventura desconhecida, não constitui uma evolução linear, e o futuro permanece imprevisível, reafirma Morin.

Freire caminha trilhas paralelas, uma vez que, para ele, o conhecimento é também oriundo dos contextos culturais, sociais, individuais e coletivos, e as ideias e propostas de ação social emergem do agir sobre o mundo e, ao mesmo tempo, do agir sobre si mesmo, e a temporalização dos espaços geográficos e de suas relações culturais se estabelecem em complexos e incertos percursos entre a convergência de e entre culturas e entre a convergência de diferentes domínios de criação de novas ideias.

(6) “Ensinar a compreensão”. Morin (2002)MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. enfrenta a incerteza ao considerar as ambiguidades, contradições e imprevisibilidades como aspectos constituintes do mundo, valorizando o ato de ensinar a compreensão humana que abarque tais características. A compreensão tornou-se crucial para os humanos, como condição da solidariedade entre trocas de saberes. Compreender significa, na acepção de Morin, aprender em conjunto, pois inclui empatia, abertura, simpatia e generosidade. Existem, segundo ele, muitos obstáculos para a compreensão; um obstáculo muito presente, especialmente nos meios acadêmicos, é o egocentrismo, que fragiliza, de certa forma, o processo ensino-aprendizagem. Nas palavras de Morin (2002, p.97): “de fato, a incompreensão de Si é fonte muito importante da incompreensão do Outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fraquezas dos outros”. Nesse sentido, é fundamental a compreensão de si e do outro para que o processo pedagógico não se concretize com base em ideias preconcebidas, premissas arbitrárias e incapacidade de autocrítica. Essa percepção permeia toda a obra de Paulo Freire, uma vez que o processo pedagógico é para ele um ato de reciprocidade e acolhimento (Freire, 2019).

Finalmente, (7) “A ética do gênero humano – a antropo-ética”. Morin (2002)MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. supõe a decisão consciente de assumir a complexidade da condição humana, as incertezas e imprevisibilidades como aspectos constituintes da vida. A antropo-ética é “respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo” (p.106).

Para Freire (2019)FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019. , o sujeito ético está permanentemente exposto à transgressão da ética, mas é preciso se guiar pela eticidade, sem se deixar influenciar pelo moralismo hipócrita. A ética universal do ser humano é, para ele, indispensável à convivência humana. “Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-se no mundo” (2019, p.20). Ainda segundo Freire (1996FREIRE Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. , p.99), “a educação hegemonicamente estabelecida é imobilizadora e ocultadora de verdades”, sendo esse tipo de educação utilizado para criar consciência passiva de submissão com o propósito de domesticar o presente para tornar o futuro repetitivo da ordem já estabelecida e controlada.

Cenários e recomendações pós-pandemia: formação em saúde e valorização do trabalho

Vejamos alguns cenários para a formação em saúde pós-pandemia com base nos pensamentos desses dois autores e nos contextos marcados por desigualdades socioeconômicas, e que, de certa forma, já foram indicados ao longo do texto. As relações entre desigualdades e saúde podem ser percebidas no cotidiano da vida da sociedade brasileira e evidenciadas nos serviços de saúde. Além disso, o país está diante de uma catástrofe sanitária que exige, de certa forma, uma formação com características culturais dos conhecimentos humanos, em seus contextos e em suas complexidades, ou, na visão de Paulo Freire (1992)FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. , conhecimentos socialmente construídos na realidade concreta, com respeito às diferenças culturais e às complexidades históricas das sociedades.

A pandemia colocou em evidência a importância do cuidado e do acesso aos serviços de saúde para a sustentabilidade das condições de vida das populações mais vulneráveis. Assim como várias áreas de conhecimento precisarão ser adaptadas às novas condições de vida, os serviços e profissionais de saúde também precisarão cada vez mais adequar as práticas em saúde, reestruturar os serviços e repensar novas maneiras de trabalhar considerando o quadro de desigualdades, iniquidades e injustiças. Esse quadro de crise sanitária exige um compromisso intensificado de preparação para a saúde pública global, com necessidade de políticas e estratégias integradas e orientadas às causas estruturais das desigualdades, que incluam abordagens populacionais universais e governança intersetorial na redução aos danos causados pela pandemia (Nogueira, Rocha, Akerman, 2021).

Segundo lembram Noronha e colaboradores (2021), um vírus não escolhe hospedeiros por critérios de status e renda, mas as desigualdades ficam evidentes à medida que o vírus se dissemina, provocando iniquidade no acesso a serviços e equipamentos de saúde, possibilidades desiguais de adoção de medidas preventivas e diferenças entre condições de saúde preexistentes relacionadas com iniquidades socioeconômicas, educacionais e ambientais. Ainda que a pandemia atinja pessoas de todas as classes e categorias sociais, a intensidade desse impacto geralmente é distinta – as iniquidades ficam evidentes. Os desdobramentos e os desafios que a pandemia impõe a cada família e a cada pessoa são profundamente desiguais, especialmente quando as desigualdades preexistentes são significativas. Portanto, as demandas atuais de saúde requerem do profissional capacidades e competências para se adaptar às novas mudanças, do ponto de vista das práticas, das técnicas, das evidências científicas, mas sobretudo no que diz respeito às demandas sociais da população. O social impõe-se nas práticas cotidianas e na produção do cuidado.

É possível argumentar, nesse sentido, que a pandemia representa uma oportunidade de transformação da prática profissional em saúde – profissionais competentes para identificar as fontes de informação, formular uma questão de pesquisa, analisar criticamente as evidências, desenvolver pesquisas que tenham interesse social e aplicação dos resultados encontrados na prática profissional e que se relacionam também às questões econômicas, políticas e culturais (Faria, Almeida-Filho, Oliveira-Lima, 2021). Faz-se necessário, portanto, um “saber e fazer crítico” com a finalidade de formar um profissional com capacidade de adaptar-se ao cotidiano, às relações sociais e às diversidades culturais, como diria Paulo Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , 1992FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ).

Esse debate é fundamental e pode ajudar a repensar a formação com base em diferentes concepções teórico-metodológicas, que busquem fortalecer as atribuições socioeducativas em detrimento do discurso biomédico como verdade inconteste, que se derrama pelos ambientes de formação acadêmica em saúde, produzindo certezas e verdades sanitárias e cujo caráter curativista/medicalizante desqualifica o saber que é produzido na prática comunitária, em sintonia com as condições de vida das comunidades. Partindo dessa realidade, o social impõe-se nas práticas cotidianas na perspectiva da produção do cuidado, ou seja, a formação em saúde como produção social e a determinação social como base para a compreensão das desigualdades ( Almeida-Filho, 2011ALMEIDA-FILHO, Naomar. O que é saúde? Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. ).

Importante repensar a formação para a saúde articulada aos processos de mudança nas graduações e pós-graduações, que visem, entre outros fatores, a transformação das práticas nos serviços de saúde, para que se tornem mais resolutivas, integradas e sensíveis às realidades locais. Vale dizer que muitos profissionais se sentem impotentes diante da grandeza que a dimensão social impõe. Daí uma formação que priorize um modelo de cuidado apoiado nos problemas sociais, nas necessidades de saúde das comunidades e na manutenção dos princípios do SUS.

Considerações finais

O processo de transformação das práticas profissionais em saúde faz recordar a “travessia” de Guimarães Rosa (2019)ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. , que encerra Grande sertão: veredas , publicado originalmente em 1956. Nessa travessia, o processo de mudança educacional adquire diversidade de significados, e suas implicações práticas devem considerar as ambiguidades, contradições e imprevisibilidades como aspectos constituintes do mundo; deve considerar também a decisão consciente de assumir a complexidade da condição humana; a compreensão de si e do outro para que o processo pedagógico não se concretize com base em ideias preconcebidas, como diriam Freire e Morin, ou seja, uma prática educativa capaz de assimilar os problemas globais e locais; que ponha em questão o conhecimento fragmentado e que incentive a construção da cidadania inclusiva.

A pandemia da covid-19 deixou evidente a magnitude dos impactos que uma emergência sanitária pode ter na saúde das populações e tem testado a capacidade de resposta efetiva dos países da América Latina e Caribe; tornou-se uma das principais causas de morte nessa região e aguçou as desigualdades, pois esses países já sofriam condições a rigor “epidêmicas” de pobreza, violências e injustiças sociais. O conhecimento acerca do modo como a crise sanitária afeta as sociedades e desvela desigualdades sociais, bem como as consequências e os desafios que se colocam no aprofundamento de novas desigualdades, são importantes para um melhor discernimento sobre como enfrentar esse contexto de maneira consciente e com respostas adequadas às demandas sociais.

Em que a desigualdade social na América Latina, em especial no Brasil, agudizada pela pandemia impacta ou coloca em questão medidas de proteção social e formação educativa em saúde? Para o Brasil, assim como para o conjunto dos países latino-americanos, a retomada de medidas de proteção social e investimentos na formação em saúde devem se tornar pautas fundamentais nesse momento histórico, pois as desigualdades de várias facetas fragilizam a sociedade brasileira. Para os profissionais de saúde, será fundamental o aprendizado das novas práticas educativas, com escuta e leitura atenta à complexidade da realidade que os desafia. Portanto, para sair da crise é necessário repensar os modelos educacionais no campo da saúde com base nas visões de Paulo Freire e Edgar Morin, uma prática educativa que organize os conhecimentos dispersos e coloque em evidência as diversidades e complexidades humanas.

Para Freire e Morin, compreender consiste em um processo de empatia, identificação, generosidade e solidariedade. Doravante, a solidariedade social deverá pautar a formação em saúde – a prática educativa entendida como prática social. Essas novas realidades se apresentam como desafios e impõem novas soluções ao profissional de saúde, que deve ser capaz de dar respostas a uma grande diversidade de problemas da população, fomentar territórios de encontros, ampliar as fronteiras dos saberes, propor políticas de proteção social, ver a “coisa invisível, [a] coisa ausente” e compreender o imprevisível, o incerto, como lembraria Calvino (1990CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Disponível em: https://kbook.com.br/wp-content/uploads/2018/10/Seis-propostas-para-o-proximo-m-Italo-Calvino.pdf. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://kbook.com.br/wp-content/uploads/...
, p.59, 66), pelo diálogo permanente com todas as formas de conhecimento, em especial com o conhecimento popular.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

  • 1
    Em estudo recente publicado na revista The Lancet , em 10 de março de 2022, os autores fizeram importantes contribuições para o entendimento do impacto da covid-19 nas taxas de mortalidade em 191 países. Suas estimativas sugerem que o impacto da mortalidade foi mais devastador do que o documentado pelos relatórios oficiais. Segundo os dados coletados pelo estudo, até 31 de dezembro de 2021, as estatísticas oficiais registraram quase seis milhões (5,94 milhões) de mortes pela doença, contudo, o número estimado pelo estudo indica uma taxa três vezes maior de mortes (18,2 milhões) ( Wang et al., 2022WANG, Haidong et al. Estimating excess mortality due to the covid-19 pandemic: a systematic analysis of covid-19-related mortality, 2020-2021. The Lancet, v.399, p.1513-1536, 2022. Disponível em: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2821%2902796-3. Acesso em: 12 jun. 2022.
    https://www.thelancet.com/action/showPdf...
    ).
  • 2
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  • 3
    Programa Andifes de Mobilidade Virtual Internacional: Destino Brasil.
  • 4
    A expressão “economia do cuidado” indica no texto fatores sociais, econômicos, culturais, sanitários, com ênfase em questões de gênero, que influenciam positivamente as condições de vida das populações e reduzem fatores de risco, em especial, entre populações mais vulneráveis, em função de políticas de proteção social e de investimentos em áreas estratégicas, como a área da saúde e, nela, a formação profissional. Abarca questões socialmente vivas que catalisam significações, teóricas e práticas, sobre a prestação de cuidados que contribuam para uma vida de qualidade com igualdade, como diria Paulo Freire.
  • 5
    Todos os dados relacionados à pandemia, às desigualdades e a políticas públicas na América Latina e Caribe podem ser pesquisados nos materiais de aula do curso internacional “La pandemia y la salud pública en Latinoamérica”.
  • 6
    Importante estabelecer as diferenças entre desigualdades e iniquidades em saúde. As desigualdades referem-se às diferenças existentes nas condições de saúde relacionadas às diferenças no acesso aos serviços e aos cuidados. Iniquidades em saúde, por outro lado, referem-se às desigualdades que podem ser evitadas e, portanto, são injustas (Kawachi, Subramanian, Almeida-Filho, 2002; Barreto, 2017BARRETO, Mauricio Lima. Desigualdades em saúde: uma perspectiva global. Ciência e Saúde Coletiva, v.22, n.7, p.2097-2108, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/XLS4hCMT6k5nMQy8BJzJhHx/?lang=pt. Acesso em: 13 ago. 2022.
    https://www.scielo.br/j/csc/a/XLS4hCMT6k...
    ).
  • 7
    Segundo estimativas publicadas na revista The Lancet , o Brasil aparece como o quinto país com maior excesso de mortes entre 2020 e 2021, somando 792 mil vítimas. Os pesquisadores descobriram que os países com maior número de excesso de mortes são Índia (4,1 milhões), EUA (1,1 milhão), Rússia (1,1 milhão), México (798 mil) e, em quinto lugar, Brasil (792 mil), com 187 mortes a cada 100 mil habitantes ( Wang et al., 2022WANG, Haidong et al. Estimating excess mortality due to the covid-19 pandemic: a systematic analysis of covid-19-related mortality, 2020-2021. The Lancet, v.399, p.1513-1536, 2022. Disponível em: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2821%2902796-3. Acesso em: 12 jun. 2022.
    https://www.thelancet.com/action/showPdf...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2022
  • Aceito
    21 Set 2022
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