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A parte que me cabe nesse julgamento: a Folha de S. Paulo na cobertura ao processo do "mensalão"

Resumos

O artigo analisa a cobertura do jornal Folha de S. Paulo ao julgamento da Ação Penal 470, mais conhecido como julgamento do "mensalão". A partir dele e tendo em mente sua especificidade, discutimos as relações entre a imprensa brasileira e o PT e o modo de organização da pluralidade no jornalismo político no Brasil. Nessa cobertura, a pluralidade corresponde à garantia de espaços restritos para a defesa, circunscrita e autointeressada, de alguns indivíduos diante da narrativa que organiza o noticiário. O noticiário é apresentado, por sua vez, como narrativa colada aos fatos e, como tal, não posicionada. O ângulo apresentado como legítimo para a cobertura é naturalizado ao mesmo tempo em que as posições em disputa, que implicariam recortes distintos para a produção do noticiário, são excluídas ou domesticadas como reações aos fatos. Na cobertura analisada, o partidarismo encontra sua expressão na prevalência da dimensão moral da política no discurso jornalístico.

imprensa; pluralidade; partidarismo; "mensalão"; Partido dos Trabalhadores (PT)


This article analyses the role of one of the main Brazilian newspapers, Folha de S. Paulo, in the understanding of Penal Action 470 - the judgment by Brazilian supreme court of important members of Brazilian Workers' Party for their involvement in corruption during the first government of Lula da Silva. It discusses the relationship between press and PT in Brazil and, also, the way plurality is organized in Brazilian political journalism. In the news here discussed, plurality equals guarantees for a restricted defense of some individuals in face of the narrative that organizes the coverage. While a circumscribed defense is presented as self-interested, that narrative is presented as nonpartisan and stuck to the facts. The angle presented as legitimate in the news is naturalized while conflicting positions are excluded or domesticated as reactions to the facts. Partisanship has its expression, then, in the prevalence of the moral dimension of politics.

press; plurality; partisanship; "mensalão"; Workers' Party (PT)


A mídia e o PT1 1 Este artigo se beneficiou dos comentários e críticas feitos ao paper que apresentamos no GT de Comunicação e Política do XXII Encontro Anual da Compós (UFBA, 4 a 7 de junho de 2013). Agradecemos aos colegas que discutiram o texto naquela ocasião, em especial a Wilson Gomes. Agradecemos também a Luis Felipe Miguel e Marcelo Tokarski, que leram e comentaram versões anteriores do artigo.

A relação da imprensa brasileira com o Partido dos Trabalhadores (PT), desde sua criação na década de 1980, expõe aspectos e padrões reveladores da atuação política da imprensa e da trajetória do PT.

Há hoje um acúmulo de estudos sobre a cobertura jornalística das disputas eleitorais, sobretudo desde 19892 2 Para alguns estudos representativos, conferir os textos reunidos em Lima (2007), Miguel (2002) e Rubim (2000, 2004). . A oposição frontal ou a posição crítica ao PT, o apoio direto ou velado aos candidatos do principal partido em disputa com o PT nessas eleições, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), assim como as aproximações entre as empresas de comunicação e o partido em eleições recentes são centrais na história das relações entre a mídia e a política no Brasil contemporâneo.

A oposição ruidosa da maior parte das empresas de comunicação e veículos da imprensa a Lula em 1989, seu apoio a Fernando Henrique Cardoso (PSDB) via apoio ao Plano Real em 1994 e o clima de recondução da cobertura às eleições de 1998, em que Cardoso foi reeleito, expõem formas da atuação da mídia - e da relação entre a mídia e o PT - que não são idênticas. Mas há um aspecto comum, que é a oposição, ainda que em graus variáveis, ao PT, com a adesão, também em graus variáveis, a candidaturas alternativas. As eleições de 2002 seriam distintas. Ainda que se possa considerar que não houve adesão dos principais veículos ao partido, mas uma acomodação à realidade de que o PT se tornaria governo - isto é, estaria numa posição privilegiada na negociação da dívida das empresas do setor de comunicação e na administração de verbas públicas para publicidade -, há uma inflexão nesse percurso.

Assim como no âmbito dos estudos sobre a mídia, há hoje um conjunto também amplo de estudos focados nas transformações, reajustes e realinhamentos na trajetória do PT desde meados da década de 19903 3 Para alguns estudos representativos, conferir Hunter (2010), Ribeiro (2010) e Singer (2012). . Entre as primeiras eleições diretas para a Presidência da República, em 1989, e as eleições vencidas por Lula, em 2002, o PT passou por intensas transformações. Sua expressão pública se modificou, o que fica claro quando se acompanha a imagem de Lula e do governo e as estratégias de marketing eleitoral do partido4 4 Conferir Miguel (2006) e Almeida (2008). . O PT cresceu, nesse período, em número de filiados, prefeituras governadas, ocupantes de cargos no legislativo federal e também na aceitação dos eleitores, sobretudo entre as camadas do eleitorado que não constituíam a base eleitoral típica do partido. Ampliaram-se, também, o leque das suas alianças e fontes de financiamento. Trata-se, para recorrer a aspectos representativos dessa trajetória, da transição do pavor publicamente manifesto pelos empresários brasileiros diante da possibilidade de que um ex-operário vencesse as eleições de 1989 à Carta aos Brasileiros, de 2002, com a posterior chegada de Lula à Presidência, acompanhado, na Vice-Presidência, do empresário José Alencar, do Partido Liberal (PL). É o processo que levaria à "coexistência de dois vetores opostos em um mesmo corpo partidário" e à construção de uma "aliança de classe" (Singer, 2010Singer, A. "A segunda alma do Partido dos Trabalhadores". Novos Estudos, n° 88, p.89-111. 2010., p.111) que expressava uma busca de acomodação entre as raízes históricas do partido e os compromissos assumidos em sua trajetória recente.

A Carta aos Brasileiros seria um divisor de águas também no modo como a mídia brasileira atuou nesse processo. Mais do que o antipetismo - que poderia ser parte das hipóteses na análise de alguns veículos e jornalistas - a atuação da mídia, ao menos até 2002, revelaria "uma forte tensão entre valores ideológicos constitutivamente antagônicos entre o conjunto da grande imprensa (adepta, em variados graus e convicções, da economia de mercado e da democracia representativa) e o PT (socialista e abrigando internamente grupos críticos da democracia representativa)" (Azevedo, 2009Azevedo, F. "A imprensa brasileira e o PT: um balanço das coberturas presidenciais (1989 a 2006)". Revista Eco-Pós, vol. 12, n° 3, p.48-65, 2009., p.64). A relação entre mídia e PT ganharia novos contornos justamente quando, metamorfoseado em "partido da ordem", o PT realizava sua integração ao capitalismo de mercado e às formas correntes do fazer político, confirmando assim as mudanças em curso no partido desde a década de 1990.

O namoro entre o PT e a grande imprensa, com a expressão de interesses coincidentes na cobertura jornalística, teve idas e vindas entre 2002 e 2004 e seria interrompido em 2005, com a crise do "mensalão". A partir daí, as tensões se acentuariam novamente. Em 2006 e 2010, a cobertura dos principais veículos de comunicação voltaria a ser caracterizada como "partidária" (Rubim, 2007______. Ética da política e ética na política nas eleições de 2006. In: Lima, V. A. (org.). A mídia nas eleições de 2006. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p.159-168, 2007., p.164). E no circuito militante, o entendimento passaria a ser o de que houve uma "cruzada midiática" (Passos, 2012Passos, N. "Bastidores de um julgamento e de uma 'cruzada midiática'". Carta Maior, 27 de set. 2012. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20985>. Acesso em: 2 fev. 2013.
http://www.cartamaior.com.br/templates/m...
), em que a mídia hegemônica combateu abertamente o PT, substituindo inclusive "a necessidade de maior proeminência dos partidos da oposição conservadora" (Miola, 2013Miola, J. "O PT na contramarcha da liquefação política". Carta Maior, 17 jan. 2013. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5937>. Acesso em: 2 fev. 2013.
http://www.cartamaior.com.br/templates/a...
).

O protagonismo do PT na política e na crise do "mensalão" foi acompanhado pelo protagonismo da própria imprensa na condução, seleção e amplo destaque dado às denúncias feitas pelo então deputado federal e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson. Desde o início, jornais e revistas que estão entre os principais veículos de informação no Brasil estiveram em cena - ou, se quisermos, fizeram parte da construção da cena que definiu o âmbito e os sentidos da crise. Ela foi inaugurada pela entrevista de Jefferson à Folha de S. Paulo (Lo Prete, R. "Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT", 6 jun. 2005, p.A4), na qual o termo "mensalão" foi utilizado por Jefferson para nomear mesadas que seriam pagas pelo governo para parlamentares. E a entrevista foi, por sua vez, uma reação às denúncias de corrupção nos Correios reveladas pela revista Veja em sua edição de 18 de maio de 20055 5 Nessa reportagem, foi publicado o conteúdo da gravação na qual Mauricio Marinho era flagrado recebendo propina de R$ 3 mil. Marinho estaria sob as ordens do PTB e de Roberto Jefferson (Policarpo Junior, "O homem-chave do PTB", 18 maio 2005). Disponível em: <http://veja.abril.com.br/180505/p_054.html>. Acesso em: 15 jan. 2012. .

O "mensalão" tornou-se o principal assunto da cobertura jornalística ao longo de 2005 e permaneceu em evidência durante a disputa eleitoral de 2006 (apesar disso, Lula foi reeleito com mais de 60% dos votos válidos e em 2010 reelegeria sua sucessora, Dilma Rousseff). Foi, também, o principal tópico no noticiário político entre agosto e novembro de 2012, quando a Ação Penal 470 foi julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), com a condenação de 25 pessoas, entre as quais José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, considerado o principal articulador político na condução do PT ao Planalto e no primeiro governo Lula, José Genoino, presidente do PT na época em que foram feitas as denúncias, e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, responsabilizado, juntamente com o publicitário Marcos Valério, também condenado, pela operacionalização de desvios de recursos.

O rescaldo e, em certo sentido, o ápice, da crise do "mensalão" viria, assim, com o julgamento - e a cobertura ao julgamento - em 2012. É essa cobertura que discutimos aqui. Tomada, neste artigo, como um episódio na história das relações entre a grande imprensa e o PT, ela expõe aspectos relevantes do modus operandi do jornalismo político no Brasil hoje, sobretudo no que diz respeito às formas de organização da pluralidade e de gerenciamento dos conflitos e disputas políticas. A convivência entre moralismo, despolitização e partidarismo é um deles6 6 Em sua análise da cobertura às eleições de 2006, Rubim (2007) atribui à imprensa uma "postura moral e despolitizante, mas partidarizada ao extremo" (Rubim, 2007, p.164). . Acompanhamos, nesse sentido, o argumento de que a prevalência de "argumentos éticos e morais" se tornou característica das relações entre a grande imprensa e o PT depois de 2002 (Azevedo, 2009Azevedo, F. "A imprensa brasileira e o PT: um balanço das coberturas presidenciais (1989 a 2006)". Revista Eco-Pós, vol. 12, n° 3, p.48-65, 2009., p.64)7 7 Vale lembrar que em 2004, antes da crise do "mensalão", as relações entre imprensa e governo haviam sido marcadas pelo escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, então subchefe de gabinete da Casa Civil, visto como homem de confiança do ministro José Dirceu. .

Analisamos, aqui, a cobertura ao julgamento da Ação Penal 470 pelo STF na Folha de S. Paulo. Além de ser um dos jornais diários nacionais de maior circulação, trata-se do jornal que mais abertamente professou, desde a redemocratização, sua adesão simultânea à democracia, ao apartidarismo e ao pluralismo interno (Biroli, 2007Biroli, F. "Técnicas de poder, disciplinas do olhar: aspectos da construção do jornalismo moderno no Brasil". História, vol. 26, n° 2, p.118-143, 2007., 2009______. "Representações do golpe de 1964 e da ditadura na mídia: sentidos e silenciamentos na atribuição de papéis à imprensa, 1984-2004". Varia História, vol. 25, n° 41, p.269-291, 2009.; Taschner, 1992Taschner, G. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.). Queremos colaborar para o entendimento de como o discurso moral organiza a cobertura nesse momento, identificando e discutindo o modo de convivência entre moral e partidarismo nessa cobertura. Trata-se de melhor compreender qual é o sentido de uma atuação parcial e partidária em um contexto em que a mídia é economicamente autônoma (ainda que os recursos públicos para publicidade e o poder político para a definição de barganhas lucrativas não possam ser desconsiderados), independente em relação aos partidos políticos e expressamente devotada aos canônes da imparcialidade e ao pluralismo como valor8 8 Nessa perspectiva, este artigo procura avançar argumentos discutidos em estudos anteriores (Biroli, 2013; Biroli e Miguel, 2012; Miguel e Biroli, 2010). .

Uma cobertura plural

Embora esta não seja uma análise comparativa, é possível afirmar que a cobertura da Folha ao julgamento do "mensalão" não se singulariza na cobertura feita pelos demais jornais de grande circulação nacional, como O Estado de S. Paulo e O Globo. A cronologia, as principais personagens e os episódios que compõem a cobertura são similares, como é similar o entendimento de que se trata de um grande evento político-midiático. Ela não se diferencia, também, das formas e estratégias correntes no noticiário político do próprio jornal. Atende às divisas convencionais entre jornalismo factual e jornalismo opinativo, e até mesmo nas cartas dos leitores - que optamos por não discutir aqui, mas foram diariamente publicadas pelo jornal no período pesquisado - procurou manter o equilíbrio entre posições favoráveis e contrárias àqueles que foram alçados a protagonistas nesse episódio, entre os quais se destacam o PT, José Dirceu e o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470. O esforço para caracterizar seu jornalismo como isento e plural esteve presente nesse caso, como em outros momentos na trajetória da Folha.

O corpus da pesquisa consiste em 236 textos, de 30 edições da Folha de S. Paulo. A amostra foi definida a partir da observação prévia do noticiário e procurou contemplar a "preparação" do julgamento, quando as expectativas sobre como se daria determinam o tom do noticiário (edições de 23 de julho a 1º de agosto de 2012, que correspondem a 65 textos ou 27,5% do corpus), o período inicial do julgamento (edições de 2 a 11 de agosto de 2012, com 107 textos ou 45,3% do corpus da pesquisa) e um terceiro período, que se inicia com a divulgação do resultado do julgamento do chamado núcleo político e corresponde ao momento em que foram discutidas as penas para os réus considerados culpados (edições de 13 a 22 de novembro de 2012, somando 64 textos ou 27,1% do total analisado). O objetivo da incorporação desse último período foi voltar à análise sistemática da cobertura após mais de três meses de exposição diária do julgamento na mídia, já definidas as condenações e encerradas as eleições municipais de outubro de 2012. Na base de dados, cada um dos 236 textos que se referem ao "mensalão", publicados nas 30 edições pesquisadas, gerou uma entrada, que correspondeu ao preenchimento de uma ficha com caracterização detalhada dos textos e categorização dos enquadramentos neles predominantes. Das matérias que compõem o corpus, 37 tiveram chamadas na primeira página - entre elas, 9 foram publicadas no período final da amostra. Das 30 edições, duas trouxeram cadernos especiais sobre o julgamento, a de 29 de julho ("Especial mensalão") e a de 13 de novembro ("Especial mensalão: as penas do núcleo político").

A maior parte dos textos analisados é de reportagens - são 134, isto é, 56,8% do total de 236 textos. Nas edições analisadas foram publicadas também 4 entrevistas, uma delas com o ex-deputado Roberto Jefferson, uma segunda com o advogado de defesa de José Dirceu, José Luis de Oliveira Lima. As outras duas diziam respeito aos efeitos da condenação pelo STF. Em uma delas, o professor de Direito Constitucional Dirceu Torrecillas Ramos defende que a cassação dos culpados que detinham mandatos eletivos deveria ser imediata. Em outra, o ex-chefe da assessoria jurídica da Secretaria-Geral da Câmara dos Deputados, Fernando Sabóia, defende que caberia aos deputados, no âmbito da Câmara portanto, a decisão sobre a cassação dos mandatos9 9 Fora dos limites do corpus da pesquisa, foi publicada também uma entrevista com o jurista alemão Claus Roxin, bastante discutida no noticiário. Roxin é apresentado como um dos principais responsáveis pela "teoria do domínio do fato", que, em linhas gerais, justificaria a culpabilização pela posição ocupada pelo réu, que permitiria presumir seu conhecimento e responsabilidade sobre eventos e sobre ações realizadas por outros. Ela foi uma das bases jurídicas para a condenação do ex-ministro José Dirceu. . Os textos de opinião, que incluem artigos, colunas, notas e editoriais, totalizam 98 entradas (41,5% do corpus). Sua maior concentração está nas colunas que fazem parte do corpo permanente de colunistas e jornalistas da Folha, entre os quais se destacam, em número de textos publicados sobre o julgamento, Marcelo Coelho (na Folha desde 1990), que faz parte do Conselho Editorial do jornal e foi uma espécie de comentarista do julgamento, tendo assinado uma coluna que acompanhava o noticiário e texto de destaque no caderno especial de 13 de novembro; Eliane Catanhêde (na Folha desde 1997) e Fernando Rodrigues (na Folha desde 1987), da sucursal de Brasília, articulistas com espaço fixo na página 2 do jornal. O quarto colunista com maior concentração de textos é Janio de Freitas (na Folha desde 1980, tem sua coluna publicada nesse jornal desde 1983), também membro do Conselho Editorial. Entre as notas, têm maior expressão numérica as da coluna Painel, assinada por Vera Magalhães.

Janio de Freitas foi visto como "voz dissonante"10 10 O título da reprodução da coluna de Susana Singer no blog Luís Nassif Online é "Jânio de Freitas, a respeitada 'voz dissonante' na Folha", 1 jan. 2013. Disponível em: <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/janio-de-freitas-a-respeitada-voz-dissonante-na-folha>. Acesso em: 6 fev. 2013. , sendo mobilizado para o elogio a um jornalismo plural. Um índice dessa pluralidade seria justamente a diversidade entre os colunistas do jornal. Susana Singer, ombudsman da Folha que teceu esses comentários, oscilaria entre a ideia de pluralidade e a de dissonância ao dizer que "a quase totalidade dos colunistas aplaudia as decisões do Supremo Tribunal Federal" enquanto "Janio de Freitas criticava ministros e levantava dúvidas sobre as provas e teorias citadas para condenar os réus" (Singer, S. "Pensar diferente", 30 dez. 2012, p.A6). Na mesma coluna, ressalta a distinção ("salutar distância") entre artigos de opinião e noticiário e entre opinião dos colunistas e opinião da Folha, expressa nos editoriais.

O elogio à diversidade entre os colunistas, representada pela liberdade de Janio de Freitas para sustentar posições distintas e muitas vezes opostas às dos editoriais e ao próprio noticiário, ancora-se em um caso singular na cobertura, em que recortes alternativos são mobilizados para atribuir sentido aos eventos. As referências à discrepância entre a atenção da imprensa e a atuação do STF nas denúncias de corrupção que envolvem políticos do PSDB e de outros partidos, assim como referências históricas à campanha da imprensa contra Getúlio Vargas, que culminaria em seu suicídio em agosto de 1954, utilizadas como contraponto à visão de que estava em curso "uma refundação da República"11 11 A expressão é parte da declaração do historiador Marco Antonio Villa, em destaque no quadro "Eles aplaudiram" (Caderno especial "Mensalão: as penas do núcleo político", 13 nov. 2012, p. 5). A declaração completa publicada é "A condenação é fundamental para mudar forma [sic] de fazer política no Brasil. Em síntese, é uma refundação da República. Essa condenação tem um forte efeito pedagógico". , são exemplos de deslocamentos relativamente ao noticiário. Janio de Freitas, ainda que de maneira isolada, tensiona os limites da cobertura também quando coloca em questão a própria imprensa.

Afinal, em um jornalismo plural, "os colunistas não precisam estar alinhados com as posições do jornal, o importante é que não pensem em uníssono para que sejam apresentadas diferentes visões sobre um fato" (Singer, S. "Pensar diferente", 30 dez. 2012, p.A6). Permanece, assim, a ideia de que é possível a distinção entre uma narrativa factual que não seria orientada por valores e outras, posicionadas, que ofereceriam versões aos fatos brutos.

Na coluna publicada na primeira semana do julgamento (Singer, S. "Silêncio, o réu vai falar", 5ago. 2012, p.A6), a ombudsman partia da observação de Janio de Freitas sobre a ausência de equilíbrio na cobertura do julgamento, mais propriamente na cobertura que o precedeu12 12 Dois dias antes do início do julgamento, no primeiro período do nosso corpus, Janio de Freitas dizia em sua coluna que "entre a insinuação mal disfarçada e a condenação explícita, a massa de reportagens e comentários lançados agora, sobre o mensalão, contém uma evidência condenatória que equivale à dispensa dos magistrados e das leis que devem servir os seus saberes" e considera que, numa hipótese "complacente" o sentido desse noticiário é uma dupla pressão sobre o STF e sobre a opinião pública, com "a expectativa de condenações a granel" (Freitas, J. "O julgamento na imprensa", 31 jul. 2012, p. A6). , para reiterar o ideal normativo da isenção. O "admirável trabalho jornalístico que expôs as entranhas do PT no poder" estaria sendo turvado pelo viés, na cobertura, "de que o único desfecho bom para a democracia é a condenação exemplar dos réus". A correção de rota deveria ser feita evitando-se a "mão pesada" - um dos exemplos dados pela ombudsman é o texto da capa do caderno especial "Mensalão" de 29 de julho de 2012, em que se lê que o "Supremo Tribunal Federal começa a julgar escândalo de corrupção que marcou era Lula", seguido pela afirmação de que "o capítulo final do maior escândalo de corrupção da história recente do país começará a ser escrito (...)". A tarefa seria, ainda segundo Singer, "traduzir, interpretar, revelar bastidores, eleger com imparcialidade o mais importante", lembrando que "o jornal só tem a ganhar se deixar o noticiário fora da torcida pela condenação". A reverberação pela imprensa das acusações de Marcos Valério, condenado como operador dos desvios de recursos públicos no governo Lula, também foi considerada pouco cuidadosa e acrítica, mas não foi discutida como posição no debate e nas disputas políticas. Teriam feito falta, nesse caso, uma checagem mais rigorosa das fontes e a contextualização das denúncias (Singer, S. "Ameaças amplificadas", 11 nov. 2012, p.A6).

O que fica de fora nesse entendimento da cobertura é que os fatos se definem como tal, isto é, ganham sentido e tomam forma "em um contexto de disputas e sobreposições entre complexos distintos de valor, cristalizados em discursos" (Biroli e Miguel, 2012______.; Miguel, L. F. "Orgulho e preconceito: a 'objetividade' como mediadora entre o jornalismo e seu público". Opinião Pública, vol. 18, n° 1, p.22-43. 2012., p.29). A eleição imparcial dos fatos relevantes é o processo de definição de ângulos legítimos. E a afirmação desses ângulos depende, no jornalismo orientado pelo ideal da imparcialidade, da supressão das distinções fundamentais entre posições (e ângulos) em disputa - o "fundo" do qual emerge o ângulo apresentado como legítimo.

O pluralismo interno na cobertura da Folha ao julgamento da Ação Penal 470 seria mais bem definido como a garantia de espaços circunscritos para a defesa de indivíduos determinados, diante da narrativa que organiza o noticiário. Ela foi expressa basicamente pela publicação da linha de defesa dos réus, pela voz dos seus advogados, de que são exemplares os textos "Condenar Dirceu é atacar a Constituição, diz defesa" (sem autor, 7 ago. 2012, p.A4) e "Advogado de Valério nega uso de dinheiro público no mensalão" (sem autor, 7 ago. 2012, p.A5). Como ocorreria em outros momentos da cobertura, a posição favorável aos acusados é cotejada com a posição do PSDB, nesse ponto representado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, afirmando que "houve crime" e "crime tem de ser punido" (Nogueira, I. "Acusação de procurador impede uma 'absolvição geral', diz FHC", 7 ago. 2012, p.A5).

Os cadernos especiais também expuseram essa dinâmica de fatos e contrapontos. A garantia de defesa e a exposição do contraponto à narrativa que organiza o noticiário são o modo de construção da pluralidade nessa cobertura. Ela se realizaria com a enunciação do outro lado - não do outro lado de um lado, mas do outro lado diante dos fatos -, em uma dinâmica que se acentuaria ao longo da cobertura, como mostra o caderno de 13 de novembro, posterior às condenações. No caderno publicado dois dias antes do início do julgamento, os textos noticiosos - sobre o "mensalão", do escândalo ao acolhimento da denúncia da Procuradoria-Geral pelo STF - tiveram como contraponto uma reportagem sobre a descrição das estratégias dos advogados dos réus para "atacar a denúncia da Procuradoria como se fosse um castelo de cartas" (Ferreira, F. "Objetivo dos réus será desconstruir a acusação", Caderno especial "Mensalão", 29 jul. 2012, p.4). A perspectiva atribuída ao ex-presidente Lula aparece em outro texto, não como versão sobre os episódios, mas como preocupação de como o julgamento incidiria sobre sua imagem. Mas o tema do texto foi, na realidade, a oscilação no discurso de Lula desde a eclosão da crise, do reconhecimento de que houve erros e mesmo "traição" de aliados à denúncia de uma conspiração contra seu governo e o PT (Franco, B. M. "Lula teme que decisão final manche sua imagem", Caderno especial "Mensalão", 29 jul. 2012, p.8). A metade superior da página onde o texto foi publicado é ocupada com fotos de Lula com os principais acusados. E a perspectiva atribuída, apresentada como notícia, é costurada nos dois parágrafos finais com "os dois lados": a Sérgio Guerra, presidente do PSDB, é atribuída a afirmação de que Lula comprometeu sua biografia liderando o mensalão em vez da reforma política; a Rui Falcão, presidente do PT, a de que Lula e seu governo não estão em julgamento e que sua aprovação popular, seguida da eleição de sua sucessora, causaram inveja. Logo abaixo e finalizando o caderno, viria uma análise de Fernando Rodrigues, em que a expectativa popular da punição ganha sentido na afirmação de que a população não se surpreenderia, no entanto, se o STF não cumprisse seu papel punindo os acusados.

No segundo caderno especial publicado, a pluralidade, construída como circunscrição de espaço para a defesa e contraponto, seria garantida por textos que expõem as reações de José Genoino e de José Dirceu ao julgamento de maneira bem mais direta e com mais espaço e peso que no caderno anterior. Às reportagens "Pena 'agrava infâmia' do julgamento" e "Genoino diz que pena foi derrota da justiça" (sem autoria, p.4 e p.5), somaram-se a íntegra da nota divulgada por Dirceu ("'Não me calarei e não me conformo com a injusta sentença'", Caderno especial "Mensalão: as penas do núcleo político", 13 nov. 2012, p.4) e um artigo assinado por seu filho e deputado federal Zeca Dirceu ("A luta do meu pai continua", Caderno especial "Mensalão: as penas do núcleo político", 13 nov. 2012, p.6). Também são emblemáticos desse modo de construção da pluralidade os quadros "Eles protestaram" e "Eles aplaudiram", com manifestações de intelectuais e políticos dos dois lados, que nesse caso corresponderiam às decisões contrárias e favoráveis aos resultados do julgamento.

Bastante focado na descrição das sentenças e das penas e na trajetória de Dirceu - "do movimento estudantil à casa civil" e "do ministério ao banco dos réus" - os contrapontos no caderno especial de novembro foram inseridos em um noticiário que tem como narrativa principal a conexão entre os fatos do "mensalão" e a punição dos peixes-grandes. Seu fecho é um texto de página inteira, assinado pelo colunista Marcelo Coelho, que começa com a anulação da posição diferenciada do jornalista na significação dos eventos - "Sem ter formação em direito e estando exposto - como quase todo mundo - a muitas dúvidas factuais e falhas de memória ao longo do processo, tento resumir aqui algumas impressões sobre o que aconteceu nas sessões do mensalão" -, para então explicar que a ausência de provas testemunhais contrárias a Dirceu não foi acompanhada de uma defesa crível. O ponto principal, no entanto, é que o PT errou a mão ao buscar um método, o "método do mensalão", em detrimento do "esquema tradicional" de "distribuição de cargos" a partir de "indicações feitas pelos chefes dos partidos aliados". São duas sentenças, conclusivas no texto:

"Qualquer que fosse o meio utilizado, sem dúvida a desmoralização do PT se consumou. Deixou de ser o partido que propunha uma 'nova forma de fazer política', e um vigilante da moralidade pública, para defender-se dizendo que não faz mais do que todos os outros."

"A margem de manobras para a ilegalidade diminuiu um pouco, e esse é o principal ganho de todo o processo." (Coelho, M. "Nada no processo desdiz a atuação de José Dirceu na compra de votos", Caderno especial "Mensalão: as penas do núcleo político", 13 nov. 2012, p. 10).

O noticiário que assim vai se organizando corresponde a um "trabalho moral" (Ettema e Glasser, 1998Ettema, J. S.; Glasser, T. L. Custodians of conscience: investigative journalism and public virtue. New York: Columbia University Press, 1998., p.62) que normaliza uma narrativa. Colada aos fatos e, como tal, apresentada como não posicionada, ela permite, de modo circunscrito, dar visibilidade à defesa e à reação dos indivíduos considerados culpados pela imprensa ao longo da cobertura e, por fim, pelo STF no julgamento da Ação Penal 470. Defesa e reação aparecem, por sua vez, como posicionadas e autointeressadas. É esse o modo de construção da pluralidade na Folha de S. Paulo na cobertura analisada, em discursos que participam da lenta construção de consensos, naturalizando recortes e sentidos na exposição dos fatos.

Dimensões do noticiário

Os cinco editoriais sobre o julgamento que foram publicados pela Folhano período pesquisado são enfáticos, sobretudo, na relevância a ele atribuída. A definição de que se tratava do julgamento do "maior escândalo de corrupção ocorrido no país desde o Collorgate" (Editorial "À espera do mensalão", 29 jul. 2012, p.A2) pareceria tímida no decurso da ação no Supremo, em que aparece como "o julgamento de um dos maiores escândalos da história republicana" (Editorial "Julgamento para a história", 13 nov. 2012, capa). No noticiário, no entanto, a cautela foi menordesde o início. O caderno especial publicado no mesmo dia em que o editorial caracterizava a crise do mensalão como a mais importante desde Collor a definia, em destaque, como "o caso mais importante da história política do país" (Caderno especial "Mensalão", 29 jul. 2012, p.2).

O enfoque principal dos editoriais, que estaria presente também em colunas e nas reportagens nas edições de julho e agosto que foram analisadas, corresponde à afirmação do caráter histórico singular das acusações, exigindo um julgamento técnico e adequado. Técnica significaria, aqui, liberdade em relação a pressões do PT e do governo, enquanto adequação significaria correspondência ao que se espera, isto é, à condenação dos réus pelos crimes - já definidos como tal não apenas pela denúncia do procurador-geral da República José Gurgel, mas também pela própria imprensa. A "moralidade pública" exige a punição nos limites legais: "está em julgamento aquilo que a sociedade aceita ou rejeita na esfera das práticas políticas". Assim, tecnicamente, "os votos dos ministros ajudarão a fixar conceitos penais para quesitos importantes como compra de apoio parlamentar, definição de organização criminosa e responsabilidade dos bancos sobre operações suspeitas de seus clientes" (Editorial "À espera do mensalão", 29 jul. 2012, p.A2).

A urdidura da trama é compartilhada em outros espaços de opinião do jornal. Estão em julgamento os "réus do mensalão" mas também "os onze ministros do Supremo" - e numa qualificação do que está sendo julgado, "não estão em julgamento atos isolados de um Dirceu, um Delúbio, mas, sim, todo um intrincado esquema em que cada um e todos tinham responsabilidade" (Catanhede, E. "Quadrilhas e coautores", 3 ago. 2012, p.A4). Há uma repetição sistemática do alerta de que "a imagem da instituição sairá arranhada se alguns réus ilustres forem absolvidos"; a percepção de que o Judiciário é moroso e de competência questionável, indicada em pesquisas de opinião, seria apenas confirmada no caso da "absolvição de mensaleiros" (Rodrigues, F. "Brasileiro pode desaprovar absolvição, mas não ficará surpreso", Caderno especial "Mensalão", 29 jul. 2012, p.8).

A tessitura dos fatos noticiáveis e das opiniões vai assim se definindo. O caderno especial "Mensalão", já mencionado, é repleto de infográficos que apresentam "o que foi o mensalão" - organizando acusações de modo que agrupa os réus entre "Núcleo político", "Núcleo financeiro e "Núcleo operacional" (p.4-5) -, uma lista dos crimes do mensalão" (p.4) e, no mais complexo dos gráficos, "A trilha do dinheiro". Embora o caderno indique pontualmente que se trata da descrição feita pela Procuradoria-Geral da República e que "os advogados [dos réus] tentarão convencer o Supremo Tribunal Federal de que eles [os depoimentos] são duvidosos e insuficientes como prova" ou mesmo que "sete anos de investigação não foram suficientes para rastrear todo o dinheiro do mensalão e apontar a identidade dos beneficiários de boa parte dos recursos", toma como dados "o mensalão", "os mensaleiros" e o "esquema de financiamento político organizado pelos petistas". Análises anteriores ao julgamento, como a de Fernando Rodrigues, expõem a presunção de fatos e crimes, mas mais do que isso, determinam o caminho correto e o caminho desviante para o STF - é quando fica mais claro que o que seria descrito por Marcelo Coelho, em novembro, como rememorar falho de um evento que existe independentemente da cobertura jornalística foi, na realidade, tecido em conjunto com ela. Em nenhum momento, o caderno apresenta uma análise que exponha minimamente práticas de corrupção e formas de transgressão da moralidade na relação entre Estado e interesses privados ou nas formas estabelecidas para a relação entre Estado e Legislativo. Trata-se de um esquema criminoso e o PT e o "grupo da trinca", que em caso de absolvição "voltaria a atuar com força no comando do partido", são os protagonistas (Rodrigues, F. "Brasileiro pode desaprovar absolvição, mas não ficará surpreso", Caderno especial "Mensalão", 29 jul. 2012, p.8).

As expectativas anunciadas (Editorial "À espera do mensalão", 29 jul. 2012, p.A2) foram sucedidas pelo respaldo às decisões dos juízes, com a avaliação de que houve liberdade e correção. As exceções foram a pressão para que Dias Toffoli se declarasse suspeito e abandonasse o julgamento por ter sido advogado do PT, seguidas pelo lamento por isso não ter ocorrido, e o repúdio genérico pelos "bate-bocas" entre os ministros (Editorial "Largada sem brilho", 3 ago. 2012, p.A4)13 13 Fora do corpus da pesquisa, nos dias anteriores à definição das penas, os editoriais da Folha procuravam exercer pressão sobre o STF pela moderação na definição das penas. O jornal defendeu o princípio geral de que crimes não violentos, cometidos por indivíduos que não representam ameaça à sociedade, não deveriam ser punidos com prisão - ainda que seja legítima a "indignação pública" que leva ao "anseio de ver os culpados atrás das grades" (Editorial "Para quem precisa", 25 out. 2012, p.A2). E tratou diretamente do PT: "sempre houve corrupção política, mas o governo Lula a praticou em escala sistêmica, sob o comando da camarilha então incrustada no ápice do Executivo e do partido que a controla" (Editorial "Para quem precisa", 25 out. 2012, p.A2). "Nesse partido", dizia outro, publicado após os resultados das eleições municipais de 2012, "o cinismo, o ridículo, a cegueira sectária convivem, como é notório, com a visão pragmática das coisas - mais fácil de ser mantida, naturalmente, quando há novas prefeituras, novas alianças e novos nomes para continuar as políticas de sempre" (Editorial "PT na encruzilhada", 2 nov. 2012, p.A2). .

Os textos foram, também, categorizados em enquadramentos, aqui entendidos como eixos de organização dos sentidos na cobertura jornalística, que compõem quadros interpretativos a partir de pressupostos que compartilham, potenciamente, com os leitores14 14 Partimos aqui da definição de Erving Goffman (1974). . Na produção do noticiário, destaques e saliências fazem parte do processo de seleção dos fatos que são, num determinado contexto, reconhecidos como relevantes, organizando as narrativas que lhes dão sentido. No momento em que ocorre a seleção do que é relevante, ela se faz imersa em sentidos previamente constituídos, em narrativas que se apoiam em entendimentos compartilhados e em relações de causalidade presumidas. Ao mesmo tempo, ela ativa esses entendimentos. Os enquadramentos podem ser compreendidos, assim, como a consolidação de ângulos, destaques e saliências em narrativas que "fazem sentido". Elas podem ser complementares ou competir entre si. Organizam o mundo para os jornalistas, assim como para as pessoas que se baseiam no que eles reportam para compreender esferas e eventos aos quais não têm, muitas vezes, outro tipo de acesso que não por meio do que é reportado nos veículos de comunicação15 15 Baseamo-nos, aqui, nas discussões de Robert Entman (1993) e de Todd Gitlin (1980). A internet adiciona complexidade a esse quadro. Se antes ele remetia ao sistema de mídia em suas interfaces com o sistema político, considerando sobretudo a mídia televisiva, impressa e radiofônica para a análise da pluralidade externa e interna desses veículos, hoje é preciso considerar se e que tipo de participação sites em geral, blogs, twitters e redes sociais têm no contexto das disputas pela definição de sentidos, em contextos determinados. .

A partir da leitura prévia da cobertura analisada, definimos as seguintes categorias de enquadramentos, nas quais foram classificados os textos, considerando a predominância de uma ou outra dessas categorias. São: 1) o julgamento do STF é um processo de caráter técnico, por isso para entendê-lo é preciso conhecer critérios e bases jurídicas das decisões (97 textos, 41,1% do corpus); 2) o julgamento se insere num contexto mais amplo da política brasileira, por isso remete à corrupção no Brasil como um problema maior do que o "mensalão" (19 textos, 8% do corpus); 3) o julgamento diz respeito diretamente ao PT, a sua história e seu modo de funcionamento no governo federal (16 textos, 6,7%); 4) o julgamento está em curso e a opinião pública pede justiça, isto é, a condenação dos envolvidos no mensalão (7 textos, 2,9%); 5) o julgamento tem caráter e desdobramentos políticos e/ou eleitorais (97 textos, 41,1%). Entre esses últimos textos, 14 (8,5% do corpus) tratam diretamente do impacto do julgamento para as eleições municipais de 2012.

Quando se compara a predominância dos enquadramentos nos textos noticiosos (aqui consideramos reportagens e entrevistas) e opinativos (aqui consideramos colunas, artigos e editoriais), temos os seguintes dados:

Tabela 1
Predominância dos enquadramentos no noticiário: concentração em textos noticiosos e opinativos (%)

A concentração é, como se pode ver, bastante semelhante nos textos noticiosos e nos opinativos. O desvio em relação à média da concentração no corpus é pequeno, mas é possível notar que a ênfase no caráter técnico do julgamento se amplia entre os textos noticiosos (4,5 pontos percentuais acima da média), enquanto nos textos opinativos ampliam-se o foco no PT (2,5 pontos percentuais acima da média), o destaque para os desdobramentos políticos do julgamento (2,8 pontos percentuais acima da média) e a ênfase no contexto mais amplo da política e da corrupção no Brasil (1,2 pontos percentuais acima da média). Quando consideramos apenas os editoriais que fazem parte do corpus, no entanto, observamos que predomina o enfoque em aspectos técnicos e jurídicos do julgamento e na corrupção como fênomeno mais amplo na política brasileira. Um deles, apenas, trata da relação entre o Partido dos Trabalhadores e o ministro Dias Toffoli que, considerado próximo do PT e do ex-ministro e réu José Dirceu, deveria declarar-se "suspeito para julgar" e retirar-se do julgamento (Editorial "Largada sem brilho", Folha de S. Paulo, 3 ago. 2012, p.2). Já nas colunas, cresce a ênfase na relação entre o julgamento e a atuação e trajetória do PT, predominante em 10% dos textos, 3,2 pontos a mais do que a média de concentração desse enquadramento. Por outro lado, a concentração do enquadramento que enfatiza o caráter técnico do julgamento é, nas colunas, de 36,7%, 4,4 pontos menor do que a média. Entre os artigos de opinião, a maior concentração está nos desdobramentos políticos do julgamento, com 57,1% (10 pontos acima da média de concentração desse enquadramento no corpus). São variações pequenas e o que nos parece mais relevante, de fato, é que se estabelece uma continuidade entre os enquadramentos, e sobretudo entre os enquadramentos nos textos noticiosos e opinativos. Trata-se, como dito anteriormente, da tessitura cotidiana, na cobertura do jornal, de consensos sobre o que está em curso, sobre a atuação do PT e sobre os efeitos que seriam esperados do julgamento.

É importante observar, portanto, como se estabelecem as relações entre esses enquadramentos no noticiário analisado. Como se trata, aqui, de uma cobertura em que há contra-fatos, mas não se estabelecem enquadramentos alternativos, há deslizamentos entre os enquadramentos predominantes, e não uma competição - ainda que se possa considerar que existam compreensões distintas sobre os efeitos políticos do julgamento, por exemplo, mobilizadas no jornal, sobretudo quando os resultados das eleições municipais de 2012 não comprovam uma derrota ampla do PT nas urnas, como desdobramento das condenações. Os textos que estabelecem relação direta entre o julgamento e o PT, somados aos textos que consideram as implicações políticas do julgamento para os réus, para o partido e para eleições presentes e futuras, compõem uma narrativa sobre causas e efeitos. Somados, são 47,9% do corpus. Nos textos em que predominam os enquadramentos que ressaltam critérios técnicos e jurídicos (41,1% dos textos), aquelas causas e efeitos são o subtexto que permite, na dimensão factual do noticiário sobretudo, definir a condenação dos "mensaleiros" como o único resultado tecnicamente correto e moralmente aceitável - dois aspectos que aparecem colados na cobertura.

O julgamento foi sobre desvios de recursos no governo do PT, como se sabe. Mas a ênfase técnica e no PT, do modo como se deu nesse noticiáro, correspondeu a deixar à sombra a análise da permeabilidade da política e do Estado brasileiro ao poder econômico, como um fenômeno estrutural e que tem manifestações repetidas, em diferentes governos e envolvendo diferentes partidos. E significou, sobretudo, o destaque à ação moralmente deficiente dos réus e do PT - à qual corresponderiam um julgamento complexo, jurídica e tecnicamente (aqui o ponto seria garantir o predomínio da neutralidade e o afastamento da política), e desdobramentos político-eleitorais (aqui o ponto seria considerar a disputa político-partidária, com os efeitos do julgamento para os partidos, em especial para o PT).

Considerações Finais

Em sua análise já mencionada das relações entre o PT e a grande imprensa desde as eleições de 1989, Fernando Azevedo (2007, p.63) observa que o afastamento entre a mídia e o PT nas eleições de 2006 - e antes, na crise do "mensalão", em 2005 - foi definido "por conflitos de outra ordem e natureza" relativamente aos antagonismos das décadas de 1980 e 1990, acomodados quando Lula chega como favorito às eleições de 2002. Essa afirmação remete à trajetória do PT. Se antes esses antagonismos poderiam ser explicados pela posição antimercado do partido, que feria potencialmente os interesses das grandes empresas de mídia e a sensibilidade ideológica de boa parte dos seus jornalistas, o realinhamento do PT a partir de meados da década de 1990 e seu desempenho no primeiro governo Lula mostravam que não havia riscos reais - ou, mesmo, que os capitalistas brasileiros tinham bem mais a ganhar com a política petista do que teria sido possível imaginar quando o PT foi fundado em 1980 ou quando Lula concorreu à Presidência em 1989.

Em outras palavras, se os conflitos de classe estão superados nessa dimensão da política e o PT foi domesticado pelos interesses do capital, o que determinaria a posição anti-PT da grande imprensa e, mais especificamente, de um jornal como a Folha de S. Paulo, passados anos de consolidação de uma política que não tem desafiado os interesses estabelecidos? Optamos, nessas considerações finais, por caminhar em direção a uma hipótese que, sabemos, extrapola os limites do corpusanalisado. Entendemos que é necessário, ainda que seja sempre um risco, levantar a discussão sobre os fenômenos sociais mais amplos que dão forma aos eventos e dinâmicas bem delimitados que analisamos. As origens ideológicas e de classe do petismo parecem ser determinantes para o julgamento do PT - e não falamos apenas da Ação Penal 470. A domesticação parece não ter sido capaz de apagar, ainda nesse nível das disputas, as bases sociais distintas originais e as pressões que, a partir delas, incidem sobre um petismo realinhado, determinando que governo e partido sejam relativamente mais permeáveis a interesses de classe diferentes daqueles que operam entre os partidos formados pelas elites socioeconômicas brasileiras. Nesse sentido, é possível pensar que o PT não é percebido como tão confiável quanto outros partidos de centro e centro-direita brasileiros. As mudanças no partido e os dez anos de políticas "responsáveis" à frente do governo federal não parecem ter sido suficientes para reduzir essa desconfiança. É possível que as transformações na base social do partido, com a adesão crescente dos segmentos mais pobres da população (Singer, 2012______. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das letras, 2012.), deixem entrever outros riscos - e formas de controle político que, supostamente, ameaçariam a própria democracia.

Para dentro e para fora do campo político institucional mais restrito, o PT exercitaria estratégias para a construção de uma hegemonia que, no noticiário, tem sido vista ora como ruptura com as práticas e normas estabelecidas na política brasileira, ora como uma continuidade inaceitável das práticas tradicionais negadas originalmente pelo partido. O que vem sendo descrito como normalização do partido (Hunter, 2010Hunter, W. The transformation of the Workers' Party in Brazil, 1989-2009. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.) ou transformação das suas bases tradicionais e das suas formas de ação política (Singer, 2012______. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das letras, 2012.) ganha na cobertura dois sentidos, que se complementam - negação das raízes pela incorporação das práticas políticas antes criticadas e exercício desaforado de práticas que rompem com os parâmetros aceitáveis da moralidade política, mas também com as práticas convencionais.

Assim, os conflitos entre a imprensa e o PT adquirem um registro discursivo distinto daquele das décadas de 1980 e 1990. Nesse novo registro, que vai se firmando pelo menos desde 2005, é fundamental a exposição das contradições entre a identidade ética do partido e sua redução a esquemas criminosos para captação de recursos públicos - para usufruto pessoal ou para a realização de um projeto de dominação. A supremacia da dimensão moralizante da política (Rubim, 2007______. Ética da política e ética na política nas eleições de 2006. In: Lima, V. A. (org.). A mídia nas eleições de 2006. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p.159-168, 2007.) substitui de maneira eficaz a oposição conservadora a um partido de esquerda. Aquele partido não existe mais, mas os antagonismos não deixaram de desempenhar, pelas razões apontadas aqui muito sucintamente, um papel na política brasileira e nas relações entre os meios de comunicação e o PT.

A cobertura aqui analisada não se reduz ao espelhamento dos conflitos e disputas políticas em 2012. Ultrapassa, também, o período transcorrido entre a crise do "mensalão" em 2005 e o julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo. Ela remete à relação entre o PT e a grande imprensa brasileira ao longo de aproximadamente três décadas. E não poderia ser bem compreendida, em seu modo de construção do noticiário e dos julgamentos, agora em sentido lato, sem atenção às especificidades desse jornalismo, aqui representado pela Folha de S. Paulo. Nele, o pluralismo, como se procurou mostrar, tem limites bem determinados.

Referências Bibliográficas

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  • Taschner, G. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • 1
    Este artigo se beneficiou dos comentários e críticas feitos ao paper que apresentamos no GT de Comunicação e Política do XXII Encontro Anual da Compós (UFBA, 4 a 7 de junho de 2013). Agradecemos aos colegas que discutiram o texto naquela ocasião, em especial a Wilson Gomes. Agradecemos também a Luis Felipe Miguel e Marcelo Tokarski, que leram e comentaram versões anteriores do artigo.
  • 2
    Para alguns estudos representativos, conferir os textos reunidos em Lima (2007), Miguel (2002) e Rubim (2000, 2004).
  • 3
    Para alguns estudos representativos, conferir Hunter (2010), Ribeiro (2010) e Singer (2012).
  • 4
    Conferir Miguel (2006) e Almeida (2008).
  • 5
    Nessa reportagem, foi publicado o conteúdo da gravação na qual Mauricio Marinho era flagrado recebendo propina de R$ 3 mil. Marinho estaria sob as ordens do PTB e de Roberto Jefferson (Policarpo Junior, "O homem-chave do PTB", 18 maio 2005). Disponível em: <http://veja.abril.com.br/180505/p_054.html>. Acesso em: 15 jan. 2012.
  • 6
    Em sua análise da cobertura às eleições de 2006, Rubim (2007) atribui à imprensa uma "postura moral e despolitizante, mas partidarizada ao extremo" (Rubim, 2007, p.164).
  • 7
    Vale lembrar que em 2004, antes da crise do "mensalão", as relações entre imprensa e governo haviam sido marcadas pelo escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, então subchefe de gabinete da Casa Civil, visto como homem de confiança do ministro José Dirceu.
  • 8
    Nessa perspectiva, este artigo procura avançar argumentos discutidos em estudos anteriores (Biroli, 2013; Biroli e Miguel, 2012; Miguel e Biroli, 2010).
  • 9
    Fora dos limites do corpus da pesquisa, foi publicada também uma entrevista com o jurista alemão Claus Roxin, bastante discutida no noticiário. Roxin é apresentado como um dos principais responsáveis pela "teoria do domínio do fato", que, em linhas gerais, justificaria a culpabilização pela posição ocupada pelo réu, que permitiria presumir seu conhecimento e responsabilidade sobre eventos e sobre ações realizadas por outros. Ela foi uma das bases jurídicas para a condenação do ex-ministro José Dirceu.
  • 10
    O título da reprodução da coluna de Susana Singer no blog Luís Nassif Online é "Jânio de Freitas, a respeitada 'voz dissonante' na Folha", 1 jan. 2013. Disponível em: <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/janio-de-freitas-a-respeitada-voz-dissonante-na-folha>. Acesso em: 6 fev. 2013.
  • 11
    A expressão é parte da declaração do historiador Marco Antonio Villa, em destaque no quadro "Eles aplaudiram" (Caderno especial "Mensalão: as penas do núcleo político", 13 nov. 2012, p. 5). A declaração completa publicada é "A condenação é fundamental para mudar forma [sic] de fazer política no Brasil. Em síntese, é uma refundação da República. Essa condenação tem um forte efeito pedagógico".
  • 12
    Dois dias antes do início do julgamento, no primeiro período do nosso corpus, Janio de Freitas dizia em sua coluna que "entre a insinuação mal disfarçada e a condenação explícita, a massa de reportagens e comentários lançados agora, sobre o mensalão, contém uma evidência condenatória que equivale à dispensa dos magistrados e das leis que devem servir os seus saberes" e considera que, numa hipótese "complacente" o sentido desse noticiário é uma dupla pressão sobre o STF e sobre a opinião pública, com "a expectativa de condenações a granel" (Freitas, J. "O julgamento na imprensa", 31 jul. 2012, p. A6).
  • 13
    Fora do corpus da pesquisa, nos dias anteriores à definição das penas, os editoriais da Folha procuravam exercer pressão sobre o STF pela moderação na definição das penas. O jornal defendeu o princípio geral de que crimes não violentos, cometidos por indivíduos que não representam ameaça à sociedade, não deveriam ser punidos com prisão - ainda que seja legítima a "indignação pública" que leva ao "anseio de ver os culpados atrás das grades" (Editorial "Para quem precisa", 25 out. 2012, p.A2). E tratou diretamente do PT: "sempre houve corrupção política, mas o governo Lula a praticou em escala sistêmica, sob o comando da camarilha então incrustada no ápice do Executivo e do partido que a controla" (Editorial "Para quem precisa", 25 out. 2012, p.A2). "Nesse partido", dizia outro, publicado após os resultados das eleições municipais de 2012, "o cinismo, o ridículo, a cegueira sectária convivem, como é notório, com a visão pragmática das coisas - mais fácil de ser mantida, naturalmente, quando há novas prefeituras, novas alianças e novos nomes para continuar as políticas de sempre" (Editorial "PT na encruzilhada", 2 nov. 2012, p.A2).
  • 14
    Partimos aqui da definição de Erving Goffman (1974).
  • 15
    Baseamo-nos, aqui, nas discussões de Robert Entman (1993) e de Todd Gitlin (1980). A internet adiciona complexidade a esse quadro. Se antes ele remetia ao sistema de mídia em suas interfaces com o sistema político, considerando sobretudo a mídia televisiva, impressa e radiofônica para a análise da pluralidade externa e interna desses veículos, hoje é preciso considerar se e que tipo de participação sites em geral, blogs, twitters e redes sociais têm no contexto das disputas pela definição de sentidos, em contextos determinados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    Ago 2013
  • Aceito
    Fev 2014
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