Acessibilidade / Reportar erro

Simulação eleitoral: uma nova metodologia para a ciência política

Resumos

Este artigo tem por objetivo apresentar a simulação eleitoral como um novo modelo para estudar o comportamento eleitoral, partindo do pressuposto de que as interações sociais são fundamentais para a decisão de cada eleitor. Como as pesquisas de opinião pública utilizam informações referentes apenas ao momento da entrevista, elas não conseguem assimilar as alterações na escolha de cada eleitor dadas pela influência que eles recebem a todo momento, seja pelas interações com a mídia ou com outros eleitores. Ao contrário das pesquisas de opinião, o simulador demonstra ser uma interessante ferramenta de análise eleitoral justamente por ter como premissa essas interações. Pretende-se aqui fazer uma revisão bibliográfica dos principais estudos sobre comportamento eleitoral, pesquisas de opinião e trabalhos que já apresentaram, de alguma maneira, a simulação eleitoral. Em seguida, pretende-se descrever os avanços no modelo teórico e no modelo interativo do simulador eleitoral como sendo uma ferramenta de pesquisa científica. Finalmente, apresentaremos os resultados obtidos, bem como análises para as simulações feitas nas eleições de 2002 e 2004.

interação social; comportamento eleitoral; simulação eleitoral


This article presents complex systems simulation as a new method for the study the electoral behavior, assuming that social interactions are the key for each voter's decision. Insofar as public opinion polls uses information limited to the moment the interview is conducted, they cannot forecast changes overtime in each voter's choice that may be caused by interactions with the media or others voters. In contrast, the electoral simulator shows to be an interesting tool for electoral analysis because it introduces such interactions as premises. In this article, we present the theoretical model of the simulator, followed by simulations made for the 2002 and 2004 elections in Brazil.

social interaction; electoral behavior; electoral simulation


Simulação eleitoral: uma nova metodologia para a ciência política

José M. EisenbergI; Teresa Cristina de S. C. ValeII

ICentro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora

IIPrograma de Pós-Graduação, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar a simulação eleitoral como um novo modelo para estudar o comportamento eleitoral, partindo do pressuposto de que as interações sociais são fundamentais para a decisão de cada eleitor. Como as pesquisas de opinião pública utilizam informações referentes apenas ao momento da entrevista, elas não conseguem assimilar as alterações na escolha de cada eleitor dadas pela influência que eles recebem a todo momento, seja pelas interações com a mídia ou com outros eleitores. Ao contrário das pesquisas de opinião, o simulador demonstra ser uma interessante ferramenta de análise eleitoral justamente por ter como premissa essas interações. Pretende-se aqui fazer uma revisão bibliográfica dos principais estudos sobre comportamento eleitoral, pesquisas de opinião e trabalhos que já apresentaram, de alguma maneira, a simulação eleitoral. Em seguida, pretende-se descrever os avanços no modelo teórico e no modelo interativo do simulador eleitoral como sendo uma ferramenta de pesquisa científica. Finalmente, apresentaremos os resultados obtidos, bem como análises para as simulações feitas nas eleições de 2002 e 2004.

Palavras-chaves: interação social; comportamento eleitoral; simulação eleitoral

ABSTRACT

This article presents complex systems simulation as a new method for the study the electoral behavior, assuming that social interactions are the key for each voter's decision. Insofar as public opinion polls uses information limited to the moment the interview is conducted, they cannot forecast changes overtime in each voter's choice that may be caused by interactions with the media or others voters. In contrast, the electoral simulator shows to be an interesting tool for electoral analysis because it introduces such interactions as premises. In this article, we present the theoretical model of the simulator, followed by simulations made for the 2002 and 2004 elections in Brazil.

Keywords: social interaction; electoral behavior; electoral simulation

Durante o processo eleitoral, que visa à renovação dos cargos executivos e legislativos nos planos federal, estadual e municipal, os cientistas políticos brasileiros voltam suas atenções para os principais instrumentos disponíveis para a realização de análises e prognósticos do processo: as pesquisas de opinião pública periodicamente divulgadas pela imprensa. No entanto, como demonstram diversos estudos, essas pesquisas podem ser instrumentos precários para esses fins. Por um lado, as pesquisas de opinião pública muitas vezes coletam aquilo que Converse (1964) chamou de não-atitudes (nonattitudes) já que exprimem opiniões formuladas de forma quase instantânea perante a pergunta do pesquisador. Por outro lado, o método de acompanhar tendências de uma série temporal de surveys para fazer o prognóstico eleitoral não é capaz de dar conta de um dos mais importantes elementos de campanhas eleitorais, qual seja, a introdução de fatos e factioides de maior impacto às vésperas da eleição para otimizar o seu efeito.

A experiência histórica no Brasil e no mundo também tem se demonstrado um indicador desta precariedade. Por exemplo, no caso clássico das eleições norte-americanas para presidente de 1948, a Gallup previu uma vitória de Dewey sobre Truman por uma diferença de 6%, e Truman acabou vencendo a eleição por margem parecida. Aqui no Brasil, nas eleições municipais de 1985, os resultados das pesquisas prognosticavam uma vitória do PMDB nas grandes capitais (exceto Rio de Janeiro e Porto Alegre), o que não se verificou no pleito (FIGUEIREDO, 1986).

Parte dos motivos que explicam a precariedade das pesquisas de opinião pública enquanto instrumentos de prognóstico resultam das características do processo eleitoral enquanto fenômeno social. Eleições têm certas características intrínsecas que as tornam um sistema complexo e descentralizado de produção de decisão, em que a interação entre os eleitores é fundamental para a decisão do voto. A consequência mais evidente desses atributos, do ponto de vista da ciência política, é que nem os modelos causais que buscam explicar o comportamento individual do eleitor são capazes de explicar o resultado agregado do processo eleitoral, nem os modelos estruturais que explicam o processo como um todo conseguem explicar variações e resultados inusitados do processo. Sistemas complexos e descentralizados exigem outros tipos de modelagem (BANKS, 1998).

Tendo em vista essa demanda por um novo modelo, propomos neste artigo apresentar um modelo de simulação, sua consistência e eficácia, como uma nova forma de modelagem para o estudo eleitoral. Para tal finalidade, este artigo encontra-se estruturado em três partes. Na primeira, é feita uma breve revisão dos novos modelos de estudos eleitorais; na segunda, o modelo de simulação é demonstrado na sua forma teórica e empírica; e, por fim, na terceira parte, é feita uma rápida e sucinta demonstração dos resultados e avanços obtidos com tal modelo.

Novos modelos de estudos eleitorais

A complexidade das interações sociais que produzem o comportamento eleitoral de cada cidadão tem sido objeto de inúmeros esforços teóricos e empíricos nas ciências sociais. Do ponto de vista metodológico, a ciência política tem elaborado seus estudos empíricos sobre comportamento eleitoral a partir de três perspectivas derivadas da literatura clássica sobre o tema (NIEME e WEISBERG, 1993).

Uma primeira perspectiva parte do pressuposto de que a decisão associada ao voto é uma escolha racional do cidadão que pode ser derivada de suas preferências e interesses, tais quais articulados em uma ou mais funções de utilidade descrevendo os tipos de eleitores racionais existentes (VERBA e NIE, 1972). Boa parte dessa literatura dedica-se também ao estudo do clássico paradoxo do voto, buscando formas de justificar ou refutar a racionalidade da própria decisão do cidadão de votar (onde tal ato constitui direito, e não dever), dado que sua chance de influir no processo individualmente é desprezível estatisticamente (DOWNS, 1957; FEREJOHN e FIORINA, 1974).

Uma segunda perspectiva busca introduzir o problema do fundamento ideológico do comportamento eleitoral. De acordo com essa perspectiva, independentemente do nível de sofisticação política e de racionalidade dos eleitores, sua decisão de voto pode até certo ponto ser explicada a partir de certos padrões de identificação ideológica dos eleitores com candidatos, e sua auto-identificação em escalas lineares clássicas da esquerda à direita (CONVERSE, 1964; LEVITIN e MILLER, 1979).

Uma terceira perspectiva introduz o tema da identificação partidária do eleitor como dimensão adicional na explicação do seu comportamento eleitoral. Estudos oscilam entre apresentar tal variável como sendo estável ou instável ao longo do tempo, mas está sempre subjacente à noção de que, em alguma medida, eleitores escolhem candidatos tomando como base ou o seu partido ou seus atributos individuais. Boa parte dessa literatura se dedica ao problema de como medir adesão partidária empiricamente (VALENTINE e VAN WINGEN, 1980; MCDONALD e HOWELL, 1982).

Por fim, uma quarta perspectiva (não apresentada por Nieme e Weisberg, mas relatada por Figueiredo), trabalha com a ideia da interação social como parte fundamental para o entendimento do comportamento social (LAZARSFELD, 1966; BERELSON, 1954 e MERTON, 1967). Merton teve suas pesquisas voltadas para o estudo metodológico que pudesse reproduzir as interações em um grupo social, através dos grupos focais. Já Lazarsfeld e outros, em seu livro Voting, 1954, apresentam o coletivo social, e não o indivíduo, como importante para a dinâmica política. Nesse trabalho, os autores procuraram demonstrar que são os resultados agregados das ações coletivas que precisam de explicação. Melhor dizendo, as decisões individuais deveriam ser entendidas dentro dos diversificados grupos sociais. Para os autores da chamada Escola de Columbia, a influência da mídia na atitude política e no voto seriam essenciais para o debate acadêmico.

Além de compartilharem uma preocupação com a construção de um modelo teórico dos determinantes do voto, essas perspectivas apresentadas convergem em sua busca por explicações, e não prognósticos, do comportamento eleitoral; dedicam-se, portanto, primordialmente, à análise de séries temporais de eleições. Como a periodicidade de eleições em regimes democráticos tende a ser limitada, a capacidade preditiva desses modelos teóricos tende a ser baixa, já que o número de variáveis comportamentais que sofrem transformações bruscas nos intervalos tende a ser alto. Essa dificuldade em transformar modelos explicativos em modelos preditivos fez com que uma literatura mais recente, como Lewis-Beck e Rice (1992), voltasse sua atenção aos métodos de aferimento da opinião pública que antecedem um processo eleitoral, possibilitando, assim, a construção de séries temporais mais compactas.

Utilizando-se de métodos econométricos, essa literatura tem se demonstrado mais eficaz em localizar um conjunto de variáveis independentes para explicar o comportamento eleitoral. A maior parte dos estudos aponta para uma combinação de variáveis econômicas (por exemplo, estabilidade e/ou crescimento econômico obtido pelo governo atual) e variáveis do sistema político (por exemplo, popularidade do incumbente e força dos partidos) como sendo componentes necessários de um modelo preditivo (LEWIS-BECK e RICE, 1992).

Apesar dos avanços obtidos por esses métodos econométricos, a escolha por modelos que combinem variáveis econômicas e políticas objetivas tende a deslocar o eixo do problema da decisão do voto de seu componente comportamental, e principalmente de seu componente interativo. Na medida em que campanhas eleitorais são processos de formação de opinião do eleitorado em contextos predominantemente interativos, decidir como a interação influencia a decisão do voto de um eleitor é uma questão que não pode permanecer sem resposta.

A simulação eleitoral como modelo científico

Dado os avanços do modelo econométrico e as dificuldades dos modelos anteriores a ele, propomos a experimentação com um modelo de simulação de eventos discretos. É importante ressaltar que esse modelo parte das variáveis explicativas dos modelos econométricos. Para o caso eleitoral brasileiro, esse modelo procura problematizar e buscar algumas respostas para as lacunas deixadas pela literatura clássica e contemporânea descritas acima. É importante lembrar também que, do ponto de vista epistemológico, um modelo é uma representação do sistema real que deve ser complexo o suficiente para responder às questões levantadas sobre o sistema, mas simples o suficiente para ser capaz de gerar respostas precisas àquelas perguntas (FISHKIN, 1995). Como a exclusão da componente interativa das pesquisas de opinião tem sérias consequências para a análise eleitoral, tentaremos demonstrar que para prever comportamentos eleitorais e comportamentos políticos em geral a simulação é um método mais adequado.

As primeiras tentativas de utilizar métodos de simulação para compreender processos eleitorais ocorreram na década de 1960. Em Candidates, Issues & Strategies: a computer simulation (1964), Pool, Abelson e Popkin desenvolveram uma tentativa de prognosticar o resultado das eleições presidenciais americanas de 1960 e 1964 a partir de algumas variáveis comportamentais como religião e posições perante a política externa americana, bem como algumas variáveis descritivas como urbanização e participação política. Como demonstra a conclusão desse estudo seminal, o método em si apresentava a promessa de produzir resultados profícuos, mas a tecnologia computacional disponível naquele momento estava aquém dos modelos teóricos desenvolvidos pelos autores. Ainda assim, os resultados obtidos através da simulação eram apenas pouco piores do que aqueles obtidos em pesquisas de opinião pública às vésperas do pleito.

No Brasil, o estudo mais importante fazendo uso de métodos de simulação é A Decisão do Voto: democracia e racionalidade (1991), de Marcus Figueiredo. A crítica às teorias psicológicas e histórico-contextuais do comportamento eleitoral e a apresentação de uma teoria da racionalidade do voto dominam a agenda desse estudo, mas a simulação teórica contida em seu capítulo sétimo, ainda que não contemple a dimensão interativa, é uma contribuição seminal à aplicação dessa metodologia no Brasil. Cremos que a riqueza de um modelo de simulação de eventos discretos está na sua capacidade de modelar a interação social na busca de uma explicação para o comportamento individual. Em uma simulação, pode-se formular hipóteses sobre o comportamento dos indivíduos do sistema, mas também sobre os fluxos de interação que geram ou participam da transformação do comportamento.

Nas quatro décadas que nos separam do estudo seminal de Popkin et al, muito se aprendeu sobre esses problemas, e é desnecessário apontar para os avanços tecnológicos na área da computação. Entendemos que seja fundamental utilizar no Brasil o vasto conhecimento acumulado sobre a aplicação desse método de pesquisa para as ciências sociais, e explorar desde já formas de utilizá-lo para problemas concretos da política em nosso país.

O Modelo Teórico

O modelo teórico elaborado baseou-se na hipótese de que as ocasiões de interação social do cidadão - seja com indivíduos ou com a mídia, ao longo do seu cotidiano - são mais relevantes para explicar o seu comportamento eleitoral do que os momentos de reflexão individual. Assim, buscamos modelar as situações sociais cotidianas do eleitor enquanto geradoras dos fluxos de interação que modificam o comportamento eleitoral. A princípio, definimos quatro espaços principais de interação: casa, ambiente de trabalho ou escola, esfera pública, e esfera política. Em cada um desses espaços, as entidades do modelo interagem umas com as outras e, dada determinada taxa de interação sobre temas relativos ao processo eleitoral, ocorrem mudanças na taxa de adesão da entidade a determinado candidato. As preferências das entidades pelos candidatos foram ordenadas e divididas em quatro tipos (indiferente, fraca, estrita e forte)1 1 Sabemos que a internet vem ganhando, cada vez mais, espaço na arena política. No entanto, embora muito relevante, ela não foi trabalhada nesse modelo, tendo sua inserção prevista para próximas versões do programa. .

O sistema de formação de preferências eleitorais - em que a interação interpessoal e com mídia são tratados como variáveis determinantes daquela formação - foi modelado através de um simulador multinível (Nigel and Troitzch, 1999). Em um simulador multinível, objetos com atributos são postos em interação a partir de nexos causais path dependent, com uma hierarquia a priori dos níveis de atributos que impactam as interações. Nesse caso, opera-se com um modelo de simulação com horizonte finito, uma vez que a data da eleição encerra a simulação.

Primeiramente, para modelar o comportamento dos eleitores, foram identificados as diversas entidades envolvidas no processo eleitoral e os eventos que ocorrem durante o mesmo. Tais entidades são: candidatos, eleitores e meios de comunicação de massa, que, neste artigo, chamaremos simplesmente de mídia. Os eventos são: conversas entre eleitores e interações entre a mídia e os eleitores.

Partimos do pressuposto de que os eventos comunicativos da mídia constituem a principal variável exógena, podendo também ser modelada e tipificada para descrever de forma simplificada as maneiras como a mídia participa na transformação da preferência eleitoral. Pesquisas eleitorais, propaganda negativa dos candidatos, propaganda positiva dos incumbentes e tempo de exposição à mídia dos candidatos constituíram as principais variáveis exógenas modeladas.

Nessa versão do simulador, para efeitos de simplificação, partimos da premissa de igual exposição e valência dos candidatos na mídia. Também partimos da premissa de que cada ente no simulador corresponde a uma pessoa entrevistada. Ou seja, cada eleitor possui características próprias, como classe social, escolaridade, renda, idade, grau de exposição às mídias, poder de persuasão, sensibilidade à influência da maioria, flexibilidade de opinião e pessoas com quem mais conversa, além de atributos que descrevem o seu comportamento eleitoral: conhecimento político, participação política, sensibilidade à corrupção, moralismo, intensidade de interação política e preferências eleitorais iniciais por cada candidato.

No simulador, cada objeto-eleitor transita por três ambientes: casa, trabalho ou escola e lazer. Nesses ambientes, eles conversam entre si a respeito das eleições, assistem televisão e leem jornal (mídias de massa). Essas interações podem modificar as suas preferências eleitorais pelos candidatos. Cada simulação constitui-se de vários dias; os dias são simulados sequencialmente; cada dia é dividido em quatro partes. Na primeira, os eleitores estão em casa e podem conversar e interagir com jornal (uma das mídias); na seguinte, os eleitores interagem entre si no ambiente de trabalho ou escolar; na terceira, os eleitores interagem entre si em um ambiente de lazer; na última, os eleitores estão em casa novamente, onde podem conversar e estão passíveis de interação com a televisão (outra mídia). Veja o esquema que segue:

Esquema 1: As partes de um dia da simulação

Na primeira parte do dia, um eleitor pode participar de uma conversa privada com outro eleitor e/ou ler jornal. Apenas os eleitores que têm grau de exposição à mídia alto ou muito alto podem interagir com o jornal. Além disso, têm a chance de participar de uma conversa privada apenas os eleitores cuja lista de pessoas com quem mais conversa inclui pessoas de casa, sendo que o eleitor que irá interagir com ele também respeita essa restrição. Para o nível escolar do interagente no ambiente doméstico, parte-se da premissa de que tal eleitor deve pertencer à mesma classe social.

No ambiente de trabalho ou escolar, um eleitor pode participar de dois tipos de conversa: pública e privada. A conversa privada ocorre com outro eleitor de classe social igual ou um nível acima ou abaixo e a conversa pública ocorre com outro eleitor de classe social igual ou até três níveis acima ou abaixo. Entretanto, têm a chance de participar de uma conversa privada apenas os eleitores cuja lista de pessoas com quem mais conversa inclui pessoas do trabalho, sendo que o eleitor que irá interagir com ele também respeita essa restrição.

No ambiente de lazer, um eleitor também pode participar de dois tipos de conversa: pública e privada. Ambas ocorrem com outro eleitor de classe social igual ou um nível acima ou abaixo. Similarmente ao ambiente de trabalho, têm a chance de participar de uma conversa privada apenas os eleitores cuja lista de pessoas com quem mais conversa inclui pessoas do lazer, sendo que o eleitor que irá interagir com ele também respeita essa restrição.

Na última parte do dia, um eleitor pode participar de uma conversa privada com outro eleitor e assistir televisão. Todos os eleitores assistem televisão. Entretanto, têm a chance de participar de uma conversa privada apenas os eleitores cuja lista de pessoas com quem mais conversa inclui pessoas de casa, sendo que o eleitor que irá interagir com ele também respeita essa restrição.

Em todas as fases em que for aplicável, uma conversa pública tem uma certa probabilidade de ocorrer já que está associada ao grau de interatividade política pública do eleitor. Da mesma forma, a conversa privada tem uma certa probabilidade de ocorrer já que está associada ao grau de interatividade política privada do eleitor.

Assim, de maneira sintética, em cada período de tempo do simulador, as entidades circulam por cada um desses espaços, interagindo com outras entidades, sendo assim, influenciadas por variáveis exógenas. Quando sua taxa de adesão a determinado candidato cai abaixo do nível da outra entidade com quem interagiu, sua decisão de voto altera-se ao final daquele dia.

O Modelo Interativo

O software desenvolvido utiliza índices de preferência eleitorais criados a partir de um survey. Para a criação dos índices, partimos do pressuposto de que cada eleitor tem sua preferência associada a cada candidato. No momento da aplicação do questionário, sua preferência por um determinado candidato demonstra que, no dia da entrevista, aquele seria seu voto. No entanto, essa preferência pode variar ao longo do tempo, dado que fatores exógenos continuam atuando. Então, o que o simulador faz é, a partir do índice de preferência inicial e das interações que o eleitor se submete, alterar o valor do índice ao longo do tempo, permitindo que esse eleitor possa trocar de preferência. Chegamos ao índice de preferência após seguirmos alguns passos que seguem.

Primeiramente, de posse das perguntas do questionário sobre em quem o eleitor votaria (perguntas espontânea e estimulada) e se havia outras preferências se o seu candidato não estivesse disputando o pleito, bem como em qual candidato ele não votaria, tentamos detectar os casos onde havia respostas contraditórias, analisando caso a caso e adotando o critério de prioridade para as respostas na pergunta de preferência eleitoral espontânea sobre a estimulada. Feitas as devidas correções, foi atribuído para cada questão um valor designando a intensidade da preferência do entrevistado pelo candidato citado. Para as questões espontâneas foi atribuído um valor igual a 4 (quatro). Para as questões estimuladas foi atribuído um valor igual a 3 (três). Aqui, deve-se fazer uma ressalva: se o entrevistado respondeu na espontânea o mesmo candidato que na estimulada, anula-se essa última. Nas questões sobre segunda e terceira preferência e rejeição foi utilizada a seguinte valoração:

a. Rejeição (Não votaria) = -2

b. Poderia votar = 0,25

c. Único que votaria = 0,5

d. 2a. opção = 2

e. 3a. opção = 1

A primeira simulação foi feita para os candidatos a presidente e governador de 2002. Como o survey foi aplicado na cidade do Rio de Janeiro, o resultado não pode ser generalizado para o Brasil. Sendo assim, não podemos comparar o resultado da eleição nacional, nem mesmo estadual, com os resultados do simulador. Para avaliar a eficácia do modelo, temos que comparar seus resultados com os resultados da cidade do Rio de Janeiro. No segundo teste, foram considerados apenas os candidatos para prefeito das cidades de Sumaré, Areado, Poços de Caldas e Guarulhos, o que não impossibilitou a comparação dos resultados do simulador e resultado da final da eleição, já que se tratava de uma pesquisa municipal com resultados locais. Tanto na primeira quanto na segunda simulação não utilizamos todos os candidatos dos pleitos. Sendo assim, quando candidatos não introduzidos no simulador apareciam, atribuiu-se o valor 0 (zero). As variáveis criadas foram, então, somadas com essa nova codificação, obtendo, assim, as intensidades de preferência de cada entrevistado por cada candidato.

Para o simulador, a conversa é uma interação entre dois eleitores que pode resultar em alteração de preferência eleitoral em relação ao candidato objeto (assunto) da mesma. A conversa é considerada um fator essencial no simulador e os elementos nela envolvidos são: um eleitor passivo, um eleitor ativo e um candidato objeto da conversa. O eleitor passivo é aquele cuja preferência eleitoral pelo candidato objeto da conversa está em jogo. O eleitor ativo é aquele que pode influenciar o eleitor passivo quanto à opinião deste sobre o candidato objeto da conversa. O candidato objeto da conversa é aquele sobre o qual os eleitores conversam. Mais especificamente, ele é o candidato preferido do eleitor ativo - candidato pelo qual o eleitor ativo tem a maior preferência eleitoral. Ao ocorrer uma conversa, o eleitor ativo poderá influenciar o eleitor passivo quanto à preferência eleitoral pelo candidato objeto. A probabilidade de essa alteração ocorrer depende dos atributos do eleitor ativo, particularmente, a influência da maioria e a flexibilidade de opinião. Na implementação realizada, as conversas do simulador ocorrem de modo unilateral, ou seja, apenas a intensidade de preferência eleitoral de um dos participantes pelo seu candidato preferido sofre alteração. Veja o esquema que segue abaixo.

Esquema 2: A interação feita pela conversa entre os eleitores

Matematicamente, o modelo probabilístico baseia-se no modelo de sinergia

probabilidade = v . exp(k . x), onde ( 1 )

k é a influência da maioria sobre o eleitor, v é a flexibilidade de opinião dos eleitores e x é a quantidade de intenção de votos que o candidato objeto tem no momento, dividido pela metade do número total de eleitores e exp representa a função exponencial (ver GILBERT e TROITZSCH, 1999, p.95).

Se a influência ocorrer, a intensidade da alteração na preferência eleitoral é dada por:

□ = c1 * exp( - | p | ), onde ( 2 )

c1 é um parâmetro de intensidade de preferência que indica quanto a preferência do eleitor passivo irá variar caso a influência ocorra e p é a preferência eleitoral atual do eleitor passivo em relação ao candidato objeto. Quanto mais forte a preferência eleitoral (p), menor será a variação na preferência eleitoral medida (□). Preferências mais fortes são mais dificilmente influenciáveis e, portanto, terão variações na intensidade da preferência menores. Ou seja, quanto maior (p), menor será (□). A preferência eleitoral (p) aparece em módulo para garantir que o impacto sobre (□) de preferências primeiramente opostas, mas com igual intensidade (p = 2 ou p = - 2, por exemplo), seja o mesmo. Para exemplificação, a valência de (□), ou seja, se o eleitor passivo é positiva ou negativamente influenciado, é definida aleatoriamente com 50% de chance para cada caso2 2 Os valores utilizados nos índices e parâmetros aqui apresentados são indutivos, e foram testados nas simulações realizadas em 2004 e 2006. Os valores aqui utilizados são aqueles obtidos em um esforço para minimizar efeitos estocásticos sobre o modelo. Estes valores foram informados por análises qualitativas realizadas pelo Laboratório Doxa, do Iuperj. .

A probabilidade de um determinado eleitor interagir com outro foi determinada pelas respostas do survey às questões sobre com quem o eleitor mais conversa. A partir delas, foram elaborados dois índices: um primeiro índice que mede o nível de interação privada do eleitor e um segundo que mede nível de interação pública do eleitor. Esses índices utilizam uma escala de 1 a 5, onde 1 indica baixa interatividade e 5 indica alta interatividade, e depois normalizados para efeito de comparação.

Não podemos ignorar o fato de os eleitores interagirem com a mídia. Essas interações com mídias acontecem quando um eleitor está em casa e lê um jornal ou assiste à televisão, eventos que ocorrem na primeira e na última parte do dia. Cada vez que um eleitor interage com uma mídia, ele tem notícias sobre todos os candidatos. As notícias podem ser positivas ou negativas, com probabilidades de divulgação negativa específicas para cada candidato em cada fase eleitoral simulada. A chance de o eleitor ser influenciado pela notícia, ou seja, ter sua preferência eleitoral pelo candidato em questão alterada, depende da probabilidade de interação da mídia, que é um atributo que varia ao longo do tempo e muda a cada fase da simulação.

Se a influência ocorrer, a intensidade da alteração da preferência eleitoral é dada pela mesma fórmula ( 2 ). A única diferença entre jornal e televisão reside no fato de que apenas os eleitores que têm grau de exposição à mídia alto ou muito alto interagem com o jornal; no caso da televisão, todos os eleitores do simulador interagem diariamente. Os mesmos procedimentos adotados para conversas foram adotados para a construção dos dois índices de interação com a mídia.

De posse dos índices, os parâmetros utilizados no simulador são apresentados na sequência. Seus valores foram testados empiricamente, através de realização de vários modelos de simulação.

a. coeficiente de intensidade de preferência das mídias (c2). Cada mídia tem o seu coeficiente que regula a intensidade da variação da preferência eleitoral de um eleitor, cada vez que esse interage com essa mídia. Os valores adotados para c na primeira versão do simulador são 0,5 para jornal e 3 para televisão3 3 A diferença entre os valores utilizados nos parâmetros de jornal e televisão são consequência direta da maior difusão da mídia televisiva e, portanto, de seu maior impacto, sobre a disseminação de informação política. ;

b. coeficiente de intensidade de preferência da conversa (c1). Esse coeficiente regula a intensidade da variação da preferência eleitoral de um eleitor, cada vez que esse conversa com outro eleitor. O valor adotado para c1 na versão beta do simulador é 0,01;

c. probabilidade de interação das mídias. A chance de ocorrer a interação entre mídia e eleitor. Existe uma probabilidade de interação para cada fase eleitoral. Os valores adotados para c na versão beta do simulador são: Fase 1: 50%; Fase 2: 75%; Fase 3: 50%; Fase 4: 75%.; e

d. flexibilidade de opinião (v) e influência da maioria (k). Esses valores variam de acordo com a fase eleitoral, mas são os mesmos para todos os eleitores e são usados em interações de conversa. Os valores adotados para v e k na versão beta do simulador são respectivamente: Fase 1: 0,5 e 0,5; Fase 2: 1,5 e 1; Fase 3: 1 e 1; e Fase 4: 1,5 e 1,5.

Tendo os elementos físicos do simulador (índices e parâmetros), passamos para as fases da simulação. A simulação do processo eleitoral foi dividida em quatro fases.

a. Primeira fase: corresponde ao período sem propaganda eleitoral, que no caso da pesquisa realizada, tem duração de 32 dias;

b. Segunda fase: com duração de 7 dias e corresponde à primeira semana de propaganda eleitoral;

c. Terceira fase: dura 34 dias e corresponde ao restante do período de propaganda eleitoral; e

d. Quarta fase: corresponde à última semana antes das eleições, ou seja, dura 7 dias.

Essas fases foram determinadas a partir de dados elaborados pelo Laboratório Doxa do IUPERJ, nos quais se verificou que a exposição dos eleitores às informações sobre a campanha tende a acompanhar esta periodização. Em cada fase da simulação, os valores de probabilidade de interação das mídias, flexibilidade de opinião, influência da maioria são distintos, podendo, inclusive, serem alterados pelo usuário do simulador.

O Software: organização e interface gráfica

O Simulador de Eleições pode ser descrito em duas partes distintas: parte lógica e interface gráfica. A parte lógica é o simulador propriamente dito, contém as classes que modelam as entidades do mundo real e executa as interações entre essas classes. A interface gráfica oferece mecanismos para entrada de dados do usuário e visualização de resultados de simulação. Os componentes de software que representam as entidades e eventos são chamados de "classes", conforme padrão do paradigma de programação orientada a objetos. Além dessas, diversas outras classes foram criadas a fim de complementar a lógica de implementação do simulador.

O diagrama abaixo mostra as classes que compõem o simulador. Apenas a classe Eleitor será detalhada aqui, pois é importante para o entendimento do simulador.

Esquema 3: O Diagrama de Classes do Simulador

A classe Eleitor contém diversos atributos que visam reproduzir as características dos eleitores do mundo real. São eles:

a. classe social (indica a qual classe hierárquica na sociedade o eleitor pertence);

b. coeficiente de intensidade de interação (indica a frequência com que o eleitor interage com os demais eleitores do simulador);

c. conhecimento político (parâmetro qualitativo de comportamento do eleitor que define seu nível de conhecimento político);

d. sensibilidade à corrupção (essa variável representa a sensibilidade do eleitor quanto a escândalos políticos dos candidatos);

e. idade do eleitor;

f. identificador (número do questionário do eleitor no survey realizado);

g. escolaridade (parâmetro de atributo do eleitor que define sua escolaridade);

h. exposição à mídia (parâmetro qualitativo de comportamento do eleitor que define seu interesse e sua exposição à mídia);

i. flexibilidade de opinião (flexibilidade do indivíduo para mudar de opinião);

j. índice de interatividade política privada (parâmetro quantitativo de comportamento do eleitor que define seu grau de interatividade política com as pessoas com quem mais conversa. Esse índice aumenta à medida que a data das eleições se aproxima);

k. índice de interatividade política pública (parâmetro quantitativo de comportamento do eleitor que define seu grau de interatividade política com pessoas dos diferentes ambientes que ele frequenta que aumenta à medida que a data das eleições se aproxima);

l. influência da maioria (quantifica a influência que a opinião da maioria exerce sobre o eleitor. Esse valor pode mudar em função do tempo);

m. interatividade política privada (parâmetro qualitativo de comportamento do eleitor que define seu grau de interatividade política com as pessoas com quem mais conversa que aumenta à medida que a data das eleições se aproxima);

n. interatividade política pública (parâmetro qualitativo de comportamento do eleitor que define seu grau de interatividade política com pessoas dos diferentes ambientes que aumenta à medida que a data das eleições se aproxima);

o. moralismo (representa a sensibilidade do eleitor quanto a escândalos pessoais dos candidatos);

p. participação política (parâmetro qualitativo de comportamento do eleitor que define seu grau de participação política);

q. pessoas com quem mais conversa (define os tipos de pessoas com quem o eleitor mais conversa, que podem ser pessoas que moram com o eleitor ("pessoas de casa"), colegas de trabalho ou escola ("pessoas do trabalho"), pessoas que compartilham momentos de lazer ("pessoas do lazer"). A lista pode conter de zero a três tipos);

r. preferências eleitorais (definem as preferências eleitorais do eleitor para cada candidato na eleição. A preferência é um valor quantitativo); e

s. renda (assim como a classe social, esse é outro parâmetro que define a condição social do eleitor).

Finalmente, a entrada de dados para o simulador de eleições é feita através das suas interfaces gráficas de execução de simulação e de visualização de resultados. A interface de execução de simulação permite ao usuário salvar e carregar configurações de execução de simulação em arquivos e, durante a execução da simulação eleitoral, um arquivo de resultados é gerado com o objetivo de ser, posteriormente, visualizado na interface de resultados.

Para a criação dos "eleitores virtuais" com base nos questionários do survey aplicado, o simulador conta com um recurso de "importação" de eleitores. Para tal, as respostas dos questionários do survey devem ser passadas para um arquivo do programa estatístico SPSS seguindo determinadas padronizações. O recurso de importação dos eleitores analisa esse arquivo do SPSS, codifica os atributos de cada eleitor encontrado (cada questionário equivale a um eleitor) e o insere na interface gráfica de execução de simulação. Ou ainda, podemos inserir os eleitores, bem como seus atributos e parâmetros, diretamente no software.

O fluxo de execução do programa e a interação entre as classes acontecem segundo o modelo teórico apresentado. Assim, o núcleo lógico do simulador recebe dados da interface gráfica e prepara-se para realizar as simulações. O número de simulações que serão executadas é parametrizado para garantir significância. O ideal é que o número de simulações seja igual ao número de eleitores.

Os primeiros resultados

Como já mencionado anteriormente, a primeira simulação foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, para os cargos de Presidente e Governador, em 2002. À época, foram feitas 400 entrevistas. Ao todo, de acordo com a exigência estatística de significância para modelos de simulação discreta, foram realizadas 400 simulações, o equivalente ao número de agentes em interação. Já a segunda simulação foi realizada em quatro cidades, para o cargo de Prefeito em 2004. Segue em anexo uma tabela resumo contendo a cidade e o número de simulações realizadas (lembre-se que o número de simulação é igual ao número de entrevistados).

O simulador executa uma simulação de cada vez e seus resultados são gerados em um gráfico onde se encontram no eixo X os dias de simulação e no eixo Y a porcentagem de eleitores tendentes a votar no candidato. É importante ressaltar que cada linha no gráfico representa apenas uma simulação, devendo esse ser visualizado por uma tendência geral do que chamamos de "banda preta". A "banda preta" é a região na qual se verifica maior concentração da trajetória de preferências eleitorais por candidato. Quanto mais estreita e definida, mais consolidada e evidente é a trajetória de preferência eleitoral agregada por um candidato; quanto mais difusa a "banda", maior a volatilidade que está associada a essas trajetórias de preferências.

Assim, por exemplo, no gráfico para o candidato presidencial José Serra nas eleições de 2002, observa-se que no município do Rio de Janeiro, da perspectiva das preferências manifestadas na aplicação do survey, ele inicia sua trajetória com aproximadamente 6% da preferência do eleitorado com uma tendência ao longo do processo eleitoral, dados os parâmetros utilizados na simulação, de manter esse piso, com alguma chance de crescimento para algo em torno de 10% e uma queda de no máximo 1% (AnexoAnexo, Gráfico 2). Outro exemplo pode ser visto no gráfico da candidata a governadora Rosinha Garotinho na mesma eleição, no qual é possível observar a falta de uma "banda preta" claramente definida, indicando um alto grau de volatilidade de seu eleitorado (AnexoAnexo, Gráfico 5).

Uma outra maneira de olhar para os resultados obtidos consiste em analisar a posição relativa que cada candidato ocuparia no pleito nas simulações realizadas. Tabelas sínteses são geradas pelo simulador em que se encontram os votos reais de uma eleição; a tendência inicial do eleitor, adquirida na pesquisa de survey, e a tendência final do eleitor-objeto do simulador, adquirida após a simulação. Essas nos permitem comparar o resultado final do simulador com o resultado das eleições, bem como perceber se houve (e qual foi) a variação ao longo do período.

Na simulação representada pelos gráficos criados pelo simulador, para presidente, verificamos que o candidato Lula nas eleições de 2002, vencedor do pleito no município do Rio de Janeiro com 47,20% dos votos, venceria o pleito em 26,25% das simulações realizadas (N=400) (AnexoAnexo, Tabela 3). Nessas simulações (N=105), a média de intenções de voto do candidato foi de 43,95%, valor próximo ao efetivamente obtido por ele no pleito. Evidentemente, dado que a pesquisa de opinião realizada como subsídio para alimentar o simulador foi realizada cerca de oitenta dias antes do pleito, a simulação não consegue apreender a queda que Ciro Gomes sofreu ao longo desse período, nem a transferência, já antes do primeiro turno, de votos de Garotinho para Lula. A introdução da variável "escândalos" em próximas versões do simulador possivelmente refletirá melhor cenários desse tipo. Entretanto, não deixa de ser significativo o resultado obtido.

Os dados destas tabelas ajudam-nos a visualizar o antes e depois de uma simulação, bem como compará-los ao resultado real da eleição simulada. Sendo assim, na eleição de 2002, por exemplo, a mesma aproximação dos resultados pode ser verificada na simulação das eleições para governador. A candidata Rosinha Garotinho, vencedora em 44,75% das simulações, obtém nessas (N=179) uma média de 52,99% dos votos, enquanto no pleito obteve 51,30% dos votos no município do Rio de Janeiro (AnexoAnexo, Tabela 4).

No que diz respeito às eleições municipais de 2004, os surveys utilizados não possuíam todas as variáveis necessárias para um melhor desempenho do simulador. Ainda que a "banda preta" não seja tão claramente perceptível como a conseguida na simulação de 2002, os resultados do simulador mostraram-se satisfatórios. Como nas eleições municipais as polarizações oscilam ao longo da campanha, os resultados são mais voláteis. Além disso, como não havia jornal televisivo para alguns municípios, foram feitas duas simulações para cada cidade variando apenas o valor da exposição à mídia (1 ou 3). Para reduzir o excesso de tabelas e gráficos em anexo, apresentamos somente as tabelas de média de votos para os municípios dos resultados obtidos na eleição de 2004 e os gráficos utilizados para os exemplos a seguir.

De maneira geral, verificou-se que, de fato, há uma alta volatilidade dos resultados das simulações em todas as cidades. Quando aumentamos a exposição à mídia (de 1 para 3), essa volatilidade aumenta significativamente, sugerindo que os resultados obtidos no simulador podem apresentar grandes discrepâncias dos resultados eleitorais uma vez que as "bandas pretas" não têm precisão matemática, podendo ser submetidas apenas a uma análise gráfica. Mesmo assim, para o caso dos testes com o simulador nas eleições municipais de 2004, verificamos o acerto de três dos quatro candidatos vitoriosos. No caso de Sumaré, cidade em que o simulador deu a vitória para Cristina Carrara (com 32% em exposição à mídia 1 e 27% em exposição à mídia 3), José Bacchim foi o vencedor (com 43% dos votos contra 40% dados à Cristina). Entretanto, a pequena diferença percentual entre eles, bem como a proximidade no número de vitórias nas tabelas síntese (vencedores em 26% das simulações realizadas), sugere que o aplicativo, se aprimorado e utilizado de forma a adaptar parâmetros a contextos locais, pode gerar resultados potentes. No caso de Sumaré, por exemplo, mais de ¼ dos seus eleitores eram indecisos à época da aplicação do survey, aumentando, portanto, a variabilidade de resultados simulados subsequentemente (AnexoAnexo, Tabela 9).

Em contraposição aos dados de Sumaré, temos o caso do município de Poços de Caldas, onde os valores mais se aproximaram do resultado final das eleições (AnexoAnexo, Tabela 8). Em Areado e Guarulhos, os resultados podem ser considerados satisfatórios se levarmos em consideração que: 1) o simulador tende a gerar resultados medianos, nos quais os votos indecisos e empates podem poluir os resultados; 2) o software acertou a classificação dos candidatos, ainda que tenha errado (em direção a mediana) na porcentagem dos mesmos (AnexoAnexo, Tabelas 6 e 7).

Comparações entre os resultados de um candidato e de outro nos gráficos permitem visualizar outras informações relevantes. Por exemplo, migrações de voto de eleitores de um candidato para outro. Um bom exemplo pode ser visto no município de Areado, no qual os gráficos da simulação eleitoral demonstram uma migração de votos dos eleitores contrários a Pedro da Silva para o candidato Celso Tavares, ainda que não em quantidade suficiente para derrotar o primeiro. Em todos os resultados, o candidato Celso Tavares é o que apresenta menor tendência de queda, e essa rigidez pode ser uma explicação para o porquê de este candidato ter subido do 3° para o 2° lugar no resultado final, se comparado com o survey. É interessante notar que, de todas as quedas, o candidato Davi Leocádio é o que apresenta declínio mais acentuado, mais uma possível evidência da tendência de transferência de voto para Celso Tavares e contra Pedro da Silva.

Uma análise mais pormenorizada das simulações realizadas em 2004 nos quatro municípios (Guarulhos, Sumaré, Poços de Caldas e Areado) apresentaria outros dados que exigiriam uma futura investigação para aprimorar os instrumentos do simulador. No caso de Poços de Caldas, por exemplo, o fenômeno de migração de votos é perceptível nos gráficos, nesse caso do candidato Ricardo Mello para os demais candidatos. Com esses gráficos, notamos que Sebastião Navarro também tende a perder votos, resultado corroborado na comparação entre os resultados do simulador e das eleições. O candidato Paulo Thadeu D'acardia, por sua vez, ganha votos que o aproximam do vencedor. Essa aproximação sugere uma alta taxa de rejeição a Sebastião Navarro entre os eleitores de Ricardo Mello, que transferem seus votos para Paulo Thadeu D'acardia. Também podemos perceber que Sebastião Navarro perde votos entre seus próprios eleitores potenciais. Essa informação é mais bem vista nos gráficos e tabelas gerados com parâmetro de exposição à mídia c2 = 3.

Ainda que Guarulhos seja um município de interessante densidade demográfica, os resultados colhidos no simulador não foram relevantes. Os mesmos se apresentaram, para a análise proposta nesse artigo, pouco interessantes, talvez por causa do candidato majoritário ter dominado as eleições do início ao fim. Isso fez com que desse município não se tirasse uma conclusão relevante para o estudo.

O simulador é um modelo que produz resultados apenas satisfatórios em seu atual estágio de desenvolvimento. Entretanto, das 10 simulações realizadas (1 para presidente e 1 para governador em 2002, no Rio de Janeiro; e 2 para Areado, 2 para Guarulhos, 2 para Sumaré e 2 para Poços de Caldas, nas eleições de prefeito de 2004), ele já foi capaz de classificar a colocação dos candidatos e indicar tendências corretas ao longo da campanha em 70% dos casos.

Conclusão

O uso dos resultados da simulação através da leitura das "bandas pretas" dos gráficos e das frequências das colocações dos candidatos nas simulações bem como as tabelas síntese demonstra que estamos diante de uma interessante proposta metodológica para simulação eleitoral, a ser discutida e aperfeiçoada. O desempenho do simulador confirma a hipótese da relevância de incluir interações sociais em um modelo de previsão de comportamento eleitoral e a tese de que as preferências dos eleitores formam-se nestas interações. Os resultados encontrados para a atual versão do simulador indicam, além disso, a particular saliência das interações com a mídia nesse processo.

De uma maneira geral, podemos afirmar que a volatilidade aumenta significativamente das eleições nacionais para as estaduais e dessas paras as locais. Isso dificulta, mas não impossibilita o uso desse instrumento analítico nas eleições para as prefeituras, bem como para as Câmaras de Vereadores. Ainda que não tenhamos feito nenhuma simulação para os cargos onde a eleição é proporcional, nada impede que esse instrumento seja utilizado para tal.

Finalmente, a pesquisa constatou a relevância do uso de modelos de simulação para a análise de fenômenos sociais em que o comportamento dos agentes obedece a regras determinadas por um sistema complexo e descentralizado. Do ponto de vista substantivo, o aplicativo de simulação, em seu estágio atual de desenvolvimento, demonstrou relativa eficácia na produção de prognósticos para processos eleitorais.

Recebido para publicação em fevereiro de 2008.

Aprovado para publicação em novembro de 2008.

José M. Eisenberg – evinhall@me.com

Teresa Cristina de S. C. Vale - tcvale@terra.com.br

Esquemas, Tabelas e Gráficos

Gráficos

I.Eleição 2002, Presidente

II. Eleição 2002, Governador


III. Eleição 2004, Prefeito, Município de Areado

Exposição a Mídia 1

IV. Eleição 2004, Prefeito, Município de Poços de Caldas

Exposição a Mídia 3

V. Eleição 2004, Prefeito, Município de Guarulhos

Exposição a Mídia 1


VI. Eleição 2004, Prefeito, Município de Sumaré

Exposição a Mídia 3

  • BANKS, J. Handbook of Simulation: principles, methodology, advances, applications, and practice. New York: J.Wiley & Sons, 1998.
  • CONVERSE, P. The Nature of Belief Systems in Mass Public. In: APTER, D. E. (org.). Ideology and Discontent. New York: Free Press, 1964.
  • DOWNS, A. An Economic Theory of Democracy New York: Harper and Row, 1957.
  • FEREJOHN, J. A. e FIORINA, M.P. "The Paradox of Not Voting: a decision theoretical analysis". American Political Science Review, Los Angeles, nş62, p.25-42, 1968.
  • FIGUEIREDO, M. F. "As Pesquisas Pré-Eleitorais e as 'Surpresas' Políticas". Ciência Hoje, Rio de Janeiro, p.82-85, 1986.
  • ___________________. A Decisão do Voto: democracia e racionalidade. São Paulo: Ed. Sumaré, 1991.
  • FISHKIN, J. S. The Voice of the People: public opinion & democracy. New Haven: Yale University Press, 1995.
  • LEVITIN, T. E. e MILLER, W.E. "Ideological Interpretations of Presidential Elections". American Political Science Review, Los Angeles, nş73, p.751-71, 1979.
  • LEWIS-BECK, M. S. e RICE, T.W. Forecasting Elections. Washington: Congressional Quarterly Inc, 1992.
  • MCDONALD, M. D. e HOWELL, S.E. "Reconsidering the Reconceptualization of Party Identification". Political Methodology, nş 8, p.73-91, 1982.
  • NIEMI, R. G. e WEISBERG, H.F. (orgs.). Classics in Voting Behavior Washington: Congressional Quarterly Inc, 1993.
  • NIGEL, G. e TROITZCH, K. G. Simulation for the Social Scientist Buckingham: Open University Press, 1999.
  • POPKIN, S.; ABELSON, R.P. e POOL, I.S. Candidates, Issues & Strategies: a computer simulation of the 1960 and 1964 presidential elections. Cambridge: MIT Press, 1964.
  • VALENTINE, D. C. e VAN WINGEN, J.R. "Partisanship, Independence, and the Partisan Identification Question". American Politics Quarterly, University of Wisconsin-Milwaukee, n. 8, p.165-86, 1980.
  • VERBA, S. e NIE, N.H. Participation in America: Political democracy and social equality. New York: Harper and Roro, 1972
  • __________."The Rationality of Political Activity: a reconsideration". In: NIEMI, R. G. e WEISBERG, H.F. (orgs.) Classics in Voting Behavior Washington, Congressional Quarterly Inc, 1993.

Anexo

  • 1
    Sabemos que a internet vem ganhando, cada vez mais, espaço na arena política. No entanto, embora muito relevante, ela não foi trabalhada nesse modelo, tendo sua inserção prevista para próximas versões do programa.
  • 2
    Os valores utilizados nos índices e parâmetros aqui apresentados são indutivos, e foram testados nas simulações realizadas em 2004 e 2006. Os valores aqui utilizados são aqueles obtidos em um esforço para minimizar efeitos estocásticos sobre o modelo. Estes valores foram informados por análises qualitativas realizadas pelo Laboratório Doxa, do Iuperj.
  • 3
    A diferença entre os valores utilizados nos parâmetros de jornal e televisão são consequência direta da maior difusão da mídia televisiva e, portanto, de seu maior impacto, sobre a disseminação de informação política.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2008
    • Recebido
      Fev 2008
    Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitária 'Zeferino Vaz", CESOP, Rua Cora Coralina, 100. Prédio dos Centros e Núcleos (IFCH-Unicamp), CEP: 13083-896 Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521-7093 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: rop@unicamp.br