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Protesto político na América Latina: tendências recentes e determinantes individuais

Resumos

Estudos recentes têm identificado redução do envolvimento dos cidadãos em formas tradicionais de participação, predominantemente relacionadas aos processos eleitorais e às instituições formais de representação, e ampliação do engajamento em modalidades de ação relacionadas ao protesto político. Diferentes fatores têm sido apontados como impulsionadores dessa contestação, alguns de ordem individual ou microssocial, como sentimentos, atitudes e valores. Focalizando o caso latino-americano, apresentamos neste artigo uma análise sobre a evolução de alguns indicadores de envolvimento nessas formas de ação ao longo de uma década. Adicionalmente, buscamos verificar quais atributos individuais atuam como determinantes desses comportamentos. Para tanto utilizamos a série histórica de dados produzida pela organização Latinobarómetro (1995-2007). Os resultados indicam que, apesar da relevância do descontentamento e do contexto de instabilidade política e econômica da região, as variáveis explicativas fundamentais do ativismo de protesto são aquelas ligadas aos recursos individuais políticos e cognitivos.

protesto; contestação; participação; determinantes individuais; América Latina


Recent studies have identified reduction of the involvement of citizens in traditional forms of participation, predominantly related to the electoral processes and the formal institutions of representation, and increased engagement in types of action related to political protest. Different factors have been identified as enhancers of these actions, some microsocial or individual order, as feelings, attitudes and values. Focusing on the case of Latin America, in this article we present an analysis of the evolution of some indicators of involvement in these forms of action over a decade. Additionally, we assessed individual attributes which act as determinants of these behaviors. For this we use the time series data produced by the organization Latinobarómetro (1995-2007). The results indicate that, despite the relevance of discontent and the context of political and economic instability in the region, the key explanatory variables of protest activism are those linked to the political and cognitive individual resources.

protest; contestation; participation; individual determinants; Latin America


Apresentação

O tema da participação política e sua relação com a democracia provavelmente seja um dos mais debatidos na história da reflexão política. Como muito bem destaca Della Porta (2003) Della Porta, D. Introdução à ciência política. Lisboa: Editorial Estampa, 2003., a própria etimologia do conceito de política já nos remete à participação. Na democracia direta dos gregos, os dois termos eram intercambiáveis. Nas modernas democracias representativas, todavia, a participação passou a ser vista mais como um insumo do processo político, desempenhando a função de constituição do corpo político por meio dos processos eleitorais. Dessa forma, uma vez instituída a autoridade política, a participação cede lugar à representação.

Ainda que ocupando papel de coadjuvante no funcionamento das modernas democracias, resta à participação outras funções relacionadas ao controle e à fiscalização da autoridade política, à demanda por bens públicos e à proposição de questões públicas. Confirmando a sua relevância, a moderna ciência política tem dedicado grande atenção às diferentes formas de atuação política dos cidadãos. Os esforços dos pesquisadores da área têm se orientado principalmente para a definição conceitual do fenômeno, para a proposição de tipologias e também para a identificação empírica dos seus condicionantes.

No campo das definições, Booth e Seligson (1978, p. 6) Booth, J.; Seligson, M. A. Political participation in Latin America. vol. 1 Citizen and State. New York: Holmes & Meyer Publishers, 1978. partem da noção de influência e propõem que participação seja entendida como "[...] behavior influencing or attempting to influence the distribution of public goods". Nessa mesma direção, Axford (1997) Axford, B., et al. Politics: an introduction. London: Routledge, 1997. fala em comportamentos orientados para influenciar o processo político.

Uma vez que a participação se refere a comportamentos orientados para obtenção de bens públicos ou para influenciar o processo político, autores de diferentes orientações têm buscado definir quais seriam as formas pelas quais ela se materializa. Um dos primeiros esforços de sistematização nesse sentido foi feito por Lester Milbrath (1965) Milbrath, L. Political participation: how and why do people get involved in politics?. Chicago: Rand McNally, 1965.. Para esse autor, os comportamentos participativos ocorrem no seguinte continuum, em termos de custos e complexidade: expor-se a solicitações políticas; votar; participar de uma discussão política; tentar convencer alguém a votar de determinado modo; usar um distintivo político; fazer contato com funcionários públicos; contribuir com dinheiro para um partido ou candidato; assistir a um comício ou assembleia; dedicar-se a uma campanha política; ser membro ativo de um partido político; participar de reuniões em que se tomam decisões políticas; solicitar contribuições em dinheiro para causas políticas; candidatar-se a um cargo eletivo; ocupar cargos públicos.

Todos esses comportamentos, entretanto, se relacionam ao que podemos chamar de formas "socialmente aceitas" de atuação, definidos pela literatura como modalidades de "participação convencional". Milbrath (1965) Milbrath, L. Political participation: how and why do people get involved in politics?. Chicago: Rand McNally, 1965., assim como Almond e Verba (1963) Almond, G.; Verba, S. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations. Princeton: Princeton University Press, 1963. e Verba e Nie (1972) Verba, S.; Nie, N H. Participation in America. Political democracy and social equality.New York: Harper & How, 1972., desconsiderava em suas análises outras formas de engajamento político, como, por exemplo, a participação em movimentos de protesto político. Fazendo a crítica dessas abordagens, Norris (2007) Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. aponta que: citizen-oriented activities, exemplified by voting participation and party membership, obviously remain important for democracy, but today this represents an excessively narrow conceptualization of activism that excludes some of the most common targets of civic engagement which have become conventional and mainstream (p. 639).

As formas de participação relacionadas ao protesto político, apesar de ocuparem essa posição subalterna nos estudos sobre o tema, possuem uma história bastante longa. A Revolução Francesa e o Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos na década de 1960 são apenas dois dos vários exemplos que podemos recolher ao longo da história moderna (Dalton; Sickle; Weldon, 2009Dalton, R. J.; Sickle, A. V.; Weldon, S. "The individual-institutional nexus of protest". British Journal of Political Science, nº 40, p. 51-73, 2009.). Na América Latina merece destaque o recente movimento dos "piqueteiros", que eclodiu na Argentina diante da incapacidade das instituições típicas da democracia representativa de processar os conflitos (Vitullo, 2007Vitullo, G. Teorias da democratização e democracia na Argentina. Porto Alegre: Sulina. Natal: Editora UFRN, 2007.), e o movimento dos Caras Pintadas no Brasil, que pressionou pelo impeachmentdo presidente Fernando Collor em 1992.

A partir dos anos de 1960, com a eclosão dos "novos movimentos sociais", assiste-se à expansão dessas formas de engajamento que Norris (2007, p. 639) Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. denomina de participação cause-oriented, fortemente ligadas às atividades de protesto, que vão reconfigurar o campo das práticas e repertórios de ação daqueles indivíduos engajados politicamente1. Verifica-se, nesse sentido, a difusão de formas não convencionais de participação, que podem ser também definidas como contestatórias ou relacionadas ao protesto. Della Porta (2003, p. 92) Della Porta, D. Introdução à ciência política. Lisboa: Editorial Estampa, 2003. elenca algumas das formas pelas quais essa atuação pode se expressar2: escrever a um jornal; aderir a um boicote; autorreduzir impostos ou rendas; ocupar edifícios; bloquear o trânsito; assinar uma petição; fazer um sit-in; participar numa greve; tomar parte em manifestações; danificar bens materiais; utilizar violência contra pessoas.

Levando em consideração essa distinção entre modalidades de envolvimento, uma série de investigações empíricas tem apontado para o declínio ou a estabilização das formas convencionais (Dalton; Wattenberg, 2001Dalton, R. J.; Wattenberg, G. M Parties without partisans political change in advanced industrialized democracies. Oxford: Oxford University Press, 2001.; Putnam, 2003Putnam, R. (org). El declive del capital social. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2003.) e para a ampliação das contestatórias (Della Porta, 2003Della Porta, D. Introdução à ciência política. Lisboa: Editorial Estampa, 2003.; Inglehart; Catterberg, 2002Inglehart, R.; Catterberg, G. "Trends in political action: the development trend the post-honeymoon decline". International Journal of Comparative Sociology (IJCS), vol. 43, nº 3-5, p. 300-316, 2002.; Norris, 2007Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.; Welzel; Inglehart; Deutsch, 2005Welzel, C.; Inglehart, R.; Deutsch, F. S "Social capital, voluntary associations and collective action: which aspects of social capital have the greatest 'Civic' Payoff?" . Journal of Civil Society, vol. 1, nº 2, p. 121-146, 2005.; Catterberg, 2004Catterberg, G. "Evaluations, referents of support, and political action in new democracies". International Journal of Comparative Sociology, vol. 44, p. 173-198, 2004.). Algumas dessas pesquisas têm revelado que o protesto vem sendo utilizado frequentemente por diferentes públicos como ferramenta política para influenciar decisões governamentais (Norris, 2007Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.; Meyer; Tarrow, 1998Meyer, D.; Tarrow, S. The social movement society: contentious politics for a new century. Lahnan: Rowman & Littlefield, 1998.; McAdam; Tarrow; Tilly, 2001McAdam, D.; Tarrow, S.; Tilly, C. Dynamics of contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.).

A crescente relevância dessa modalidade de ação tem inspirado a formulação de algumas teorias e hipóteses sobre os fatores que favoreceriam o envolvimento dos indivíduos nas modalidades de protesto político3 3 Um balanço recente sobre as principais teorias do protesto político, e que atesta a crescente importância desse tema na literatura internacional, pode ser encontrado em Opp (2009) . . Buscando contribuir com esse debate, o presente artigo procura identificar os atributos socioeconômicos e atitudinais relacionados à ocorrência desse tipo de comportamento focalizando um conjunto de nações latino-americanas, utilizando para tanto dados fornecidos pela organização Latinobarómetro. Antes dessa tarefa, todavia, procuramos identificar possíveis tendências de evolução nos indicadores de distintas formas de contestação nessa região, considerando cada um dos países isoladamente e também no seu agregado.

Bases individuais do protesto

Como mencionamos anteriormente, nos últimos anos diversos pesquisadores têm se dedicado à identificação dos condicionantes ou determinantes do envolvimento dos cidadãos em modalidades de protesto político. Considerando apenas aquelas perspectivas que enfatizam os atributos de nível individual, procuramos nesta seção fazer uma breve revisão das principais hipóteses explicativas atualmente disponibilizadas pela literatura sobre o assunto.

A primeira abordagem que gostaríamos de mencionar parte da teoria da privação formulada por Theodore Gurr (1968) Gurr, T R. "A causal model of civil strife: a comparative analysis using new indices". American Political Science Review, n° 62, p. 1.104-1.124, 1968. para afirmar que a contestação seria consequência do descontentamento individual. Experiências de privação relativa provocadas por mudanças nas condições sociais levariam os cidadãos a se engajar em formas alternativas de atuação política. Em estudo sobre eventos de protesto na América Latina, com destaque para o já mencionado movimento dos piqueteiros argentinos, Mara Loveman (1998) Loveman, M. "High-risk collective action: defending human rights in Chile, Uruguay, and Argentina". American Journal of Sociology, nº 104, p. 477-525, 1998. adota essa explicação. Essa hipótese, entretanto, parece ser menos aplicável para os contextos das sociedades economicamente mais desenvolvidas, nas quais alguns estudos constataram a existência de apenas fracas associações entre descontentamento e contestação pública (Kaase et al., 1979Kaase, M., et al. (eds). Political action mass participation in five western democracies. Beverly Hills: Sage, 1979.). O sentimento individual de privação, portanto, teria efeitos distintos em nações com diferentes níveis de desenvolvimento econômico. Esse aspecto também foi destacado pelos estudos sobre desafeição democrática, como os de Torcal (2006) Torcal, M. "Desafección institucional e historia democrática en las nuevas democracias". Revista SAAP, vol. 2, nº 3, p. 591-634, ago 2006. e Torcal e Montero (2006) Torcal, M.; Montero, J R. Political disaffection in contemporary democracies social capital institutions, and politics. London: Routledge, 2006 ., ao identificarem bases atitudinais distintas para o fenômeno, quando compararam novas e velhas democracias. Nesse sentido, consideramos de fundamental importância o teste empírico das variáveis relacionadas à dimensão do descontentamento ou desafeição sobre a participação nas distintas formas de protesto no conjunto dos países da América Latina.

A segunda abordagem de nível microssocial que queremos destacar é aquela que enfatiza os recursos individuais. Um primeiro esforço nessa perspectiva foi desenvolvido nos trabalhos de Milbrath (1965) Milbrath, L. Political participation: how and why do people get involved in politics?. Chicago: Rand McNally, 1965. e Verba e Nie (1972) Verba, S.; Nie, N H. Participation in America. Political democracy and social equality.New York: Harper & How, 1972., os quais, tomando como base empírica apenas as formas convencionais ou eleitorais de participação, encontraram associações entre status social e participação. Posteriormente, tal abordagem recebeu um tratamento analítico mais cuidadoso no trabalho de Verba, Schlozman e Brady (1995) Verba, S.; Schlozman, K. L.; Brady, H E. Voice and equality civic voluntarism in American politics. Cambridge: Harvard University Press, 1995., naquele que foi denominado de modelo do "voluntarismo cívico". Esses autores identificaram, através de pesquisas comparadas, uma correspondência entre recursos individuais e coletivos (como tempo, dinheiro, habilidades, pertencimento a redes associativas) e o engajamento político tanto nas formas convencionais de envolvimento político quanto nas modalidades relacionadas ao protesto. Da mesma maneira, pesquisa envolvendo Espanha, Brasil e Coreia confirmou a existência de relação positiva entre a educação dos cidadãos e o comportamento de protesto (McDonough; Shin; Moisés, 1998McDonough, P.; Shin. D. C.; Moisés, J. A "Democratization and participation: comparing Spain, Brazil, and Korea". Journal of Politics, nº 60, p. 919-953, 1998.).

Merece destaque também uma perspectiva de nível microssocial ou individual que deriva dos estudos sobre mudança cultural, conduzidos principalmente pelos pesquisadores vinculados ao Projeto World Values Survey, liderado por Ronald Inglehart. O ponto de partida desse grupo é a afirmação de uma reorientação valorativa que estaria ocorrendo principalmente em razão do desenvolvimento econômico experimentado a partir da segunda metade do século XX, especialmente pelas sociedades industriais avançadas (Inglehart, 1977Inglehart, R. The silent revolution. Princeton: Princeton University Press, 1977.; 1990 ________. Culture shift in advanced industrial society. Princeton: Princeton University Press, 1990.; 2001 ________. Modernización y postmodernización: el cambio cultural, económico y político en 43 sociedades. Madrid: CIS/Siglo XXI, 2001.; Inglehart; Welzel, 2009Inglehart, R.; Welzel, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.).

Dentre as várias consequências desse fenômeno cultural, no campo político, uma delas se relacionaria aos processos de democratização, pois ele estaria associado à adoção de valores e atitudes congruentes com essa forma de governo (Inglehart; Welzel, 2009Inglehart, R.; Welzel, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.). Ainda que pareça paradoxal à primeira vista, tais orientações subjetivas também seriam acompanhadas de uma postura crítica em relação ao funcionamento das instituições políticas e, sobretudo, pelo questionamento dos mecanismos tradicionais de representação (Inglehart, 1990 ________. Culture shift in advanced industrial society. Princeton: Princeton University Press, 1990.; 2001 ________. Modernización y postmodernización: el cambio cultural, económico y político en 43 sociedades. Madrid: CIS/Siglo XXI, 2001.; Inglehart; Welzel, 2009Inglehart, R.; Welzel, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.). O reflexo dessa atitude crítica seria a redução significativa nas taxas de mobilização política convencional verificada nas últimas décadas nas sociedades avançadas industrialmente. A contradição, todavia, seria apenas aparente. Esse quadro não seria um sinal de apatia por parte dos públicos dessas nações, pois, em paralelo à redução na participação tradicional, estaria ocorrendo processo inverso nas chamadas elite-directed political action, ou seja, nas atividades de contestação às instituições e elites estabelecidas (Norris, 2007Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.; Inglehart; Welzel, 2009Inglehart, R.; Welzel, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.).

Uma vez superados os limites estritos da sobrevivência física e econômica, os indivíduos estariam se preocupando cada vez mais com questões relacionadas à sua autoexpressão, gerando uma "intervenção cidadã na política" (Inglehart, 2001, p. 221 ________. Modernización y postmodernización: el cambio cultural, económico y político en 43 sociedades. Madrid: CIS/Siglo XXI, 2001.). O desejo de tomar parte dos assuntos públicos de uma maneira mais ativa e direta estaria acompanhando, portanto, a mudança pós-materialista.

Evidências empíricas robustas têm sido apresentadas desde o final da década de 1970 para confirmar esses argumentos (Barnes et al., 1979Barnes, S., et al. Political action: mass participation in five western democracies. Beverly Hills: Sage Publications, 1979.; Norris, 2007Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.). Em perspectiva mundial, os valores pós-materialistas estariam fortemente associados a ações políticas não convencionais, como manifestações, passeatas, boicotes, ocupações, bem como ao interesse por política em geral.

Para os países da América Latina, porém, as evidências empíricas sobre a relação entre valores pós-materialistas e participação não convencional são bem menos evidentes que aquelas identificadas nos contextos das democracias avançadas (Inglehart, 2001 ________. Modernización y postmodernización: el cambio cultural, económico y político en 43 sociedades. Madrid: CIS/Siglo XXI, 2001.; Ribeiro; Borba, 2010Ribeiro, E.; Borba, J. "Participação e pós-materialismo na América Latina". Opinião Pública, Campinas, vol. 16, nº 1, p. 28-63, junho, 2010.).

Por fim, é preciso considerar também alguma atenção aos estudos que vinculam a atividade de protesto à orientação ideológica individual. Segundo essa abordagem, o envolvimento em modalidades de ação política dessa natureza seria mais comum entre os indivíduos identificados com a esquerda, que são também os mais favoráveis a mudanças na estrutura de distribuição de poder. Algumas pesquisas de caráter comparativo entre países têm recolhido evidências que associam o percentual de extremistas de esquerda à maior ocorrência de protesto (Powell, 1982Powell, G. B Contemporary democracies participation stability, and violence. Cambridge: Harvard University Press, 1982 .; Dalton; Sickle, 2005Dalton, R.; Sickle, A. V. "The resource, structural, and cultural bases of protest". Center for the Study of Democracy. Paper 05-11 (August 8, 2005). Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/csd/05-11>.
http://repositories.cdlib.org/csd/05-11...
).

Essa pequena amostra da diversidade de explicações para esse relevante fenômeno aponta para a necessidade de testes empíricos no sentido de identificar de forma comparativa os rendimentos explicativos de cada conjunto de atributos e características individuais enfatizados. Essa tarefa é mais necessária ainda em contextos sociais e econômicos como o latino-americano, em que os níveis de desigualdade social são ainda muito elevados e os efeitos da mudança cultural pós-materialista atingem apenas uma reduzida parcela da população. A realidade dos países dessa região pode apresentar desafios relevantes para as hipóteses que sumarizamos anteriormente, uma vez que todas foram produzidas originalmente para explicar o protesto em nações economicamente desenvolvidas. Em países como o Brasil, por exemplo, a questão da insatisfação com o regime democrático continua sendo um fator aparentemente muito relevante e que merece ser analisado cuidadosamente.

Questões metodológicas

Utilizamos nessa investigação os dados da série histórica de pesquisas conduzidas pela organização Latinobarómetro entre 1995 e 2007, para um conjunto de 17 países4 4 As bases de dados e informações técnicas podem ser obtidas através do endereço <www.latinobarometro.org>. Os países são: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. . Essa base traz uma bateria de questões relativas ao envolvimento nas seguintes modalidades de contestação: manifestações autorizadas, protestos não autorizados, bloqueios de tráfego, saques, ocupações de edifícios e fábricas, abaixo-assinados e boicotes. Como ocorre frequentemente em empreendimentos de pesquisa dessa natureza, os questionários aplicados pelo Latinobarómetro sofrem alterações em cada uma de suas sondagens, portanto, em alguns momentos a análise da evolução do envolvimento da população investigada em algumas modalidades foi prejudicada ou inviabilizada pela ausência de informações. Esses problemas serão explicitados mais à frente, quando nos ocuparmos da análise desses dados.

Por ora, entretanto, é preciso justificar a definição do ano 2007 como marco final da série. Como é sabido pela comunidade de pesquisadores em opinião pública, o Latinobarómetro mantém seus dados mais atuais para uso exclusivo de sua rede interna de pesquisadores, o que é prática comum entre os principais institutos de pesquisa internacionais. Em razão dessa política de disponibilização de seus bancos, a última base com acesso livre até o presente momento é a de 2010, ano em que, infelizmente, a bateria de perguntas sobre modalidades de protesto não foi aplicada. Essa ausência também se verifica em 2009, e em 2008 esse bloco de questões foi incluído em apenas algumas unidades nacionais, inviabilizando o seu emprego nos modelos multiníveis que utilizamos nessa investigação.

Na primeira parte da análise nos dedicamos, portanto, à identificação do quadro atual da contestação entre os países da região por meio da aplicação de técnicas de estatística descritiva. Na segunda parte da análise, na qual procuramos identificar os fatores individuais que explicam esse tipo de engajamento, nos valemos apenas dos dados da última pesquisa, conduzida em 2007. Nesse ano apenas três modalidades fizeram parte do questionário: abaixo-assinados, manifestações autorizadas e protestos não autorizados. Essas informações foram coletadas por meio de perguntas que comportavam as respostas "fiz", "poderia fazer" e "nunca faria" e, como nosso interesse é identificar fatores condicionantes do comportamento, reduzimos nossa análise apenas à primeira opção, reunindo as duas outras opções em uma mesma categoria de abstenção. O resultado desse procedimento é a criação de três variáveis binárias que expressam o envolvimento dos indivíduos nessas três modalidades de protesto. Devido à natureza dessas medidas, a análise multivariada foi realizada por meio de modelos de regressão logística binária, sendo especificados modelos para cada modalidade, levando em consideração os dados de cada país em separado e também para o agregado latino-americano.

No campo das variáveis independentes, procuramos selecionar aquelas medidas disponíveis que melhor representam as principais hipóteses explicativas mencionadas anteriormente5 5 Ver "Apêndice metodológico" contendo informações sobre as perguntas que geraram as variáveis e suas respectivas codificações ao final deste artigo. .

Sobre a hipótese do descontentamento, autores já mencionados como Gurr (1968) Gurr, T R. "A causal model of civil strife: a comparative analysis using new indices". American Political Science Review, n° 62, p. 1.104-1.124, 1968. e Loveman (1998) Loveman, M. "High-risk collective action: defending human rights in Chile, Uruguay, and Argentina". American Journal of Sociology, nº 104, p. 477-525, 1998. defendem que as experiências de privação relativa dos indivíduos em condições desfavoráveis conduziriam ao envolvimento em modalidades alternativas de expressão das suas demandas e anseios, algumas delas de natureza contestatória. Para representar em nosso modelo essa afirmação, selecionamos quatro variáveis que se relacionam a distintas dimensões do descontentamento individual. A primeira delas, de natureza bastante ampla, diz respeito ao nível de satisfação dos entrevistados em relação à sua vida em geral (SAT). Mais específica, a segunda variável se refere à avaliação dos indivíduos em relação à situação econômica nacional (SAT_EC). Tratando da dimensão política, a terceira medida está relacionada à avaliação que fazem os cidadãos do funcionamento concreto da democracia em seus países (SAT_DEM). Finalmente, também sobre o aspecto político, a quarta variável incluída é um índice de confiança nas principais instituições democráticas6 6 Essa medida é composta pela confiança no Poder Judiciário, no Congresso/Parlamento e nos partidos. O Alpha de Cronbach foi de 0,725, o que pode ser considerado um sinal de consistência interna mesmo em uma perspectiva mais rigorosa (Nunnaly, 1978; Devellis, 1991). Adicionalmente foi conduzida análise fatorial que confirmou a pertinência da redução em termos dimensionais. Considerando apenas um único fator, a variação conjunta explicada é superior a 64%. (IND_CONF).

A segunda abordagem enfatiza os recursos individuais e coletivos e associa o ativismo político geral a atributos como escolaridade, classe social, status de maioria étnica e nível de inserção social (Verba; Schlozman; Brady, 1995Verba, S.; Schlozman, K. L.; Brady, H E. Voice and equality civic voluntarism in American politics. Cambridge: Harvard University Press, 1995.; McDonough; Shin; Moisés, 1998McDonough, P.; Shin. D. C.; Moisés, J. A "Democratization and participation: comparing Spain, Brazil, and Korea". Journal of Politics, nº 60, p. 919-953, 1998.). Para verificar o impacto dos recursos individuais sobre o envolvimento em protestos, incluímos a escolaridade (ESCOL) como medida dos recursos intelectuais e também materiais, uma vez que está fortemente associada à renda. Reconhecemos, todavia, que pode haver dissonância entre rendimento e escolarização e que isso pode inclusive ser um fator potencializador do descontentamento e da contestação, entretanto, como não é possível testar essa hipótese em razão de a variável renda não constar nos bancos de dados, somos obrigados a realizar tal redução e assumimos as limitações impostas por essa escolha. Para além dessa concepção restrita de recursos, resolvemos incluir também as variáveis relativas aos níveis de interesse por política (INT_POL) e eficácia política subjetiva (EFIC_POL). Por fim, incluímos uma variável integrada de envolvimento dos indivíduos em organizações e associações, como uma medida dos recursos associativos e do envolvimento em redes de mobilização7, concebidos pela literatura recente como relevantes impulsionadores do engajamento político contestatório (IND_PART).

Na seção anterior ("Bases individuais de protesto"), incluímos entre essas abordagens as pesquisas sobre mudança cultural que tendem a associar o ativismo de protesto à adesão aos chamados valores pós-materialistas ((Inglehart, 1977Inglehart, R. The silent revolution. Princeton: Princeton University Press, 1977.; (1990 ________. Culture shift in advanced industrial society. Princeton: Princeton University Press, 1990.; (2001 ________. Modernización y postmodernización: el cambio cultural, económico y político en 43 sociedades. Madrid: CIS/Siglo XXI, 2001.; (Inglehart; Welzel, 2009Inglehart, R.; Welzel, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.). Em razão da falta de dados sobre essa questão na base por nós utilizada, somos obrigados a assumir essa deficiência em nosso artigo. Na realidade, a identificação do impacto dessas novas prioridades valorativas sobre o fenômeno objeto de nossa atenção demandaria a utilização da base de dados do projeto World Values Survey, entretanto, o volume de países latino-americanos cobertos por essa organização é pequeno se comparado ao coberto pelo Latinobarómetro (9 contra 18). Para tentar contornar a falta de informações sobre a mudança cultural, incluímos em nosso modelo uma medida sobre o apoio individual à democracia (AP_DEM). Ainda que essa variável não seja equivalente ao índice de pós-materialismo, os pesquisadores vinculados a essa abordagem têm afirmado repetidamente que essa reorientação cultural estaria associada à adoção de valores e atitudes congruentes com a democracia (Inglehart; Welzel, 2009Inglehart, R.; Welzel, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.).

Para finalizar, verificamos anteriormente que alguns pesquisadores procuram vincular a atividade de protesto à orientação ideológica individual. As evidências apresentadas mostram que o envolvimento em modalidades de contestação é mais frequente entre os identificados com a esquerda (Powell, 1982Powell, G. B Contemporary democracies participation stability, and violence. Cambridge: Harvard University Press, 1982 .; Dalton; Sickle, 2005Dalton, R.; Sickle, A. V. "The resource, structural, and cultural bases of protest". Center for the Study of Democracy. Paper 05-11 (August 8, 2005). Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/csd/05-11>.
http://repositories.cdlib.org/csd/05-11...
). Para testar o impacto dessa dimensão, incluímos em nossas análises uma medida do posicionamento ideológico dos indivíduos (POS_IDEOL).

A evolução do protesto político na América Latina

Inicialmente buscamos verificar a evolução das várias formas de protesto político nos países abrangidos pelas pesquisas do Latinobarómetro entre 1995 e 20078 8 Os dados iniciais, principalmente de 1995, revelam um contingente elevado de participantes em manifestações, sobretudo se fizermos o exercício de extrapolação do contingente amostral para o populacional. O significado desses resultados, entretanto, deve ser analisado levando em consideração que a questão não se refere ao envolvimento ao longo dos últimos 12 meses (tomando como referência a data de aplicação do questionário) e que reúne manifestações com intensidades distintas, desde passeatas pedindo melhorias pontuais na localidade de residência até eventos mais gerais sobre questões nacionais. Para além desses pontos, é necessário sempre levar em consideração possíveis sobrestimações derivadas da distância entre o comportamento efetivo e as declarações de ações dos informantes em pesquisas de survey. . A Tabela 1apresenta as informações sobre participação em manifestações. O dado mais relevante é o declínio da participação nessa modalidade em praticamente todos os países quando comparamos os primeiros anos da pesquisa com os anos mais recentes. Tal situação foi verificada mesmo em países com forte tradição em manifestações de rua, como é o caso da Argentina. O único país que apresenta certo crescimento nas taxas de participação nessa modalidade é a Venezuela, mesmo assim com valores muito próximos aos registrados na primeira onda de pesquisas em 1995. O referido declínio pode ser verificado quando analisamos os dados da América Latina como um todo, em que 21% dos respondentes haviam participado em 1995 contra 13% em 2007. Na interpretação desses dados é importante levar também em consideração que o Latinobarómetro produz essa informação através de uma pergunta que não limita um espaço de tempo válido para a prática das ações políticas aos últimos 12 meses, de modo que o entrevistado pode se referir ao passado recente ou distante, o que pode levar a problemas de sobrerrepresentação das respostas afirmativas para cada ano.

Tabela 1
Participação em manifestações, 1995-2007 (%)

No que se refere à participação em protestos não autorizados, a pergunta somente foi incluída nos surveys realizados a partir de 2003. Os resultados indicam a ausência de um padrão nítido. Enquanto alguns países, como Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, República Dominicana e Venezuela, tiveram crescimento nessas modalidades, os demais apresentaram estabilidade ou mesmo declínio. Considerando a América Latina como um todo, verificamos um pequeno aumento na participação, de modo que 5,3% dos latino-americanos haviam participado de protestos em 2003, passando para 7,2% em 2004, declinando para 3,4% em 2005 e crescendo novamente para 7,2 em 2007.

Tabela 2
Participação em protestos não autorizados, 2003-2007 (%)

A Tabela 3 apresenta os dados sobre participação em bloqueio de tráfego. Aqui também verificamos um declínio em praticamente todos os países, com exceção da Costa Rica. A participação nessa modalidade declinou mesmo em um país como a Argentina, cujos bloqueios de tráfego se constituíram num significativo repertório dos movimentos sociais durante a crise política e econômica vivenciada pelo país (Vitullo, 2007Vitullo, G. Teorias da democratização e democracia na Argentina. Porto Alegre: Sulina. Natal: Editora UFRN, 2007.). Considerando a América Latina, o percentual parte de 6,7 pontos, declina logo em seguida, mantendo-se na faixa dos 6% entre 1996 e 2000, e chega a 3,4% em 2005.

Tabela 3
Participação em bloqueios de tráfego, 1995-2005 (%)

A Tabela 4 apresenta os dados sobre participação em saques, modalidade que envolve maiores custos, principalmente relativos ao risco de conflito com agentes públicos da lei e profissionais de segurança privada. Tais custos, como seria de esperar, manifestam-se em taxas de participação muito baixas e estáveis na maioria dos países. Em razão da ilegalidade do ato, é importante também considerar na análise desses indicadores o problema da subdeclaração. Mesmo com o anonimato normalmente garantido nas pesquisas de survey, é plausível supor que parte dos entrevistados que se envolveram em saques omita essa informação, por temer possíveis responsabilizações. Interessante verificar que os países com maiores taxas de participação são Venezuela e Bolívia, os quais têm vivenciado relativa instabilidade institucional nos últimos anos9 9 Sobre o tema da participação política na Venezuela, ver Boidi e Seligson (2008) . Para a situação da Bolívia, ver Morales (2012) . Um balanço recente dos protestos na América Latina encontra-se em Gutierrez (2012) . .

Tabela 4
Participação em saques, 1995-2005 (%)

A ocupação de edifícios e fábricas também se manteve estável e com baixas taxas em praticamente todos os países. As maiores taxas de participação foram encontradas no Uruguai, na República Dominicana e na Venezuela, que ficaram acima dos 2% em 2005. Nos demais, verifica-se o declínio ou a estabilização da participação nessa modalidade.

Tabela 5
Participação em ocupações de edifícios e fábricas, 1995-2005 (%)

A Tabela 6 apresenta os dados sobre participação em abaixo-assinados. Como se sabe, essa é, entre as modalidades "não convencionais", aquela que envolve menores custos para os ativistas, e por isso os indicadores gerais de participação sempre estão entre os mais altos. Considerando a América Latina como um todo, verificamos certa estabilidade nos dados: no ano de 2002, 17,4% dos respondentes disseram ter participado de abaixo-assinados. Em 2004, foram 16,5%, declinando para 13,5% em 2006 e crescendo para 16,6% em 2007. Chama a atenção a variação dos dados em alguns países como o Brasil, que passa de 23,9% em 2002 para 5% em 2004, crescendo para 36,5% em 2006, declinando novamente para 7% em 2007. Bolívia e Argentina também experimentam variação semelhante em 2006.

Tabela 6
Participação em abaixo-assinados/petições, 2002-2007 (%)

A última forma de participação analisada foi boicotes. O Latinobarómetro somente incluiu tal modalidade na pesquisa de 2004. Os dados indicam variações significativas entre os países, sendo que as taxas mais altas foram verificadas na Colômbia (27,7%), no Equador (26,9%), no Peru (26,9%), em Honduras (23,3%), no México (24,1%) e na República Dominicana (20,5%). O Brasil é o país que apresenta o menor percentual de participantes de boicotes (5%) entre aqueles incluídos na amostra.

Tabela 7
Participação em boicotes, 2004 (%)

Analisando os dados em seu conjunto, o que identificamos foi uma estabilização ou um declínio das várias modalidades de expressão do protesto político na América Latina, nos últimos anos. Esse panorama favorece a conclusão de que, ao menos em relação ao período analisado, os países dessa região contrariam a tendência à ampliação da contestação documentada pela literatura especializada dos últimos anos (Della Porta, 2003Della Porta, D. Introdução à ciência política. Lisboa: Editorial Estampa, 2003.; Inglehart; Catterberg, 2002Inglehart, R.; Catterberg, G. "Trends in political action: the development trend the post-honeymoon decline". International Journal of Comparative Sociology (IJCS), vol. 43, nº 3-5, p. 300-316, 2002.; Norris, 2007Norris, P. Democratic phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.; Welzel; Inglehart; Deutsch, 2005Welzel, C.; Inglehart, R.; Deutsch, F. S "Social capital, voluntary associations and collective action: which aspects of social capital have the greatest 'Civic' Payoff?" . Journal of Civil Society, vol. 1, nº 2, p. 121-146, 2005.; Catterberg, 2004Catterberg, G. "Evaluations, referents of support, and political action in new democracies". International Journal of Comparative Sociology, vol. 44, p. 173-198, 2004.).

Outro dado significativo é que os países que experimentaram crescimento em algumas modalidades são justamente aqueles que passaram (ou passam) por crises econômicas e políticas, como são os casos de Venezuela, Bolívia e Argentina. Dessa forma, considerando apenas os dados agregados, parece ser plausível a hipótese que relaciona tais modalidades de participação com a insatisfação da cidadania, seja com suas condições de vida, seja com a economia ou com aspectos ligados à legitimidade do sistema político (Gurr, 1968Gurr, T R. "A causal model of civil strife: a comparative analysis using new indices". American Political Science Review, n° 62, p. 1.104-1.124, 1968.; Loveman, 1998Loveman, M. "High-risk collective action: defending human rights in Chile, Uruguay, and Argentina". American Journal of Sociology, nº 104, p. 477-525, 1998.; Torcal; Montero, 2006Torcal, M.; Montero, J R. Political disaffection in contemporary democracies social capital institutions, and politics. London: Routledge, 2006 .).

Na próxima seção apresentamos os testes empíricos de nosso artigo, em que verificamos as bases individuais do protesto político nos países da América Latina.

Condicionantes individuais do protesto

Uma primeira observação com relação aos dados é a aparente falta de padrão quanto ao comportamento das variáveis entre os diferentes países. Porém, analisando com mais detalhes, podemos identificar algumas tendências em termos de efeito exercido sobre o conjunto das nações latino-americanas.

A Tabela 8 apresenta os resultados para participação em abaixo-assinados. Iniciando pelas variáveis relacionadas ao que classificamos anteriormente como hipótese do descontentamento, verificamos que satisfação com a vida se mostrou um preditor irrelevante em todos os países isoladamente. Apenas quando consideramos o conjunto dos dados como representantes da região é que o nível de significância alcança o aceitável, o que nos leva a considerar seriamente um possível efeito do tamanho da amostra, uma vez que comporta mais de 15 mil casos. Se consideramos de fato o efeito como significativo, cada avanço nessa escala de satisfação elevaria em 12,2% a chance de os entrevistados fazerem parte do grupo que afirmou ter praticado esse ato.

A situação é distinta quando consideramos a satisfação com a economia nacional, pois essa medida se mostrou relevante em três países: Colômbia, Costa Rica e Guatemala. Para os dois primeiros esse efeito é negativo, indicando que maior satisfação reduz a probabilidade de envolvimento. No caso colombiano, cada elevação na variável preditora reduz a chance em 38,7%, enquanto na Costa Rica esse fator de redução é de 27,6%. Inversamente, o efeito entre os entrevistados da Guatemala é positivo, mostrando que cada elevação da satisfação com essa dimensão econômica aumenta a probabilidade de participar de abaixo-assinados em 44%.

Os efeitos da satisfação com a democracia também se limitam a apenas três países, Panamá, Paraguai e Uruguai, sendo positivos em todos. No primeiro país, cada elevação no nível de satisfação com a democracia nacional aumenta em mais de 55% a chance de participar dessa modalidade. Entre os paraguaios esse impacto é de 47,9% e entre os uruguaios, de 34,8%.

A confiança nas instituições democráticas também teve seus efeitos limitados a três países: México, Nicarágua e Venezuela. Em todos esses casos a confiança está positivamente associada à participação, o que contraria em certa medida a expectativa inicial de que o protesto seria resultante da desconfiança em relação às instituições tradicionais. No México, cada elevação na medida de confiança produz incremento de 13,5% na probabilidade de envolvimento. Na Nicarágua, esse efeito é de 21,5 pontos percentuais e, na Venezuela, de 9%. Acreditamos que esses resultados estejam associados a uma percepção de que os responsáveis pela condução dessas instituições serão responsivos aos seus pleitos ou reclamações contidas nos abaixo-assinados. A participação nessa modalidade, portanto, seria entendida menos como uma forma de protesto e mais como mecanismos de encaminhamento de demandas para instituições nas quais se deposita alguma confiança e que possivelmente serão sensíveis às demandas expressas no documento.

Passando ao bloco de variáveis relacionadas à dimensão dos recursos, é possível verificar uma maior generalidade de efeitos. Os provocados pela escolaridade, por exemplo, se estendem a cinco países: Argentina, Colômbia, Costa Rica, Equador e México. Em todos eles o seu impacto é positivo, indicando que, quanto maior a escolarização dos cidadãos, maior a chance de envolvimento na modalidade. Os efeitos vão de 5,5%, no caso mexicano, a 11,6%, no equatoriano.

Interesse por política é bem mais abrangente, mostrando-se relevante no contexto de 13 países, provocando em todos eles efeitos positivos consideráveis. O destaque aqui vai para El Salvador, pois cada elevação na medida de interesse produz aumento de mais de 80% na chance de participar de abaixo-assinados. O menor efeito, porém ainda expressivo, foi verificado no Uruguai, com 30,3 pontos percentuais para cada mudança na variável preditora.

Ainda que presente em um conjunto menor, o sentimento de eficácia política também mostrou efeitos significantes sobre a participação. Na Argentina, Bolívia, Colômbia, Nicarágua e Uruguai, os efeitos foram positivos, indo de 20,1% a 45,4%. Apenas entre os equatorianos essa situação se inverte, e elevações na escala utilizada para medir esse sentimento conduzem à redução de 33,9% na chance de envolvimento na modalidade em questão.

Fechando essa dimensão dos recursos, verificamos que os efeitos da participação em associações/organizações são também generalizados, atingindo 13 países, todos de forma positiva. O destaque aqui fica por conta do Paraguai, país no qual o efeito de cada elevação no índice dobra as chances de envolvimento em abaixo-assinados. Nos demais países, esse impacto também é expressivo, sendo o menor verificado entre os venezuelanos (29%).

O apoio à democracia também exerceu efeitos positivos, porém apenas em cinco casos: Bolívia, Brasil, Costa Rica, Peru e Uruguai. O maior efeito foi encontrado entre os bolivianos, com impacto de mais de 100%, e o menor, entre uruguaios, com efeito de 42,1%. Pelo menos entre esses países, o envolvimento nessa modalidade está associado a uma adesão normativa à democracia como forma de governo.

Por fim, o autoposicionamento ideológico dos entrevistados se revelou preditor importante em quatro países: Bolívia, Equador, Uruguai e Honduras. Nos três primeiros o efeito é compatível com a expectativa teórica de que a participação em modalidades de protesto estaria associada a uma orientação de esquerda. No caso hondurenho, todavia, esse efeito é positivo, com cada deslocamento em direção à direita do espectro ideológico conduzindo a mais de 13% de aumento na probabilidade de participação.

Tabela 8
Preditores da participação em abaixo-assinados

Pseudo R2 (Nagelkerke): Argentina (0,17), Bolívia (0,15), Brasil (0,14), Colômbia (0,13), Costa Rica (0,13), Chile (0,14), Equador (0,09), El Salvador (0,24), Guatemala (0,10), Honduras (0,05), México (0,09), Nicarágua (0,17), Panamá (0,08), Paraguai (0,13), Peru (0,09), Uruguai (0,21), Venezuela (0,12), República Dominicana (0,09) e América Latina (0,10).

Com relação à participação em manifestações autorizadas (Tabela 9), a medida de satisfação geral com a vida se comportou de maneira bastante distinta da verificada quando analisamos a modalidade abaixo-assinado. Dessa vez o seu impacto foi significativo para seis países: Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, República Dominicana e Uruguai. Em todos eles o impacto desse preditor foi positivo, merecendo destaque o caso do Equador, no qual a elevação de um ponto na escala dobra a probabilidade de participação. Os demais efeitos são também expressivos, sendo o menor encontrado entre os uruguaios, com impacto de 37,2% sobre essa chance de envolvimento. Esses resultados contrariam diretamente a hipótese do descontentamento, uma vez que conduzem à conclusão de que são justamente os mais satisfeitos os que se envolvem em manifestações autorizadas.

Situação menos definida se verifica no que diz respeito à satisfação com a dimensão econômica, que se mostrou relevante apenas para Argentina e El Salvador, inclusive com efeitos inversos. No primeiro país, elevações na satisfação conduzem a aumento na probabilidade de envolvimento na ordem de 37%. No segundo, o impacto é negativo e cada elevação da medida de avaliação da situação econômica nacional reduz essa probabilidade em quase 50%. Ou seja, apenas no caso salvadorenho encontramos amparo à afirmação de que a satisfação reduz a contestação.

O efeito de satisfação com a democracia também não se mostrou um preditor recorrente entre os países, atingindo níveis de significância estatística apenas no Panamá e no Uruguai, em ambos com impacto positivo. Os efeitos sobre a probabilidade de envolvimento nessa segunda modalidade são de 47% e 36%, respectivamente.

De forma semelhante, o índice de confiança nas instituições também não se caracteriza como preditor importante entre o grupo de nações, uma vez que produziu efeito apenas na Nicarágua. Nesse país, cada elevação na escala de confiança amplia em 26,3% a probabilidade de os indivíduos se envolverem nessa modalidade de participação.

Visando a uma síntese acerca da dimensão do descontentamento, inicialmente destacamos o fato de os preditores não generalizarem seus efeitos no conjunto dos países. A exceção, como já mencionamos, é a satisfação geral com a vida, que atinge seis países. Chama atenção também o efeito positivo das variáveis desse bloco que se mostraram relevantes, o que contraria a maior parte da literatura que se dedica à análise da relação entre contestação e descontentamento (Gurr, 1968Gurr, T R. "A causal model of civil strife: a comparative analysis using new indices". American Political Science Review, n° 62, p. 1.104-1.124, 1968.; Loveman, 1998Loveman, M. "High-risk collective action: defending human rights in Chile, Uruguay, and Argentina". American Journal of Sociology, nº 104, p. 477-525, 1998.). No contexto latino-americano, não são os menos satisfeitos (ou mais descontentes) que se envolvem nessas manifestações, mas sim aqueles que avaliam sua situação geral como positiva.

Passando ao bloco de variáveis relacionadas à teoria dos recursos, a escolaridade se apresenta como uma variável relevante apenas para quatro países: Colômbia, Costa Rica, México e Uruguai. Em todos esses casos, o efeito é positivo, ainda que reduzido, indo de 5,3% a 9,2%.

A situação é bastante distinta quando consideramos a variável interesse por política, cujos efeitos significativos se generalizaram entre os países. Apenas Guatemala, Honduras, México e Paraguai estão excluídos dessa lista. Vale lembrar que essa distinção entre escolaridade e interesse também se apresentou na primeira modalidade de participação analisada neste artigo. Como esperado, todos os efeitos foram positivos, com destaque para Equador e El Salvador, nos quais elevações na escala de interesse dobram as chances de envolvimento em manifestações.

O sentimento de eficácia política, por sua vez, produziu efeitos significativos em seis países, sendo que na maioria deles o seu impacto é positivo. Nesse grupo majoritário, os efeitos vão de 24% a 45,7%. A única exceção se verifica no caso equatoriano, no qual cada elevação nesse preditor reduz a probabilidade de envolvimento em 43,6%.

O efeito mais generalizado sobre o conjunto de países foi produzido pelo índice de participação em outras organizações, que só não produziu efeitos significativos nos casos de Guatemala e Honduras. Além de generalizados, os efeitos dessa variável são também bastante expressivos, com destaque para o caso colombiano, no qual cada elevação no índice dobra a probabilidade de envolvimento em manifestações.

Apoio à democracia foi a variável menos expressiva na análise dessa modalidade, pois atingiu efeito significativo apenas no caso venezuelano. Nesse país, o impacto é negativo e elevações na escala que mede essa adesão normativa reduzem em 21,1% a chance de envolvimento em manifestações.

Por fim, posicionamento ideológico se mostrou importante em seis países. Na maioria deles, esse impacto é negativo, ou seja, indica que posicionamentos à direita do espectro ideológico são acompanhados de redução na chance de envolvimento. O único país que apresenta situação distinta é Honduras, no qual a relação se inverte: cada ponto à direita na escala eleva em 17,6% essa probabilidade. Destacamos que entre os hondurenhos esse mesmo efeito positivo foi verificado na modalidade anterior de participação, o que parece indicar que o envolvimento nessas formas de protesto está associado à direita nesse país, contrariando assim uma tendência verificada em nível mundial.

Tabela 9
Preditores da participação em manifestações autorizadas

Pseudo R2 (Nagelkerke): Argentina (0,25), Bolívia (0,11), Brasil (0,14), Colômbia (0,16), Costa Rica (0,12), Chile (0,15), Equador (0,18), El Salvador (0,32), Guatemala (0,08), Honduras (0,09), México (0,06), Nicarágua (0,20), Panamá (0,12), Paraguai (0,14), Peru (0,07), Uruguai (0,28), Venezuela (0,20), República Dominicana (0,14) e América Latina (0,12).

No que se refere à participação em protestos não autorizados (Tabela 10), a satisfação com a vida exerceu efeito positivo para o conjunto da amostra, aumentando em 8,9% as chances de envolvimento em protesto para cada elevação na escala de satisfação. Os efeitos individuais sobre os países se mostraram estatisticamente significantes apenas no Chile e no Panamá. No primeiro, cada aumento na escala de satisfação com a vida eleva em 114,8% as chances de participação em protestos não autorizados. No Panamá, a elevação é de 52,5%.

Satisfação com a economia apresentou efeito significativo apenas em El Salvador, e no sentido esperado teoricamente, ou seja, cada elevação na escala de satisfação diminui as chances de participação em mais de 50%. Já satisfação com a democracia teve efeitos distintos para os três países em que se mostrou significante. No Chile, cada aumento na escala de satisfação com a democracia diminui em 50% as chances de participação. Já no Panamá e no Uruguai, eleva em mais de 60%. Para finalizar o conjunto de variáveis relacionadas à teoria do descontentamento, confiança nas instituições também exerceu efeitos distintos sobre os quatro países em que se mostrou estatisticamente significante. Na Argentina, no Equador e no Uruguai, os efeitos foram no sentido esperado teoricamente, ou seja, cada elevação na escala de confiança institucional diminui as chances de participação. Porém, na Nicarágua, o efeito foi inverso, aumentando em mais de 30% as chances de participação para cada elevação na escala de confiança.

Passando agora para as variáveis relativas à teoria dos recursos, verificamos que escolaridade mais uma vez exerceu efeitos positivos sobre três países: Brasil, Chile e Nicarágua. Os efeitos de interesse por política também foram positivos e significantes para 11 países da amostra. Analisando esses casos individualmente, constatamos que os impactos foram distintos, variando de 32% no Paraguai a 185% em El Salvador as chances de participação em protestos não autorizados para cada elevação no sentimento de eficácia política.

O índice de participação foi outra variável que mais uma vez exerceu fortes efeitos sobre a variável dependente, mostrando-se significativo para dez países, e em todos eles no sentido esperado teoricamente. Para o conjunto da amostra, participar em outras organizações eleva em 45% as chances de envolvimento em movimentos de protestos não autorizados. Em alguns países os efeitos foram bastante fortes (Equador, 130%; Paraguai, 107%; Colômbia, 93%). O menor efeito foi verificado no México (46%).

Apoio à democracia teve efeitos distintos para os dois países em que se mostrou significante estatisticamente: na Argentina, cada aumento na escala de apoio eleva em mais de 60% as chances de participação em protestos não autorizados. Já na Nicarágua, diminui em 36% tais chances.

Por fim, posicionamento ideológico manteve, na maioria dos casos, os mesmos efeitos exercidos nas modalidades anteriores de participação: a probabilidade de participar aumenta à medida que nos deslocamos da direita para esquerda do espectro político (em sete países), com exceção de Honduras, o que novamente evidencia a particularidade desse país em termos da associação entre orientação ideológica e comportamento contestatório.

Tabela 10
Preditores da participação em protestos não autorizados

Pseudo R2 (Nagelkerke): Argentina (0,23), Bolívia (0,09), Brasil (0,15), Colômbia (0,16), Costa Rica (0,08), Chile (0,21), Equador (0,13), El Salvador (0,43), Guatemala (0,07), Honduras (0,05), México (0,07), Nicarágua (0,14), Panamá (0,14), Paraguai (0,13), Peru (0,11), Uruguai (0,20), Venezuela (0,13), República Dominicana (0,15) e América Latina (0,08).

Feita essa descrição mais geral dos dados encontrados nos modelos de regressão, cabe perguntar qual o padrão de relacionamento verificado entre as variáveis. Com relação àquelas vinculadas à teoria da privação, as quatro variáveis construídas para testar tal teoria apresentaram efeitos muito distintos no plano individual, com efeito contrário ao esperado em 8 dos 12 testes realizados10 10 Estamos nos referindo aos resultados dos testes para o conjunto dos países da América Latina. Como eram quatro variáveis ligadas à teoria da privação (satisfação com a vida, com a economia e com a democracia e confiança nas instituições) e realizamos três testes de regressão, foram 12 resultados obtidos para o conjunto da amostra. . Quando realizamos a análise por país, em 51% dos casos (111 testes de 216 no total), os efeitos foram contrários ao esperado pela teoria. Nesse sentido, acreditamos que a teoria da privação fornece elementos analíticos interessantes para pensar a questão do protesto do ponto de vista macrossocial, porém tal perspectiva é limitada do ponto de vista da análise individual. Considerando essa interpretação, fica parcialmente refutada a hipótese que formulamos a partir da análise dos dados agregados apresentada no final da segunda seção deste artigo ("Bases individuais do protesto"). Assim, se no plano estrutural a evolução dos índices de protesto parece estar associada à existência de insatisfação (derivada de crises políticas, sociais ou econômicas), tal fenômeno encontra pouco eco no plano individual.

Quando analisamos os dados sob a perspectiva dos recursos individuais e coletivos, as evidências parecem ser bastante plausíveis, seja pela magnitude dos coeficientes de regressão verificados, seja no sentido geral encontrado no relacionamento entre as variáveis. Todas as variáveis se comportaram no sentido esperado quando consideramos o conjunto da amostra. Se analisarmos o efeito por país, em 102 testes (de 216 no total), os resultados seguem no sentido esperado pela teoria. Além disso, conforme já comentamos anteriormente, foram encontrados efeitos com elevada magnitude na propensão à participação nas várias formas de protesto. Nesse sentido, as evidências empíricas apontam para a confirmação da teoria dos recursos(Verba; Schlozman; Brady, 1995Verba, S.; Schlozman, K. L.; Brady, H E. Voice and equality civic voluntarism in American politics. Cambridge: Harvard University Press, 1995.) também para o contexto latino-americano, o que confirma análises anteriores dos autores, tomando como base empírica outras modalidades de participação e outras bases de dados (Borba; Ribeiro, 2010Borba, J.; Ribeiro, E. A "Participação convencional e não convencional na América Latina".Revista Latino-Americana de Opinión Pública, vol. 1, nº 0, p. 53-76, 2010.; Ribeiro; Borba, 2010Ribeiro, E.; Borba, J. "Participação e pós-materialismo na América Latina". Opinião Pública, Campinas, vol. 16, nº 1, p. 28-63, junho, 2010.). O protesto, nesse sentido, pode ser entendido como produto de recursos individuais (escolaridade, interesse por política e sentimento de eficácia política) e coletivos (pertencimento a redes associativas), os quais podem ser objetivos (escolaridade e pertencimento a redes) ou subjetivos (interesse por política e sentimento de eficácia política). A lógica de operação dos recursos no sentido da sua transformação em engajamento está além dos limites deste artigo, ficando como uma sugestão de agenda de pesquisa.

Com relação à variável apoio à democracia, que foi utilizada como proxy de pós-materialismo, apesar dos efeitos positivos para os três testes e de seguir a direção esperada pela variável na maioria dos casos, a magnitude de tais efeitos foi moderada para a maior parte deles. De qualquer forma, acreditamos ser importante destacar que, se tal variável não fornece elementos conclusivos para evidenciar os efeitos dos valores pós-materialistas sobre o protesto político na América Latina, ela nos dá um indicativo importante sobre as bases majoritariamente pró-democráticas de tal comportamento político.

Por fim, a variável identificação ideológica também exerceu efeitos majoritariamente de acordo com o esperado, apesar de a magnitude dos efeitos ter sido baixa. De qualquer forma, também para a América Latina valem os elementos que foram identificados por Dalton e Sickle (2005) Dalton, R.; Sickle, A. V. "The resource, structural, and cultural bases of protest". Center for the Study of Democracy. Paper 05-11 (August 8, 2005). Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/csd/05-11>.
http://repositories.cdlib.org/csd/05-11...
, de que o protesto está associado, sobretudo, a uma base de esquerda. A exceção fica por conta do caso hondurenho, que merece investigação específica por destoar radicalmente do padrão internacional ao exibir evidências de relação positiva entre posicionamentos de direita e envolvimento em protesto.

Considerações Finais

Considerando a importância que o tema do protesto político assume na literatura internacional da ciência política (Opp, 2009Opp, K. D Theories of political protest and social movements a multidisciplinary introduction critique, and synthesis. New York: Routledge, 2009 .; Della Porta; Gianni, 2008Della Porta, D.; Gianni, P. Voices of the valley, voices of the straits: how protest creates community. Berghan Books, 2008.), buscamos verificar como esse fenômeno se manifesta nos países da América Latina, considerando suas tendências e bases individuais.

Parte da literatura que estudou tal fenômeno fez isso por óticas antagônicas. De um lado, seguiu a interpretação de matriz huntingtoniana, que identificava nos processos de mobilização política da década de 1960 sinais da instabilidade institucional dos países dessa região (Huntington, 1975Huntington, S. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Ed. Forense Universitária/Edusp, 1975.). Para tal perspectiva, os processos de modernização trariam consigo a mobilização social, que, na inexistência de instituições capazes de processar os conflitos, teriam como produtos as situações de instabilidade política e quebra de regime. O fenômeno do "pretorianismo" seria, nesse sentido, a consequência política das situações de modernização sem institucionalização, vivenciadas pelos países da América Latina.

Por outro lado, desde a década de 1970, emergiram os estudos sobre os movimentos sociais (e os novos movimentos sociais), que perceberam nas ações coletivas de protesto sinais de uma nova identidade produtora de demandas por democratização (Scherer-Warren; Krischke, 1987Scherer-Warren, I.; Krischke, P. J D. S. (orgs.). Uma revolução no cotidiano. Os novos movimentos sociais na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1987.). Nesse sentido, mobilização e protesto social não seriam necessariamente expressões de um "risco pretoriano", mas, sim, a materialização de uma nova cultura política na região, permeada por valores e atitudes democráticas.

Aqui procuramos nos afastar de ambas as perspectivas, e nesse sentido pudemos identificar que o comportamento de protesto parece sim estar relacionado ao contexto de instabilidade política e/ou econômica, conforme os dados inicialmente apresentados neste artigo11 11 O recente estudo promovido pelo PNUD e coordenado por Gutierrez (2012, pp. 17-18) corrobora tal diagnóstico ao interpretar o protesto político na América Latina como produto da relação entre maiores "brechas sociais" e menores índices de legitimidade do regime institucional. . Todavia, ao nos concentrarmos apenas na dimensão individual do fenômeno, a importância dessa dimensão da instabilidade (e sua materialização na insatisfação/descontentamento) é sensivelmente reduzida. Como foi possível perceber, os efeitos das variáveis selecionadas para testar essa hipótese não se generalizam entre as nações investigadas e em vários momentos indicam situações distintas das antecipadas pela teoria e por pesquisas conduzidas em outras regiões do globo. Essa situação reforça ainda mais a necessidade de pesquisas que, valendo-se de modelos multivariados, produzam informações mais precisas sobre o complexo relacionamento entre descontentamento individual, instabilidade política/econômica e movimentos contestatórios.

Muito menos inequívocos são os efeitos da dimensão dos recursos individuais e coletivos identificados no presente artigo, o que confirma conclusões anteriores e destacam uma base pró-democrática do comportamento de protesto nessa região (Gutierrez, 2012Gutierrez, F. C. "La protesta social en América Latina". Cuaderno de Prospectiva Política 1. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012. Disponível em: <http://www.pnud.org/content/dam/undp/library/crisis%20prevention/Understanding%20Social%20Conflict%20in%20Latin%20America%202013%20SPANISH.pdf>. Acesso em: 23 set. 2014.
http://www.pnud.org/content/dam/undp/lib...
). Seguindo Dalton, Sickle e Weldon (2009) Dalton, R. J.; Sickle, A. V.; Weldon, S. "The individual-institutional nexus of protest". British Journal of Political Science, nº 40, p. 51-73, 2009., podemos concluir que os cidadãos latino-americanos, em termos gerais, (não) participam de modalidades de protesto porque (não) podem. Assim como no caso de formas convencionais de engajamento político (Borba; Ribeiro, 2010Borba, J.; Ribeiro, E. A "Participação convencional e não convencional na América Latina".Revista Latino-Americana de Opinión Pública, vol. 1, nº 0, p. 53-76, 2010.), a contestação parece ser uma função da presença de atributos político-cognitivos e recursos coletivos distribuídos desigualmente.

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  • 1 A pesquisa de Barnes et al. (1979) Barnes, S., et al. Political action: mass participation in five western democracies. Beverly Hills: Sage Publications, 1979. foi precursora no sentido de captar a emergência dessas novas modalidades de participação.
  • 2Baquero e Prá (2007, p. 131) Baquero, M.; Prá, J. Democracia brasileira e cultura política no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2007. propõem a seguinte classificação quanto às modalidades de participação: 1) ações expressivas (ex.: patriotismo e votar em eleições); 2) ações instrumentais (participar em campanhas); 3) comportamentos não convencionais (movimentos de protesto, passeatas). Lúcia Avelar (2004) Avelar, L. Participação política. In: Avelar, L.; Cintra, A. O Sistema político brasileiro uma introdução. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer. São Paulo: Editora da Unesp, 2004. propõe a seguinte tipologia quanto às formas de participação: a) canal eleitoral (voto, partidos etc.); b) canais corporativos (sindicatos, órgãos de classe); c) canal organizacional (movimentos sociais).
  • 3 Um balanço recente sobre as principais teorias do protesto político, e que atesta a crescente importância desse tema na literatura internacional, pode ser encontrado em Opp (2009) Opp, K. D Theories of political protest and social movements a multidisciplinary introduction critique, and synthesis. New York: Routledge, 2009 ..
  • 4 As bases de dados e informações técnicas podem ser obtidas através do endereço <www.latinobarometro.org>. Os países são: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
  • 5 Ver "Apêndice metodológico" contendo informações sobre as perguntas que geraram as variáveis e suas respectivas codificações ao final deste artigo.
  • 6 Essa medida é composta pela confiança no Poder Judiciário, no Congresso/Parlamento e nos partidos. O Alpha de Cronbach foi de 0,725, o que pode ser considerado um sinal de consistência interna mesmo em uma perspectiva mais rigorosa (Nunnaly, 1978Nunnally, J. C Psychometric theory. New York: McGraw-Hill, 1978.; Devellis, 1991Devellis, R. F Scale development theory and applications. Newbury Park: Sage, 1991.). Adicionalmente foi conduzida análise fatorial que confirmou a pertinência da redução em termos dimensionais. Considerando apenas um único fator, a variação conjunta explicada é superior a 64%.
  • 7 As associações e organizações consideradas são partidos, sindicatos/associações profissionais/empresariais, organização esportiva/recreativa/cultural, ou outro tipo de organização. Nesse caso o Alpha de Cronbach resultou em 0,5, o que está um pouco abaixo do limite mínimo de 0,6, definido para as ciências sociais (Devellis, 1991Devellis, R. F Scale development theory and applications. Newbury Park: Sage, 1991.). Como esse valor está próximo do exigido e alguns trabalhos têm identificado uma tendência de subestimação da consistência interna em questões dicotômicas (Sun et al., 2007Sun, W., et al. "SAS and SPSS macros to calculate standardized Cronbach's alpha using upper bound phi coefficient for dichotomous items". Behavior Research Methods, vol. 39, nº 1, p. 71-81, 2007.; Maroco; Garcia-Marques, 2006Maroco, J.; Garcia-Marques, T. "Qual a fiabilidade do Alpha de Cronbach? Questões antigas e soluções modernas". Laboratório de Psicologia, vol. 4, nº 1, p. 65-90, 2006.), conduzimos análise fatorial para verificar a pertinência da redução. Os resultados desse procedimento indicaram que com um fator a explicação da variação conjunta é de 34% e com dois, de 53%. Considerando apenas um único componente, todas as cinco variáveis carregam com mais de 0,4, o que é apontado como um limite seguro para a redução de dimensionalidade (Hair; Tathan; Anderson, 1984Hair, J. F.; Tathan, R. L.; Anderson, R E. Multivariate data analysis.New York: Macmillan Publishing, 1984.). Diante desses resultados e dos pressupostos teóricos que orientam a hipótese dos recursos associativos, decidimos pela construção da medida integrada.
  • 8 Os dados iniciais, principalmente de 1995, revelam um contingente elevado de participantes em manifestações, sobretudo se fizermos o exercício de extrapolação do contingente amostral para o populacional. O significado desses resultados, entretanto, deve ser analisado levando em consideração que a questão não se refere ao envolvimento ao longo dos últimos 12 meses (tomando como referência a data de aplicação do questionário) e que reúne manifestações com intensidades distintas, desde passeatas pedindo melhorias pontuais na localidade de residência até eventos mais gerais sobre questões nacionais. Para além desses pontos, é necessário sempre levar em consideração possíveis sobrestimações derivadas da distância entre o comportamento efetivo e as declarações de ações dos informantes em pesquisas de survey.
  • 9 Sobre o tema da participação política na Venezuela, ver Boidi e Seligson (2008) Boidi, M. F.; Seligson, M. Cultura política, gobernabilidad y democracia en Venezuela, 2008. Lapop, 2008. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/ab2008/venezuela-es.pdf>. Acesso em: 24 set. 2014.
    http://www.vanderbilt.edu/lapop/ab2008/v...
    . Para a situação da Bolívia, ver Morales (2012) Morales, D. M. Cultura política de la democracia en Bolivia, 2012: hacia la igualdad de oportunidades. Lapop, 2012. Disponível em: <http://www.vanderbilt.edu/lapop/bolivia/Bolivia-2012-Report.pdf>. Acesso em: 23 set. 2014.
    http://www.vanderbilt.edu/lapop/bolivia/...
    . Um balanço recente dos protestos na América Latina encontra-se em Gutierrez (2012) Gutierrez, F. C. "La protesta social en América Latina". Cuaderno de Prospectiva Política 1. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012. Disponível em: <http://www.pnud.org/content/dam/undp/library/crisis%20prevention/Understanding%20Social%20Conflict%20in%20Latin%20America%202013%20SPANISH.pdf>. Acesso em: 23 set. 2014.
    http://www.pnud.org/content/dam/undp/lib...
    .
  • 10 Estamos nos referindo aos resultados dos testes para o conjunto dos países da América Latina. Como eram quatro variáveis ligadas à teoria da privação (satisfação com a vida, com a economia e com a democracia e confiança nas instituições) e realizamos três testes de regressão, foram 12 resultados obtidos para o conjunto da amostra.
  • 11 O recente estudo promovido pelo PNUD e coordenado por Gutierrez (2012, pp. 17-18) Gutierrez, F. C. "La protesta social en América Latina". Cuaderno de Prospectiva Política 1. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012. Disponível em: <http://www.pnud.org/content/dam/undp/library/crisis%20prevention/Understanding%20Social%20Conflict%20in%20Latin%20America%202013%20SPANISH.pdf>. Acesso em: 23 set. 2014.
    http://www.pnud.org/content/dam/undp/lib...
    corrobora tal diagnóstico ao interpretar o protesto político na América Latina como produto da relação entre maiores "brechas sociais" e menores índices de legitimidade do regime institucional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    Jul 2013
  • Aceito
    Nov 2014
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