Acessibilidade / Reportar erro

Confiança nas Forças Armadas brasileiras: uma análise empírica a partir dos dados da pesquisa SIPS - Defesa Nacional

Resumos

Este artigo tem como propósito identificar os condicionantes associados ao grau de confiança da população brasileira nas Forças Armadas do país. A principal fonte de dados foi um survey nacional realizado pelo Ipea em 2011 no âmbito da pesquisa "Sistema de Indicadores de Percepção Social", com foco em questões relacionados à defesa e segurança (SIPS - Defesa Nacional). A partir das informações coletadas no survey e à luz da literatura sobre o tema, construiu-se um conjunto de variáveis independentes, cujo impacto sobre a confiança foi então testado por meio de um modelo de regressão ordinal. A principal conclusão do trabalho é que, não obstante prevaleça um elevado nível de confiança nas Forças Armadas entre todos os estratos da população brasileira, essa confiança é impactada de forma distinta de acordo com os condicionantes socioeconômicos e regionais e a percepção dos indivíduos acerca da legitimidade e efetividade de determinadas políticas públicas.

Forças Armadas; Brasil; confiança; opinião pública; regressão ordinal


This article aims to identify the variables associated to the Brazilian population trust in the country's Armed Forces. The main source of data is a national survey conducted by Ipea in 2011 through the research project "System of Indicators of Social Perception", with focus on defense and security issues. By organizing the survey data in the light of the literature on the subject, we built up a set of independent variables, whose impact on confidence was then tested using a model of ordinal regression. The main conclusion is that, despite prevails a high level of confidence in the military among all strata of the population, that trust is impacted differently according to socioeconomic and regional conditions, as well as the perception of individuals about the legitimacy and effectiveness of specific public policies.

Armed Forces; Brazil; trust; public opinion; ordinal regression


Introdução

Ainda há escassa pesquisa empírica no Brasil acerca de temas relacionados à defesa nacional, sobretudo no que tange às percepções da população sobre as instituições e políticas públicas desse setor. Isso se deve não apenas à carência de dados, mas ao fato de que as políticas de defesa e segurança nacional do país foram historicamente formuladas no âmbito das próprias Forças Armadas, com baixo envolvimento de outras instituições. Apenas em período recente o tema passou a ser debatido de forma mais ampla por outros segmentos do Estado e pela sociedade civil, no bojo da redemocratização do país e das mudanças nas atribuições institucionais das Forças Armadas a partir da criação do Ministério da Defesa em 1999.

Com o objetivo de subsidiar com informações os atores envolvidos com as políticas de defesa nacional no país, incluindo militares das Forças Armadas, técnicos do governo, parlamentares, diplomatas, acadêmicos, empresários e integrantes de organizações da sociedade civil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou uma pesquisa de abrangência nacional acerca da percepção da sociedade sobre o tema, no âmbito do projeto do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS)1 1 O SIPS foi concebido com o objetivo de criar um conjunto de dados primários de percepção social capaz de fornecer ao Estado informações para subsidiar análises e decisões referentes a formulação, implementação e avaliação das suas políticas públicas, bem como oferecer à sociedade condições para melhor conhecer e avaliar os resultados efetivos alcançados pelas políticas públicas vigentes. Esses dados são coletados por meio de pesquisas de abrangência nacional. Para maiores informações sobre a metodologia de coleta e processamento de dados do SIPS, bem como os principais resultados da pesquisa SIPS - Defesa Nacional, ver: Oliveira Júnior, Silva Filho e Moraes (2012) . . Foram aplicadas 30 questões aos entrevistados, divididas em quatro eixos temáticos: i) percepção sobre a defesa nacional e as Forças Armadas; ii) percepção de ameaças; iii) poder militar do Brasil e inserção internacional; e iv) Forças Armadas e sociedade. Ao todo, foram ouvidas 3.796 pessoas, em todas as unidades da federação, entre os dias 8 e 29 de agosto de 20112 2 Para a pesquisa adotou-se uma abordagem quantitativa cujo método estatístico permitiu determinar por amostragem probabilística, com erro amostral de 5% para o Brasil e regiões, e nível de confiança de 95%, o tamanho da amostra de 3.796 domicílios para, assim, aferir a percepção da população sobre o fenômeno em questão. Para tanto, a amostragem foi decomposta em três etapas: i) na primeira, houve uma estratificação por regiões, mantendo-se tamanhos amostrais prefixados com margem de erro de 5%. Dentro de cada estrato (região) houve sorteio dos municípios através de amostragem por conglomerados, controlando a distribuição por porte e unidade da federação; ii) na segunda etapa, já devidamente definidos os municípios amostrados, houve um sorteio dos domicílios, cujo critério aleatório foi composto por dois estágios: a) sorteio do setor censitário e b) arrolamento sistemático dos domicílios; iii) por fim, dada a definição prévia dos domicílios, adotou-se a amostragem sistemática das pessoas, cujo questionário era respondido por quem se encontrava presente em cada domicílio. . A partir dos dados coletados, obteve-se um retrato da percepção da população brasileira em relação ao tema da defesa nacional e ao papel desempenhado pelas instituições vinculadas a essa área.

Embora constitua um componente essencial de diversas pesquisas relacionadas ao desempenho das instituições públicas e ao grau de adesão social a regimes democráticos, a confiança nas Forças Armadas brasileiras carece de investigação aprofundada sobre seus determinantes. A literatura aponta a prevalência de um elevado nível de confiança nas instituições militares em diversos países, como: Alemanha ( BULMAHN; FIEBIG; HILPERT, 2011 BULMAHN, T.; FIEBIG, R.; HILPERT, C. "Sicherheits und verteidigungspolitisches Meinungsklima in der Bundesrepublik Deutschland" [Opinião pública relacionada às políticas de defesa nacional e segurança da República Federal da Alemanha]. Forschungsbericht, Sozialwissenschaftlichen Instituts der Bundeswehr, nº 94, Berlin, may 2011. Disponível em: <http://www.sowi.bundeswehr.de/resource/resource/MzEzNTM4MmUzMzMyMmUzMTM1MzMyZTM2MzIzMDMwMzAzMDMwMzAzMDY3NzA2MTczNjgzNjM2NjEyMDIwMjAyMDIw/Bevölkerungsumfrage%202010-farbig%20Forschungsbericht%2094_%202011-06-22.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.sowi.bundeswehr.de/resource/r...
), Canadá ( MONTALVO, 2009 MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
), Chile ( MONTALVO, 2009MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
), Colômbia ( MONTALVO, 2009 MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
), Espanha ( NUÑEZ, 2010 NUÑEZ, N M. "Apoyo público a operaciones militares: factores clave" . Cuadernos de Estrategia.Madrid,., nº 148, ago 2010 Disponível em: <http://www.portalcultura.mde.es/Galerias/publicaciones/fichero/CE_148.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
http://www.portalcultura.mde.es/Galerias...
), Estados Unidos ( MONTALVO, 2009 MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
; GALLUP, 2012 GALLUP. Military and national defense. Washington: Gallup, 2012. Disponível em: <http://www.gallup.com/poll/1666/military-national-defense.aspx>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.gallup.com/poll/1666/military...
; PEW RESEARCH CENTER, 2013 PEW RESEARCH CENTER. Public esteem for military still high. Washington, D.C., 11 jul. 2013. Disponível em: <http://www.pewforum.org/2013/07/11/public-esteem-for-military-still-high>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.pewforum.org/2013/07/11/publi...
), Hungria ( KISS, 2003KISS, Z. L. Changes of the Hungarian public opinion on security, defence and the military. In: VLACHOVÁ, M. (ed). Public image of security defence and the military in Europe.Belgrade: Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces; Centre for Civil-Military Relations [Belgrade], 2003 Disponível em: <http://www.bezbednost.org/upload/document/predstave_javnosti_o_odbrani_i_vojsci_u_centralnoj.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.bezbednost.org/upload/documen...
), Japão ( JAPAN MINISTRY OF DEFENSE, 2012JAPAN MINISTRY OF DEFENSE. Outline of 'Public Opinion Survey on the Self-Defense Forces and Defense Issues'. Tokyo, mar. 2012. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/public_opinion.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/...
), México ( MONTALVO, 2009MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
), Polônia ( GOGOLEWSKA, 2003GOGOLEWSKA, A. Public image of security, defence and military in Poland. In: VLACHOVÁ, M. (ed). Public image of security defence and the military in Europe. Belgrade: Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces, Centre for Civil-Military Relations [Belgrade], 2003 Disponível em: <http://www.bezbednost.org/upload/document/predstave_javnosti_o_odbrani_i_vojsci_u_centralnoj.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
http://www.bezbednost.org/upload/documen...
), Reino Unido (U.K. MINISTRY OF DEFENCE, 2012U.K. MINISTRY OF DEFENCE. Public opinion surveys: 1999 to 2010. London, 2012. Disponível em: <http://www.mod.uk/DefenceInternet/AboutDefence/CorporatePublications/ConsultationsandCommunications/Surveys/POS>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.uk/DefenceInternet/AboutD...
) e Suíça (HALTINER, 2003HALTINER, K. Tradition as a political value: the public image of security, defense and military in Switzerland. In: VLACHOVÁ, M. (ed). Public image of security defence and the military in Europe. Belgrade: Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces, Centre for Civil-Military Relations [Belgrade], 2003 Disponível em: <http://www.bezbednost.org/upload/document/predstave_javnosti_o_odbrani_i_vojsci_u_centralnoj.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
http://www.bezbednost.org/upload/documen...
). Contudo, tal confiança parece estar associada a diferentes fatores, conforme o caso analisado. Alguns países - notadamente europeus e asiáticos - possuem, em suas histórias contemporâneas, experiências de participação (ou de expectativa de participação) significativa em conflitos armados de grande magnitude, de modo que a confiança nas Forças Armadas está intimamente relacionada à necessidade de proteção da soberania. Outros países, como a maior parte dos latino-americanos, muito embora se encontrem "em paz" por longo tempo, passaram, durante o século XX, por períodos de interrupção do funcionamento de suas instituições democráticas. Tais experiências podem influenciar a percepção das populações desses países acerca de suas Forças Armadas.

Dada, pois, a complexidade das variáveis relacionadas com a confiança depositada pela população nas instituições militares, bem como seu inevitável imbricamento com os efeitos de diversas outras políticas públicas, o emprego de técnicas estatísticas se mostra útil para avançar na compreensão desse fenômeno social. Este artigo busca, nesse sentido, oferecer uma contribuição a essa agenda de pesquisa por meio da análise estatística de uma série de fatores identificados no questionário do SIPS - Defesa Nacional como possíveis elementos que se associam ao grau de confiança manifesto pela população brasileira nas Forças Armadas.

Este artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta Introdução. A segunda seção apresenta a metodologia adotada neste estudo, que consiste no método de regressão ordinal. A terceira seção apresenta os resultados obtidos pela regressão e os testes para validação do modelo proposto. A quarta seção discute os dados obtidos a partir da análise estatística, descrevendo os efeitos marginais de cada variável pré-selecionada sobre a variável confiança nas Forças Armadas. Conclui-se destacando os elementos encontrados nessa análise empírica que contribuem para a explicação de variações no grau de confiança nas Forças Armadas brasileiras.

Metodologia

Para a análise dos dados de confiança nas Forças Armadas e sua relação com diversos atributos socioeconômicos previamente identificados, utilizou-se um modelo de regressão ordinal na estimação do efeito das variáveis independentes sobre a variável resposta.

A escolha das variáveis explicativas se deu a partir da revisão de pesquisas empíricas similares conduzidas em outros países ( MONTALVO, 2009MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
; LEAL, 2005LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
; JAPAN MINISTRY OF DEFENSE, 2012JAPAN MINISTRY OF DEFENSE. Outline of 'Public Opinion Survey on the Self-Defense Forces and Defense Issues'. Tokyo, mar. 2012. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/public_opinion.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/...
; GÜRSOY, 2012GÜRSOY, Y. Turkish public attitudes toward the military and Ergenekon: consequences for the consolidation of democracy. Istanbul Bilgi University / European Institute, Working Paper, nº 5, 2012. Disponível em: <http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_paper_23-05-2012.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_pape...
). Com vistas a facilitar a identificação das variáveis selecionadas com as questões aplicadas no questionário SIPS - Defesa Nacional, optou-se por denominar essas variáveis como Q#, em que # segue a numeração da questão correspondente no formulário de pesquisa (reproduzido no Apêndice ao final do artigo).

A variável dependente do modelo é a confiança nas Forças Armadas (Q19). Foram escolhidas, ao total, 17 variáveis independentes, discriminadas no Quadro 1, a seguir, juntamente com suas respectivas categorias (no caso das variáveis qualitativas) ou faixas de valores (no caso das variáveis quantitativas):

Quadro 1
Variáveis independentes selecionadas a partir da pesquisa SIPS - Defesa Nacional

O resultado esperado para o sentido da correlação e a intensidade dos efeitos produzidos pelas variáveis independentes é apresentado no Quadro 2:

Quadro 2
Sentido esperado para as variáveis independentes e probabilidade de simultaneidade

Cumpre explicar em detalhe as hipóteses que sustentam alguns dos resultados previstos no Quadro 2. No caso da variável sexo, a literatura aponta tendência em vários países latino-americanos de uma maior desconfiança de mulheres em relação às instituições militares ( MONTALVO, 2009MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
; BELL, 2012BELL, B. "¿Cuándo mucha corrupción justifica um golpe militar?" Perspectias desde el Barómetro de las Américas, nº 79, 2012. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/IO879es.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
). Isso também foi observado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos ( LEAL, 2005LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
) e no Japão ( JAPAN MINISTRY OF DEFENSE, 2012JAPAN MINISTRY OF DEFENSE. Outline of 'Public Opinion Survey on the Self-Defense Forces and Defense Issues'. Tokyo, mar. 2012. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/public_opinion.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/...
). Para a variável região, entende-se que a confiança deveria ser mais elevada nas regiões do Brasil onde a presença das Forças Armadas é significativa e bem distribuída (Norte e Sul).

A variável idade (Q1) deveria ter correlação positiva em razão do maior conservadorismo de indivíduos em estratos etários mais avançados, fenômeno observado em países da América Latina ( MONTALVO, 2009MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
), nos Estados Unidos ( LEAL, 2005LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
) e no Japão ( JAPAN MINISTRY OF DEFENSE, 2012JAPAN MINISTRY OF DEFENSE. Outline of 'Public Opinion Survey on the Self-Defense Forces and Defense Issues'. Tokyo, mar. 2012. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/public_opinion.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/...
). A variável escolaridade (Q2) tenderia a ter impacto negativo devido à postura mais crítica de indivíduos mais escolarizados em relação ao papel das Forças Armadas na ruptura da democracia em países da América Latina (MONTALVO, 2009MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
), o que também se aplicaria à variável renda(Q10).

A variável cor/raça (Q3) tenderia a ter pouco impacto sobre a confiança nas Forças Armadas, em linha, por exemplo, com estudos realizados nos Estados Unidos ( LEAL, 2005LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
). Contudo, em função da elevada correlação que tal variável possui com as variáveis escolaridade e renda, é possível que a variável cor/raça capte indiretamente os efeitos dessas últimas variáveis. Por essa razão, optou-se por não introduzir no Quadro 2 um resultado esperado para a relação entre cor/raça e confiança nas Forças Armadas.

A variável orgulho de ser brasileiro (Q11) deveria exercer importante efeito no modelo, uma vez que se observa na literatura o papel do patriotismo como fator-chave para explicar a confiança nas Forças Armadas ( GÜRSOY, 2012GÜRSOY, Y. Turkish public attitudes toward the military and Ergenekon: consequences for the consolidation of democracy. Istanbul Bilgi University / European Institute, Working Paper, nº 5, 2012. Disponível em: <http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_paper_23-05-2012.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_pape...
). No caso dos indivíduos que serviram às Forças Armadas ou possuem parentes/pessoas próximas que tiveram essa experiência (Q12), a confiança deveria ser mais elevada, devido ao espírito de corpo e aos benefícios derivados dessa vinculação, tais como qualificação profissional. Já as variáveis Q13 a Q17, bem como a Q38, dizem respeito à avaliação da população quanto ao desempenho institucional das Forças Armadas, tendo, portanto, efeitos diretos sobre a confiança. Essa dimensão de avaliação também seria captada na questão sobre a importância das Forças Armadas (Q18), que tenderia a ser ampliada entre os indivíduos que mais confiam na instituição.

A variável participação em missões de paz (Q31) representaria um juízo acerca da necessidade e da capacidade dos militares brasileiros de exercerem atividades no exterior sob mandato internacional e, portanto, deveria estar relacionada à confiança nas instituições militares do país. Quanto ao respeito dos militares à democracia (Q38), aqueles indivíduos que percebessem tal respeito como baixo tenderiam a enxergar nos militares um grupo sem apreço pelas instituições democráticas do país e, por isso, não merecedor de confiança. A variável conhecimento da Lei da Anistia (Q39) poderia ser particularmente relevante para explicar a confiança nas Forças Armadas brasileiras, devido ao fato de que essa norma impede a punição de agentes da repressão (e de integrantes de grupos armados de oposição) responsáveis por crimes praticados no período 1961-1979. Nesse caso, o conhecimento da lei deveria influenciar negativamente a confiança manifestada pelos entrevistados nas instituições militares do país.

Por conveniência analítica, optou-se pela separação da variável dependente confiança, originalmente dividida em uma escala ordinal com cinco classes de respostas, em três categorias: c = 1 (confia totalmente ou muito), c = 2 (confia razoavelmente) e c = 3 (confia pouco ou não confia). Esse mesmo procedimento foi adotado para todas as variáveis explicativas cujas categorias apresentavam uma escala de gradação original de cinco valores, quais sejam: Q11, Q13-Q17 e Q38. Para as demais variáveis, foram mantidas as categorias ou faixas de valores conforme o padrão adotado no questionário SIPS - Defesa Nacional (ver Apêndice).

Desse modo, o modelo logit cumulativo para Y i (variável resposta para a observação i) pode ser descrito conforme a equação (1) ( VENABLES; RIPLEY, 2002VENABLES, W. N.; RIPLEY, B. D. Modern applied statistics with S. 4ª ed. New York: Springer, 2002.):

em que: ζ c é o intercepto da categoria c; x i é o vetor transposto de variáveis indicadoras correspondentes às variáveis explicativas; e 𝛽 é o vetor de parâmetros.

Estimação e avaliação do modelo

Ajustando-se o modelo para as variáveis explicativas propostas, observa-se pela análise de deviance, na Tabela 1, que, para as variáveis escolaridade (Q2), renda (Q10), relação com o serviço militar (Q12) e conhecimento da Lei da Anistia (Q39), não há diferenciação significativa entre os níveis. Em razão disso, essas variáveis foram retiradas do modelo, restando somente 13 variáveis independentes em sua versão reduzida.

Tabela 1
Análise de deviance do modelo com todas as variáveis

Na Tabela 2 encontram-se os valores para os fatores de inflação de variância generalizada (GVIF)3CASTILLO, J. C.; MIRANDA, D.; TORRES, P. "Authoritarianism, social dominance and trust in public institutions". Informes Técnicos MIDE-UC, Santiago, nº 1107, 2011. Disponível em: <http://mideuc.cl/wp-content/uploads/2011/11/1107-castillo-miranda-torres-2011-trust-SDO-RWA-ISPP.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://mideuc.cl/wp-content/uploads/2011...
. Mesmo com todas as variáveis preditoras incluídas no modelo e os valores ajustados pelos graus de liberdade [GVIF^(1/(2*Df))], esses valores ainda permaneceram bastante próximos da unidade, indicando que não há problemas de colinearidade na matriz de delineamento do modelo.

Tabela 2
Fator de inflação de variância generalizado do modelo completo

Como anteriormente mencionado, com base nos resultados da Tabela 1, definiu-se o modelo final sem as variáveis Q2, Q10, Q12 e Q39. Uma vez ajustado o modelo com as variáveis restantes, apresentam-se na Tabela 3 as estimativas dos parâmetros, com os respectivos erros-padrão:

Tabela 3
Estimativas dos parâmetros do modelo selecionado

Para uma avaliação preliminar acerca da adequação do modelo para fins preditivos, empregou-se a medida R 2 de Nagelkerke ( NAGELKERKE, 1991NAGELKERKE, N. J D. "A note on a general definition of the coefficient of determination" .Biometrika, vol. 78, nº 3, p. 691-692, 1991.). Embora o valor obtido de 0,229 possa ser considerado baixo, optou-se por conservar o modelo uma vez que não há consenso na literatura a respeito da validade de medidas como o coeficiente de determinação para a avaliação de modelos para variáveis categorizadas.

Os gráficos apresentados nas Figuras 1, 2, 3 e 4 a seguir mostram os efeitos marginais encontrados para as variáveis explicativas4 4 Nos gráficos a seguir, as categorias de cada variável são apresentadas em letras e algarismos para facilitar a visualização dos resultados. A identificação de cada categoria correspondente a esses caracteres se encontra no Quadro 1. :

Figura 1
Efeitos marginais da variável Q1 (idade)

Figura 2
Efeitos marginais das variáveis Q3 (cor/raça), Q11 (orgulho de ser brasileiro), sexo e região

Figura 3
Efeitos marginais das variáveis Q13 (avaliação do trabalho das Forças Armadas), Q14 (avaliação da quantidade de informações disponíveis sobre as Forças Armadas), Q15 (avaliação da igualdade de tratamento conferido pelas Forças Armadas), Q16 (encaminhamento de reclamação ou denúncia), Q17 (autoavaliação quanto ao nível de informação) e Q18 (importância das Forças Armadas)

Figura 4
Efeitos marginais das variáveis Q31 (participação das Forças Armadas em missões de paz) e Q38 (respeito das Forças Armadas à democracia)

Análise dos resultados

A maior parte dos resultados obtidos se mostrou consonante com as hipóteses que embasaram a construção do modelo (Quadro 2).

Para a variável idade (Q1) - Figura 1 -, verifica-se que grupos etários mais avançados tendem a ser mais propensos a mostrar confiança nas Forças Armadas brasileiras que os mais jovens, conclusão que se assemelha às de: Montalvo (2009) MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
e Latinobarómetro (2010) LATINOBARÓMETRO. Latinobarómetro: Matriz de Datos STATA. Santiago, 2010. Disponível em: <http://www.latinobarometro.org/latino/LATDatos.jsp>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.latinobarometro.org/latino/LA...
, para diversos países da América Latina; Leal (2005) LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
e Jedwab (2010) JEDWAB, J. Trust and confidence in Armed Forces and national government: US, Canada, Spain and Germany. Montréal, dez. 2010. Disponível em: <http://www.acs-aec.ca/pdf/polls/Trust%20and%20Confidence%20in%20Armed%20Forces%20n%20four%20countries.pptx>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.acs-aec.ca/pdf/polls/Trust%20...
, sobre os Estados Unidos; Jedwab (2010) JEDWAB, J. Trust and confidence in Armed Forces and national government: US, Canada, Spain and Germany. Montréal, dez. 2010. Disponível em: <http://www.acs-aec.ca/pdf/polls/Trust%20and%20Confidence%20in%20Armed%20Forces%20n%20four%20countries.pptx>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.acs-aec.ca/pdf/polls/Trust%20...
, para o Canadá; Manigart (2001, p. 5) MANIGART, P. Public opinion and European defense. Bruxelles, jul. 2001. Disponível em: <http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_146_en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://ec.europa.eu/public_opinion/archi...
, em pesquisa feita em países da União Europeia; Natcen Social Research (2012) NATCEN SOCIAL RESEARCH. Public opinion of the UK Armed Forces. London, 2012. Disponível em: <http://bsa-29.natcen.ac.uk/read-the-report/armed-forces/public-opinion.aspx>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://bsa-29.natcen.ac.uk/read-the-repo...
, sobre o Reino Unido; e Japan Ministry of Defense (2012) JAPAN MINISTRY OF DEFENSE. Outline of 'Public Opinion Survey on the Self-Defense Forces and Defense Issues'. Tokyo, mar. 2012. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/public_opinion.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/...
, sobre o Japão. No caso brasileiro, observa-se uma ruptura de tendência entre as faixas de 35-44 anos (categoria 3) e 45-54 anos (categoria 4) para os respondentes que disseram confiar nas Forças Armadas, sendo a probabilidade de confiança significativamente maior a partir dessa última faixa etária.

Com relação à variável sexo (Figura 2), indivíduos do sexo masculino tendem a apresentar maior confiança nas Forças Armadas que os do sexo feminino, o que se coaduna com as conclusões de Montalvo (2009) MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
sobre a América Latina. Em estudo realizado por esse autor, a variável sexo foi a de maior impacto sobre o grau de confiança nas Forças Armadas. Conclusão semelhante foi a de Leal (2005) LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
em relação ao caso dos Estados Unidos, onde mulheres apoiam menos as Forças Armadas e o uso da força do que os homens, assim como no Japão ( JAPAN MINISTRY OF DEFENSE, 2012JAPAN MINISTRY OF DEFENSE. Outline of 'Public Opinion Survey on the Self-Defense Forces and Defense Issues'. Tokyo, mar. 2012. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/public_opinion.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.mod.go.jp/e/d_act/others/pdf/...
), onde as mulheres possuem visão mais negativa sobre as Forças Armadas que os homens. Em estudo realizado no Reino Unido, contudo, não se observaram diferenças significativas entre homens e mulheres quanto à visão sobre as Forças Armadas do país ( NATCEN SOCIAL RESEARCH, 2012NATCEN SOCIAL RESEARCH. Public opinion of the UK Armed Forces. London, 2012. Disponível em: <http://bsa-29.natcen.ac.uk/read-the-report/armed-forces/public-opinion.aspx>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://bsa-29.natcen.ac.uk/read-the-repo...
).

Para a variável orgulho de ser brasileiro (Q11) - Figura 2 -, há uma forte separação na avaliação da confiança: aqueles entrevistados que se dizem extremamente ou muito orgulhosos tendem a apresentar maior confiança que os demais grupos de respondentes, conclusão semelhante à de Gürsoy (2012) GÜRSOY, Y. Turkish public attitudes toward the military and Ergenekon: consequences for the consolidation of democracy. Istanbul Bilgi University / European Institute, Working Paper, nº 5, 2012. Disponível em: <http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_paper_23-05-2012.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_pape...
.

Para os itens de opinião, avaliações ruins acerca do trabalho realizado pelas Forças Armadas (Q13) levam à maior propensão a confiar razoavelmente ou pouco nestas. A percepção quanto à escassez de informação sobre as atividades dos militares nos meios de comunicação (Q14) tende, por sua vez, a ter impacto menor na diminuição da confiança: entre entrevistados que avaliaram haver pouca ou nenhuma informação sobre o tema, a probabilidade de confiar totalmente ou muito nas Forças Armadas do país ainda é superior a 40% (Figura 3). Por sua vez, os entrevistados que afirmaram possuir baixo grau de conhecimento sobre as Forças Armadas e suas atividades (Q17) tendem a confiar menos na instituição.

Com relação ao tratamento dispensado pelas Forças Armadas aos cidadãos(Q15), quando se avalia que este é igualitário, há maior propensão a confiar na instituição. O mesmo se aplica acerca da percepção quanto à facilidade de encaminhar reclamação ou denúncia (Q16).

Quando se considera a importância atribuída pelos entrevistados às Forças Armadas (Q18), observa-se uma diferença no efeito marginal entre os que confiam totalmente/muito nas Forças Armadas e as demais categorias, que apresentam menor confiança nessa instituição. Os indivíduos que acreditam que as Forças Armadas respeitam a democracia (Q38) - Figura 4 -, por sua vez, tendem a mostrar maior grau de confiança em comparação aos que não consideram que os militares respeitem as instituições democráticas.

Chamam atenção algumas variáveis que contrariaram a expectativa inicial. Dentre elas, houve reduzido impacto dos níveis de escolaridade (Q2) e renda (Q10) sobre a confiança nas Forças Armadas. Em comparação, o mesmo também ocorre nos Estados Unidos, conforme atestado por Leal (2005) LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
. Na América Latina, contudo, o modelo proposto por Montalvo (2009) MONTALVO, D. "Do you trust your Armed Forces?". Americas Barometer Insights, nº 29, 2009. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights/I0827en.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://www.vanderbilt.edu/lapop/insights...
não foi capaz de comprovar a existência de tal relação. Outro ponto de destaque é o impacto não significativo sobre a confiança nas Forças Armadas encontrado para atributos como participação do entrevistado no serviço militar (ou conhecimento de pessoa próxima que participou) (Q12) e conhecimento da Lei da Anistia (Q39). Embora houvesse expectativa de que esses fatores condicionassem mais fortemente o grau de confiança dos entrevistados nas instituições militares, os resultados obtidos contrariaram essa previsão. A participação dos militares brasileiros em missões de paz (Q31) - Figura 4 - também não parece afetar de forma significativa a confiança depositada pela população nas Forças Armadas.

Outro resultado a ser destacado é o nível menor de confiança nas Forças Armadas encontrado na região Sul do país (Figura 2), onde há elevada quantidade de unidades militares estacionadas e onde estas estão relativamente bem distribuídas no território. Considerando o grau substancialmente mais elevado de confiança nas regiões Norte (onde a presença militar é ampla e distribuída) e Nordeste (onde não é ampla), infere-se que a confiança nas Forças Armadas não se relaciona com o número e a distribuição de unidades militares em uma determinada região.

Por fim, há pouca variação na confiança em função da cor/raça (Q3) informada pelo entrevistado. A maior amplitude dos intervalos de probabilidade para os grupos de cor amarela e indígenas se explica pela pequena quantidade de indivíduos em comparação ao tamanho da amostra. Embora as distinções por cor/raça nos Estados Unidos, para fins estatísticos, sejam diferentes das brasileiras, o estudo de Leal (2005) LEAL, D. L "American public opinion toward the military: differences by race, gender, and class?" . Armed Forces & Society, vol. 32, nº 1, out 2005 Disponível em: <https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS.2005.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013. .
https://webspace.utexas.edu/lealdl3/AFS....
constatou que afro-americanos e latinos não tendem a confiar menos nas Forças Armadas que integrantes de outras etnias/raças, o que, guardadas as devidas proporções, é semelhante ao observado no Brasil.

O modelo proposto explica, por um lado, parte dos elementos que compõem a confiança do brasileiro nas Forças Armadas, demonstrando a associação entre a confiança e as seguintes variáveis: sexo, região, idade, orgulho em ser brasileiro, avaliação do trabalho das Forças Armadas, avaliação acerca da quantidade de informações disponíveis, avaliação sobre a igualdade de tratamento por parte das Forças Armadas, percepção sobre a facilidade de encaminhar reclamação ou denúncia, autoavaliação quanto ao nível de informação sobre as Forças Armadas, importância atribuída às Forças Armadas e respeito dos militares à democracia. Por outro lado, não foi possível confirmar a existência de associação entre algumas variáveis do modelo e a confiança nas Forças Armadas, quais sejam: escolaridade, cor/raça, renda, participação do entrevistado no serviço militar (ou conhecimento de pessoa próxima que participou), participação das Forças Armadas em missões de paz e conhecimento da Lei da Anistia. Não se pode afirmar, particularmente, que a elevada confiança nas Forças Armadas seja um fenômeno de elite, nem tampouco uma característica presente em classes com renda baixa, uma vez que ela se acha distribuída entre praticamente todos os estratos de renda e escolaridade da sociedade.

Seria relevante para o aprimoramento futuro do modelo a inclusão de variáveis que refletissem posturas político-ideológicas dos indivíduos, tais como sua posição no espectro ideológico (esquerda, centro, direita etc.), filiações religiosas e opiniões sobre temas-chave que dominam o debate acerca do papel a ser desempenhado pelos militares no país. Essas variáveis poderiam ter elevado poder explicativo sobre o grau de confiança nas Forças Armadas, a exemplo dos estudos de Gürsoy (2012) GÜRSOY, Y. Turkish public attitudes toward the military and Ergenekon: consequences for the consolidation of democracy. Istanbul Bilgi University / European Institute, Working Paper, nº 5, 2012. Disponível em: <http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_paper_23-05-2012.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://eu.bilgi.edu.tr/docs/working_pape...
, analisando o caso da Turquia, e Castillo, Miranda e Torres (2011, p. 17-18) CASTILLO, J. C.; MIRANDA, D.; TORRES, P. "Authoritarianism, social dominance and trust in public institutions". Informes Técnicos MIDE-UC, Santiago, nº 1107, 2011. Disponível em: <http://mideuc.cl/wp-content/uploads/2011/11/1107-castillo-miranda-torres-2011-trust-SDO-RWA-ISPP.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
http://mideuc.cl/wp-content/uploads/2011...
, para o caso do Chile.

Considerações Finais

Este artigo consistiu em um esforço preliminar para avançar na pesquisa empírica sobre o tema da confiança nas Forças Armadas brasileiras, tomando por base os dados coletados pelo SIPS - Defesa Nacional. A partir do modelo do questionário aplicado nesta pesquisa de abrangência nacional, foram selecionadas as questões que continham as variáveis consideradas mais relevantes para a determinação da confiança nas instituições militares, de acordo com a literatura sobre o tema.

Os resultados obtidos mostram que, não obstante prevaleça na população um elevado nível de confiança, certos atributos socioeconômicos se mostram mais relevantes para a determinação das variações encontradas.

O aprimoramento do modelo estatístico permitirá o aprofundamento posterior da agenda de pesquisa sobre a confiança nas instituições militares no Brasil. Para tanto, deve-se buscar, em um primeiro momento, ampliar a robustez e a capacidade explanatória do modelo por meio da incorporação ou exclusão de variáveis para, posteriormente, inferir relações de causalidade a partir dos resultados obtidos e de teorias consolidadas sobre o tema. Futuras investigações são necessárias para abordar as possíveis razões por detrás do grau de confiança dos indivíduos nas Forças Armadas. Nesse sentido, ainda que não haja variância significativa quanto ao grau de confiança entre indivíduos de diferentes níveis de renda e escolaridade, as motivações para essa confiança ainda podem ser distintas. É possível que, para níveis mais baixos de escolaridade ou renda, a confiança derive, sobretudo, das chamadas "ações sociais" das Forças Armadas, enquanto para estratos mais elevados ela pode ser resultado da percepção de que as Forças Armadas constituem uma espécie de "reserva moral da nação". Assim, uma pesquisa posterior, que seja capaz de melhor captar o nível de conhecimento da população sobre as atividades desempenhadas pelos militares, bem como suas preferências políticas, seria essencial para a identificação mais precisa dos determinantes dessa confiança.

Referências Bibliográficas

  • 1 O SIPS foi concebido com o objetivo de criar um conjunto de dados primários de percepção social capaz de fornecer ao Estado informações para subsidiar análises e decisões referentes a formulação, implementação e avaliação das suas políticas públicas, bem como oferecer à sociedade condições para melhor conhecer e avaliar os resultados efetivos alcançados pelas políticas públicas vigentes. Esses dados são coletados por meio de pesquisas de abrangência nacional. Para maiores informações sobre a metodologia de coleta e processamento de dados do SIPS, bem como os principais resultados da pesquisa SIPS - Defesa Nacional, ver: Oliveira Júnior, Silva Filho e Moraes (2012) OLIVEIRA JÚNIOR, A.; SILVA FILHO, E. B.; MORAES, R. F. Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS). Brasília, fev. 2012. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/120418_sips_metodologia.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2013.
    http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
    .
  • 2 Para a pesquisa adotou-se uma abordagem quantitativa cujo método estatístico permitiu determinar por amostragem probabilística, com erro amostral de 5% para o Brasil e regiões, e nível de confiança de 95%, o tamanho da amostra de 3.796 domicílios para, assim, aferir a percepção da população sobre o fenômeno em questão. Para tanto, a amostragem foi decomposta em três etapas: i) na primeira, houve uma estratificação por regiões, mantendo-se tamanhos amostrais prefixados com margem de erro de 5%. Dentro de cada estrato (região) houve sorteio dos municípios através de amostragem por conglomerados, controlando a distribuição por porte e unidade da federação; ii) na segunda etapa, já devidamente definidos os municípios amostrados, houve um sorteio dos domicílios, cujo critério aleatório foi composto por dois estágios: a) sorteio do setor censitário e b) arrolamento sistemático dos domicílios; iii) por fim, dada a definição prévia dos domicílios, adotou-se a amostragem sistemática das pessoas, cujo questionário era respondido por quem se encontrava presente em cada domicílio.
  • 3 Essa estatística é uma medida de multicolinearidade para modelos lineares. Entretanto, também pode ser utilizada nesse contexto, uma vez que diz respeito apenas às correlações entre preditores (FOX; MONETTE, 1992) FOX, J.; MONETTE, G. "Generalized collinearity diagnostics". Journal of the American Statistical Association, vol. 87, nº 417, p. 178-183, mar 1992..
  • 4 Nos gráficos a seguir, as categorias de cada variável são apresentadas em letras e algarismos para facilitar a visualização dos resultados. A identificação de cada categoria correspondente a esses caracteres se encontra no Quadro 1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    Nov 2013
  • Aceito
    Jul 2014
Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitária 'Zeferino Vaz", CESOP, Rua Cora Coralina, 100. Prédio dos Centros e Núcleos (IFCH-Unicamp), CEP: 13083-896 Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521-7093 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: rop@unicamp.br