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É a política… A efetividade das conferências e seus mecanismos causais

It’s politics… The effectiveness of national participatory conferences and their causal mechanisms

Es la política... La eficacia de las conferencias participativas nacionales y sus mecanismos causales

C'est de la politique… L'efficacité des conférences participatives nationaleset leur mécanismes causaux

O artigo apresenta estudo de caso em profundidade da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em 2010, e sua incidência sobre o modelo de financiamento do Plano Nacional de Educação 2014/2024 (Lei nº 13.005). A Conae pode ser considerada caso de sucesso na incidência sobre a política setorial, porquanto o modelo de financiamento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e seu instrumento – Custo Aluno-Qualidade inicial – ganharam o status de lei contra as preferências de Poder Executivo federal, com base de sustentação majoritária no Congresso, ampliando as responsabilidades financeiras supletivas da União e viabilizando sua exigibilidade. O propósito do artigo é identificar e descrever o funcionamento dos mecanismos causais que operaram traduzindo as diretrizes da conferência em produção legislativa. Argumenta-se que é a política, ou melhor, os mecanismos causais ativados regularmente por atores políticos – e não as propriedades do desenho institucional das conferências e da participação que nelas acontece –, o que explica a incorporação das diretrizes em projetos de lei e, eventualmente, na produção legislativa. Na literatura, as Conferências ganharam centralidade porque foram identificadas como caso de notável efetividade da participação além dos canais eleitorais em escala macro devido a sua capacidade de informar a produção legislativa. Tal conexão restou estabelecida, mas não adequadamente esclarecida.

conferências nacionais; educação; financiamento; efetividade; instituições participativas


Abstract

The article presents an in-depth case study of the participatory National Education Conference (CONAE), held in 2010, and its influence over the financing model of the National Education Plan 2014/2024 (Law No. 13,005). CONAE can be considered a case of success in influencing policy because the financing model for the PNE goals and its instrument - initial Student-Quality Cost - gained the status of Law against the preferences of the federal executive power, which support coalition was majority in Congress, substantially expanding the financial responsibilities of the Union and making them enforceable. The aim of this article is to identify and describe the functioning of the causal mechanisms at working in the transformation of CONAE policy recommendations into law. It is shown that it is politics, or rather, causal mechanisms regularly activated by political actors–and not the properties of conferences’ institutional design or participation within them–which explains the incorporation of recommendations into law projects and, eventually, in sanctioned law. Conferences gained centrality in the literature because they were identified as a notable case of participation effectiveness on a macro scale beyond the electoral channels due to their capacity to inform and influence laws. Such connection remained established, but not satisfactorily explained.

participatory national conferences; education; financing; effectiveness; participatory institutions

Resumen

El artículo presenta un estudio de caso en profundidad de la Conferencia Nacional de Educación (CONAE), celebrada en 2010, y su impacto sobre el modelo de financiamiento del Plan Nacional de Educación 2014/2024 (Ley N ° 13.005). La CONAE puede considerarse un caso de exitoso de efectos sobre la política sectorial porque el modelo de financiamiento para los objetivos del PNE y su instrumento (Costo Alumnos-Calidad inicial) alcanzaron el estatus de Ley contra las preferencias del poder ejecutivo federal, cuya coalición contaba con mayoría en el Congreso, expandiendo sustancialmente las responsabilidades financieras de la Unión y haciendo exigible su observancia. El propósito del artículo es identificar y describir el funcionamiento de los mecanismos causales que operan en la traducción las directrices de la conferencia en producción legislativa. Argumentase que es la política, o más bien, los mecanismos causales activados regularmente por los actores políticos, y no las propiedades del diseño institucional de las conferencias y de la participación que ocurre en ellas, lo que explica la incorporación de las directrices a los Proyectos de Ley y, eventualmente, en leyes sancionadas. En la bibliografía especializada las Conferencias adquirieron centralidad porque fueron identificadas como un caso notable de participación efectiva en escala macro, más allá de los canales electorales, debido a su capacidad para informar la producción legislativa. Dicha conexión fue establecida, pero no fue adecuadamente explicada.

conferencias nacionales; educación; financiamiento; efectividad; instituciones participativas

Résumé

L’article présente une étude de cas approfondie de la Conférence Nationale de l’´Education (CONAE), tenue en 2010, et son impact sur le modèle de financement du Plan national d’éducation 2014/2024 (loi n° 13 005). La CONAE peut être considérée comme un cas de succès de l’impact sur la politique sectorielle parce que le modèle de financement pour les objectifs du plan et son instrument – le coût Étudiants-Qualité initial – ont acquis le statut de loi contre les préférences du pouvoir exécutif fédéral, qui avait une coalition majoritaire au Congrès, conduisant à une augmentation substantielle des responsabilités financières de l’Union et les rendant exécutoires. L’objectif de cet article est d’identifier et de décrire le fonctionnement des mécanismes causaux qui opèrent en traduisant les directices de la conférence en production législative. Il est démontré que ce sont la politique, ou plutôt les mécanismes causaux qui sont régulièrement activés par les acteurs politiques – et non les propriétés de la conception institutionnelle des conférences et la participation qui s’y déroule – ce qui explique l’incorporation des directrices dans les projets de loi et, éventuellement, dans la loi. Dans la littérature, les conférences ont gagné en centralité car elles ont été identifiées comme un cas notable de participation effective à une échelle macro au-delà des canaux électoraux en raison de leur capacité à informer la production législative. Ce lien est resté ét’abli, mais n’a pas été correctment clarifié.

conférences nationales; éducation; financement; efficacité; institutions participatives

Introdução

A agenda da efetividade das instituições participativas (IPs) nasceu, no Brasil, como resposta a um desafio duplo, a um só tempo cognitivo e político. De um lado, o crescimento desse conjunto de inovações democráticas, especialmente de conselhos gestores e conferências nacionais, tornou-as parte do arcabouço institucional do funcionamento de diversas políticas públicas – notadamente daquelas de caráter social – e desafiou o campo dos estudos da participação, tradicionalmente orientado a formular indagações sobre democratização, atores sociais e emancipação, a enveredar no campo das políticas públicas e da sua avaliação para responder quais seriam, de fato, os efeitos das IPs no desempenho das políticas. De outro, o crescimento afastou o caráter de experimentação extraordinária das IPs, de caso emblemático digno de atenção e apoio – simpatia até –, tornando nodais as questões sobre limitações de eficiência e efetividade. Dada a envergadura alcançada, aferir e comprovar seus efeitos para justificar sua relevância no funcionamento do Estado tornou-se um propósito animado pela cautela: se bem-sucedida, a agenda da efetividade, não fortuitamente impulsionada de modo decisivo pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) (Pires, 2011Pires, R. R. C. “Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação”. Brasília: Ipea, 2011.; Pires e Vaz, 2010Pires, R. R. C.; Vaz, A. C. N. Participação faz diferença? Uma avaliação das características e efeitos da institucionalização da participação nos municípios brasileiros. In: Avritzer, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Ipea/Cortez, p. 253-304, 2010.), poderia servir como anteparo das IPs ante uma eventual mudança de governo no plano federal. As razões de tal cautela, diga-se de passagem, mostraram-se proféticas.

A agenda da efetividade nucleou e orientou nos últimos anos o debate sobre a incidência das IPs no desempenho de políticas, mas a preocupação, compartilhada por outras literaturas, com a verificação de efeitos da participação – embora concebidos em termos muito diversos – também foi animada pela formulação de problemas mais abstratos e menos conjunturais. Em especial no plano das teorias orientadas normativamente a afiançar a relação entre participação e inclusão, autodeterminação, igualdade e não dominação – ou outros valores fundamentais –, demonstrar a capacidade de inovações participativas para produzir efeitos almejados tem sido central para a generalização teórica, a difusão prática e o diagnóstico comprometido com a mudança social. Primeiro, estabelecer o caráter bem-sucedido de determinadas experiências permite a identificação de condições e mecanismos passíveis de abstração analítica para construção de modelos teóricos – sejam estes de democracia participativa (Gaventa, 2006Gaventa, J. “Triumph, deficit or contestation: deepening the ‘Deepening Democracy’ debate”. Institute of Development Studies, Brighton, nº 264, 2006.), de aprofundamento democrático (Santos e Avritzer, 2002Santos, B. S.; Avritzer, L. Para ampliar o cânone democrático. In: Santos, B. S. (eds.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 39-80, 2002.), de governança democrática empoderada (Fung e Wright, 2003Fung, A.; Wright, E. O. Deepening democracy: institutional innovation in empowered participatory governance. In: Fung, A.; Wright, E. O. (eds.). Deepening democracy: institutional innovation in empowered participatory governance. London: Verso, p. 3-43, 2003.) ou de inovação democrática (Zittel, 2007Zittel, T. Participatory democracy and political participation. In: Zittel, T.; Fuchs, D. (eds.). Participatory democracy and political participation: can participatory engineering bring citizens back in? Abingdon: Routledge, 2007.). Segundo, experiências bem-sucedidas, redescritas com base em modelos, ganham feições de tecnologias passíveis de ser nacional e internacionalmente difundidas (Sintomer, Herzberg e Röcke, 2008; Porto de Oliveira, 2016Porto de Oliveira, O. “Mecanismos da difusão global do Orçamento Participativo: indução internacional, construção social e circulação de indivíduos”. Opinião Pública, vol. 22, p. 1-31, 2016.). Por último, experiências em que são identificados potenciais de transformação social – ou emancipatórios, se se quer – constituem objetos de reconstrução teórica objetivando desvendar as condições de realização desses potenciais (Nobre, 2004Nobre, M. Participação e deliberação na teoria democrática: uma introdução. In: Vera Schattan, P. C.; Nobre, M. (orgs.). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, p. 21-40, 2004.). Nesse registro, a participação amiúde é articulada a processos de formação de discurso no campo das teorias deliberativas (Mansbridge et al., 2012Mansbridge, J., et al. A systemic approach to deliberative democracy. In: Parkinson, J.; Mansbridge, J. (eds.). Deliberative systems. Cambridge: Cambridge University Press, p. 1-26, 2012.; Avritzer, 2006Avritzer, L. “New public spheres in Brazil: local democracy and deliberative politics”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 30, p. 623-637, 2006.; Faria e Lins, 2013Faria, C. F.; Lins, I. L. Participação e deliberação nas conferências de saúde: do local ao nacional. In: Avritzer, L.; Souza, C. H. L. (orgs.). Conferências nacionais: atores, dinâmicas participativas e efetividades. Brasília: Ipea, p. 73-94, 2013.).

As conferências nacionais de políticas adquiriram na literatura o status de caso extraordinário de experiência participativa graças a diagnósticos que identificaram sua capacidade de aliar participação massiva e incidência em determinadas áreas e setores de políticas públicas (Avritzer, 2012Avritzer, L. “Conferências nacionais: ampliando e redefinindo os padrões de participação social no Brasil”. Texto para Discussão nº 1739. Rio de Janeiro: Ipea, 2012.). Ao longo dos 16 anos compreendidos entre os dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), as conferências diversificaram-se tematicamente e multiplicaram-se, passando de 50 a 164 – 83 das quais realizadas durante o segundo período (Avritzer, 2012Avritzer, L. “Conferências nacionais: ampliando e redefinindo os padrões de participação social no Brasil”. Texto para Discussão nº 1739. Rio de Janeiro: Ipea, 2012.; Souza et al., 2013Souza, C. H. L., et al. Conferências típicas e atípicas: um esforço de caracterização do fenômeno político. In: Avritzer, L.; Souza, C. H. L. (orgs.). Conferências nacionais: atores, dinâmicas participativas e efetividades. Brasília: Ipea, p. 25-52, 2013.). Ademais, os processos conferencistas envolviam participação em ampla escala, mobilizando milhares de participantes ao longo de suas etapas municipal, estadual e federal (Souza, 2008Souza, C. H. L. “Partilha de poder decisório em processos participativos nacionais”. Brasília, 2008. Dissertação de mestrado em ciência política. Universidade de Brasília, 2008.) – e ao redor de 20 milhões se consideradas em conjunto. Os meses de mobilização e deliberação desses processos culminavam na definição de diretrizes gerais sobre áreas e setores de políticas – direitos humanos, direitos dos idosos, cidades, ou educação, saúde, assistência social, para mencionar apenas as áreas e setores de algumas conferências. Assim, as conferências apareciam imbuídas de vitalidade, munidas de capacidade de inclusão e portadoras de potencial centralidade na definição das políticas, o que não apenas as diferenciava dos conselhos – seu número modesto de conselheiros e escopo decisório comparativamente acanhado –, mas lhes concedia hierarquia superior, situando os segundos na condição de fiscalizadores do cumprimento pelos governos locais das diretrizes gerais por elas elaboradas. De fato, foi exatamente essa função reservada a ambas as IPs na arquitetura institucional do Decreto Federal no 8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu efemeramente a Política Nacional de Participação e o Sistema Nacional de Participação Social (Gurza Lavalle e Szwako, 2014Gurza Lavalle, A.; Szwako, J. “Origens da política nacional de participação social: entrevista com Pedro Pontual”. Novos Estudos, Cebrap, vol. 99, p. 91-104, 2014.; Almeida, 2017Almeida, D. C. R. “Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a política nacional de participação social”. Sociedade e Estado, vol. 32, nº 3, p. 649-680, 2017.).

Não é exagero afirmar que, do ponto de vista da literatura, as conferências pareceram oferecer evidências insofismáveis da efetividade da participação para além dos canais eleitorais em escala macro (Pogrebinschi e Santos, 2011Pogrebinschi, T.; Santos, F. “Participação como representação: o impacto das conferências nacionais de políticas públicas no Congresso Nacional”. Dados, vol. 54, nº 3, p. 259-305, 2011.), bem como oferecer o “elo perdido” entre participação, deliberação e autodeterminação popular (Pogrebinschi e Ryan, 2018Pogrebinschi, T.; Ryan, M. “Moving beyond input legitimacy: when do democratic innovations affect policy making?”. European Journal of Political Research, vol. 57, nº 1, p. 135-152, 2018.). Diagnosticou-se que as resoluções finais das conferências, na forma de diretrizes gerais de políticas, eram examinadas pela Câmara de Deputados e, amiúde, transformadas em lei (Pogrebinschi, 2010Pogrebinschi, T. “Participação como representação: o impacto das conferências e dos conselhos nacionais na formulação e execução de políticas públicas”. Iesp/Ministério da Justiça, Relatório de pesquisa, 2010.). O fato de os eventuais efeitos das conferências incidirem na produção legislativa, e não, como ocorre nos conselhos, sobre o desempenho de políticas, permitiu contornar questão das mais espinhosas na agenda da efetividade das IPs, a saber, a identificação dos efeitos (Gurza Lavalle, 2011Gurza Lavalle, A. Participação: valor, utilidade, efeitos e causa. In: Pires, R. (org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, vol. 7, p. 33-42, 2011.). Afinal, dista de ser trivial especificar que efeitos se podem razoavelmente esperar das resoluções de um conselho de saúde, por exemplo, sobre indicadores de qualidade de atenção hospitalar ou de morbidade. Já no caso das conferências, bastaria verificar se o texto das leis sancionadas recolhia e reproduzia as diretrizes publicadas por determinada conferência. Assim, enquanto a literatura sobre efetividades das IPs sofisticou-se metodologicamente, debruçada sobre a escolha e o aprimoramento das melhores estratégias para aferir os efeitos que a operação municipal de conselhos ou a implementação de orçamentos participativos trariam sobre o desempenho de políticas, (Pires e Vaz, 2010Pires, R. R. C.; Vaz, A. C. N. Participação faz diferença? Uma avaliação das características e efeitos da institucionalização da participação nos municípios brasileiros. In: Avritzer, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Ipea/Cortez, p. 253-304, 2010.; Vaz e Pires, 2011Vaz, A.; Pires, R. “Participação social como método de governo? Um mapeamento das ‘interfaces socioestatais’ nos programas desenvolvidos pelo governo federal”. Texto para discussão nº 1707. Brasília: Ipea, 2011.), o debate sobre as conferências parecia ter verificado, por caminho mais curto e claro, uma conexão postulada na sua formulação mais abstrata pela teoria deliberativa: o engajamento deliberativo da cidadania na formação de discursos, nos Estados democráticos de direito, pode atingir o coração do sistema político e ganhar a forma de lei, realizando um modo de soberania popular diferida no tempo (Habermas, 1990Habermas, J. “Soberania popular como procedimento: um conceito normativo de espaço público”. Novos Estudos, Cebrap, vol. 26, p. 100-113, 1990., 1992Habermas, J. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1992.).

Porém, a relação causal – por vezes implícita, por vezes postulada – entre as diretrizes gerais de políticas definidas nas conferências e a produção legislativa tem restado, em boa medida, sem elucidação. Nas formulações mais precisas, atribui-se força causal às propriedades virtuosas da participação organizada pelas e para as conferências. Em contraste com diagnósticos assim auspiciosos acerca da capacidade de incidência das conferências sobre as políticas pela via legislativa, estudos advertiram a respeito da existência de mais de um tipo de conferência – com lógicas e propósitos políticos distintos – (Souza, 2004Souza, C. “Governos locais e gestão de políticas sociais universais”. São Paulo em Perspectiva, vol. 18, nº 2, p. 27-41, 2004.), da importância das comunidades de políticas na definição de consensos sobre os problemas e prioridades do respectivo setor (Romão, 2015Romão, W. M. “Busca do sentido político de processos participativos: uma tipologia das conferências nacionais de políticas públicas no Brasil”. In: Latin American Studies Association Congress, Political Institutions and Processes, San Juan, Puerto Rico, 27-30 maio 2015.), do papel das conferências como recurso do Poder Executivo para pressionar por mudanças do status quo em determinadas áreas e da lógica de antecipação política das reações do Poder Legislativo por parte dos participantes engajados na definição das diretrizes nas conferências (Romão, Gurza Lavalle e Zaremberg, 2017). Nesses estudos, há “pistas” analiticamente relevantes que aconselham prudência, pois sugerem a presença de diversos mecanismos causais, que não as propriedades eventualmente virtuosas das conferências, para explicar a coincidência entre diretrizes e produção legislativa.

O propósito deste artigo é identificar e descrever o funcionamento dos mecanismos causais que operam traduzindo as diretrizes das conferências em produção legislativa. Argumenta-se que é a política, ou melhor, os mecanismos causais ativados regularmente por atores políticos – e não as propriedades do desenho institucional das conferências e da participação que nelas acontece – o que explica a incorporação das diretrizes em projetos de lei e, eventualmente, na produção legislativa. Certamente, as características das conferências são relevantes, mas entre a culminação dos processos conferencistas nas diretrizes, de um lado, e a sanção de uma lei, de outro, há um universo de mediações que transborda os processos conferencistas em si e a participação que neles ocorre e mal pode por eles ser iluminado. Conforme será mostrado, esse é o universo da política institucional e seus mecanismos. Encontramos que quatro classes de mecanismos políticos entraram em jogo de modos específicos pela estratégia de atores-chave na aprovação de projeto legislativo: aliados temáticos, expertise técnica e procedimental, encaixe institucional (fit) e informação oportunizada. Assim, este artigo comunga com a literatura que tem frisado a necessidade de atentar para a política e seus atores na compreensão das IPs (Romão, 2010Romão, W. M. “O eclipse da ‘sociedade política’ nos estudos sobre o orçamento participativo”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, vol. 70, p. 121-144, 2010., 2011Romão, W. M. “Conselheiros do Orçamento Participativo nas franjas da sociedade política”. Lua Nova, vol. 84, p. 219-244, 2011.; Souza, 2011Souza, L. A. M. “Orçamento Participativo e as novas dinâmicas políticas locais”. Lua Nova, nº 84, p. 245-285, 2011.; Cortes e Silva, 2010Cortes, S. M. V.; Silva, M. K. “Sociedade civil, instituições e atores estatais: interdependências e condicionantes da atuação de atores sociais em fóruns participativos”. Estudos de Sociologia, São Paulo, vol. 29, p. 425-445, 2010.).

O artigo oferece um estudo de caso em profundidade: a Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em 2010, e sua incidência sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024 – aprovado quatro anos depois pela Lei nº 13.005 (Brasil, 2014Brasil. Lei nº 13.005, de 5 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e no qual se define um programa decenal de 20 metas estruturais que atendem aos principais compromissos constitucionais quanto à concretização do direito à educação. Com maior precisão, o artigo se debruça sobre a aprovação das orientações presentes no Eixo V do Documento Final da Conae que vieram a conformar, efetivamente, o modelo de financiamento da educação pública estabelecido na Meta 20 do PNE3 3 A inserção dessas regras na norma do Plano Nacional de Educação representou, em termos legislativos, a primeira conquista da agenda de investimento público com vistas à qualidade na educação, muito embora a força executiva da norma do PNE, prevista no artigo 214 da Constituição Federal, seja menor que a das normas de financiamento dos artigos 212 da Constituição Federal e artigo 60 do ADCT, que tratam dos recursos vinculados pela União, estados, DF e municípios à educação e dos fundos de recursos subvinculados (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb). De fato, são essas normas que têm operações administrativas e contábeis obrigatórias e, não por acaso, essa agenda também avançou sobre os processos das reformas constitucionais recentes. Nesse sentido, para bem contextualizar o registro desse debate, vale apontar que a EC 108/2020 constitucionalizou definitivamente o modelo de operação do Fundeb (EC 53/2006), ampliando em mais que o dobro o investimento da União na educação básica (art. 212-A) e inserindo no texto constitucional o conceito do Custo Aluno Qualidade (CAQ), como critério para determinar o regime de cooperação federativa na manutenção dos sistemas de ensino (art. 211, §7º). . Trata-se de questão das mais relevantes, pois determinou aumento considerável do investimento público em educação – de 5% para o patamar de 10% do PIB (Ipea, 2011, p. 9) – e ampliou responsabilidades financeiras da União na cooperação federativa mediante a adoção de instrumento para operar com um padrão nacional de qualidade mínimo: o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi). Sua introdução no PNE foi claramente contrária às preferências do Poder Executivo em virtude de seus efeitos de incremento no gasto do governo federal4 4 A proposta original do governo federal era aumentar o investimento de 5% para 7% do PIB (Ipea, 2011, p. 9). . A questão é antiga no setor da educação: o instrumento de cálculo permite quantificar objetivamente o volume de recursos necessários a um pacto mínimo para o desenvolvimento da educação pública e, a partir disso, pôr na agenda política a ampliação das obrigações financeiras da União perante estados e municípios. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) empenhou-se em desenvolver uma proposta de metodologia inicial para esse instrumento, o CAQi, também em inserir seu debate na Conae e, por fim, em aprovar sua introdução no PNE no Congresso Nacional.

O artigo reconstrói, com base em pesquisa original (Vick Sena, 2018Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.), o processo de tramitação do Projeto de Lei nº 8.035/2010 e a estratégia dos atores que levaram à derrota do Executivo federal no capítulo de financiamento. A análise começa com o envio do projeto de lei pelo governo à Câmara dos Deputados e se encerra com a aprovação do texto final da Comissão Especial do PL 8035/2010 – 1ª fase da Câmara dos Deputados. O artigo descansa em extensa revisão documental e de fontes secundárias, e em consultas a informantes-chave e entrevista em profundidade com o coordenador geral da CNDE. A exposição está organizada em quatro seções além desta “Introdução”. Em “Conferências, sua variação e os caminhos de sua efetividade”, examinam-se as características das conferências e a forma como foi caracterizada e explicada sua efetividade. Na seção seguinte, “Em busca das causas dos efeitos e a Conae como caso”, expõem-se as escolhas metodológicas da abordagem baseada em mecanismos causais aqui adotada, bem como as características da pesquisa realizada. Em “O Eixo V da Conae 2010 na Meta 20 do PNE: rastreando as causas do efeito”, é reconstruída a tramitação legislativa que transformou o Eixo V da Conae na Meta 20 do PNE. Por fim, em “À guisa de conclusão: os mecanismos causais da política”, sintetizam-se os resultados apresentados e ponderam-se suas implicações, alcances e limitações.

Conferências, sua variação e os caminhos de sua efetividade

Conferências nacionais são processos de mobilização e deliberação amplos entre atores vinculados a uma determinada política ou tema, e orientados à produção de recomendações para o poder público. Da perspectiva de sua definição jurídica, enfatiza-se o diálogo entre governo e sociedade civil e seu alcance territorial, abarcando os três níveis federativos. O Decreto Federal 8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu efemeramente a Política Nacional de Participação, define as conferências nacionais como “instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema” abordado. Trata-se de definição institucional a posteriori, que sintetiza as experiências conferencistas das duas décadas anteriores. Já a literatura do campo, olhando de forma sistemática para as principais características das conferências, oferece definição baseada em cinco elementos: conferências são processos de interlocução entre Estado e sociedade, iniciados pela convocação do Poder Executivo, desenvolvidos em etapas interconectadas na escala federativa, a partir da eleição ou indicação de representantes, e com o propósito principal de formular diretrizes para políticas públicas (Souza et al., 2013Souza, C. H. L., et al. Conferências típicas e atípicas: um esforço de caracterização do fenômeno político. In: Avritzer, L.; Souza, C. H. L. (orgs.). Conferências nacionais: atores, dinâmicas participativas e efetividades. Brasília: Ipea, p. 25-52, 2013.).

A essas definições sintéticas é pertinente acrescer um conjunto de elementos com implicações de interesse para este artigo. Primeiro, processos conferencistas são propícios à inclusão e à deliberação porque, de um lado, não apresentam restrições à participação das etapas iniciais nos municípios – podendo esta ocorrer de forma presencial ou virtual – e, de outro, são fenômenos temporalmente dilatados, podendo facilmente superar o decurso de um ano, mobilizando, assim, milhares de participantes em cada experiência. Segundo, adquirem concreção documental sistemática porque a interconexão entre etapas federativas – municipais, estaduais e nacional – opera pela escolha de representantes e graças à produção ordenada de propostas que supõe organização e realização de acordos públicos, por escrito, para sanar disputas entre os delegados. O resultado formal desses processos é registrado em documentos ou relatórios, nos quais se consolidam as diretrizes e propostas de política pública nos campos específicos de cada conferência – propostas, por sinal, normalmente ordenadas em eixos temáticos. Por fim, é atribuído papel crucial a uma Comissão Organizadora Nacional com capacidade para elaborar os atos normativos e orientadores da conferência, em especial o Regimento Interno da etapa nacional (Souza et al., 2013Souza, C. H. L., et al. Conferências típicas e atípicas: um esforço de caracterização do fenômeno político. In: Avritzer, L.; Souza, C. H. L. (orgs.). Conferências nacionais: atores, dinâmicas participativas e efetividades. Brasília: Ipea, p. 25-52, 2013., p. 36), com disposições sobre a distribuição de assentos entre os delegados, a sua habilitação, o rito do debate e de votação das propostas, o que orienta também os Executivos municipais e estaduais na organização das respectivas fases, alinhando entre os níveis da federação, de forma geral, os critérios e modos de participação.

A despeito das feições comuns recém-sintetizadas, existem diferenças importantes que condicionam a efetividade das conferências. Visando avançar na compreensão de tais IPs como um fenômeno político, Romão (2015)Romão, W. M. “Busca do sentido político de processos participativos: uma tipologia das conferências nacionais de políticas públicas no Brasil”. In: Latin American Studies Association Congress, Political Institutions and Processes, San Juan, Puerto Rico, 27-30 maio 2015. (ver também Souza, 2004Souza, C. “Governos locais e gestão de políticas sociais universais”. São Paulo em Perspectiva, vol. 18, nº 2, p. 27-41, 2004.; Souza, 2012Souza, C. H. L. “A que vieram as conferencias nacionais? Uma análise dos objetivos dos processos realizados entre 2003 e 2010”. Texto para discussão nº 1718. Rio de Janeiro, 2012.; Cortes e Silva, 2010Cortes, S. M. V.; Silva, M. K. “Sociedade civil, instituições e atores estatais: interdependências e condicionantes da atuação de atores sociais em fóruns participativos”. Estudos de Sociologia, São Paulo, vol. 29, p. 425-445, 2010.) atenta para o papel das comunidades de políticas e seus consensos e dissensos fundamentais, e propõe distinguir três tipos básicos: conferências institucionalizadas, de disputa de agenda e de mobilização. Sua tipologia oferece uma escala decrescente de capacidade de influência, que corre paralela à institucionalização e à disposição de consensos fundamentais amplos sobre a natureza e a definição da política, partindo das conferências institucionalizadas para as de disputa de agenda e chegando às de mobilização. Conjectura-se, assim, uma relação positiva entre a institucionalização do setor, a existência de consensos quanto aos princípios retores do campo na correspondente comunidade de políticas e os efeitos das conferências sobre a respectiva política pública. Corresponde às conferências institucionalizadas o status de local privilegiado da interlocução formal entre atores sociais e estatais. A distinção analítica atenta corretamente para a existência de lógicas políticas distintas nos propósitos do Poder Executivo federal e dos atores mobilizados ao longo do processo, conforme o tipo de conferência5 5 Em registro semelhante, sem lançar mão de tipologia, Petinelli e Silva (2018) argumenta que a capacidade de influência das conferências nacionais sobre políticas setoriais depende de dinâmicas políticas animadas por distintos padrões de interação entre atores governamentais e não governamentais. Mais especificamente, a autora atenta para os custos de mediação, negociação e coordenação de interesses, sustentando que redes não governamentais menos numerosas e cooperativas tendem a incrementar sua influência sobre os resultados das conferências e, de modo indireto, sobre a política setorial quando os efeitos não dependem de proposições legislativas, mas de atos normativos ou programáticos do Poder Executivo. Inversamente, a capacidade de influir diminuiria em redes numerosas e marcadas por padrão de interação conflituoso. – embora a covariação proposta, conforme será visto, não se comporte do modo conjecturado no caso da Conae.

Embora diferentes fatores possam afetar a capacidade de as conferências incidirem nos respectivos setores e áreas de políticas, a começar pelos fatores associados aos diferentes tipos de conferências, para agendas de pesquisa normativamente orientadas interessa que a incidência ocorra pelos motivos corretos – no caso, por sua efetividade deliberativa (Avritzer, 2006Avritzer, L. “New public spheres in Brazil: local democracy and deliberative politics”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 30, p. 623-637, 2006.; Faria e Lins, 2013Faria, C. F.; Lins, I. L. Participação e deliberação nas conferências de saúde: do local ao nacional. In: Avritzer, L.; Souza, C. H. L. (orgs.). Conferências nacionais: atores, dinâmicas participativas e efetividades. Brasília: Ipea, p. 73-94, 2013.). Por outras palavras, IPs podem eventualmente incidir nas políticas porque nelas ocorre barganha entre partes interessadas com base na sua força ou porque escolhas são atenuadas ou estratégias indiretas são adotadas para evitar potenciais conflitos e/ou escamotear questões espinhosas da pauta, para mencionar apenas duas possibilidades em que os efeitos não decorreriam de deliberação – se a ela é atribuído sentido substantivo. Contudo, se a participação der ensejo ao diálogo entre atores potencialmente afetados por uma decisão e permitir acordos sobre premissas razoáveis para as partes envolvidas, a eventual incidência em políticas seria de ordem distinta, moralmente mais desejável e politicamente mais democrática e legítima – porque expressão de autodeterminação e consentimento genuíno. As tradições da teoria participativa e deliberativa, nesse sentido, afastam-se das teorias políticas focadas na afirmação de interesses, ao modo das tradições pluralista ou neocorporativa.

As conferências pareciam constituir caso precioso de efetividade deliberativa em que processos inusitadamente amplos de participação – quiçá “o maior experimento participativo e deliberativo conhecido no mundo até hoje” (Pogrebinschi, 2013Pogrebinschi, T. “The squared circle of participatory democracy: scaling up deliberation to the national level”. Critical Policy Studies, vol. 7, nº 3, p. 219-241, 2013.) – animavam a produção de leis em tempos relativamente curtos, conectando a produção social inclusiva de consensos sobre determinados problemas e suas soluções com o poder vinculante das leis. Enfim, autogoverno ou soberania popular diferida no tempo graças à mediação de discursos, para exprimi-lo em sua formulação mais abstrata (Habermas, 1990Habermas, J. “Soberania popular como procedimento: um conceito normativo de espaço público”. Novos Estudos, Cebrap, vol. 26, p. 100-113, 1990., 1992Habermas, J. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1992.), ou, em linguagem mais concreta, efetividade deliberativa da participação em escala nacional (Pogrebinschi e Samuels, 2014Pogrebinschi, T.; Samuels, D. “The impact of participatory democracy: evidence from Brazil’s national public policy conferences”. Comparative Politics, vol. 46, nº 3, p. 313-332, 2014.). O diagnóstico mais amplo e analiticamente percuciente foi elaborado por Thamy Pogrebinschi com base nos resultados do projeto “Entre representação e participação: as conferências nacionais e o experimentalismo democrático brasileiro” (2009-2010) – por ela coordenado (Pogrebinschi, 2010Pogrebinschi, T. “Participação como representação: o impacto das conferências e dos conselhos nacionais na formulação e execução de políticas públicas”. Iesp/Ministério da Justiça, Relatório de pesquisa, 2010.) e cujos resultados registraram repercussões imediatas na literatura nacional (Almeida, 2012Almeida, D. C. R. “Representação política e conferências: os desafios da inclusão da pluralidade”. Texto para Discussão, nº 1750. Brasília: Ipea, 2012.). O exame de quase 2.000 diretrizes emanadas de processos conferencistas e mais de 3.700 proposições legislativas tramitadas no Congresso Nacional permitiu não apenas identificar a presença textual das primeiras no corpo das segundas, mas também verificar uma magnitude a tal ponto inesperada que, em comparação com as proposições legislativas originárias do Poder Legislativo, mereceu a qualificação de “algo verdadeiramente avassalador, pois estamos falando de 51 leis aprovadas a partir de processos participativos e deliberativos” (Pogrebinschi e Santos, 2011Pogrebinschi, T.; Santos, F. “Participação como representação: o impacto das conferências nacionais de políticas públicas no Congresso Nacional”. Dados, vol. 54, nº 3, p. 259-305, 2011., p. 285). As evidências ensejavam diagnóstico alentador: “as conferências nacionais de políticas públicas impulsionam a atividade legislativa do Congresso Nacional, fortalecendo, assim, através de uma prática participativa e deliberativa, a democracia representativa no Brasil” (p. 298).

A correspondência literal entre excertos das diretrizes e proposições legislativas exprime uma relação entre antecedente e consequente que implica causalidade, mas, por certo, não a explica. Por que as conferências incidem de tal modo sobre a produção legislativa? A primeira resposta lançou mão de abordagem informacional, atentando para os dilemas de acesso à informação fidedigna enfrentados pelo Poder Legislativo em cenário em que a agenda legislativa é dominada pelo Poder Executivo, mais bem informado. Nesse contexto, conferências plurais, organizadas em processos longos de deliberação afastados dos holofotes da mídia, propiciariam acordos entre conjuntos diversos de atores, sinalizando mediante as diretrizes, para o legislador, aspectos passíveis de legislação com ganhos eleitorais certos (Pogrebinschi e Santos, 2011Pogrebinschi, T.; Santos, F. “Participação como representação: o impacto das conferências nacionais de políticas públicas no Congresso Nacional”. Dados, vol. 54, nº 3, p. 259-305, 2011., p. 268-277). Assim, a produção legislativa acusaria o efeito das conferências pelo cálculo estratégico do legislador médio em um jogo em que “todos ganham”, embora o argumento não ilumine por que apenas certas diretrizes dentro das mesmas conferências ganharam influência legislativa (Pogrebinschi e Samuels, 2014Pogrebinschi, T.; Samuels, D. “The impact of participatory democracy: evidence from Brazil’s national public policy conferences”. Comparative Politics, vol. 46, nº 3, p. 313-332, 2014., p. 330). Posteriormente, outros fatores causais foram apontados como responsáveis pela efetividade deliberativa das conferências. Mais especificamente, e em diálogo com a busca habermasiana pelas condições ideais de fala, a associação de fatores derivados do desenho institucional e da organização das conferências, bem como do volume de participação, foi aventada como responsável pelo sucesso dessas IPs. Por outro lado, atentou-se para o fato de a efetividade das conferências decorrer não de um conjunto fixo de características institucionais, mas de combinações variadas dessas características, sendo múltipla e conjuntural a relação entre elas e os resultados (Pogrebinschi e Ryan, 2018Pogrebinschi, T.; Ryan, M. “Moving beyond input legitimacy: when do democratic innovations affect policy making?”. European Journal of Political Research, vol. 57, nº 1, p. 135-152, 2018.).

Note-se, as explicações causais explicitamente postuladas separam processos decisórios, lógicas e atores próprios das Conferências daqueles próprios do Congresso Nacional, conferindo centralidade ora à associação de propriedades eventualmente virtuosas das conferências, ora ao comportamento estratégico do legislador médio ante uma oportunidade informacional rara e independente das preferências do Poder Executivo. Certamente outras causalidades são possíveis, e algumas delas tornariam frágeis as interpretações que supõem a independência entre processos políticos de tramitação no Legislativo e processos conferencistas deliberativos. Diretrizes de conferências podem exprimir as preferências do Poder Executivo, que não apenas as convoca, mas também indica representantes na comissão organizadora e na conferência nacional – e, por sinal, os primeiros são representantes natos na segunda (Teixeira, Souza e Lima, 2012). Conferências estão inscritas em comunidades de políticas que, quando consolidadas e organizadas em torno de um setor institucionalizado, costumam nutrir consensos substantivos sobre a orientação geral da política (Romão, 2015Romão, W. M. “Busca do sentido político de processos participativos: uma tipologia das conferências nacionais de políticas públicas no Brasil”. In: Latin American Studies Association Congress, Political Institutions and Processes, San Juan, Puerto Rico, 27-30 maio 2015.; Souza, 2004Souza, C. “Governos locais e gestão de políticas sociais universais”. São Paulo em Perspectiva, vol. 18, nº 2, p. 27-41, 2004., 2012Souza, C. H. L. “A que vieram as conferencias nacionais? Uma análise dos objetivos dos processos realizados entre 2003 e 2010”. Texto para discussão nº 1718. Rio de Janeiro, 2012.). Essas comunidades articulam em torno de projetos compartilhados não apenas por atores da sociedade civil, mas também pela burocracia concursada, mandos médios e altos com cargos de confiança no Poder Executivo e representantes no Poder Legislativo. Ademais, representantes da sociedade civil nas etapas nacionais das conferências podem antecipar reações adversas do Poder Legislativo ou da alta burocracia ministerial do respectivo setor e adequar suas diretrizes (Romão, Gurza Lavalle e Zaremberg, 2017). Em cada uma das eventuais causalidades aventadas, coloca-se em xeque a separação entre a lógica dos processos conferencistas e aquela dos circuitos tradicionais da representação política.

Em suma, a correspondência entre diretrizes das conferências e proposições legislativas constitui uma covariação para a qual diversas causalidades são possíveis, e algumas delas não autorizariam diagnósticos exclusivamente centrados nas propriedades das conferências ou na racionalidade do legislador médio. Quais, então, as causas subjacentes à covariação, responsáveis pelos efeitos registrados? Perguntar pelas “causas dos efeitos” – em vez de pelos “efeitos das causas” – remete sabidamente à indagação pelos mecanismos que mediam a passagem do explanans ao explanandum (Goertz e Mahoney, 2012Goertz, G.; Mahoney, J. A tale of two cultures: qualitative and quantitative research in the social sciences. New Jersey: Princeton University Press, 2012., p. 100-114).

Em busca das causas dos efeitos e a Conae como caso

Diferenciar entre as causas dos efeitos e os efeitos das causas supõe reconhecer que causas podem ser identificadas, inclusive corretamente aferidas, e seus efeitos estimados, sem que seja conhecido como produzem tais efeitos (Smith, 2014Smith, H. L. “Effects of causes and causes of effects: some remarks from the sociological side”. Sociological Methods & Research, vol. 43, nº 3, p. 406-415, 2014.). Nesse sentido, abordagens baseadas em mecanismos conferem valor ao conhecimento de “como” são produzidos determinados efeitos, acusando a preponderância, nas ciências sociais, do conhecimento sobre o “que” os produz (Elster, 1998Elster, J. A plea of mechanisms. In: Hedström, P.; Swedber, R. (eds.). Social mechanisms: an analytical approach to social theory (Studies in Rationality and Social Change). Cambridge University Press, p. 45-75, 1998.). Tipicamente, tais abordagens atentam para as limitações da produção de conhecimento centrada exclusivamente na associação causal entre variáveis (Hedström e Swedber, 1998Hedström, P; Swedber, R. Social mechanisms: an introductory essay. In: Hedström, P.; Swedber, R. (eds.). Social mechanisms: an analytical approach to social theory (Studies in rationality and social change). Cambridge: Cambridge University Press, p. 1-32, 1998.; Sorensen, 1998Sorensen, B. A. Theoretical mechanisms and empirical study of social processes. In: Hedström, P.; Swedber, R. (eds.). Social mechanisms: an analytical approach to social theory (Studies in rationality and social change). Cambridge: Cambridge University Press, p. 238-265, 1998.), deslocando o foco para causalidades locais ou para processos causais que intermedeiam a relação entre uma causa e seus efeitos (Elster, 1976Elster, J. “A note on hysteresis in the social sciences”. Synthese, vol. 33, nº 2/4, p. 371-391, 1976.). Por sua ênfase na indagação do como, abordagens baseadas em mecanismos – ou mecanísticas, se se quer – guardam afinidade eletiva com o rastreamento de processos (process tracing), o qual pode ser dirigido para a identificação de mecanismos causais (Derek e Pedersen, 2016Derek, B.; Pedersen, R. B. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Michigan: University of Michigan Press, 2016.).

A despeito da notável difusão da abordagem de mecanismos nas literaturas internacional e nacional (Marques, 2007Marques, E. C. “Os mecanismos relacionais”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 22, p. 1-18, 2007.), não existe consenso sobre a definição de mecanismo e, portanto, sobre aquilo que conta ou não como tal (Mahoney, 2001Mahoney, J. “Beyond correlational analysis: recent innovations in theory and method”. Sociological Forum, vol. 16, nº 3, p. 575-593, 2001.). Mais: sequer é possível afirmar que as vantagens cognitivas das abordagens centradas em mecanismos são isentas de críticas (Gerring, 2010Gerring, J. “Causal mechanisms: yes, but…”. Comparative Political Studies, vol. 43, nº 11, p. 1.499-1.526, 2010.). Não cabe aqui dar tratamento às divergências, mas apenas explicitar nossa posição. Entendemos que mecanismos constituem processos recorrentes mediante os quais o explanans se conecta diretamente ao explanandum, quer dizer, componentes causais recorrentes, postulados ou identificados, que decompõem proposições causais mais gerais, ou mais distantes temporal ou espacialmente, em peças mais específicas, concretas ou causalmente próximas, cuja operação responde pelos efeitos observados6 6 Uma das divergências mais complexas no debate diz respeito a se os mecanismos são puramente postulados ou são passíveis de identificação empírica. Aqui os mecanismos serão identificados, mas nada obsta que, em princípio, sejam postuláveis e que, em alguns casos, não permitam sua identificação empírica (como seria o caso dos mecanismos psíquicos). . Mecanismos ocorrem recorrentemente, por vezes, ao modo de um automatismo, mas não são suficientes na produção de efeitos: mais de um mecanismo pode produzir o mesmo efeito (equifinalidade), uma combinação de mecanismos pode ser responsável pela produção do efeito observado e, é claro, os resultados da operação de cada mecanismo não são necessários (Mayntz, 2004Mayntz, R. “Mechanisms in the analysis of social macro-phenomena”. Philosophy of the Social Sciences, vol. 34, nº 2, p. 237-259, 2004.).

Aqui, a reconstrução ou rastreamento do processo de tramitação do Projeto de Lei 8035/2010 na Câmara de Deputados levou à identificação de quatro mecanismos políticos que conectam as diretrizes sobre financiamento da educação pública contidas no Eixo V do documento final da Conae 2010 à sua incorporação na Meta 20 do PNE, a qual estabeleceu o modelo de financiamento para o decênio 2014-2024. Os mecanismos foram ativados como parte da estratégia da CNDE, agindo diretamente na Comissão Especial para a aprovação do CAQi. A seguir examinamos os mecanismos causais específicos identificados no processo sob escrutínio, os quais, a despeito de incorporarem elementos circunstanciais, correspondem a dinâmicas gerais já conhecidas e descritas em suas feições básicas no estudo de diferentes fenômenos políticos.

i) Aliados temáticos: alianças entre atores pertencentes a diferentes grupos, classes sociais ou instituições têm recebido atenção em literaturas variadas como as de movimentos sociais e políticas públicas, atentando para seus efeitos favoráveis à capacidade de atuação dos atores nelas articulados (McAdam, 1996McAdam, D. Conceptual origins, current problems, future directions. In: McAdam, D.; McCarthy, J. D.; Zald, M. N. (eds.). Comparative perspectives on social movements: political opportunities, mobilizing structures, and cultural framings. Cambridge: Cambridge University Press, p. 23-40, 1996.; Tarrow, 1998Tarrow, S. Power in movement: social movements and contentious politics. Cambridge Studies in Comparative Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.). Aqui, as alianças em jogo são de índole temática e permitem a articulação de professoras e professores deputados, desativando a clivagem oposição-situação e as divisões entre partidos políticos. ii) Expertise técnica e procedimental: a disposição de conhecimento especializado confere vantagens aos seus detentores, seja porque sua disposição granjeia legitimidade para agir em nome de outrem (Zaremberg e Muñoz, 2013Zaremberg, G.; Muñoz, M. A. Participación, representación y conflicto local en América Latina. México: Flacso, 2013., p. 7-33; Zaremberg, Gurza Lavalle e Guarneros-Mesa, 2017), seja porque o diagnóstico e o desenho de políticas ocorrem dentro de campos cognitivos especializados – comunidades epistêmicas, se se quer – (Hass, 1992Hass, P. M. “Introduction: epistemic communities and international policy coordination”. International Organization, vol. 46, nº 1, p. 1-35, 1992.), ou porque em algum grau a disposição de conhecimento sofisticado incrementa a capacidade de persuasão de seus detentores. Aqui, o domínio das questões técnicas envolvidas no financiamento da educação, bem como o das implicações das opções passíveis de escolha, foi mobilizado oportunamente. Ademais, o domínio do regimento e das manobras por ele permitidas ao longo do processo de tramitação mostrou-se crucial em diferentes momentos. iii) Encaixe institucional (fit): a ideia de encaixe institucional é oriunda do neoinstitucionalismo histórico (Skocpol, 1992Skocpol, T. Protecting soldiers and mothers: the political origins of social policy in the United States. Cambridge, MA: Harvard University Press, p. 1-62, 1992., p. 1-62) e foi definida alhures (Gurza Lavalle et al., 2019Gurza Lavalle, A., et al. Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência. In: Gurza Lavalle, A., et al. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: Iesp/Eduerj/CEM, p. 21-87, 2019.) como sedimentação institucional, produzida ao longo de processos de interação socioestatais, que potencializa e resguarda no tempo a agência dos atores sociais envolvidos na sua produção. Pensada como mecanismo, tal ideia preserva a proposição básica segundo a qual a capacidade de ação dos atores sociais é produto de uma lógica de mútua constituição com as instituições do Estado (Gurza Lavalle e Szwako, 2015), mas é observada como recurso e não reconstruída rastreando o processo de sua gênese – conforme seria usual fazer em registro histórico neoinstitucionalista. Aqui, a Comissão Organizadora da Conae 2010 e sua ulterior transformação no Fórum Nacional de Educação, com composição mista de secretarias especializadas do MEC e atores da sociedade civil, ampliaram a capacidade de atuação (agência) dos últimos junto ao Ministério em momento crucial. E iv) Informação oportunizada: os dilemas informacionais enfrentados pelos legisladores constituem temática consagrada na ciência política no modelo de informação de baixo custo (cheap talk), cuja incorporação à explicação da efetividade das conferências nacionais recebeu atenção na segunda seção. Se não forem assumidos pressupostos de informação plena, próprios da economia neoclássica, torna-se oportuno perguntar pela circulação da informação, quer dizer, não basta a existência de diretrizes amplamente consensuais, alguém e/ou algum processo precisa evidenciar sua utilidade política de modo oportuno em determinado contexto para incentivar sua apropriação por parte dos deputados. Por isso, denominamos esse mecanismo específico de informação oportunizada.

A identificação dos quatro mecanismos políticos aqui apresentados constitui um avanço cognitivo em relação à literatura, mas carece de validação externa devido à combinação do estudo de caso da Conae com as características gerais dos mecanismos- equifinalidade, combinação múltipla e contingência quanto aos resultados. Contudo, a validação interna é robusta. Isso ocorre não apenas porque rastreamento de processos compara evidências dentro de um caso, mas porque, no caso em exame, dispõe-se de uma espécie de “contrafactual”. Após a aprovação do texto final do PL 8035/2010 na Câmara dos Deputados, a tramitação no Senado oferece um cenário alternativo em que os interesses do Executivo se fizeram valer sem a intervenção política dos atores que agiram na comissão especial da Câmara. O resultado, conforme será visto, é claro e contundente: a versão do PNE aprovada pelo substitutivo do Senado (PLC 103/2012), remetida à Câmara dos Deputados em dezembro de 2013, modificara de forma estrutural a política de investimento e financiamento da educação pública, alterando a Meta 20 em pontos-chave, em favor das preferências do governo federal (estratégias 20.6, 20.8 e 20.10).

Rastrear processos nos chamados processos conferencistas – que correm nas etapas municipais, estaduais e federal – é tarefa árdua e pode contemplar os momentos seguintes: preparatório, de composição da Comissão Organizadora, de desenho da conferência, de organização, mobilização e construção de consensos em cada etapa, de seleção de delegados para as etapas subsequentes, bem como os momentos pós-conferência. A pesquisa original (Vick Sena, 2018Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.) em que descansa o artigo abarcou tanto a definição das diretrizes do Eixo V ao longo da Conae quanto sua transformação em lei. Aqui é reexaminada, com base em indagação distinta, apenas a parte relativa à tramitação legislativa. Com maior precisão, a parte do estudo de caso aqui apresentada rastreou a formulação e a tramitação das normas do financiamento do PNE para compreender qual foi a influência da Conae 2010 no resultado. Levantaram-se e organizaram-se de modo sistemático evidências pertinentes ao tema do financiamento e à atuação da CNDE em virtude de seu papel relevante na tramitação na Comissão Especial. Constatações preliminares do levantamento de dados evidenciavam tanto a importância desse tema e das divergências entre governo e sociedade civil voltada à defesa do direito à educação quanto a centralidade da CNDE no campo dos atores sociais. Registrou-se de modo pormenorizado um padrão temático de identificação com base no Documento Final da Conferência e rastreou-se seu conteúdo no processo legislativo.

Quanto à natureza das evidências, lançou-se mão, em primeira instância, de ampla análise documental. No âmbito da Conae 2010, examinaram-se as Portarias do Ministério da Educação (MEC) que convocaram a Conferência, seus documentos internos de debate – Documento Referência, Documento Base e Documento Final –, além dos instrumentos normativos do processo, como Regimento Interno, Orientações para organização da etapa estadual e os dois volumes dos Anais da Conae 2010. No âmbito do processo legislativo, analisaram-se: o texto original do Projeto de Lei nº 8.035/2010 proposto pelo governo federal; os diversos requerimentos dos congressistas com objetivos vários como realizar audiências públicas e incluir representantes de atores sociais nesses debates, pedir informações, oferecer recursos na tramitação do processo legislativo, entre outros; as emendas oferecidas pelos deputados à meta 20 do PL 8.035/2010; os textos parciais do PL 8035/2010 na Câmara dos Deputados produzidos pelo relator; as notas taquigráficas das sessões da Comissão Especial e da Comissão de Educação – em referência ao registro das audiências públicas –; as emendas produzidas nas comissões temáticas do Senado Federal por onde passou o processo legislativo; as notas taquigráficas das audiências públicas ocorridas na Comissão de Educação do Senado Federal, o PLC 103/2012 – contendo a emenda substitutiva oferecida pelo Senado Federal ao texto do PL 8.035/2010 –; e, por fim, o texto da Lei nº 13.005/2014, que aprovou o PNE vigente.

Fora da Conae e do Legislativo foram contempladas notícias jornalísticas para verificar certos fatos referidos nos documentos ou na narrativa da CNDE, notas públicas emitidas por diversos atores sociais envolvidos no processo em tela, comunicações internas da rede da CNDE ao longo do processo de tramitação e comunicações externas nas listas de discussões virtuais criadas pela Coordenação Geral da rede – campanha-conae e PNE pra Valer! – e o Parecer CNE-CEB nº 8, de maio de 2010, que aprovou a metodologia inicial de cálculo do custo por aluno com critério de qualidade (CAQi). Outras fontes de informação também foram examinadas: livros, cartilhas e documentos destinados a produção e difusão de conhecimento relativos às pautas de interesse da CNDE, dissertações e teses produzidas anteriormente sobre esse processo decisório ou sobre a atuação da CNDE, entre outras.

A compreensão tanto dos documentos elencados quanto da tramitação do PNE foi informada ao longo da pesquisa por numerosos diálogos informais com vários dos então membros da Coordenação Geral CNDE, situada em São Paulo. Os diálogos não apenas auxiliaram na leitura e interpretação de informações técnicas, mas também indicaram fontes de dados e documentos relevantes. Por fim, realizou-se entrevista em profundidade com o coordenador geral da CNDE (passível de consulta em Vick Sena, 2018Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.: Apêndice C) de modo a indagar detalhes e sanar lacunas específicas para completar o levantamento realizado, bem como a contrastar a interpretação avançada até este momento.

O Eixo V da Conae 2010 na Meta 20 do PNE: rastreando as causas do efeito

Por sua organização, composição, etapas, procedimentos e conteúdo dos documentos, a Conae 20107 7 Mostramos, ao longo deste artigo, que a efetividade das conferências nacionais não decorre de seu desenho institucional, mas de processos políticos comandados por atores, que, fazendo política, vinculam seu resultado à produção legislativa. Conforme será visto, os mecanismos causais encontrados são passíveis de generalização, mas os processos são específicos. No caso em análise, o foco em um evento conferencista específico não ignora o possível acúmulo de outros processos participativos do setor para a efetividade analisada, o que precisaria ser indagado, é claro, de modo específico. Observe-se, nesse aspecto, que o setor da educação tem vasta tradição em debates amplos sobre vários temas das agendas decisórias do campo, com ou sem a iniciativa do governo, destacando-se, a partir da redemocratização, as Conferências Brasileiras de Educação (década de 1980), os Congressos Nacionais de Educação (Coneds) e, mais próximos ao processo analisado, a Conferência Nacional de Educação Básica (Coneb 2008) e a Conae 2014. se apresenta, ao mesmo tempo, como uma conferência institucionalizada ou típica (Romão, 2015Romão, W. M. “Busca do sentido político de processos participativos: uma tipologia das conferências nacionais de políticas públicas no Brasil”. In: Latin American Studies Association Congress, Political Institutions and Processes, San Juan, Puerto Rico, 27-30 maio 2015.; Souza, 2004Souza, C. “Governos locais e gestão de políticas sociais universais”. São Paulo em Perspectiva, vol. 18, nº 2, p. 27-41, 2004.) e como um caso com peculiaridades. Foi um processo conferencista marcado por relativa autonomia em relação à institucionalidade do setor, composto por representações de muitas e heterogêneas categorias, guiado por metodologia demandante em termos de capacidade de aprovar propostas e, por fim, notabilizado por debate de volume e relevância consideráveis para o campo, com mais de 50 colóquios temáticos na etapa nacional e centenas de diretrizes. Debate que contemplou especialmente pontos estruturais de uma agenda de implementação do federalismo cooperativo em matéria de educação pública, tendo como instrumento central – por determinação da EC nº 59, de 2009 – o Plano Nacional de Educação, por isso adotado como temática oficial da conferência. A despeito de se tratar de um setor de política pública altamente institucionalizado, a multiplicidade de dimensões da política de educação vem acompanhada de uma comunidade de política extensa e complexa, sem amplos consensos e marcada por conflitos diversos que atravessam as tarefas de regulamentar a educação privada e prover o serviço público de educação com compromisso de qualidade. Assim, contrariando as expectativas do tipo de conferências próprias de políticas altamente institucionalizadas (Romão, 2015Romão, W. M. “Busca do sentido político de processos participativos: uma tipologia das conferências nacionais de políticas públicas no Brasil”. In: Latin American Studies Association Congress, Political Institutions and Processes, San Juan, Puerto Rico, 27-30 maio 2015.), a Conae 2010 oferece uma experiência de agendamento, a exemplo da disputa política em torno da institucionalização da metodologia do CAQi.

A convocação da Conae pelo MEC, em setembro de 2008, limitou-se a determinar a data da etapa nacional da Conferência e a designar as 34 entidades que deveriam compor as 69 posições na Comissão Organizadora Nacional8 8 Contam-se titulares e suplentes das 34 instituições a serem representadas com posição na Comissão, totalizando 68 membros, além do secretário executivo do MEC, coordenador geral do colegiado. , deixando a gestão de todo o processo a cargo desse colegiado, inclusive as funções de definir o tema, o conteúdo preliminar do debate e as regras de seu procedimento9 9 O trabalho dentro da Comissão Organizadora Nacional da Conae 2010 subdividiu-se em três frentes, dirigidas por três Comissões Especiais: Comissão Especial de Dinâmica e Sistematização (CEDS); 2) Comissão Especial de Mobilização e Divulgação (CEMD) e 3) Comissão Especial de Infraestrutura e Logística (Ceilog) (Vick Sena, 2018, Quadro 3 do Anexo III e p. 136). . A previsão regimental de delegados com direito a voto foi de 2.885, admitidos exclusivamente representantes de segmentos educacionais e setores sociais. Cidadãos sem vinculação institucional não tinham direito a voto. As etapas subnacionais dessa Conae ocorreram ao longo de 2009; a etapa nacional foi realizada em Brasília, entre 28 de março e 1º de abril de 2010, e contou com a aprovação do seu regimento interno, a realização de debates temáticos (colóquios) e de plenárias para votação das emendas ao Documento Base.

A metodologia da conferência – regras de aprovação de emendas e habilitação de delegados – foi demandante e exigiu capacidade de articulação nacional em pelo menos cinco estados para garantir a apreciação de propostas de alteração nos textos-base do debate. O conteúdo do debate, estruturado no Documento Referência, manteve-se formalmente o mesmo até o Documento Final, porque organizado pela Comissão Especial de Dinâmica e Sistematização em 287 diretrizes sequenciais fixas, distribuídas em seis eixos temáticos10 10 EIXO I - Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional; EIXO II: Qualidade da educação, gestão democrática e avaliação; EIXO III: Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar; EIXO IV: Formação e valorização dos profissionais da educação; EIXO V: Financiamento da educação e controle social; EIXO VI: Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade (Cf. Vick Sena, 2018, Quadro 4 do Apêndice C). . Em termos substantivos, as propostas aprovadas ao longo das etapas municipal e estadual e consolidadas no Documento Final tornaram-se propostas de emendas modificativas, aditivas ou supressivas ao texto das diretrizes iniciais. Por sua vez, o Documento Final com as emendas consolidadas nas fases subnacionais deu origem ao Documento Base da etapa nacional, fase em que apenas se deliberou sobre emendas.

O Eixo V dos Documentos da Conae, intitulado “Financiamento da educação e controle social”, consolidou uma perspectiva de financiamento público que ampliou as responsabilidades financeiras da União pelo custeio da educação nacional, contrariando as preferências do Poder Executivo. Composto inicialmente por 41 diretrizes, recebeu 149 emendas na etapa nacional. Em conjunto, o Eixo ampliou as responsabilidades financeiras da União mediante a especificação de obrigações concretas: a ampliação da meta de investimento público em educação pública para 10% do PIB, a adoção de uma metodologia provisória de cálculo de investimento por aluno com respeito a um padrão nacional mínimo de qualidade11 11 Cabe apontar que a definição de uma metodologia de cálculo de investimento por aluno com compromisso de padrão nacional de qualidade é uma demanda prática do art. 212, §3º, da Constituição de 1988 (EC nº 59, de 2009). (CAQi), a responsabilidade da União pelo complemento do investimento per capita aos entes federativos com recursos insuficientes (função supletiva), entre outras. Especificamente em relação ao CAQi, o Conselho Nacional de Educação, através da Câmara de Educação Básica, exarou o Parecer nº 8, de 5 de maio de 2010 (Brasil, 2010Brasil. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 8, 5 de maio de 2010. Estabelece normas para aplicação do inciso IX do artigo 4º da Lei nº 9.394/96 (LDB), que trata dos padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Básica pública. Brasília, 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5063- parecercne-seb8-2010&Itemid=30192>. Acesso em: 12 abr. 2017.
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), consolidando a metodologia. Contudo, o parecer não foi homologado pelo Ministério da Educação, e, a despeito de reportar-se genericamente ao processo conferencista, o Executivo não adotou a agenda da Conae 2010 na Meta 20 do projeto de lei do PNE que enviou à Câmara dos Deputados no fim de 2010: o investimento proposto foi de 7% do PIB e as estratégias de implementação contavam com dispositivos de frágil exigibilidade, porque não especificavam obrigações jurídicas em relação a padrão nacional, nem a responsabilidade supletiva da União.

A rede da CNDE teve atuação destacada na construção do CAQi, na confecção do Documento Final da Conae 2010, bem como na tramitação legislativa do PL 8.035 de 2010. No primeiro caso, diversas organizações e movimento sociais se articularam, desde 2002, para construir uma metodologia de cálculo do investimento público por aluno com compromisso de qualidade. A CNDE concluiu e apresentou em 2006 uma proposta para mensurar um padrão de custo, em função de parâmetros nacionais de qualidade, que considera quatro grupos de insumos mínimos: estrutura e funcionamento (equipamentos e materiais), valorização dos profissionais da educação (remuneração, formação, número adequado de alunos por turma), condições de acesso e permanência na escola (materiais didáticos, transporte, alimentação escolar e vestuário) e gestão democrática (indicadores de qualidade e fomento ao controle social) (Carreira e Pinto, 2007Carreira, D.; Pinto, J. M. R. Custo aluno-qualidade inicial: rumo à educação pública de qualidade no Brasil. São Paulo: Global: Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2007., p. 29-31). Na organização da Conae, a CNDE ocupou uma entre as 69 posições da Comissão Organizadora Nacional e, especificamente nela, uma entre as 20 posições determinadas para a Comissão de Dinâmica e Sistematização. Na etapa nacional do processo conferencista, a CNDE foi contemplada com 54 dos 2.885 assentos, garantindo a presença em todos os Eixos temáticos e, ainda, na maioria dos Colóquios sobre financiamento da educação. Ao final, foi responsável por 59% das emendas debatidas no Eixo V na etapa nacional e aprovou 72% desse volume, determinando parte considerável do texto final do eixo do financiamento. Por fim, no processo legislativo, desempenhou-se como antagonista da agenda do governo federal em relação ao financiamento da educação, em defesa das diretrizes da conferência, agindo em interlocução com membros da Comissão Especial do Projeto de Lei nº 8.035/2010 (PNE) na Câmara dos Deputados.

Com o intuito de tornar evidentes os mecanismos políticos em funcionamento mediante uma operação analítica de contraste, é útil imaginar a estratégia mais conveniente para o governo federal, considerando a disputa política em questão, suas possibilidades de ação com base na disposição de recursos políticos e institucionais própria do Poder Executivo, e seu interesse em manter o financiamento federal à educação em patamares inferiores àqueles derivados da adoção das diretrizes do Eixo V. Primeiro, seria conveniente ao governo diminuir as chances de êxito de manobras orientadas a emendar a Meta 20 e, por conseguinte, evitar a criação de Comissão Especial para tramitar o PL 8.035/2010. Diferentemente das comissões específicas, comissões especiais concentram a tramitação em um único colegiado com poder terminativo, facilitando estratégias de pressão e articulação de atores interessados na matéria em exame. Segundo, seria de interesse do governo mobilizar os deputados da base aliada com saber competente sobre a matéria e apresentar sua meta de investimento instruída de diagnóstico educacional adequado e com demonstração de cálculos que sustentassem a pertinência do volume de recursos proposto, comprometendo a credibilidade de diagnósticos críticos às disposições da Meta 20. Terceiro, por óbvio, interessaria ao governo conduzir sua base no Congresso Nacional de modo a evitar o oferecimento de emendas à sua proposta. Por fim, caso suas preferências não fossem contempladas no relatório da Comissão Especial do projeto de lei do PNE, seria conveniente a ele retirar o poder terminativo do colegiado a partir de técnica regimental, levando a votação da matéria à decisão pelo Plenário da Câmara, onde a base governista poderia reverter resultados desfavoráveis.

O texto original do PL sofreu modificações estruturais, a despeito das preferências do Executivo federal, constituindo instância inequívoca de efetividade de uma conferência, embora, conforme será visto, por mecanismos políticos externos ao processo conferencista. Com maior precisão, é possível apreciar a efetiva incorporação dos temas sensíveis do Eixo V da Conae 2010 na Lei 13.005, de 2014, cujo conteúdo ficou determinado já na primeira fase da tramitação do Projeto de Lei nº 8.035, de 2010. Nessa redação, enviada pela Câmara dos Deputados em 2012 ao Senado Federal12 12 A tramitação do PL 8.035/2010 teve três fases e durou três anos e seis meses: a primeira, na Câmara dos Deputados (casa de origem), aconteceu em 22 meses, desde o recebimento, em dezembro de 2010, até o envio para a apreciação pelo Senado Federal, em outubro de 2012; a segunda, na Casa Revisora, aconteceu em 14 meses, desde o seu recebimento até a remessa do texto substitutivo à Câmara dos Deputados, em 31 de dezembro de 2013; a terceira, novamente na Câmara dos Deputados, durou quase seis meses, no ano de 2014, e se encerrou com o envio do projeto de lei à sanção presidencial, em 5 de junho (Vick Sena, 2018, p. 157). , a Meta 20 previu um aumento escalonado do investimento em educação pública de até 10% do PIB e institucionalizou o método do CAQi e do CAQ (Custo Aluno-Qualidade) como critério per capita de investimento nacional e de cumprimento da responsabilidade supletiva da União pelo direito à educação13 13 A estratégia 20.6 da Meta 20 determinou a “implantação” do mecanismo do CAQi no prazo de dois anos, referência à metodologia provisória já aprovada em parecer do CEB/CNE em 2010; a estratégia 20.7 previu a implementação do CAQ como parâmetro de financiamento de toda a educação básica; a estratégia 20.8, a obrigação do MEC em definir a metodologia definitiva do CAQ em três anos, de forma participativa (ouvidos o Conselho e o Fórum Nacional de Educação, bem como as Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em três anos); por fim, a estratégia 20.10 tornou clara a função supletiva da União quanto à complementação de recursos financeiros a estados e municípios com vistas a garantir o padrão de financiamento do CAQi e do CAQ em todo o território nacional. .

As divergências entre o governo federal e uma parte da comunidade de política educacional, presente na conferência, começaram a dar sinais desde a conclusão da Conae 2010, com a demora do Executivo no envio do projeto de lei ao Legislativo, e ganharam contornos nítidos quando a proposta do governo foi oficializada (redação original do PL 8035/2010). As divergências foram de tal monta que se instaurou um clima de antagonismo, levando à apresentação de 75 sugestões de emendas por atores da sociedade civil antes mesmo de o projeto de lei iniciar sua tramitação. Quando do envio do projeto de lei do PNE à Câmara dos Deputados, em 15 de dezembro de 2010, a tensão entre a sociedade civil e o governo tornou-se mais explícita e, nesse contexto, fora criado, em 14 de dezembro de 2010, o Fórum Nacional de Educação (2010)Fórum Nacional de Educação. Portaria do Ministério da Educação nº 1407, de 14 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://fne.mec.gov.br/images/pdf/legislacao/portaria_1407_14122010.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2017.
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, um colegiado previsto na diretriz 73 da Conferência para exercer tarefas na implementação e avaliação do PNE. O Fórum Nacional de Educação (FNE) foi composto pelo mesmo conjunto de atores com representação na Comissão Organizadora Nacional da Conae, inclusive atores governamentais – cabe lembrar, dos 34 membros, 7 representavam secretarias especializadas do MEC.

Levando em consideração a estratégia mais conveniente para o governo federal, o primeiro momento relevante corresponde à criação da Comissão Especial do Projeto de Lei nº 8.035/2010, determinante das principais condições da disputa entre as preferências do governo e a agenda da Conae, e, em parte, da operação bem-sucedida dos mecanismos identificados ao longo do processo. A criação da comissão é contraintuitiva, dada a maioria da base governista no Congresso, mas, surpreendentemente, ela derivou de decisão do próprio governo (Ministério da Educação), persuadido por atores da sociedade civil e gestores federais do setor de educação comprometidos com a Conae 2010. De fato, houve esforços efetivos da sociedade civil para a sua criação, como atestado pelo acordo firmado entre o governo federal e a CNDE em 22 de março de 2011. Os atores do FNE, entre eles gestores públicos do setor, agiram diretamente com vistas a fortalecer o acordo de tramitação firmado com o Ministério, conforme a 1ª Nota Pública do FNE, de 29 de março de 201114 14 “Nota à Sociedade Brasileira e ao Congresso Nacional. O Fórum Nacional de Educação, espaço inédito de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, reivindicação histórica da comunidade educacional e fruto de deliberação da Conferência Nacional de Educação (Conae), aprovou – em sua primeira reunião ordinária ocorrida em 29 de março de 2011 – pela ratificação dos princípios acordados entre a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Ministério da Educação acerca da tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020) no Congresso Nacional. Respeitando a soberania e a independência do Poder Legislativo, o Fórum Nacional de Educação defende que a tramitação do PL 8035/2010, que trata do PNE 2011-2020, deve ocorrer com base nos seguintes princípios: 1) A Comissão Especial, na qual irá tramitar o PL 8035/2010, deve ter a participação majoritária de parlamentares dedicados e comprometidos com a causa da educação, privilegiando membros da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados (...)" (Fórum Nacional de Educação, 2011) (ênfase acrescida). . O governo não é um ator monolítico e as preferências do presidente e do ministro não são iguais às preferências da burocracia ministerial concursada. Conforme abordado quando da exposição dos mecanismos, os processos de institucionalização de pautas e o recurso de ação de atores sociais definem encaixes (fit) ou sedimentações institucionais que fazem com que a seletividade das instituições opere favoravelmente aos atores sociais. A Comissão Especial, precisamente, torna-se incompreensível sem a operação de encaixes de uma parte da comunidade de políticas de educação no Ministério. A relevância da posição da CNDE no campo a tornou apta para celebrar um acordo com a pasta setorial sobre o processo de tramitação do PL nº 8.035/2010, acordo que esteve diretamente associado à entrada e à força das relações políticas de parte da comunidade da Conae dentro do Ministério da Educação, pela via do FNE (Fórum Nacional de Educação, 2010Fórum Nacional de Educação. Portaria do Ministério da Educação nº 1407, de 14 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://fne.mec.gov.br/images/pdf/legislacao/portaria_1407_14122010.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2017.
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).

A operação desses encaixes também ajuda a entender que a composição da Comissão Especial tenha privilegiado um perfil de parlamentares, tornando possível a operação de um segundo mecanismo, a saber, os aliados temáticos. De fato, o FNE posicionou-se claramente sobre a necessidade de constituir uma Comissão Especial (CE) com “participação majoritária de parlamentares dedicados e comprometidos com a causa da educação, privilegiando membros da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados (...)” (Fórum Nacional de Educação, 2011Fórum Nacional de Educação. 1ª Nota à Sociedade Brasileira e ao Congresso Nacional. Brasília, 29 de março de 2011. Disponível em: <http://fne.mec.gov.br/images/notas/Formatadas/1%20Nota%20Pblica.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2017.
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). A exortação veio a se consumar: entre 52 parlamentares previstos para a CE, 21 tinham histórico na pauta da educação, muitos deles professores deputados, sendo que 14 tinham vínculo formal com a Comissão de Educação e Cultura15 15 A pesquisa original identificou apenas os integrantes da Comissão Especial com histórico parlamentar na Comissão de Educação. Para os fins deste artigo, foram buscados mais elementos nos repertórios biográficos das 53ª e 54ª legislaturas, sendo identificados mais sete deputados federais que, embora não tivessem vínculo com a Comissão de Educação, eram professores. . Ao todo, 40% dos deputados estavam tematicamente implicados com a área de educação. Alguns desses membros da CE, bem como outros parlamentares externos a ela, mas também ligados à agenda da educação, eram interlocutores diretos da CNDE16 16 Cf. Vick Sena, 2018, , Apêndice III, Quadro 12. e, em momentos-chave, tornaram viável que as deliberações da Conae 2010 ganhassem peso durante os trabalhos da CE. Destacam-se as professoras deputadas Fátima Bezerra (PT) e Dorinha Seabra Rezende (DEM), bem como os professores deputados Artur Bruno (PT), Ivan Valente (PSOL), Chico Alencar (PSOL). Como se observa, as filiações partidárias dos professores deputados e interlocutores da CNDE na CE (DEM, PSOL, PT) não foram o fator de identificação de interesses, antes, as alianças temáticas centradas na educação permitiram desativar a clivagem oposição-situação e suspender divergências ideológicas próprias do espectro político. A operação desse segundo mecanismo (aliados temáticos) mostrou-se especialmente relevante no momento seguinte da análise da tramitação.

O segundo momento na reconstrução da tramitação do PNE corresponde à estratégia da CNDE para tentar influenciar o entendimento dos deputados federais, expor a insustentabilidade técnica da proposta de investimento e financiamento do governo, e tornar o ambiente da CE propício à agenda da Conae e, especificamente, à proposta dos 10% do PIB e do mecanismo de cálculo por aluno/qualidade. Três eventos se seguiram nessa estratégia: primeiro, a garantia da presença de atores da Conae nas audiências públicas de instrução da CE, ocorridas a partir de maio de 2011; segundo, a aprovação – perante a Mesa da Câmara dos Deputados em maio de 2011 – do Requerimento de Informação 287/2011 (Brasil, 2011a) ao ministro da Educação, em que foi solicitada a apresentação de explicações técnicas sobre cálculos do governo; por fim, e uma vez apresentadas as explicações técnicas pelo governo (Brasil, 2011b), a contestação do embasamento técnico de sua proposta, tanto em manifestações nas audiências prévias às primeiras emendas quanto mediante Nota Técnica elaborada pela rede da CNDE (Araújo e Cara, 2011Araújo, L.; Cara, D. Por que 7% do PIB para educação é pouco? (online). Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 17 ago. 2011. Disponível em: <https://campanha.org.br/acervo/nota-tecnica-por-que-7-do-pib-para-a-educacao-e-pouco-calculo-dos-investimentos-adicionais-necessarios-para-o-novo-pne-garantir-um-padrao-minimo-de-qualidade/>. Acesso em: 15 dez. 2020.
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), em agosto de 2011, dedicada a demonstrar os vícios e pressupostos insustentáveis dos cálculos e, ainda, a falta de compromisso político com o padrão de qualidade no cálculo do investimento que, se considerado, obrigaria a elevação do investimento a mais de 10% do PIB. Nos dois primeiros eventos (condição prévia para o terceiro), operou o mecanismo de aliados temáticos: a professora deputada federal Fátima Bezerra (PT) requereu e garantiu a inserção do representante da CNDE na primeira audiência da CE (Brasil, 2011c) e a professora deputada Dorinha Rezende (DEM-RN) foi autora do Requerimento 287/2011. Na exposição da fragilidade dos cálculos da proposta do governo operou outro mecanismo causal: a expertise técnica dos atores sociais. A Nota Técnica publicada teve sua relevância reconhecida por órgão oficial do próprio governo vinculado ao Ministério da Economia, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que comparou diretamente os dois estudos e confirmou a deficiência nos cálculos usados pelo MEC para subsidiar a baixa proposta de investimento17 17 As divergências entre as justificativas do MEC para sustentar a proposta do governo e aquelas que sustentavam a posição crítica da CNDE sobre esses cálculos eram de natureza técnica e política e foram tratadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada no Comunicado nº 124, de dezembro de 2011 (Ipea, 2011): além de apontar deficiência de cálculo na proposta do governo, o Ipea reconheceu que a significativa diferença entre os valores das propostas também estava relacionada à escolha sobre o custo unitário. .

Um terceiro momento importante para a estratégia do governo na tramitação da lei do PNE seria evitar a apresentação de emendas. Contudo, a Meta 20 foi o segundo dispositivo mais votado do projeto, com 269 emendas, fenômeno que não foi o resultado da ação descoordenada dos deputados presentes na CE e sequer de escolhas orientadas pelos partidos, mas fruto de ação ordenada dos atores da Conae para conformar seus dispositivos aos principais termos das diretrizes da conferência: de fato, das 269 emendas, pelo menos 144 delas (53,5%) são adesões aos temas da Conae para a Meta 20. Como ocorreu isso? A rede da CNDE elaborou textos de emendas, em formato impresso e digital, e os disponibilizou aos deputados federais em geral, tendo sido integrados aos arquivos da Comissão de Educação após sua entrega anunciada à deputada Fátima Bezerra (PT)18 18 Outros sete atores sociais também ofereceram suas propostas (Brasil, 2011d), alguns em abril, já perante a CE e próximo ao período de emendamento. Não foram objeto de análise na pesquisa que embasa este artigo, mas pode-se destacar que muitas de suas sugestões à meta 20 reproduziram diversas das propostas oferecidas primeiramente pela CNDE, ainda perante a Comissão de Educação. Depois da publicação do 1º Substitutivo do Relator da CE, a CNDE ofereceu mais um conjunto de emendas (Cf. Vick Sena, 2018, , Anexo III). . Assim, quando a fragilidade técnica da proposta do governo foi exposta nas audiências públicas, emendas já estavam oportunamente disponíveis, em forma e conteúdo, sem qualquer custo para os deputados que, devido ao seu histórico na área de educação ou por cálculo estratégico, decidiram aderir à ampliação do financiamento para a educação. A grande adesão às emendas nesse contexto permite identificar, em primeiro plano, a operação do mecanismo da informação oportunizada: o fluxo de informação não é natural, não decorre exclusivamente da propriedade das ideias que circulam, sendo necessário tornar a informação politicamente valiosa e colocá-la ao alcance dos atores corretos no momento devido, ou seja, a informação que eventualmente faz diferença é produto do processo político. Também é possível perceber a operação do mecanismo de aliados temáticos em relação ao papel da deputada Fátima Bezerra (PT/RN) pela validação da abordagem das emendas, tanto na recepção “solene” das sugestões quanto por sua apropriação massiva, tendo oferecido, sozinha, 53 das 269 propostas de alterações à meta 20; outros parlamentares, professores também, se destacaram no oferecimento das emendas, como a professora deputada Dorinha Rezende (DEM), Arthur Bruno (PT), Ivan Valente (PSOL), Newton Lima (PT). Os dados sugerem que a operação do mecanismo da informação oportunizada foi determinante, já que o mesmo comportamento foi identificado em deputados não professores, com destaque para as posições de Paulo Rubem Santiago (PT), Alice Portugal (PCdoB) e Reinaldo Azambuja (PSDB).

O quarto momento da cadeia causal analisada ocorreu ao final da tramitação do PNE na Câmara dos Deputados, quando a Comissão Especial concluiu o seu trabalho e se preparava para enviar o PL 8.035/2010 à apreciação do Senado Federal, com modificações relevantes à proposta do governo. Nessa oportunidade, a base aliada do Poder Executivo buscou retirar o poder terminativo da referida Comissão sobre a matéria, oferecendo um recurso que levava o PL à votação pelo Plenário daquela Casa Legislativa19 19 Esse recurso foi interposto com base no art. 58, §1º, combinado com art. 132, ambos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, com referência ao artigo 58, §2º, da Constituição de 1988, que estabelece a possibilidade de que um décimo dos membros da Casa requeira a votação de determinada matéria pelo Plenário, retirando a proposta do poder exclusivo das comissões técnicas. . O Recurso 162/2012 (Brasil, 2012a), oferecido pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-DF), então líder do governo, contou com a assinatura de 80 deputados federais. Em resposta, o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE) ofereceu o Requerimento nº 6070/2012 (Brasil, 2012b) para a retirada desse recurso, estratégia que implicou, necessariamente, convencer os congressistas dele signatários a retirar-lhe o apoio, desconstituindo a condição regimental de sua admissão. Quarenta e seis deputados retiraram assinaturas de apoio ao Recurso 162/2010, prejudicando a estratégia do governo federal e consolidando a redação final do PL 8.035, de 2010, na Câmara dos Deputados. Embora não se disponha de evidências quanto aos recursos utilizados pelo deputado Figueiredo para granjear tal convencimento, a derrota da estratégia do governo demandou expertise procedimental.

Se a estratégia mais conveniente para o governo federal sofreu reveses em quatro momentos cruciais, seria possível conjecturar que quiçá suas preferências fossem realmente outras e não aquelas declaradas no corpo de sua proposta. Em última instância, a conjectura supõe um contrafactual que, por definição, inexiste. A tramitação no Senado, todavia, oferece um cenário alternativo. Nessa Casa Legislativa, o PL 8.035, de 2010, tramitou em comissões separadas20 20 No Senado Federal, o projeto de lei do PNE (denominado Projeto de Lei da Câmara nº 103/2012) foi submetido às comissões técnicas: Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), tendo sido submetido à votação pelo Plenário, que consolidou a posição do Senado Federal no Parecer 1567/2013, de 17 de dezembro de 2013 (Vick Sena, 2018, p, p. 171). , ambientes nos quais os atores sociais tiveram menor interlocução, salvo a presença em audiências públicas na Comissão de Educação. O resultado foi a predominância das preferências do governo federal e a diminuição das responsabilidades financeiras da União pelo custeio da educação pública nacional: a despeito da meta de investimento permanecer em 10% do PIB, foi retirada a exclusividade do emprego de recursos públicos para a educação pública (meta 20)21 21 Essa discussão surgiu no debate na Câmara dos Deputados, ainda na primeira fase da tramitação: o primeiro Substitutivo do Relator da Comissão Especial do PL 8.035/2010 (Angelo Vanhoni – PT/PR), elaborado para consolidar o primeiro grupo de emendas ao projeto de lei, apresentou a Meta 20 com uma proposta de 8% do PIB como patamar de investimento. Contudo, o investimento público foi qualificado como “investimento público total”, permitindo a interpretação de que os recursos públicos poderiam custear outras despesas com educação que não apenas a educação pública. Assim, no segundo momento de apresentação de emendas, ainda na Câmara dos Deputados, a CNDE elaborou várias versões de texto para emendar essa redação da meta 20 no Substitutivo do Relator e, dessa forma, garantir o debate acerca da exclusividade dos recursos públicos para a educação pública. Na primeira fase da tramitação na Câmara dos Deputados, prevaleceu a redação da CNDE (investimento público em educação pública). No Senado Federal, essa redação caiu, mas foi retomada na segunda fase na Câmara dos Deputados, e, uma vez que o projeto não sofreu vetos, consolidou-se na Lei do PNE (Vick Sena, 2018, p, p. 409). , e as estratégias que especificavam o uso do método de cálculo inicial (CAQi), o desenvolvimento do método definitivo (CAQ) e a responsabilidade da União pelo complemento financeiro aos demais entes federativos foram esvaziadas (20.6, 20.7, 20.8, 20.10).

Por fim, novo revés foi imposto ao governo federal na terceira e última fase da tramitação. Ao retornar à Câmara dos Deputados, em janeiro de 2014, o texto substitutivo do Senado Federal suscitou intensa interlocução entre parlamentares e atores sociais, que ocuparam a Audiência Pública ocorrida em fevereiro e reivindicaram da Comissão Especial do PL 8.035, de 2010, o retorno do texto aprovado em 2012. De fato, foi isso que ocorreu: a Meta 20 e as estratégias do CAQi e CAQ (20.6, 20.7, 20.8 e 20.10) foram inteiramente recuperadas na Redação Final enviada à presidência da República, que a sancionou sem vetos em 25 de junho de 2014, às vésperas das eleições majoritárias.

À guisa de conclusão: os mecanismos causais da política

A Conferência Nacional de Educação realizada em 2010, em particular no que tange ao tema do financiamento, pode ser considerada caso emblemático de sucesso na incidência dessas instituições participativas sobre a correspondente política setorial, porquanto ganhou o status de lei contra as preferências de Poder Executivo federal – o qual, por sinal, contava com base de sustentação majoritária no Congresso. Conforme mostrado nesta análise, o modelo de financiamento da educação pública estabelecido na Meta 20 do Plano Nacional de Educação ampliou as responsabilidades financeiras da União para concretizar a cooperação federativa na garantia do direito à educação. Isso se deu mediante instrumento para operar um padrão nacional de qualidade mínimo: método do Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi). Ambos, modelo e instrumento, formam parte das orientações do Eixo V do Documento Final da Conae, e, assim, o PNE consolidou parte relevante das deliberações da Conferência.

O caso parece constituir evidência persuasiva de uma propriedade das conferências diagnosticada pela literatura nacional, a saber, a capacidade de informar e incentivar a produção legislativa mediante processos amplos de participação e deliberação social. A propriedade dista de ser trivial. Afinal, conectar a formulação de leis à elaboração plural e socialmente inclusiva de consensos informativamente ricos constituiria exemplo institucional raro de qualidade e efetividade da participação em escala macro – posição normalmente reservada aos canais eleitorais e à agregação de votos, embora, nesse caso, como expressão apenas binária de preferências. Tal conexão restou estabelecida, mas não esclarecida. Diversas caraterísticas do desenho institucional das conferências favoreceriam a produção de diretrizes com apoio amplo e plural nas correspondentes comunidades de políticas, oferecendo oportunidade politicamente rendosa aos parlamentares. Certamente, outras causas são possíveis. Por sua vez, as causas aventadas foram postuladas sem mostrar como opera essa conexão. Apontam-se, de um lado, características institucionais positivas das conferências e seus efeitos nas diretrizes por elas produzidas; de outro, a racionalidade estratégica dos deputados perante os dilemas informacionais por eles enfrentados. Assume-se, assim, que conexão ocorre por virtude das propriedades de ambos os lados.

Porém, a conexão, mostramos nestas páginas, é de natureza política e construída habilidosamente por atores da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, centrais na Conae, que ativaram mecanismos políticos em uma estratégia bem-sucedida que levou à derrota do Executivo federal no capítulo de financiamento. Com o intuito de identificar os mecanismos causais, sintetizamos estudo em profundidade da tramitação do Projeto de Lei nº 8.035/2010, que deu lugar ao PNE 2014/2024 – aprovado quatro anos mais tarde (Lei nº 13.005). Evidenciamos a operação recorrente de quatro mecanismos políticos relevantes em diferentes momentos-chave da tramitação para o desfecho relatado. Encaixes institucionais, construídos ao longo da Conae e sedimentados na criação do Fórum Nacional de Educação, permitiram que atores da burocracia ministerial da educação atuassem para favorecer a opção de tramitação mediante Comissão Especial na Câmara dos Deputados, bem como para recomendar uma composição de deputados federais envolvidos com a educação. Aliados temáticos da CNDE – as deputadas e deputados professores – permitiram-lhe ativar uma clivagem temática, neutralizando a clivagem oposição/situação e incidindo nos trabalhos da comissão especial: convocação de atores para as audiências públicas do colegiado, Requerimento de Informação ao ministro acerca dos cálculos que embasaram a proposta do governo, críticas às justificativas técnicas do MEC e distribuição de emendas. Expertise técnica e procedimental, quer dizer, tanto o domínio amplo da questão do financiamento à educação quanto o conhecimento minucioso do regimento, foi ativada em momentos diferentes para informar o debate sobre as inconsistências e implicações da proposta do governo, e para introduzir manobras regimentais em momentos críticos da tramitação. Por fim, informação oportunizada: influenciar o entendimento dos deputados federais demandou trabalho direto, de persuasão e de disponibilização coordenada de informação relevante em momentos oportunos, o qual foi realizado com resultados notórios no emendamento da proposta do governo, mas não só.

A reconstrução do processo de tramitação permitiu, assim, identificar e descrever o funcionamento dos mecanismos políticos que operaram para transformar as orientações da Conae em lei. Quais as implicações do processo causal aqui reconstruído? Primeiro, e para evitar mal-entendidos, convém explicitar o sentido do argumento. As características institucionais das Conferências, bem como o caráter inclusivo e temporalmente dilatado de suas três etapas, são relevantes e lhes conferem traços distintivos de uma instituição participativa com potencial raro de incidência legislativa. Porém, esses atributos e tudo aquilo que ocorre nos processos conferencistas – sejam quais forem suas qualidades – nada dizem a respeito do processo legislativo e este não pode ser derivado dessas qualidades – mesmo se eventualmente virtuosas. Segundo, e ainda com o mesmo intuito, cumpre explicitar o escopo do argumento. Conferências são diversas e, conforme abordado nestas páginas, a variação não apenas é setorial, mas também de propósito político na agenda do Poder Executivo e da respectiva comunidade de políticas. Assim, o estudo em profundidade da Conae permite afirmar que as explicações da literatura sobre a efetividade dessas IPs são insuficientes e que os mecanismos políticos deveriam receber atenção. Também permite afirmar que mecanismos políticos específicos entraram em jogo no caso examinado e, dessa forma, pode-se sugerir que quiçá os mesmos mecanismos possam ser identificados operando conexão entre as diretrizes de outras conferências e a produção legislativa.

Por fim, os quatro mecanismos identificados não são automatismos sem agentes ou consequências imprevistas dos efeitos agregados de ações descoordenadas, antes, trata-se de mecanismos ativados intencionalmente por atores políticos segundo estratégias orientadas a derrotar seus adversários na arena legislativa quanto à pauta em questão. Assim, este artigo guarda continuidade com trabalhos que há mais de uma década têm atentado para a urgência de se introduzir com centralidade a política, seus atores e interesses no campo de estudos da participação – amiúde informado por leituras estilizadas das dinâmicas societárias e seus efeitos sobre as instituições políticas. A recomendação é salutar. A participação nas conferências ou em outras instituições participativas não desloca a política institucional e seus atores tradicionais, nem os substitui por dinâmicas e atores societários. A participação, esperamos ter mostrado, permite que outros atores também façam política, disputando nas arenas institucionais as agendas e os objetivos construídos mediante processos participativos em maior ou menor medida inclusivos, deliberativos e plurais. As qualidades são normativamente desejáveis e, inclusive, podem tornar as demandas mais persuasivas e legítimas. A efetividade desses processos, todavia, reclama a ação politicamente competente de atores nas arenas institucionais.

O autor agradece o financiamento do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo nº 2013/07616-7. As opiniões, hipóteses, conclusões e recomendações aqui expressas são, porém, de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a visão da Fapesp.

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  • 3
    A inserção dessas regras na norma do Plano Nacional de Educação representou, em termos legislativos, a primeira conquista da agenda de investimento público com vistas à qualidade na educação, muito embora a força executiva da norma do PNE, prevista no artigo 214 da Constituição Federal, seja menor que a das normas de financiamento dos artigos 212 da Constituição Federal e artigo 60 do ADCT, que tratam dos recursos vinculados pela União, estados, DF e municípios à educação e dos fundos de recursos subvinculados (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb). De fato, são essas normas que têm operações administrativas e contábeis obrigatórias e, não por acaso, essa agenda também avançou sobre os processos das reformas constitucionais recentes. Nesse sentido, para bem contextualizar o registro desse debate, vale apontar que a EC 108/2020 constitucionalizou definitivamente o modelo de operação do Fundeb (EC 53/2006), ampliando em mais que o dobro o investimento da União na educação básica (art. 212-A) e inserindo no texto constitucional o conceito do Custo Aluno Qualidade (CAQ), como critério para determinar o regime de cooperação federativa na manutenção dos sistemas de ensino (art. 211, §7º).
  • 4
    A proposta original do governo federal era aumentar o investimento de 5% para 7% do PIB (Ipea, 2011, p. 9).
  • 5
    Em registro semelhante, sem lançar mão de tipologia, Petinelli e Silva (2018)Petinelli e Silva, V. “Atores e sua capacidade de influência nas políticas setoriais a partir de conferências nacionais”. Revista de Sociologia e Política, vol. 26, nº 68, 2018. argumenta que a capacidade de influência das conferências nacionais sobre políticas setoriais depende de dinâmicas políticas animadas por distintos padrões de interação entre atores governamentais e não governamentais. Mais especificamente, a autora atenta para os custos de mediação, negociação e coordenação de interesses, sustentando que redes não governamentais menos numerosas e cooperativas tendem a incrementar sua influência sobre os resultados das conferências e, de modo indireto, sobre a política setorial quando os efeitos não dependem de proposições legislativas, mas de atos normativos ou programáticos do Poder Executivo. Inversamente, a capacidade de influir diminuiria em redes numerosas e marcadas por padrão de interação conflituoso.
  • 6
    Uma das divergências mais complexas no debate diz respeito a se os mecanismos são puramente postulados ou são passíveis de identificação empírica. Aqui os mecanismos serão identificados, mas nada obsta que, em princípio, sejam postuláveis e que, em alguns casos, não permitam sua identificação empírica (como seria o caso dos mecanismos psíquicos).
  • 7
    Mostramos, ao longo deste artigo, que a efetividade das conferências nacionais não decorre de seu desenho institucional, mas de processos políticos comandados por atores, que, fazendo política, vinculam seu resultado à produção legislativa. Conforme será visto, os mecanismos causais encontrados são passíveis de generalização, mas os processos são específicos. No caso em análise, o foco em um evento conferencista específico não ignora o possível acúmulo de outros processos participativos do setor para a efetividade analisada, o que precisaria ser indagado, é claro, de modo específico. Observe-se, nesse aspecto, que o setor da educação tem vasta tradição em debates amplos sobre vários temas das agendas decisórias do campo, com ou sem a iniciativa do governo, destacando-se, a partir da redemocratização, as Conferências Brasileiras de Educação (década de 1980), os Congressos Nacionais de Educação (Coneds) e, mais próximos ao processo analisado, a Conferência Nacional de Educação Básica (Coneb 2008) e a Conae 2014.
  • 8
    Contam-se titulares e suplentes das 34 instituições a serem representadas com posição na Comissão, totalizando 68 membros, além do secretário executivo do MEC, coordenador geral do colegiado.
  • 9
    O trabalho dentro da Comissão Organizadora Nacional da Conae 2010 subdividiu-se em três frentes, dirigidas por três Comissões Especiais: Comissão Especial de Dinâmica e Sistematização (CEDS); 2) Comissão Especial de Mobilização e Divulgação (CEMD) e 3) Comissão Especial de Infraestrutura e Logística (Ceilog) (Vick Sena, 2018Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., Quadro 3 do Anexo III e p. 136).
  • 10
    EIXO I - Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional; EIXO II: Qualidade da educação, gestão democrática e avaliação; EIXO III: Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar; EIXO IV: Formação e valorização dos profissionais da educação; EIXO V: Financiamento da educação e controle social; EIXO VI: Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade (Cf. Vick Sena, 2018Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., Quadro 4 do Apêndice C).
  • 11
    Cabe apontar que a definição de uma metodologia de cálculo de investimento por aluno com compromisso de padrão nacional de qualidade é uma demanda prática do art. 212, §3º, da Constituição de 1988 (EC nº 59, de 2009).
  • 12
    A tramitação do PL 8.035/2010 teve três fases e durou três anos e seis meses: a primeira, na Câmara dos Deputados (casa de origem), aconteceu em 22 meses, desde o recebimento, em dezembro de 2010, até o envio para a apreciação pelo Senado Federal, em outubro de 2012; a segunda, na Casa Revisora, aconteceu em 14 meses, desde o seu recebimento até a remessa do texto substitutivo à Câmara dos Deputados, em 31 de dezembro de 2013; a terceira, novamente na Câmara dos Deputados, durou quase seis meses, no ano de 2014, e se encerrou com o envio do projeto de lei à sanção presidencial, em 5 de junho (Vick Sena, 2018Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 157).
  • 13
    A estratégia 20.6 da Meta 20 determinou a “implantação” do mecanismo do CAQi no prazo de dois anos, referência à metodologia provisória já aprovada em parecer do CEB/CNE em 2010; a estratégia 20.7 previu a implementação do CAQ como parâmetro de financiamento de toda a educação básica; a estratégia 20.8, a obrigação do MEC em definir a metodologia definitiva do CAQ em três anos, de forma participativa (ouvidos o Conselho e o Fórum Nacional de Educação, bem como as Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em três anos); por fim, a estratégia 20.10 tornou clara a função supletiva da União quanto à complementação de recursos financeiros a estados e municípios com vistas a garantir o padrão de financiamento do CAQi e do CAQ em todo o território nacional.
  • 14
    “Nota à Sociedade Brasileira e ao Congresso Nacional. O Fórum Nacional de Educação, espaço inédito de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, reivindicação histórica da comunidade educacional e fruto de deliberação da Conferência Nacional de Educação (Conae), aprovou – em sua primeira reunião ordinária ocorrida em 29 de março de 2011 – pela ratificação dos princípios acordados entre a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Ministério da Educação acerca da tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020) no Congresso Nacional. Respeitando a soberania e a independência do Poder Legislativo, o Fórum Nacional de Educação defende que a tramitação do PL 8035/2010, que trata do PNE 2011-2020, deve ocorrer com base nos seguintes princípios: 1) A Comissão Especial, na qual irá tramitar o PL 8035/2010, deve ter a participação majoritária de parlamentares dedicados e comprometidos com a causa da educação, privilegiando membros da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados (...)" (Fórum Nacional de Educação, 2011Fórum Nacional de Educação. 1ª Nota à Sociedade Brasileira e ao Congresso Nacional. Brasília, 29 de março de 2011. Disponível em: <http://fne.mec.gov.br/images/notas/Formatadas/1%20Nota%20Pblica.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2017.
    http://fne.mec.gov.br/images/notas/Forma...
    ) (ênfase acrescida).
  • 15
    A pesquisa original identificou apenas os integrantes da Comissão Especial com histórico parlamentar na Comissão de Educação. Para os fins deste artigo, foram buscados mais elementos nos repertórios biográficos das 53ª e 54ª legislaturas, sendo identificados mais sete deputados federais que, embora não tivessem vínculo com a Comissão de Educação, eram professores.
  • 16
    Cf. Vick Sena, 2018, Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., Apêndice III, Quadro 12.
  • 17
    As divergências entre as justificativas do MEC para sustentar a proposta do governo e aquelas que sustentavam a posição crítica da CNDE sobre esses cálculos eram de natureza técnica e política e foram tratadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada no Comunicado nº 124, de dezembro de 2011 (Ipea, 2011): além de apontar deficiência de cálculo na proposta do governo, o Ipea reconheceu que a significativa diferença entre os valores das propostas também estava relacionada à escolha sobre o custo unitário.
  • 18
    Outros sete atores sociais também ofereceram suas propostas (Brasil, 2011d), alguns em abril, já perante a CE e próximo ao período de emendamento. Não foram objeto de análise na pesquisa que embasa este artigo, mas pode-se destacar que muitas de suas sugestões à meta 20 reproduziram diversas das propostas oferecidas primeiramente pela CNDE, ainda perante a Comissão de Educação. Depois da publicação do 1º Substitutivo do Relator da CE, a CNDE ofereceu mais um conjunto de emendas (Cf. Vick Sena, 2018, Vick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., Anexo III).
  • 19
    Esse recurso foi interposto com base no art. 58, §1º, combinado com art. 132, ambos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, com referência ao artigo 58, §2º, da Constituição de 1988, que estabelece a possibilidade de que um décimo dos membros da Casa requeira a votação de determinada matéria pelo Plenário, retirando a proposta do poder exclusivo das comissões técnicas.
  • 20
    No Senado Federal, o projeto de lei do PNE (denominado Projeto de Lei da Câmara nº 103/2012) foi submetido às comissões técnicas: Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), tendo sido submetido à votação pelo Plenário, que consolidou a posição do Senado Federal no Parecer 1567/2013, de 17 de dezembro de 2013 (Vick Sena, 2018, pVick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 171).
  • 21
    Essa discussão surgiu no debate na Câmara dos Deputados, ainda na primeira fase da tramitação: o primeiro Substitutivo do Relator da Comissão Especial do PL 8.035/2010 (Angelo Vanhoni – PT/PR), elaborado para consolidar o primeiro grupo de emendas ao projeto de lei, apresentou a Meta 20 com uma proposta de 8% do PIB como patamar de investimento. Contudo, o investimento público foi qualificado como “investimento público total”, permitindo a interpretação de que os recursos públicos poderiam custear outras despesas com educação que não apenas a educação pública. Assim, no segundo momento de apresentação de emendas, ainda na Câmara dos Deputados, a CNDE elaborou várias versões de texto para emendar essa redação da meta 20 no Substitutivo do Relator e, dessa forma, garantir o debate acerca da exclusividade dos recursos públicos para a educação pública. Na primeira fase da tramitação na Câmara dos Deputados, prevaleceu a redação da CNDE (investimento público em educação pública). No Senado Federal, essa redação caiu, mas foi retomada na segunda fase na Câmara dos Deputados, e, uma vez que o projeto não sofreu vetos, consolidou-se na Lei do PNE (Vick Sena, 2018, pVick Sena, F. “Conferências nacionais de educação e as dinâmicas participativas na Lei nº 13.005/2014”. Dissertação de mestrado em direito do Estado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 409).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2020
  • Aceito
    26 Out 2020
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