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Movimentos sociais em interação com partidos políticos: a experiência do movimento ambientalista com o Partido dos Trabalhadores

Social movements and political parties’ interaction: reflections from the environmental movement with Partido dos Trabalhadores experience

Movimientos sociales en interacción con partidos políticos: reflexiones a partir de la experiencia del movimiento ambiental con el Partido dos Trabalhadores

Des mouvements sociaux en interaction avec des partis politiques : réflexions à partir de la expèrience du mouvement environnementaliste avec le Partido dos Trabalhadores

Resumo

O objetivo deste artigo é aproximar analiticamente duas literaturas que geralmente caminharam apartadas: a de movimentos sociais e a de partidos políticos. Propomos um debate sobre os processos de formação de identidade coletiva e de identidade partidária junto com elementos que definem a escolha de estratégia dos movimentos sociais e dos partidos políticos. Argumentamos que questões de identidade e de estratégia terão peso importante para estabelecer as interações entre movimentos sociais e partidos políticos e que tais interações podem ocorrer a partir da intermediação de lideranças sociopartidárias influentes tanto no campo social quanto no partidário. A discussão teórica foi desenvolvida com base em estudo de caso que observou a articulação de líderes do movimento ambientalista com partidos políticos, especialmente com o Partido dos Trabalhadores, desde a década de 1980 até o processo de formação da Rede Sustentabilidade. A intermediação da líder Marina Silva entre mundo social e mundo partidário foi fundamental para que lideranças do movimento ambientalista adentrassem os partidos políticos e suas arenas: legislativa, governamental e eleitoral. Concluímos que a relação prévia do movimento ambientalista com o Partido dos Trabalhadores foi crucial para a decisão de ambientalistas se engajarem na formação de um novo partido, a Rede Sustentabilidade.

movimentos sociais; partidos políticos; interação movimento social e partido político; Partido dos Trabalhadores; movimento ambientalista

Abstract

This article aims to analytically bring closer the literature on social movements and political parties, traditionally approached as detached. We put forward a debate about the process of both collective and party identity along with elements that define social movement’s and political party’s strategy choice. We argue that issues related to identity and strategy will be crucial to movement-party interactions which can occur through the mediation of a sociopartisan leadership – who exercises influence on both social and party fields. The theoretical discussion was built from a case study in which we observed the articulation of environmental movement’s leaderships with political parties, specially the Partido dos Trabalhadores, from the eighties up to Rede Sustentabilidade formation. The intermediation of Marina Silva between social and political worlds was fundamental to getting social movement’s leaderships to enter the political parties arenas: legislative, executive, electoral. We conclude that prior relationship between environmental movement and Partido dos Trabalhadores was essential to environmentalists to engage on Rede Sustentabilidade formation.

social movements; political parties; movement-party interaction; Partido dos Trabalhadores; environmental movement

Resumen

El objetivo de este artículo es aproximar analíticamente dos literaturas que generalmente caminaron apartadas: la de movimientos sociales y la de partidos políticos. Proponemos un debate sobre los procesos de formación de identidad colectiva y de identidad partidista junto con elementos que definen la elección de estrategia de los movimientos sociales y de los partidos políticos. Argumentamos que cuestiones de identidad y de estrategia tendrán peso importante para establecer las interacciones entre movimientos y partidos y que estas pueden ocurrir a partir de la intermediación de liderazgos sociopartidistas influyentes tanto en el campo social y en el partidario. La discusión teórica fue desarrollada con base en estudio de caso que observó la articulación de líderes del movimiento ambientalista con partidos políticos, especialmente con el Partido dos Trabalhadores, desde la década de 1980 hasta el proceso de formación de la Rede Sustentabilidade. La intermediación de la líder Marina Silva entre mundo social y mundo partidista fue fundamental para líderes del movimiento ambientalista adentrar a los partidos políticos y sus arenas. Concluimos que la relación previa del movimiento ambientalista con el Partido dos Trabalhadores fue crucial para la decisión de ambientalistas de se comprometer con la formación de la Rede Sostenibilidade.

movimientos sociales; partidos politicos; interacción movimiento social y partido político; Partido dos Trabalhadores; movimiento ambientalista

Résumé

Le but de cet article est d’approcher les littératures des mouvements sociaux et celle des partis politiques. On propose un débat sur le processus de formation d’identité collective et partidaire aussi bien que sur des éléments qui définissent le choix des stratégies des mouvements sociaux et des partis politiques. On soutient que des questions d’identité et de stratégie joueront un rôle important pour l’établissement des interactions entre les mouvements sociaux et les partis politiques et que telles interactions peuvent se produire par l’intermédiation des leaderships socio-partidaires – leaderships influents en même temps dans les domaines social et partidaire. La discussion théorique a été développée à partir de l’observation de l’articulation des leaders du mouvement environnementaliste par rapport aux partis politiques depuis les années 1980 jusqu’au processus de formation de la Rede Sustentabilidade. L’intermédiation du leader Marina Silva entre les mondes social et partidaire a été fondamentale pour que les leaderships du mouvement environnementaliste puissent rentrer dans les partis politiques et leurs arènes. On conclut que la relation précédente entre le mouvement environnementaliste et le Partido dos Trabalhadores a été cruciale pour la décision des écologistes de s’engager dans la formation de la Rede Sustentabilidade.

mouvements sociaux; partis politiques; interaction mouvement social et parti politique; Partido dos Trabalhadores; mouvement environnementaliste

Introdução 2 2 Agradeço as ricas contribuições dos pareceristas da revista Opinião Pública , as quais foram essenciais para a melhoria do artigo.

O movimento ambientalista no Brasil reserva importante peculiaridade se comparado a movimentos equivalentes nos Estados Unidos e Europa: uma relação muito próxima com o sistema político desde o seu surgimento, na década de 1980 ( Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ). Diferentes estudos observaram como ambientalistas articularam campanhas para a eleição de candidatos aliados à causa ambiental e à promoção da democracia; buscaram auxiliar e fortalecer mandatos legislativos com os quais construíram parcerias; assessoraram governos em âmbitos municipal, estadual e federal; e trabalharam para a formação de partidos políticos, tais como o Partido Verde e a Rede Sustentabilidade ( Pádua, 1987Pádua, J. A. Natureza e projeto nacional: as origens da ecologia política no Brasil. In: Pádua, J. A. (org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, p. 11-63, 1987. ; Viola, 1987Viola, E. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. In: Pádua, J. A. (org.). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/Iuperj, p. 63-110, 1987. ; Bernardo, 1999Bernardo, M. B. “Do monopólio dos sonhos aos descaminhos da política: ambientalismo e espaço público”. Tese de doutorado em sociologia. Universidade de Brasília, Brasília, 1999. ; Alonso, Costa e Maciel, 2007; Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ; Losekann, 2009Losekann, C. “A presença das organizações ambientalistas da sociedade civil no governo Lula (2003-2007) e as tensões com os setores econômicos”. Tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, UFRGS, Porto Alegre, 2009. ; Abers e Oliveira, 2015; Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
). Lideranças do movimento ambientalista foram indispensáveis para a criação e o fortalecimento das instituições públicas brasileiras na área ambiental ( Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ).

As análises sobre a ação política do movimento ambientalista no Brasil focam, principalmente, nas suas interações com o executivo (Alonso, Costa e Maciel, 2007; Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ; Losekann, 2009Losekann, C. “A presença das organizações ambientalistas da sociedade civil no governo Lula (2003-2007) e as tensões com os setores econômicos”. Tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, UFRGS, Porto Alegre, 2009. ; Abers e Oliveira, 2013Abers, R. N., Oliveira, M. S. “State, society, networks, and big projects in the Brazilian Amazon”. Anais da Lasa Conference 2013: The future of Latin America. Washington, Estados Unidos, 2013. , entre outros autores) e com o legislativo ( Bernardo, 1999Bernardo, M. B. “Do monopólio dos sonhos aos descaminhos da política: ambientalismo e espaço público”. Tese de doutorado em sociologia. Universidade de Brasília, Brasília, 1999. ; Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ; Araújo, 2007Araújo, S. M. G. “Coalizões de advocacia na formulação da política nacional de biodiversidade e florestas”. Dissertação de mestrado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2007. , 2013Araújo, S. M. G. “Política ambiental no Brasil no período 1992/2012: um estudo comparado das agendas verde e marrom”. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2013. ). Poucos trabalhos abordaram essa ação a partir da interação do movimento com partidos políticos ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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). Essa perspectiva importa, especialmente, porque esse é o único movimento social brasileiro que criou dois partidos políticos em sua história: o Partido Verde, em 1986, e a Rede Sustentabilidade, em 2015, além de ter construído conexões importantes com partidos políticos, especialmente com o Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse sentido, o objetivo deste artigo é observar interações de atores do movimento ambientalista com partidos políticos desde seu surgimento, na década de 1980, até a articulação de lideranças do movimento para a formação do partido político Rede Sustentabilidade (Rede), em 2013. Pretendemos trabalhar a seguinte questão: Quais elementos aproximam e distanciam movimentos sociais e partidos políticos? De forma mais específica, buscamos compreender como atores de movimentos sociais e partidos políticos se unem, como interagem ao longo do tempo e como superam os conflitos que surgem dessa relação.

Apresentamos três argumentos para o desenvolvimento da análise: i) as identidades e estratégias assumidas por movimentos sociais e por partidos políticos são elementos que os aproximam no processo de viabilizar a realização de objetivos em comum e de alcançar eficácia política3 3 Compreendemos eficácia política como a capacidade dos movimentos sociais de adequarem seus meios com vistas a atingir suas metas, realizarem seus objetivos políticos e provocarem mudança social (cf. Tatagiba, 2008 ). O mesmo conceito se aplica para eficácia política dos partidos políticos, porém, considerando para esses últimos a conquista de votos no mercado eleitoral. em suas lutas, mas também contribuem para o surgimento de conflitos entre ambos, quando há mudanças em suas identidades e estratégias, podendo distanciá-los na relação por vez construída; ii) as identidades e estratégias partilhadas podem ser ativadas pelas múltiplas identidades encontradas nos atores que fazem parte de movimentos sociais e/ou de partidos políticos; e iii) as lideranças sociopartidárias, líderes no partido e no movimento, exercem papel crucial na mediação, no formato e na intensidade da interação entre as diferentes partes, o que pode dar sobrevida à interação ao longo dos anos.

Para Rosenblum (2008)Rosenblum, N. On the side of angels: an appreciation of parties and partisanship. Princeton: Princeton University Press, 2008. e Heaney e Rojas (2007Heaney, M.; Rojas, F. “Partisans, nonpartisans, and the antiwar movement in the United States”. American Politics Research, vol. 35, nº 4, p. 431-464, jul. 2007. , 2015), nas interações que atores de movimentos sociais engendram com partidos políticos, especialmente nas situações de conflito, a identidade partidária terá preponderância em relação à identidade coletiva dos movimentos sociais, pois eles a consideram mais forte e representativa de maior pluralidade de grupos sociais. Neste artigo, entendemos que as identidades dos atores sociais e políticos são processuais e que se transformam à medida que diversificam suas relações. O fato de os movimentos sociais se aproximarem e interagirem com partidos políticos, ainda que sua identidade coletiva seja transformada nessa relação, não implica necessariamente que ela será eclipsada ou preterida pela identidade do partido político. Esse fenômeno pode acontecer, mas não é determinante. A identidade que membros dos partidos políticos desenvolveram com sua legenda também será transformada nessa interação e pode igualmente ser preterida por uma outra forma de identidade social, provavelmente quando o partido político não distribui adequadamente os incentivos de identidade e solidariedade necessários para reforçar a lealdade dos membros – e aqui consideramos também simpatizantes – aos partidos políticos, elementos não considerados nem por Rosenblum nem por Heaney e Rojas.

As interações entre movimentos sociais e partidos políticos são recorrentemente apontadas pela literatura especializada como um problema de pesquisa importante. Há não muito tempo, os estudos raramente aprofundavam as análises dessa interação, muito mencionada, mas pouco explorada ( Combes, 2009Combes, H. “Pour une sociologie du multi-engagement: réflexion sur les relations partis-mouvement sociaux à partir du cas mexican”. Sociologie et Societé, vol. 41, nº 2, p. 161-188, 2009. ; McAdam e Tarrow, 2010McAdam, D.; Tarrow, S. “Ballots and barricades: on the reciprocal relationship between elections and social movements”. Perspective on Politics, vol. 8, nº 2, p. 529-542, 2010. ). Essa situação está se transformando ( Gold e Peña, 2018Gold, T.; Peña, A. M. “Protests, signaling, and elections: conceptualizing opposition-movement interactions during Argentina’s anti-government protests (2012-2013)”. Social Movement Studies, vol. 18, nº 3, p. 1-23, 2018. ) e já podemos classificar bons estudos que tentam abordar essa questão sob diferentes perspectivas4 4 Algumas referências são: Della Porta e Rucht, 1995 ; Poguntke, 2001 ; Desai, 2003 ; Goldstone, 2003 , 2004 ; Kitschelt, 2006 ; Anria, 2013 ; Cowell-Meyers, 2014 ; Heaney e Rojas, 2015; Schlozman, 2015 ; Von Bülow e Bidegain, 2015 ; Abers e Oliveira, 2015; Meza e Tatagiba, 2016 ; Oliveira, 2016 ; Della Porta et al., 2017 ; Albala, 2018 ; Pirro, 2019 . . Contudo, a maioria concentra as observações em momentos específicos, como em processos de abertura democrática na América Latina e no Leste Europeu ( Alvarez, 1990Alvarez, S. E. Engendering democracy in Brazil: women’s movement in politics. Princeton: Princeton University Press, 1990. ; Glenn, 2003Glenn, J. Parties out of movements: party emergence in postcommunist Eastern Europe. In: Goldstone, J. (org.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, p. 147-168, 2003. ; Van Cott, 2005Van Cott, D. L. From movements to parties in Latin America: the evolution of ethnic politics. New York: Cambridge University Press, 2005. ; Combes, 2009Combes, H. “Pour une sociologie du multi-engagement: réflexion sur les relations partis-mouvement sociaux à partir du cas mexican”. Sociologie et Societé, vol. 41, nº 2, p. 161-188, 2009. ), em campanhas eleitorais ( Blee e Currier, 2006Blee, K. M.; Currier, A. “How local social movement groups handle an election”. Quarterly Sociology, nº 29, p. 261-280, 2006. ; Fischer, 2012Fischer, D. R. “Youth political participation: bridging activism and electoral politics”. Annual Review of Sociology, nº 38, p. 119-137, 2012. ; Gold e Peña, 2018Gold, T.; Peña, A. M. “Protests, signaling, and elections: conceptualizing opposition-movement interactions during Argentina’s anti-government protests (2012-2013)”. Social Movement Studies, vol. 18, nº 3, p. 1-23, 2018. ) ou em contextos sociais e políticos críticos que geram grandes protestos, como nos casos recentes da Primavera Árabe, da luta contra medidas econômicas austeras na Europa ( Taibo; 2011Taibo, C. Nada será como antes: sobre el movimiento 15-M. Madri: Catarata, 2011. ; Bringel, 2015Bringel, B. “15-M, Podemos e os movimentos sociais: trajetórias, conjuntura e transições”. Novos Estudos Cebrap, nº 103, p. 59-77, 2015. ) e do processo de impeachment da presidente da República do Brasil, Dilma Rousseff ( Alonso e Mische, 2016Alonso, A.; Mische, A. “Changing repertoires and partisan ambivalence in the new Brazilian protests”. Bulletin of Latin America Research, vol. 36, nº 2, p. 144-159, 2016. ; Dias, 2017Dias, T. S. “É uma batalha de narrativas: os enquadramentos de ação coletiva em torno do impeachment de Dilma Rousseff no Facebook”. Dissertação de mestrado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2017. ; Tatagiba, 2018Tatagiba, L. “Entre as ruas e as instituições: os protestos e o impeachment de Dilma Rousseff”. Lusotopie, vol. 17, p. 112-135, 2018. ). Os efeitos da relação cotidiana entre partido e movimentos sociais, e em perspectiva histórica, ainda não foram explorados pela literatura no Brasil5 5 O trabalho de Meza e Tatagiba (2016) sobre interações do movimento feminista com o sistema partidário na Nicarágua entre 1974 e 2012, faz detalhado apanhado histórico com importante contribuição teórica e empírica sobre os processos de interação entre movimentos sociais e partidos políticos. Todavia, o estudo está centrado na Nicarágua e não no Brasil. .

Pretendemos suprir essa lacuna, analisando interações entre movimentos sociais e partidos políticos. Todavia, partimos de um foco analítico no movimento ambientalista, uma vez que este artigo é fruto de pesquisa que buscou compreender mecanismos que acionam e sustentam a interação desse movimento com partidos políticos ao longo do tempo. Observamos uma interação próxima e continuada do movimento com o Partido dos Trabalhadores (PT), o que possibilitou fazer análises sobre a ação desse partido em sua relação com o movimento ambientalista, mas o foco é este último.

Dessa forma, por meio de um estudo de caso aprofundado, buscamos evidências de mecanismos de como atores se engajam em certos processos de ação coletiva para produzir resultados. Acionamos as literaturas de movimentos sociais e de partidos políticos, estabelecendo paralelos entre elementos próprios de cada uma: identidade e estratégia coletivas; identidade e estratégia partidárias; e o papel das lideranças sociopartidárias, construindo pontes entre esses dois campos relacionais. A partir desse diálogo, propomos dois quadros de análise da relação entre movimento social e partido político, com destaque para o papel das lideranças sociopartidárias. Não pretendemos, com isso, propor generalizações sobre interações entre movimentos sociais e partidos políticos, mas trazer condições específicas do caso estudado que promoveram a ação conjunta do movimento ambientalista com partidos políticos.

Para a condução do estudo, realizamos 43 entrevistas entre os anos 2013 e 2015. Com o intuito de preservar a identidade das pessoas, numeramos cada entrevista. Optamos por essa forma de apresentação porque alguns entrevistados solicitaram anonimato, por revelarem informações que poderiam lhes causar conflitos. Há perdas para o trabalho ao assumirmos o anonimato dos entrevistados, porém, posto na balança, a perda seria maior se não pudéssemos utilizar a informação por eles concedida.

Kathryn Hochstetler, que realizou pesquisa no Brasil sobre a formação do movimento e das instituições ambientalistas no país, gentilmente cedeu diferentes documentos com registros sobre atividades dos ambientalistas, partidos políticos e instituições públicas e também um estoque de mais de 30 entrevistas realizadas durante as décadas de 1980 e 1990 com diferentes atores6 6 Kathryn Hochstetler é atualmente professora do Departamento de Desenvolvimento Internacional da London School of Economics and Political Science. Os resultados de sua pesquisa acerca do ambientalismo no Brasil, realizada durante as décadas de 1980 e 1990, podem ser encontrados no livro Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society, que escreveu em coautoria com Margaret Keck ( Hochstetler e Keck, 2007 ). . Esse material foi essencial para reconstruirmos a dinâmica de interação entre movimento e partido naquele período. Algumas das pessoas entrevistadas por essa autora foram novamente acessadas durante a condução da pesquisa que estrutura este artigo.

Na sequência desta Introdução, em “Caracterizando movimentos sociais e partidos políticos”, discorremos sobre o processo de formação de identidades e estratégias coletivas e partidárias, abordamos a interação entre movimentos sociais e partidos políticos em função de identidades e estratégias partilhadas e defendemos o importante papel que lideranças sociopartidárias, presentes nos movimentos sociais e nos partidos políticos, exercem no formato, na intensidade e na longevidade da interação entre os atores dos diferentes grupos. Por fim, trazemos o “Estudo de caso” que sustentou a elaboração teórica que apresentamos e a “Conclusão” do artigo.

A análise, que observa 30 anos de ação do movimento ambientalista, revela quanto ele se articulou com partidos políticos, especialmente com o PT, para alcançar êxito em seu objetivo de influenciar as instituições públicas e conquistar eficácia política em suas ações. Esses atores sociais, além das ações de protesto, também escolheram as arenas partidárias para exercerem sua luta7 7 Arenas partidárias: eleitoral, governamental e parlamentar ( Ribeiro, 2008 ). . A análise revela ainda que foi fundamental a mediação de uma liderança sociopartidária, Marina Silva, para definir o formato e a arena prioritária da interação.

Caracterizando movimentos sociais e partidos políticos

Movimentos sociais, partidos políticos e grupos de interesse são constantemente comparados uns com os outros por serem analisados dentro de um padrão geral de intermediação de demandas e de interesses ( Kitschelt, 1990Kitschelt, H. New social movements and the decline of party organization. In: Dalton, R. J.; Kuechler, M. Challenging the political order: new social and political movements in Western democracies. Cambridge: Polity Press, p. 179-208, 1990. , 2006Kitschelt, H. Movement parties. In: Katz, R. S.; Crotty, W. (orgs.). Handbook of party politics. Londres: Sage Publications, p. 278-289, 2006. ). Entre eles, observamos algumas semelhanças e também diferenças marcantes. Para Della Porta e Diani (2006)Della Porta, D.; Diani, M. Social movements: an introduction. 2ª ed. Oxford: Blackwell Publishing, 2006. , a diferença fundamental se assenta no fato de que os movimentos sociais não são organizações, nem mesmo um tipo peculiar delas, como são os partidos políticos e grupos de interesse. Eles são redes que podem ou não incluir organizações, dependendo de circunstâncias especiais. Como consequência, uma organização, independentemente de seu traço dominante, não pode ser um movimento social (p. 25). Abordaremos, nesta seção, características específicas que configuram os movimentos sociais e os partidos políticos, com a intenção de marcar aquilo que os compõe e os mecanismos que os aproximam e também que os distanciam enquanto atores intermediadores de demandas e de interesses.

Movimentos sociais, identidade e estratégia coletivas

O conceito de movimentos sociais é prenhe de significados. Elaborar, a partir de referências na literatura, o sentido que ele assume neste artigo é fundamental. Diani (2003)Diani, M. Introduction: social movements, contentious actions, and social networks: from metaphor to substance? In: Diani, M.; McAdam, D. (orgs.). Social movements and networks: relational approaches to collective action. Oxford: Oxford University Press, p. 1-21, 2003. define movimentos sociais como atores engajados em processos sociais que estão envolvidos em relações de conflito com um oponente claramente identificado, partilham identidade coletiva e estão conectados por redes informais. A ação coletiva desses atores é conduzida num contexto de redes interorganizacionais que precedem campanhas e coalizões específicas e sobrevivem a elas ( Diani e Bison, 2004Diani, M.; Bison, I. “Organizations, coalitions, and movements”. Theory and Society, vol. 33, nº 3-4, p. 281-309, 2004. ). Essas vinculações possuem razões estratégicas e táticas para que os movimentos sociais, articulados em rede, alcancem seus objetivos.

Na literatura sobre movimentos sociais, correntes importantes os posicionaram ora como autônomos ao Estado, ora em posição de conflito com esse ator, contra o qual os movimentos sociais deveriam medir forças ( Abers e Von Bülow, 2011Abers, R. N.; Von Bülow, M. “Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade?”. Sociologias, Porto Alegre, ano 13, nº 28, p. 52-84, 2011. ). Os movimentos sociais, todavia, não devem ser analisados apenas como forças reprimidas que lutam contra o Estado. Ao contrário, pesquisas empíricas vêm demonstrando repetidamente que os atores e as estruturas dos partidos políticos, do Estado e dos movimentos sociais são interdependentes ( Goldstone, 2003Goldstone, J. A. (org.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003. , 2004Goldstone, J. A. “More social movements or fewer? Beyond political opportunity structures to relational fields”. Theory and Society, vol. 33, nº 3/4, p. 333-365, jun.-ago. 2004. ; Almeida, 2006Almeida, P. Social movement unionism, social movement partyism, and policy outcomes: health care privatization in El Salvador. In: Johnston, H.; Almeida, P. (eds.). Latin American social movements: globalization, democratization, and transnational networks. New York: Rowman & Littlefield Publishers, 2006. ; Silva e Oliveira, 2011Silva, M. K.; Oliveira, G. L. “A face oculta(da) dos movimentos sociais: trânsito institucional e intersecção Estado-Movimento – Uma análise do movimento de economia solidária no Rio Grande do Sul”. Sociologias, vol. 13, nº 28, p. 86-125, 2011. ; Abers, Serafim e Tatagiba, 2014; Gurza Lavalle e Szwako, 2015Gurza Lavalle, A.; Szwako, J. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, Campinas, vol. 21, nº 1, 2015. ; Rossi e Von Bülow, 2015Rossi, F.; Von Bülow, M. (orgs.). Social movement dynamics: new perspectives on theory and research from Latin America. UK: Ashgate Publishing, 2015. ; dentre outros). Para Mische (2008)Mische, A. Partisan publics: communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press, 2008. , eles são constituintes do sistema político em suas ações de apoio e trocas com os partidos políticos, os burocratas e as constelações de grupos e dinâmicas que se formam durante os processos eleitorais, de campanha política e de protesto. Dessa feita, mapear o campo das relações dos movimentos sociais com outros atores e grupos que afetam suas atividades é fundamental.

Cada movimento social se organiza e se estrutura de forma distinta. Eles constroem identidade coletiva própria, elaboram estratégias e escolhem o formato de ação. Neste artigo, focalizamos a importância da identidade coletiva e da estratégia dos movimentos sociais para a relação com partidos políticos.

A identidade coletiva é um processo recorrente de ativação das relações que vinculam os atores sociais e nas quais indivíduos partilham orientações e o campo de oportunidades e ameaças onde a ação coletiva acontece ( Melucci, 1996Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. , p. 70). Concebida como um processo, está associada a redes de relações ativas entre atores que interagem, se comunicam, influenciam uns aos outros, negociam e tomam decisões. Com isso, as formas que se organizam e os modelos de liderança dos grupos sociais, que definem identidade coletiva, são partes constitutivas e também resultados da influência das relações em rede. Para Tilly (2005)Tilly, C. Identities, boundaries and social ties. Colorado: Paradigm Publishers, 2005. , os indivíduos e grupos terão tantas identidades quantas forem as relações e laços sociais que construírem com outros indivíduos e grupos, e, conforme mudam suas relações sociais, mudam igualmente suas identidades. Melucci (1996)Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. , todavia, defende que a identidade coletiva nunca é inteiramente negociável, porque a participação na ação coletiva está dotada de significados para os indivíduos e para o grupo.

Ao discorrer sobre os dilemas que envolvem as identidades coletivas dos movimentos sociais, Mische (2008)Mische, A. Partisan publics: communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press, 2008. apura a compreensão de Tilly e de Melucci ao afirmar que o processo de construção e transformação de identidade repousa nas redes relacionais dos atores sociais que se ligam pelas histórias e projetos a eles associados. Os projetos são um horizonte de possibilidades mais ou menos aberto, estruturado culturalmente por meio de narrativas existentes, e implicam orientação, missão, vocação, num engajamento autoconsciente de um futuro mutável ( Mische, 2001Mische, A. Juggling multiple futures: personal and collective project-formation among Brazilian youth leaders. In: Barker, C.; Johnson, A.; Lavalette, M. (eds.). Leadership and social movements. Manchester: Manchester University Press, p. 137-159, 2001. , p. 139). Conforme os indivíduos e grupos elaboram suas ações futuras, eles redefinem estrategicamente a ação e, portanto, as relações sociais e a identidade coletiva.

Quando os indivíduos mudam de um ambiente organizacional para outro, os alinhamentos que tinham com determinado grupo se transformam ao longo do tempo, afetando as identidades coletivas dos atores sociais, que passam a ser múltiplas. Nesse aspecto, Mische (2008)Mische, A. Partisan publics: communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press, 2008. argumenta que a identidade múltipla dos agentes impõe uma série de desafios aos movimentos sociais, tais como: Quais identidades representam e quais projetos defendem? Qual identidade ou projeto deve se sobrepor ao outro?

O que a autora chama de projeto tem um efeito importante para a identidade coletiva, pois, conforme os indivíduos e grupos elaboram suas ações futuras com os projetos – em função da ressignificação que fazem de experiências passadas e da interpretação de contextos, favoráveis ou não à ação coletiva no presente –, eles redefinem a ação, as relações sociais e a identidade coletiva. Essa constatação nos autoriza a considerar que, se atores políticos – vinculados a partidos políticos – fazem parte da rede relacional dos movimentos sociais, ou se atores sociais e políticos fazem parte do mesmo movimento e do mesmo partido simultaneamente, esses atores que carregam seus grupos consigo poderão influenciar a identidade coletiva dos movimentos sociais e também poderão influenciar a identidade partidária. Essa identidade pode ser partilhada em função dos projetos que defendem e que podem orientar suas ações em conjunto. Assim, a identidade coletiva é uma categoria útil de análise, que incorpora elementos essenciais ao nosso estudo, como: aspecto relacional; influência do ambiente organizacional; e projeto.

Trabalhamos com a perspectiva de que a identidade assumida pelos grupos influenciará a formulação das estratégias da ação coletiva. Isto é, estratégia está em forte associação com elementos simbólicos. Conforme assinala Jasper (1997Jasper, J. M. The art of moral protest: culture, biography, and creativity in social movements. Chicago: The University of Chicago Press, 1997. , 2014Jasper, J. M. Protest: a cultural introduction to social movements. Cambridge: Polity Press, 2014. ), essa ligação é balizada pelos valores do grupo, experiências, ideologia e cultura que direcionam os ativistas para as estratégias que lhes são familiares, de acordo com valores individuais e identidades coletivas.

Estabelecer a existência de estratégia de movimentos sociais e analisá-la não são tarefas fáceis, pois o que é mais visível às observações sobre movimentos sociais são suas táticas8 8 Estratégia é um plano de ação para atingir determinado objetivo. Táticas são os meios específicos de implementar estratégias e compreendem as formas de ação coletiva adotadas pelos movimentos ( Meyer e Staggenborg, 2008 , p. 213-214). ( Donoso, 2017Donoso, S. Outsider and insider strategies: Chile’s student movement. In: Donoso, S.; Von Bülow, M. (orgs). Social movements in Chile. New York: Palgrave McMillan, p. 65-97, 2017. ). Ademais, não há consenso na literatura sobre como definir estratégias. Assim, sintetizando diferentes trabalhos sobre o tema, Donoso (2017Donoso, S. Outsider and insider strategies: Chile’s student movement. In: Donoso, S.; Von Bülow, M. (orgs). Social movements in Chile. New York: Palgrave McMillan, p. 65-97, 2017. , p. 68) adotou uma abordagem geral que nos é útil: estratégias podem ser pensadas como um plano de ação coletiva com intenção de alcançar certos objetivos. Para a autora, isso envolve tomar decisões sobre demandas e táticas, sobre os alvos de reclamações dos movimentos e as arenas nas quais se engajam na ação coletiva. Segundo Meyer e Staggenborg (2008Meyer, D. S.; Staggenborg, S. Opposing movement strategies in U.S. abortion politics. In: Coy, P. G. (org.). Research in social movements, conflicts and change. Vol. 28. Bingley: Emerald Group Publishing Limited, p. 207-238, 2008. , 2012), a escolha de estratégia envolve processos de tomada de decisão nas interações com movimentos de oposição, autoridades e outros atores do campo multiorganizacional do movimento (2008, p. 213). Tal como identidade coletiva, a escolha de estratégias depende do processo relacional.

O entendimento sobre estratégia que consideramos neste artigo é: um plano de ação elaborado a partir de interações diversas entre atores do grupo e outros atores das redes do movimento. Aspecto relacional, demandas, táticas e alvos são os elementos da estratégia que auxiliam a elaborar plano de ação em comum. Ela é, ainda, influenciada por contextos culturais e simbólicos, como a identidade coletiva, e reflete o que os movimentos sociais são.

Partidos políticos, identidade e estratégia partidárias

A literatura sobre partidos políticos é extensa e apresenta modelos analíticos que foram refeitos e ampliados ao longo dos anos. Numa análise funcional dos partidos políticos, Schattschneider (1964Schattschneider, E. E. Regimen de partidos. Madrid: Editorial Tecnos, 1964. , p. 61) assinalou que partido é, antes de tudo, um intento organizado de alcançar o poder, entendendo por tal o controle do aparato estatal. A vida dos partidos, para o autor, gira em torno da posse do poder ou da luta por ele. Apesar de, na literatura sobre partidos políticos, o número de trabalhos que os definem a partir de seus objetivos ser vultoso, Panebianco (2005)Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. considera esse recorte um preconceito teleológico e afirma que o que distingue os partidos políticos de outras organizações é o “ambiente específico no qual desenvolvem uma atividade específica (...), somente os partidos atuam na arena eleitoral disputando votos” (p. 11). Sua ação, todavia, extrapola a arena eleitoral e alcança igualmente as arenas parlamentar e governamental ( Ribeiro, 2008Ribeiro, P. F. “Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005”. São Carlos. Tese de doutorado em ciência política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008. ).

Na década de 1990, ganhou força na ciência política um modelo que aproximou os partidos políticos do Estado e os distanciou da sociedade, o partido cartel 9 9 Partido cartel: um partido diferente para o qual a conquista de espaços no parlamento e no governo é fundamental para sua sobrevivência, uma vez que permite acesso do partido a recursos considerados vitais ( Katz e Mair, 1995 ). . Katz e Mair (1995)Katz, R. S; Mair, P. “Changing models of party organization and party democracy: the emergence of the cartel party”. Party Politics, vol. 1, nº 1, p. 5-28, jan. 1995. , proeminentes dessa literatura, defendem que as ligações estabelecidas com o Estado são igualmente ou mais importantes do que seus vínculos com a sociedade civil. Os autores argumentam que o exercício de poder no governo e o espaço conquistado no parlamento foram experiências determinantes para a sobrevivência dos partidos políticos, uma vez que permitiram seu acesso a recursos estatais considerados vitais. Nessa lógica, os vínculos com o Estado são considerados cruciais, contribuindo para uma partidarização do Estado, que se coloca entre o partido e a sociedade.

Apesar da onda que entrelaçou partidos políticos e Estado de forma determinante e ganhou espaço na literatura sobre organizações partidárias, são também registradas pesquisas que concebem os partidos políticos principalmente como campos de atores heterogêneos e largamente variados que estão informalmente interconectados, os partidos em rede ( Schwartz, 1990Schwartz, M. A. The party network: the robust organization of Illinois Republicans. Madison: The University of Wisconsin Press, 1990. ; Bernstein, 2005Bernstein, J. “Party network research, faction, and the next agenda”. In: State of the Parties Conference Akron, Ohio, 5-7 out. 2005. ; Schlozman, 2015Schlozman, D. A. When movements anchor parties: social movements, political parties, and electoral change. Princeton: Princeton University Press, 2015. ). Dentro dessa abordagem, partidos não são estruturados apenas por entidades que se organizam formalmente sob o rótulo partidário, mas incluem pessoas e organizações que trabalham de forma regular para promover e/ou moldar os interesses do partido, como grupo de ativistas, profissionais de campanha e consultores que, em alguns momentos, podem ser filiados ao partido, participando de sua estrutura formal, mas, em outros, são apenas pessoas vinculadas a candidatos, a campanhas específicas, ao braço executivo ou legislativo do governo, a doadores, a grupos de interesse associados ou não ao partido ( Bernstein, 2005Bernstein, J. “Party network research, faction, and the next agenda”. In: State of the Parties Conference Akron, Ohio, 5-7 out. 2005. , Heaney et al., 2009) e a movimentos sociais ( Schwartz, 2006Schwartz, M. A. Party movements in the United States and Canada: strategies of persistence. Maryland: Rowman and Littlefield, 2006. ; Heaney e Rojas, 2007Heaney, M.; Rojas, F. “Partisans, nonpartisans, and the antiwar movement in the United States”. American Politics Research, vol. 35, nº 4, p. 431-464, jul. 2007. , 2015; Schlozman, 2015Schlozman, D. A. When movements anchor parties: social movements, political parties, and electoral change. Princeton: Princeton University Press, 2015. ).

Heaney e Rojas (2015) consideram que, apesar de ter componentes organizados formalmente, a totalidade da organização partidária é muito mais informal do que formal, o que confronta correntes clássicas da literatura sobre organização partidária. Nessa abordagem, os atores que compõem o chamado setor informal dos partidos políticos são, em muitos casos, considerados tão essenciais a eles quanto o são seus filiados e oficiais internos ( Schwartz, 1990Schwartz, M. A. The party network: the robust organization of Illinois Republicans. Madison: The University of Wisconsin Press, 1990. ; Bernstein, 2005Bernstein, J. “Party network research, faction, and the next agenda”. In: State of the Parties Conference Akron, Ohio, 5-7 out. 2005. ; Schlozman, 2015Schlozman, D. A. When movements anchor parties: social movements, political parties, and electoral change. Princeton: Princeton University Press, 2015. ). Essa abordagem abriu avenidas para explorarmos a influência de movimentos sociais nas organizações partidárias e também nas arenas em que atuam.

Quando se trata de identidade partidária, tem-se à mão um leque de diferentes enquadramentos que podem se referir desde à ideologia da organização partidária até à capacidade de eleitores se identificarem com a imagem externa de determinados partidos políticos. Pode se tratar da identidade dos membros do partido com sua organização ou dos eleitores com diferentes partidos políticos. Para Borges e Vidigal (2018Borges, A.; Vidigal, R. “Do lulismo ao antipetismo? Polarização, partidarismo e voto nas eleições presidenciais brasileiras”. Opinião Pública, vol. 24, nº 1, 2018. , p. 56), as pesquisas sobre identidade partidária eleitoral se baseiam em duas linhas de pensamento: i) a formação da identidade com um partido a partir de sentimento de apego pessoal, afetivo, com base em sentimentos de proximidade com os grupos sociais vinculados às partes, que seria uma conexão psicológica; e ii) identidade partidária determinada por eventos, personalidades e temas políticos importantes.

Com adesão à primeira linha, Rosenblum (2008Rosenblum, N. On the side of angels: an appreciation of parties and partisanship. Princeton: Princeton University Press, 2008. , p. 336) assinala que identidade partidária se refere à “filiação declarada de um eleitor com um partido político, a qual tem elementos cognitivo e afetivo. É uma questão de identificação pessoal e não um status legal ou filiação (...)”. A identidade partidária, nesse contexto, se estabelecerá por elementos simbólicos do eleitor com a organização partidária”. Para Janda et al. (1995)Janda, K., et al. “Changes in party identity? Evidence from party manifesto”. Party Politics, vol. 1, nº 2, p. 171-196, abr. 1995. , que se enquadram na segunda linha, a identidade partidária é definida como a imagem que os cidadãos trazem à mente quando pensam sobre determinado partido. Os autores defendem que os partidos políticos desenvolvem sua identidade através das diferentes faces que apresentam para o público: a identidade pode ser moldada pelos líderes e apoiadores do partido quando estão no governo; pode ser formada pela sua face organizacional; e pelas posições que tomam relativas a questões políticas, ou issues .

Uma vez que lideranças, apoiadores, organizações partidárias e políticas/ issues mudam ao longo do tempo, os partidos políticos exibirão diferentes identidades. Eles podem ter certo controle ao moldar sua imagem, influenciando a forma como os eleitores os identificam, ou podem não ter controle nenhum, quando ocorrem casos de corrupção e escândalos que maculam sua face pública e organizacional ( Janda et al., 1995Janda, K., et al. “Changes in party identity? Evidence from party manifesto”. Party Politics, vol. 1, nº 2, p. 171-196, abr. 1995. , p. 172). Samuels e Zucco (2018)Samuels, D.; Zucco, C. Partisans, antipartisans and nonpartisans: voting behavior in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. destacam as crises econômicas e escândalos políticos envolvendo lideranças partidárias como elementos que afetam consideravelmente a identificação dos eleitores com partidos políticos. Nessa perspectiva, a identidade partidária tende a se deslocar à medida que as pessoas acessam informações e formam novas atitudes políticas ( Borges e Vidigal, 2018Borges, A.; Vidigal, R. “Do lulismo ao antipetismo? Polarização, partidarismo e voto nas eleições presidenciais brasileiras”. Opinião Pública, vol. 24, nº 1, 2018. ). Sobre a identidade partidária dos membros do partido, Panebianco (2005)Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. argumenta que a ideologia do partido – manifesta ou latente – é o que alimenta as lealdades dos seus membros por meio da distribuição de incentivos coletivos de identidade e os incentivos seletivos. O primeiro incentivo é administrado de forma igual a todos os membros, ao passo que o segundo, que pode ser material e de status , é distribuído de forma desigual a alguns membros do partido. Os partidos necessitam das duas formas de incentivos, que devem estar em equilíbrio na organização partidária.

Os incentivos seletivos materiais podem ser a distribuição de cargos e salários, e os incentivos seletivos de status se referem à distribuição de recursos e posições de poder, geralmente dentro da estrutura estatal. Importante atentar para o fato de que consideramos que os incentivos influenciam também os atores sociais que agem no partido informal e que não são necessariamente membros formais dos partidos políticos. Extrapolamos a linha do partido formal porque entendemos que, muitas vezes, atores que atuam na órbita do partido e que não são a ele filiados terão mais influência na política partidária do que seus próprios membros10 10 Defendemos essa posição apoiados no trabalho de Heaney e Rojas (2015); Schlozman (2015) ; Schwartz (2006) , entre outros pesquisadores já citados neste artigo. .

A identidade partidária é alimentada, prioritariamente, pela ideologia, que também demarca o território político do partido. Seguindo o trabalho de Panebianco (2005)Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. , Ribeiro (2008)Ribeiro, P. F. “Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005”. São Carlos. Tese de doutorado em ciência política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008. explica que a ideologia terá credibilidade apenas se for expressa, por meios práticos e imediatos, em uma linha política que apresenta os esforços empregados para a consecução dos objetivos ideológicos. De acordo com o autor, a linha política, centro simbólico da identidade partidária, estabelece a atuação tática do partido e, dessa maneira, define a identidade externa e reforça sua contraparte interna ao partido.

Distintos grupos da elite do partido possuem sua própria e concorrente linha política, por meio da qual distribuirão incentivos àqueles que os apoiam. As elites competem entre si pelo controle da linha política predominante. Dá-se, internamente ao partido, competições e distintos jogos de poder vinculados a interesses e preferências. Dentro dessa dinâmica, o elemento simbólico do partido, a ideologia, é mantido em razão da distribuição de incentivos relativos a elementos simbólicos, mais especialmente a elementos materiais e de poder.

Dessa forma, a identidade da organização partidária é construída, em boa parte, em função dos interesses de poder. Ela é calcada em disputas internas, que alcançam atores externos ao partido, e se mostra fraturada pela competição das linhas políticas. Já que as linhas são o centro simbólico da identidade partidária e estabelecem a atuação tática do partido, no processo de competição, a identidade partidária pode sucumbir às necessidades táticas dos concorrentes em busca de poder. Isso vale tanto para partidos tradicionais quanto para partidos de esquerda, mais leais à sua ideologia e estrutura organizacionais, especialmente após experiências de mandato no poder Executivo (Katz e Mair, 2009).

Observamos um forte enlace entre identidade e estratégia, mas o elemento estratégico parece ter preponderância nos cálculos partidários, ao passo que, para os movimentos sociais, essa equação pode ser mais equilibrada. Antes de avançar, importante expor elementos trabalhados na identidade partidária: i) identidade dos eleitores: aspectos afetivos/cognitivos; papel dos líderes do partido, sua face organizacional, issues defendidas e aspectos externos como crises e escândalos; ii) identidade dos membros do partido: incentivos coletivos de identidade, incentivos seletivos. A diferença entre a identidade dos eleitores e a dos membros do partido é apenas analítica e não supõe que não haja influência dos distintos elementos em eleitores e partidários. Aqueles que atuam na parte informal do partido também serão influenciados pelos diferentes elementos.

Sobre estratégia e identidade partidárias, seguimos a orientação já exposta neste artigo de que ambas estão imbricadas, e Panebianco e Ribeiro sinalizam que essa relação é também factível para o estudo sobre partidos políticos. A literatura que evoca as estratégias dos partidos políticos parece se basear fortemente na dinâmica da competição que ocorre no mercado eleitoral ( Schattschneider, 1960Schattschneider, E. E. The semisovereign people: a realist's view of democracy in America. New Tork: Holt, Rinehart and Winston, 1960. ; Mair, 1997Mair, P. Party system change: approaches and interpretations. New York: Oxford International Press, 1997. ; Hug, 2001Hug, S. Altering party systems: strategic behavior and the emergence of new political parties in Western democracies. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2001. ; Meguid, 2005Meguid, B. M. “Competition between unequals: the role of mainstream party strategy in niche party success”. American Political Science Review, vol. 99, nº 3, p. 347-359, 2005. ) para definir a escolha de estratégias pelos partidos políticos. Schattschneider (1960)Schattschneider, E. E. The semisovereign people: a realist's view of democracy in America. New Tork: Holt, Rinehart and Winston, 1960. afirma que estratégias e táticas estão direcionadas para a conquista de votos e de poder. De acordo com Mair (1997)Mair, P. Party system change: approaches and interpretations. New York: Oxford International Press, 1997. , a existência de um mercado eleitoral pode ser vista como uma condição necessária e suficiente para a competição partidária em que os partidos disputam espaço, para além da arena eleitoral, nas arenas legislativa e governamental.

Assim, a estratégia partidária normalmente é guiada pela dinâmica do mercado, pela realização de interesses e pela conquista de votos, poder e espaço político no sistema eleitoral e no governo. A ideologia do partido, conforme estabeleceu Panebianco, também pode ser elemento importante para a estratégia partidária e, de acordo com Mair (1997)Mair, P. Party system change: approaches and interpretations. New York: Oxford International Press, 1997. , as políticas de identidade terão influência sobre o grau de abertura de um mercado eleitoral, bem como sobre as estratégias partidárias. Porém, as estratégias necessárias para obter sucesso no mercado eleitoral e sustentação nas arenas partidárias podem afetar as ideologias dos partidos políticos, dilema intrínseco aos partidos de esquerda11 11 Por exemplo, vários partidos de esquerda europeus reorientaram sua organização, estratégias e identidade após assumirem mandatos no poder Executivo em meados do século passado ( Mair, 1997 ). O Partido Social Democrata da Alemanha Oriental, em 1959, realizou congresso em que oficialmente anunciou sua modernização e moderação ideológica, o que refletia sua experiência no governo ( Ribeiro, 2014 ). . O mercado eleitoral e a conquista de votos e poder são elementos da estratégia partidária. No caso de partidos de esquerda, os elementos estratégicos versus a manutenção de sua ideologia são marcadores importantes.

O Quadro 1 sintetiza os elementos trabalhados das identidades e estratégias coletivas e das identidades e estratégias partidárias:

Quadro 1
: Elementos analíticos de identidades e estratégias coletivas e partidárias

Movimentos sociais em interação com partidos políticos: o papel das lideranças sociopartidárias

Em consonância com a literatura especializada, movimentos sociais são redes informais de organizações e indivíduos que compartilham identidade coletiva e estratégias de ação coletiva que são pouco comuns aos partidos políticos, organizações de natureza estritamente política que, no geral, se orientam pela busca de poder e de voto. Ambos são conjuntos descentralizados e distintos de organizações e indivíduos estrategicamente motivados. Em algumas situações, a literatura considera que podem partilhar estratégias e reforçar a identidade um do outro ( Schwartz, 2006Schwartz, M. A. Party movements in the United States and Canada: strategies of persistence. Maryland: Rowman and Littlefield, 2006. ), mas tanto as estratégias quanto a identidade dos movimentos e dos partidos podem ser construídas em processos e com propósitos distintos, conforme defendem Heaney e Rojas (2015). Eles não são atores unificados nem homogêneos. Como movimentos e partidos trabalham juntos ou formam alianças sob essas condições? Ainda, diante dos conflitos intrínsecos da relação entre atores heterogêneos, como se mantêm as interações ao longo dos anos?

Dentro do prisma das estratégias, assumimos que a aproximação entre atores sociais e político-partidários pode acontecer em função de demandas, táticas, alvos e plano de ação compartilhados com a intenção de alcançar objetivos em comum (cf. Donoso, 2017Donoso, S. Outsider and insider strategies: Chile’s student movement. In: Donoso, S.; Von Bülow, M. (orgs). Social movements in Chile. New York: Palgrave McMillan, p. 65-97, 2017. ) e eficácia política nas lutas em que se lançam conjuntamente. O plano de ação será orientado por elementos estratégicos e também simbólicos e pode ser posto em prática tanto para fortalecer a posição e a luta dos movimentos sociais em situações de protesto como para apoiar partidos políticos em campanhas políticas e eleitorais.

As identidades coletiva e partidária também são responsáveis pela aproximação entre atores sociais e político-partidários. Isto é, atores que se reúnem em movimentos sociais e constroem uma identidade coletiva podem se aproximar de um partido político por várias razões: pelas issues que o partido defende; por adesão ao posicionamento político de lideranças desse partido; e pela sua face organizacional (cf. Janda et al., 1995Janda, K., et al. “Changes in party identity? Evidence from party manifesto”. Party Politics, vol. 1, nº 2, p. 171-196, abr. 1995. ) ou mesmo por questões afetivas ou cognitivas (cf. Rosenblum, 2008Rosenblum, N. On the side of angels: an appreciation of parties and partisanship. Princeton: Princeton University Press, 2008. ) e incentivos coletivos e seletivos, desenvolvendo com o partido lealdade e identidade partidária (cf. Panebianco, 2005Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ). A aproximação pode ocorrer com a vinculação formal de eleitores aos partidos políticos ou pela ação na órbita ou no campo relacional dos partidos, conforme a proposta de partido informal acima apresentada. Nessa última perspectiva, consideramos que os incentivos coletivos, que reforçam a identidade partidária, e também os incentivos seletivos valerão para os membros partidários e para aqueles que atuam no partido informal, ou formal, no caso do partido movimento.

Para os partidos políticos, atentos à conquista de votos e de poder, a aproximação com movimentos sociais mobiliza sua rede de apoio social, que pode transferir força e legitimidade para suas causas, linhas políticas e ideologia. Isso alimenta a identidade partidária de dentro e de fora da organização. Todavia, um realinhamento de identidade e/ou de estratégia de ambos os grupos pode desestabilizar e afetar os vínculos entre movimentos sociais e partidos políticos, rompendo com relações outrora profícuas.

Atores vinculados, ao mesmo tempo, a partidos políticos e a movimentos sociais podem exercer a função de elo entre esses dois grupos. Ao considerar a proposta de filiações grupais de Simmel (1955)Simmel, G. Conflicts and the web of group affiliation. Nova York: Free Press, 1955. , de que indivíduos pertencentes a grupos diferentes são portadores das identidades desses grupos, entendemos que ativistas políticos presentes em movimentos sociais e partidos políticos, com suas múltiplas identidades, constroem as pontes e alianças entre estes. Essa abordagem já foi trabalhada por Mische (2001Mische, A. Juggling multiple futures: personal and collective project-formation among Brazilian youth leaders. In: Barker, C.; Johnson, A.; Lavalette, M. (eds.). Leadership and social movements. Manchester: Manchester University Press, p. 137-159, 2001. , 2008Mische, A. Partisan publics: communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press, 2008. ) em diferentes estudos nos quais defende que lideranças com dupla ou múltiplas identidades conectam grupos diferentes, exercendo o papel de brokers , e que, a depender do “público”, uma ou outra identidade irá se sobrepor. Para Heaney e Rojas (2007Heaney, M.; Rojas, F. “Partisans, nonpartisans, and the antiwar movement in the United States”. American Politics Research, vol. 35, nº 4, p. 431-464, jul. 2007. , 2015) e Rosenblum (2008)Rosenblum, N. On the side of angels: an appreciation of parties and partisanship. Princeton: Princeton University Press, 2008. , a identidade partidária sempre se sobrepõe à identidade coletiva dos movimentos sociais, especialmente em situações de conflito, porque a julgam a mais forte e representativa de vários grupos sociais.

Neste artigo, abordamos exatamente a situação oposta, de que os movimentos sociais podem preferir reforçar sua identidade nas diferentes interações que estabelecem com partidos políticos, inclusive influenciar a identificação que os membros do partido têm com sua legenda. Os autores que defendem a sobreposição da identidade partidária sobre a coletiva não problematizam alguns elementos cruciais aos partidos no sentido de cultivar a identidade e os laços de seus membros e simpatizantes com a organização partidária, como a distribuição de incentivos de pertencimento e solidariedade.

Cada linha política do partido, com suas diferentes elites e lideranças, disputará os incentivos seletivos que, de acordo com Panebianco (2005)Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. , têm influência no fortalecimento da ideologia e da identidade partidárias de seus membros. São, portanto, estratégicos e podem definir a permanência ou não de apoiadores e atores em suas organizações partidárias. Nesse aspecto, a falta de incentivos para o apoio ao partido e para a permanência nele pode levar aqueles que também têm atuação nos movimentos sociais a se sentir livres para assumir novas referências e identidades. Diante desse dilema, propomos uma discussão sobre lideranças sociopartidárias, que estão presentes em ambos os grupos.

O papel de liderança sociopartidária é fundamental para analisar as interações entre movimentos sociais e partidos políticos, pois, além das identidades coletivas e estratégias que aproximam ou separam esses distintos grupos, defendemos que o líder que faz a mediação das interações entre eles pode definir a intensidade, o formato e a longevidade das interações, uma vez que assume ou defende de forma categórica os projetos de um e/ou de outro. No caso dos partidos, as suas lideranças (ou elites) são centrais para definir as políticas partidárias e as novas issues que entram na agenda. Elas coordenam as atividades partidárias, supervisionam seus membros e asseguram que todos adiram à linha partidária (Cross e Pilet, 2015). As lideranças recorrem ao recurso dos incentivos coletivos de identidade e seletivos para manter vínculos com os membros do partido e com os eleitores. Os vínculos com os eleitores também são alimentados por aspectos afetivos e por líderes e apoiadores no governo, pela face organizacional, pelas issues e pela ideologia, conforme já mencionado. O líder partidário fará a defesa de linha(s) política(s) específica(s) e disputará com outros líderes. No caso de movimentos sociais, a relação líder e liderados se constrói de outra forma.

Para Melucci (1996)Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. , o fundamento da liderança repousa nas relações sociais. O autor defende que a identificação é um dos cinco tipos de poder que concedem legitimidade ao líder, isto é, o critério fundamental que governa as trocas entre o líder e sua base de apoio e o fundamento do poder do líder. Esses tipos de poder são: poder de recompensa; poder de coerção; poder de conformidade; poder de identificação; e poder de competência. Para este artigo, interessa especificamente os poderes de recompensa, de identificação e de competência, que legitimam a relação entre ambientalistas e a líder sociopartidária Marina Silva, conforme apresentaremos no estudo de caso.

O poder de recompensa é baseado no reconhecimento de que o líder está apto a fornecer benefícios aos membros e ajudá-los a obter as vantagens que buscam. Esse reconhecimento envolve o estabelecimento de relações contratuais e formas de negociação entre o líder e sua base. O poder de identificação é baseado na identificação dos membros com o líder, no respeito e na aceitação de que ele goza, e na gratificação emocional que ele proporciona. A capacidade do líder de fornecer símbolos de identificação e de reforçar a identidade coletiva é de grande importância, uma vez que, dessa forma, o líder também reforça a estrutura psicológica dos membros individuais ( Melucci, 1996Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. , p. 341). O poder de competência significa o reconhecimento dos talentos específicos do líder com respeito aos objetivos do grupo. Sucessos ou falhas ao alcançar os objetivos são o maior ponto de referência ao avaliar a efetividade do líder.

O autor considera as lideranças como combustíveis para o processo de mobilização e ação coletiva dos movimentos sociais. São responsáveis por promover os objetivos, as estratégias e as táticas para a mobilização, prover os meios da ação, manter e reforçar a identidade e mobilizar o apoio da base. Tornar-se um líder, defende Melucci (1996)Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. , requer a internalização dos valores e normas do grupo, além de representar e defender esses arranjos normativos (p. 342). Percebe-se, então, que o líder assume um papel de defesa dos projetos dos movimentos sociais, que contêm e reforçam suas identidades, demandas, estratégias, planos de atividade. Ao defender os projetos e obter sucesso em sua jornada, sua base legitima os poderes de recompensa, identificação e competência do líder. Se considerarmos que uma liderança sociopartidária transita em mundos diferentes, social e partidário, ela terá a capacidade de aproximar ou distanciar diferentes atores, a depender do poder de reconhecimento de suas ações em assegurar sucesso na realização dos objetivos de suas bases.

É importante observar que, para exercer o papel de liderança, os mecanismos que ativam e legitimam esse papel devem estar operantes entre líder e liderados de ambos os campos, social e político, para ter efeito. Eles são ativados em função da defesa de projetos dos liderados pelo líder. O Quadro 2 apresenta os elementos analíticos da relação entre liderança sociopartidária e liderados:

Quadro 2
: Elementos de análise das lideranças sociopartidárias

Estudo de caso

Aproximação do PT e ação na arena legislativa

O movimento ambientalista se constituiu durante o período de transição do regime autoritário para o democrático, entre as décadas de 1970 e 1980. O país vivia o momento de distensão política que conduziu à abertura democrática após anos de ditadura militar. Esse contexto político, para Hochstetler e Keck (2007)Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. , contribuiu para configurar um ambientalismo mais politizado e orientado para a esquerda e contribuiu para a construção de fortes relações interpessoais entre ambientalistas nas instituições políticas e na sociedade civil.

Além da formação de novos movimentos sociais durante os anos 1980, essa década também foi marcada pela criação e registro de novos partidos políticos, como o Partido Verde (PV) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Contudo, a criação de um partido verde no Brasil foi controversa, pois parte do movimento era contrária à formação de uma legenda que poderia vir a monopolizar a agenda ambiental e a enfraquecer o movimento, que era recente ( Gabeira, 1987Gabeira, F. A ideia de um Partido Verde no Brasil. In: Pádua, J. A. (org.). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/Iuperj, p. 163-180, 1987. ). Nesse sentido, o PV não conseguiu o monopólio da representação política para os ambientalistas, que se vincularam a outras legendas partidárias. O apoio do movimento, na época, se concentrou principalmente no Partido dos Trabalhadores e no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) ( Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ; Viola, 1987Viola, E. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. In: Pádua, J. A. (org.). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/Iuperj, p. 63-110, 1987. ).

O movimento ambientalista era e é bastante diverso. Parte dos atores e organizações do movimento, ainda na década de 1980, se decidiu por uma atuação técnica, sem envolvimento político; enquanto outra parte entendia que a questão ambiental passava necessariamente pelo debate nas esferas de poder e se articulava em nível nacional. É essa parte que nos interessa. A formação de uma Assembleia Nacional Constituinte, nos anos 1980, demandou aos ambientalistas a necessidade de se organizarem, caso quisessem influenciar a política e a elaboração da nova Constituição Federal (Alonso, Costa e Maciel, 2007). Para Viola (1987)Viola, E. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. In: Pádua, J. A. (org.). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/Iuperj, p. 63-110, 1987. , a Constituinte foi crucial para que atores e grupos do movimento se decidissem pelo envolvimento na política partidária e na arena eleitoral.

Os ambientalistas elaboraram uma Lista Verde, que indicava candidatos sensíveis à causa ambiental em diferentes partidos (tática) e, dessa forma, se mobilizaram para eleger um constituinte com credenciais ambientais (alvo), deixando clara sua estratégia de intervir no plano eleitoral. Isto é, elaboraram um plano de ação, ou uma estratégia, que servia ao movimento e a alguns partidos políticos. Dos 20 candidatos da Lista Verde, apenas um foi eleito, Fábio Feldmann, que se candidatou pelo PMDB com um programa que se constituiu em torno de ideias inovadoras12 12 Feldmann, enquanto foi constituinte e deputado federal, construiu importantes canais de interlocução entre ambientalistas e a Câmara dos Deputados: a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e a Frente Parlamentar Ambientalista, que seriam muito aproveitadas pelos ambientalistas dedicados a defender seus interesses e a influenciar parlamentares na aprovação e bloqueio de projetos de lei que estavam em votação ou em elaboração ( Bernardo, 1999 ). . A intenção primeira de Feldmann era se candidatar pelo PT; porém, o candidato não encontrou abertura para desenvolver a pauta ambientalista, considerada assaz burguesa para um partido que se preocupava principalmente em debater direitos sociais e trabalhistas ( Bernardo, 1999Bernardo, M. B. “Do monopólio dos sonhos aos descaminhos da política: ambientalismo e espaço público”. Tese de doutorado em sociologia. Universidade de Brasília, Brasília, 1999. ). Curioso é que na Lista Verde havia uma concentração maior de candidatos filiados ao Partido dos Trabalhadores (11 no total) do que a soma de candidatos de todos os outros partidos ( Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ).

Apesar da importância de Fábio Feldmann e sua militância ambiental na arena legislativa, inicialmente junto ao PMDB e posteriormente com o PSDB, Hochstetler e Keck (2007)Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. assumem que é inescapável reconhecer o papel fundamental que o Partido dos Trabalhadores exerceu nesse período da história do ambientalismo. As autoras assinalam que, apesar de o PT tratar a questão ambiental como agenda secundária das demandas sociais, esse era o único partido cujas questões programáticas eram seriamente debatidas com seus membros, os quais poderiam mudar o posicionamento do partido (p. 110-111). Dessa feita, o Partido dos Trabalhadores se tornou “casa” para muitos ambientalistas, afirmam as autoras, não apenas por conta do seu originário socialismo, mas porque o partido se comprometeu com práticas de democracia radical e participação direta e com organizações de base. De acordo com Samuels e Zucco (2018)Samuels, D.; Zucco, C. Partisans, antipartisans and nonpartisans: voting behavior in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. , a adesão ao PT, ou ao petismo, ocorreu especialmente em função da identidade que os eleitores criaram com a forma de o partido fazer política.

O PT era um partido de características peculiares no sistema partidário brasileiro, pois se organizou em torno das mobilizações do novo sindicalismo, de movimentos populares, de intelectuais e de setores marginalizados ansiosos por representação política e promoção de uma forma mais democrática de se fazer política ( Meneguello, 1989Meneguello, R. PT: a formação de um partido, 1979-1982. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. ; Keck, 1992Keck, M. E. The Workers’ Party and democratization in Brazil. New Haven, Conn.: Yale University Press, 1992. ). O PT surgiu e se consolidou com uma estrutura organizacional mais flexível no sentido de abertura e inclusão de diferentes setores, organizações e atores sociais. Dentro do modelo de partido expandido abordado neste artigo, a parte informal do PT acolhe uma rede de atores e organizações sociais que não são necessariamente filiados ao partido, mas que atuam em sua órbita, como os movimentos sociais. Nesse sentido, os incentivos coletivos de identidade e mesmo os incentivos seletivos, que envolviam concessão de cargos e posições de poder a seus membros e a apoiadores do partido em campanhas eleitorais exitosas, são importantes para consolidar e manter o apoio de atores sociais ao partido.

Na leitura de importante membro do quadro do PT, o ambientalismo foi se constituindo aos poucos na legenda. O apoio do partido à ação do seringueiro Chico Mendes13 13 Liderança responsável pela criação do PT no estado do Acre e assassinado em 1988 em razão de sua luta pela defesa dos povos da floresta e da Amazônia. e a realização da Eco-92 tiveram grande influência nesse processo. Mas também foi importante o suporte que lideranças ambientais em todo o Brasil deram ao partido em sua fase de consolidação (Entrevista 18, 28/11/2013). Em determinado momento, afirma outro entrevistado, o PT tinha mais ambientalistas do que o PV, e os mais relevantes deles estavam dentro do PT (Entrevista 14, 7/7/2014). Essa informação nos interessa no sentido de mostrar que o surgimento da pauta ambiental no partido vem da ação de lideranças sociais que deram suporte à estruturação partidária, num vínculo orgânico.

A abertura do partido para a participação política de diferentes grupos possibilitou que, nos anos 1990, o PT oferecesse uma importante unidade de suporte político para o ambientalismo: a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento (SMAD), fundada em 1993. Nessa instância, membros do partido se articulavam com movimentos sociais. Era o único partido que tinha uma instância direcionada para a pauta de meio ambiente e de significativo poder simbólico. Marina Silva teve importante atuação nesse processo. Por meio da SMAD, muitos ambientalistas influenciariam as decisões do PT (Entrevista 14, 7/7/2014), atuando no partido formal e informal. Dessa forma, o meio ambiente se tornou uma linha política do PT que fortalecia sua identidade com os ambientalistas, os quais, da sua parte, construíam estratégias de atuação política com o partido.

Ao considerar essas informações e a análise de Hochstetler e Keck (2007)Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. , um misto de aspectos afetivos aliados à face organizacional do partido, às issues, às políticas de interesse também dos ambientalistas, como democracia e participação direta, e à sua prática política parecem ter influenciado a identidade dos ambientalistas com o partido e também a estratégia de se aproximarem dele. Num momento de abertura democrática, era estratégico apoiar a ação partidária direcionada para a promoção da democracia, que viabilizasse a participação coletiva e difusa dos diferentes grupos da sociedade civil. Assim, os ambientalistas, com suas demandas e táticas e numa relação próxima com a organização partidária, inseriram e auxiliaram a desenvolver a agenda ambiental no PT, que, mais adiante, estabeleceria com ambientalistas um plano de ação comum para as políticas ambientais. Essa dinâmica não acontecia de forma fluida nos outros partidos aqui citados, com exceção do PV, mas esse ainda era um partido questionável para uma parcela dos ambientalistas ( Viola, 1987Viola, E. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. In: Pádua, J. A. (org.). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/Iuperj, p. 63-110, 1987. ).

Como exposto, na década de 1980, a identificação dos ambientalistas com o partido se dava mais no diapasão da democracia participativa, da estratégia e do formato de articulação política e da sua face organizacional, do que na dimensão do conteúdo ecológico. Não havia lideranças sociopartidárias intermediando diretamente as interações entre partido e movimento. Aqui, vale voltar a Fábio Feldmann e introduzir Marina Silva, importante figura política do PT que começou a se destacar na década de 1990. Em sua atuação político-partidária, Feldmann, que vinha do movimento ambientalista, sempre buscou interface com o setor empresarial e tentou desenvolver instrumentos econômicos para tratar das questões ambientais. O seu ambientalismo é menos social, mais técnico (Entrevista 36, 29/5/2014). Sua compreensão sobre meio ambiente não é a mesma daquela de Marina Silva, que defende o socioambientalismo e se volta para os povos da floresta, elementos que vão assegurar maior proximidade da parlamentar e do partido com os ambientalistas.

Essa observação que estabelece diferença entre a perspectiva de Marina Silva e de Feldmann interessa especialmente em um sentido. Feldmann, dentro do PMDB e PSDB, foi um ator decisivo e de grande importância para as conquistas políticas e sociais obtidas na área ambiental durante as décadas de 1980 e 1990. Ele foi importante broker ao conectar atores sociais e políticos. Mas, conforme será apresentado a seguir, Marina Silva foi broker liderança. Sua importância para a relação entre movimento e partido político foi muito além daquela exercida pelo ex-deputado. As razões para isso podem ser diversas, tais como: a influência do socioambientalismo14 14 O socioambientalismo emergiu com a redemocratização do país, na década de 1980, e redefiniu a ideia de meio ambiente como a relação entre grupos sociais e recursos naturais. A definição do problema ambiental sai exclusivamente das ciências naturais e vai para as ciências humanas (Alonso, Costa e Maciel, 2007) , que teve boa aderência entre os ambientalistas e do qual Marina Silva se tornou a grande representante; as características do partido que cada um representava; e também o perfil pessoal de cada um dos parlamentares. Apostamos principalmente nesse último elemento e na organização partidária, mas consideramos os outros como relevantes.

O socioambientalismo que se fortaleceu na Amazônia com a ação de Chico Mendes e, posteriormente, de Marina Silva, a qual teve o suporte do PT, é elemento que muda a chave de interação entre atores do movimento e do partido a partir dos anos 1990. A mulher negra, seringueira, petista e jovem chegava a Brasília para assumir o cargo de senadora federal pelo estado do Acre, no ano de 1995. Antes disso, tinha sido deputada estadual, em 1989. Ela foi novamente eleita senadora federal nas eleições de 2002, também pelo PT.

Ao assumir o cargo de senadora, uma das primeiras iniciativas foi elaborar um projeto de lei para regulamentar o acesso aos recursos genéticos, que era de enorme interesse para os ambientalistas brasileiros. Outra agenda com a qual se envolveu intensamente foi a dos transgênicos. Em 1997, a então senadora apresentou projeto de lei que estabelecia moratória no plantio, comércio e consumo de organismos geneticamente modificados e seus derivados. O PT, na pessoa de Luiz Inácio Lula da Silva, também se posicionou contra o plantio dos transgênicos, chegando a apresentar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra tentativas de o governo do PSDB liberar a transgenia no país. Marina Silva tinha apoio da principal liderança de seu partido, Lula, o que fortalecia sua linha política dentro do partido e seu papel de liderança na agenda ambiental.

Ao todo, a ex-senadora apresentou 54 projetos de lei (PL) e mais de 100 proposições, a grande maioria vinculada a assuntos socioambientais e à Amazônia ( César, 2010César, M. C. Marina: a vida por uma causa. São Paulo: Mundo Cristão, 2010. ). De acordo com um dos seus assessores, Marina conduzia um “legislar coletivo”, em que consultava a comunidade científica, os diferentes setores da sociedade e, principalmente, os representantes do movimento ambientalista, estruturados em ONGs, que se capacitaram e profissionalizaram para acompanhar a complexidade da agenda socioambiental (Entrevista 19, 7/3/2014). Para representante do Instituto Socioambiental (ISA), organização especializada no trabalho de advocacy , Marina Silva estabeleceu

uma relação muito direta com a sociedade civil no âmbito do mandato do Senado (...) ela era, digamos, o porto seguro das nossas demandas no Senado, assim como nós éramos o aparato, o apoio dela, muitas vezes, de produção de subsídios, de propostas, de pareceres para a atuação dela (Entrevista 2, 24/4/2013).

Foi nesse período que os ambientalistas reconheceram em Marina Silva, então no PT, uma grande aliada e a liderança que poderia defender seus projetos. Outros representantes do partido, como Aloisio Mercadante, Eduardo Suplicy e Gilney Viana também eram defensores, de diferentes formas, das causas ambientais (Entrevista 18, 28/11/2013). Os ambientalistas recorriam também à representação da Assessoria Especial de Meio Ambiente do PT, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, para influenciar seus parlamentares com ideias socioambientais. Mas Marina Silva era a pessoa a quem recorriam com mais confiança e que mais abordavam para influenciar membros do partido (Entrevista 31, 16/1/2015).

A fala que revela Marina Silva como “porto seguro” dos ambientalistas demonstra como se formou uma relação de confiança de atores sociais com a parlamentar. Os ambientalistas viam nela competência e identidade, o que os lançava a trabalhar em conjunto como estratégia para alcançar eficácia política. E o PT, dessa forma, fortalecia os laços de identidade com os ambientalistas. Essa aproximação com os movimentos sociais mobilizava redes de apoio social que podiam transferir força e legitimidade para as linhas políticas do partido ( Panebianco, 2005Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ).

Em suma, a aproximação dos ambientalistas com o PT na década de 1980 se deu por meio da identidade partilhada em relação à defesa e ao fortalecimento da democracia participativa. Na década de 1990, para além de identidades compactuadas, observamos a constituição de plano de ação comum, ou seja, de estratégias a serem defendidas em parceria por ambientalistas e representantes do partido, como Marina Silva. Nessa fase, já registramos a constituição dos poderes necessários para estabelecer identidade social – com os poderes de identidade, competência e reconhecimento – e identidade partidária – com o reconhecimento daqueles que atuam nas estruturas formal e informal do partido em que a linha política de Marina Silva vinha se fortalecendo.

Nessa relação de atores sociais e político-partidários, novas identidades e estratégias eram forjadas conforme partilhavam ideologias, projetos, planos de ação em comum e issues , e conforme atuavam num ambiente comum: a arena legislativa. A partir da década de 1990, a relação com Marina Silva e com o PT se intensificou na defesa de projetos em comum, e a arena legislativa foi o principal lócus de ação política dos ambientalistas que se articulavam no Congresso Nacional, especialmente com Marina Silva. Apesar da ampla ação no legislativo, esses atores também buscavam influenciar o governo do PSDB, por meio de serviços e consultorias prestadas, sem ocupar cargos na administração pública. Esse momento foi crucial para os ambientalistas se aperfeiçoarem profissionalmente na atividade de advocacy e mostrarem a importância de suas capacidades técnicas. A experiência com Marina Silva e seu partido teria importante efeito para atuação do movimento nos anos 2000.

Governo do PT e ação na arena governamental

Um grupo importante de ambientalistas, desde a década de 1980, trabalhou em campanhas do PT em diferentes momentos e em diferentes níveis da federação, auxiliando na organização de campanhas e no desenvolvimento de programas de governo (Entrevista 44, 1990; Entrevista 2, 27/4/2013; Entrevista 25, 7/2014) ( Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ; Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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), influenciando, portanto, a arena eleitoral. Na década de 1990, a aproximação inicial com Fábio Feldmann e, mais tarde, com Marina Silva levou esses atores sociais a uma ação direcionada para a arena legislativa, apesar de também tentarem influenciar o poder Executivo. Nesse período, a ação ocorria no campo da sociedade civil e era direcionada para o sistema político. A partir de 2003, esses atores passaram a atuar dentro da arena governamental, conformando, desse modo, ações e articulações nas arenas próprias dos partidos políticos (eleitoral, legislativa e governamental).

Quando Luiz Inácio Lula da Silva, líder do PT, foi eleito presidente da República, em 2002, o movimento ambientalista mobilizou centenas de instituições que enviaram uma carta ao novo presidente solicitando que Marina Silva assumisse a pasta ambiental ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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), com a estratégia de viabilizar na arena governamental a parceria e a implementação de um plano de ação comum, ou seja, de uma estratégia, conforme já ocorria na arena legislativa. E assim foi, ele nomeou Marina Silva – já uma líder social e política, de reconhecimento internacional15 15 No seguinte link , é possível encontrar a lista de prêmios que Marina Silva havia recebido até o momento de sua nomeação como ministra do Meio Ambiente: < http://www.mma.gov.br/estruturas/cgti/_arquivos/curriculoport.pdf . Acesso em: 14 fev. 2019. – para chefiar o Ministério do Meio Ambiente (MMA).

A nomeação para cargos na estrutura governamental foi um importante incentivo material e de status para membros do partido, pois reforçava seus vínculos e compromissos com a organização partidária. Isso foi significativo até mesmo para Marina Silva, que já era uma liderança interna ao PT. Sua nomeação expressou coordenação entre sua linha partidária e aquela do principal líder do partido, Lula, o que teve efeito simbólico importante e possibilitou maior aproximação da base social e partidária da nova ministra com o partido.

No cargo, Marina Silva indicou três diferentes perfis para compor a elite dirigente (secretarias e diretorias) do MMA: i) um grupo de pessoas vindas de organizações não governamentais do movimento ambientalista; ii) outro grupo de membros do PT, alguns parlamentares, outros não; iii) e pessoas com experiência profissional prévia nas burocracias federal, estadual e municipal, algumas destas servidoras públicas. Havia equilíbrio entre o número de nomeados dos diferentes grupos, mas os ambientalistas vindos da sociedade civil conseguiram destaque na gestão da ministra. No geral, os nomeados para cargos políticos no MMA eram comprometidos com causas e projetos na área ambiental, mesmo aqueles vinculados ao PT (Abers e Oliveira, 2015).

Assessora direta da ex-ministra relata que essas pessoas tinham “formação acadêmica e conhecimento na área, tinham militância e capacidade técnica” (Entrevista 19, 7/3/2014). Os nomeados cuja trajetória profissional anterior se dava na sociedade civil demonstravam possuir vínculos com Marina Silva em razão de projetos que eles ou suas organizações de origem elaboraram e defenderam com ela ainda quando era senadora ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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). No MMA, esses atores teriam a chance de imprimir internamente um pouco da sua prática política, assim como os atores de outros grupos. Eles teriam a oportunidade de, assumindo cargos na burocracia estatal, influenciar diretamente as políticas públicas do governo do PT, o que significava atuar na estrutura formal do partido.

Especificamente sobre o movimento de ida de representantes da sociedade civil para o governo do PT, um ambientalista relata que, “para a maioria de nós, pareceu lógico ir para um governo que a gente tinha apoiado. A maioria de nós ajudou a escrever programas” (Entrevista 31, 16/1/2015). De fato, algumas lideranças e organizações do movimento participaram da elaboração do programa de governo do novo presidente quando ele ainda era candidato pelo PT ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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). Participar de seu governo seria viabilizar a estratégia de ação dos ambientalistas com o partido, isto é, a execução de um plano de ação em comum, com demandas – suas agendas – e alvos específicos (políticas públicas), e dar continuidade ao que eles ajudaram a definir como política.

Assim, o PT junto com ambientalistas, intermediados pela liderança sociopartidária de Marina Silva, estavam alinhados para a execução de um projeto e planos de ação em comum, elementos que confirmam aspectos simbólicos (identidade) e estratégicos para a relação entre movimento e partido. Porém, ao participar do governo do PT, algumas questões foram postas aos ambientalistas, tais como: quais identidades representam e quais projetos defendem? Suas identidades se tornaram múltiplas, pois carregavam seus vínculos e valores de sociedade civil, mas representavam um partido no governo, ou seja, o PT e o MMA. Os seus projetos, nesse momento, eram partilhados com os do governo. Entretanto, segundo um ambientalista que saiu de uma organização da sociedade civil e migrou para o MMA, ele trabalhava para Marina Silva e não para o PT (Entrevista 4, 8/4/2013), demonstrando que a liderança sociopartidária de Marina Silva estava ativada, sendo esta mais importante do que a relação com o próprio partido.

Importantes políticas desenvolvidas durante a gestão de Marina Silva no MMA se originaram em projetos e elaborações com esses atores que vinham da sociedade civil e que já traziam pautas organizadas para o governo do PT (Entrevista 21, 2/4/2014). O melhor exemplo é o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm), que diminuiu consideravelmente as taxas de desmatamento na região. A elaboração rápida desse plano foi possível a partir do produto de estudos coordenados por João Paulo Capobianco enquanto era coordenador da ONG Instituto Socioambiental (ISA), que dava importante apoio ao mandato de Marina Silva como senadora. Na gestão da acreana no governo federal, Capobianco se tornou secretário de Biodiversidade e Florestas (SBF) e, mais adiante, secretário-executivo do MMA. Na opinião da maioria dos entrevistados com algum tipo de vínculo ou experiência de articulação com o Ministério, Capobianco foi o secretário que mais se destacou nesse período e “foi o escolhido de Marina para se tornar o seu braço direito” (Entrevista 12, 21/7/2014).

No ISA, entre 1999 e 2002, Capobianco coordenava o Projeto de Avaliação e Identificação de Ações Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade da Amazônia Brasileira. Nesse projeto, 379 áreas foram definidas como prioritárias na região e foram elaboradas fichas com rico detalhamento técnico a respeito de cada uma delas, bem como estratégias para a conservação da Amazônia, entre outras ações ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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). Ao assumir a secretaria, Capobianco realizou alguns seminários com representantes de diferentes setores e atualizou os dados coletados para o referido projeto. Pronto, estava rascunhada uma estratégia para atacar de frente os problemas de desmatamento na Amazônia brasileira, apoiada e viabilizada pelo PT. Foi em virtude dessa experiência que Capobianco conseguiu seu cargo no MMA (Entrevista 2, 24/4/2013).

Segundo um dirigente do MMA, à época, chegar ao governo com uma agenda política definida deu credibilidade ao órgão governamental e capacidade de ação rápida (Entrevista 21, 2/4/2014). A partir desse material, elaboraram o PPCDAm, com coordenação política da Casa Civil e técnica do MMA. Para outro dirigente, ocorreu o seguinte:

Na agenda do desmatamento, tem dois elementos aí, a Casa Civil coordenava, mas tinha no Capô[bianco] uma liderança que fazia tudo acontecer. Então era assim: o Capô usava a legitimidade da Casa Civil, mas quem pressionava era ele, com o aval da Marina, que tinha acesso direto ao Lula também. E, no começo, ao Zé Dirceu [José Dirceu, que era ministro da Casa Civil à época]. A Marina tinha um acesso muito bom ao Zé Dirceu. Ele dava carta branca pra Marina. Ele conduziu [o Plano] durante dois anos e Marina tinha bom acesso a ele e ao Lula. E o Capô aproveitou isso também e fez a coisa rodar e a gente tinha, naquele período, altas taxas de desmatamento (Entrevista 4, 8/4/2013).

Essas narrativas revelam uma confluência de fatores do contexto político e também um trabalho de militância e agência de ambientalistas, do partido, de Marina Silva e de João Paulo Capobianco, que contribuíram para o desenvolvimento da agenda de combate ao desmatamento. O apoio de Marina Silva à causa, que lhe era bastante cara, cacifou politicamente o projeto até então técnico. Antes de seguir, é importante informar que José Dirceu e Lula compunham o Campo Majoritário, linha política dominante dentro do PT, o que revela um alinhamento político interno ao partido. Assim, o suporte alcançado com o núcleo político do PT no governo abriu as portas para, no início do mandato, definir uma ação interministerial importante, envolvendo órgãos de diferentes áreas no apoio à agenda de combate ao desmatamento com o PPCDAm16 16 Em 2004, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial, com mais de 15 órgãos do governo envolvidos para atacar o problema do desmatamento na Amazônia. O PPCDAm se constituiu a partir desse GTI coordenado por Capobianco. . Os ambientalistas atuavam na arena governamental por dentro da estrutura partidária.

O PPCDAm foi considerado a política mais importante na área ambiental por conseguir diminuir vertiginosamente o desmatamento na Amazônia. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2014, quando se celebravam 10 anos da implementação do Plano, o desmatamento na Amazônia havia diminuído em 82%. Essa realização permitiu ao Brasil ocupar posição de liderança nas negociações internacionais sobre políticas de redução de emissão de gases de efeito estufa e sobre mudanças climáticas. Tal feito trouxe reconhecimento e reforço em diferentes níveis: para a gestão de Marina Silva e para sua liderança dentro do governo e do partido; para o governo brasileiro em nível internacional; e para os eleitores e atores sociais preocupados com a pauta ambiental, os quais renovaram sua identidade com o partido que defendia e promovia uma issue tão relevante.

A ação do partido no governo em viabilizar a execução da agenda de Marina Silva não só confirmava, de certa forma, os incentivos coletivos de identidade e solidariedade com os ambientalistas, mas também os incentivos seletivos ao conceder cargos importantes do governo na área ambiental a atores sociais e poder político na implementação de políticas públicas. Esses incentivos foram primordiais para Marina Silva se fortalecer como liderança no partido, com reforço da linha política que defendia, mas também estimular sua liderança social, ativando os poderes de recompensa, identificação e competência na sua relação com os atores sociais. Contudo, a relação partido-movimento não era suave, e chegava a ser conflituosa em vários aspectos.

A tarefa de elevar a política ambiental brasileira a um patamar de importância jamais vista no governo federal foi árdua e encontrou vários contra-ataques. Os mais expressivos foram a derrota da pauta ambiental contra a liberação de consumo e comercialização de transgênicos no Brasil, de interesse do agronegócio ( Lisboa, 2011Lisboa, M. V. Balanço da política ambiental do governo Lula: grandes e duradouros impactos. In: Paula, M. (org.). “Nunca antes na história desse país...?”. Um balanço das políticas do governo Lula. Rio de Janeiro: Heinrich Böll Stiftung, 2011. ); e o processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica do Rio Madeira, em 2007, que expôs, publicamente, conflitos entre os projetos defendidos pela ministra e os defendidos pelo presidente Lula ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
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). O governo do PT começou a implementar uma agenda desenvolvimentista e fez um redirecionamento de rota, que chocou em alguns aspectos com direcionamentos da política ambiental defendidos por Marina Silva. Um realinhamento da estratégia partidária desestabilizou vínculos entre movimento e partido, conforme veremos a seguir.

Aquela que foi considerada a maior derrota dessa gestão ocorreu em maio de 2008, quando o presidente Lula, no segundo ano de seu segundo mandato, anunciou a revisão do Decreto 6.321/2007 – que fortalecia os mecanismos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia – e a transferência da coordenação do Plano Amazônia Sustentável, exercida pelo MMA, para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, sob a chefia de Mangabeira Unger (Entrevista 21, 2/4/2014). A forma de fazer política do partido havia mudado. Com isso, houve uma quebra de confiança no PT, enfraquecimento dos laços de identidade e rompimento na implementação de uma estratégia em comum.

Um ocupante de cargo estratégico no MMA informou que, a partir desse momento, os ambientalistas no governo entenderam que não haveria mais espaço para a agenda ambiental no governo federal em razão dos interesses políticos do PT (Entrevista 21, 2/4/2014). As medidas de prevenção do desmatamento na Amazônia levaram à impopularidade do partido na região por parte dos chefes do agronegócio local e à perda de apoios cruciais nas eleições municipais de 2008. De acordo com um dirigente do MMA à época:

(...) a gente conseguiu o resultado que queria, que batia de frente com os interesses da Amazônia. Quem estava pagando campanha eleitoral na Amazônia? O desmatamento, é ele que pagou a campanha eleitoral de 2008. Com aquela pesquisa que a gente fez da lista dos municípios críticos, o PT perdeu eleição em municípios que a gente colocou como desmatadores. Isso gerou pressão em cima dos governadores. Tem município do Mato Grosso que perdeu investimento. Teve indústria que ia implementar uma planta de alimentos, mas deixou de implementar porque o município estava na lista negra. Teve impacto forte na área econômica: 4 bilhões de reais de crédito que deixaram de ir para a Amazônia, para a pecuária. Então, nós mexemos pra valer. Os governadores ficaram furiosos porque teve uma intervenção forte (Entrevista 4, 8/4/2013).

A política pública de maior sucesso implementada no MMA colocou em risco a condição sine qua non para o sucesso eleitoral dos partidos políticos: a conquista de votos. Expôs igualmente um problema há muito enfrentado por partidos de esquerda no governo: manter sua ideologia ou manter-se competitivo no mercado eleitoral. O que os entrevistados revelaram é que o governo estava disposto a sacrificar uma política pública eficaz e o apoio ambientalista para rever as perdas eleitorais que aconteceram em função do acirramento das normas de combate ao desmatamento na Amazônia e ganhar apoio do agronegócio. Essa política, que era o foco de atenção e de luta de Marina Silva e de seus companheiros da sociedade civil e prioridade no início do primeiro governo do PT (2003-2006), agora era preterida pelo mercado eleitoral na avaliação de líderes do partido. A estratégia eleitoral partidária prevaleceu.

O PT passou por transformações ao longo de sua experiência na administração federal, já indicadas em diferentes estudos ( Amaral, 2010Amaral, O. M. E. “As transformações na organização interna do Partido dos Trabalhadores entre 1995 e 2009”. Tese de doutorado em ciência política. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. ; Hunter, 2010Hunter, W. The transformation of the Workers Party in Brazil (1989-2009). Cambridge: Cambridge University Press, 2010. ; Ribeiro, 2008Ribeiro, P. F. “Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005”. São Carlos. Tese de doutorado em ciência política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008. , 2014Ribeiro, P. F. “An amphibian party? Organisational, change and adaptation in the Brazilian Workers Party, 1980-2012”. Journal of Latin American Studies, vol 46, p. 87-119, 2014. ), que afetaram a relação do partido com os movimentos sociais, pois, em busca de governabilidade política e de uma gestão pragmática, o governo petista concentrou a maioria de suas energias em alcançar acordos com atores estratégicos, como os partidos da oposição e grupos econômicos poderosos para se garantir no poder e no mercado eleitoral ( Ribeiro, 2008Ribeiro, P. F. “Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005”. São Carlos. Tese de doutorado em ciência política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008. , 2014Ribeiro, P. F. “An amphibian party? Organisational, change and adaptation in the Brazilian Workers Party, 1980-2012”. Journal of Latin American Studies, vol 46, p. 87-119, 2014. ; Gómez Bruera, 2013Gómez Bruera, H. F. Lula, the Workers’ Party and the governability dilemma in Brazil. Nova York: Routledge, 2013. ). Quando o poder estatal foi alcançado, novas formas de envolvimento com as instituições do Estado alteraram a natureza das relações do partido com os movimentos sociais ( Gómez Bruera, 2013Gómez Bruera, H. F. Lula, the Workers’ Party and the governability dilemma in Brazil. Nova York: Routledge, 2013. ).

Para os defensores da teoria do partido cartel (Katz e Mair, 2009), ao considerarem que os recursos do Estado se tornaram indispensáveis para a sobrevivência de partidos políticos e para o acúmulo de recursos organizacionais, os partidos, uma vez no poder, tendem a iniciar um processo de mudança à medida que acessam os recursos estatais. Os vínculos do partido com a sociedade civil são negativamente afetados por essa busca de recursos, de poder e de sobrevivência política da organização partidária (Katz e Mair, 2009; Ribeiro, 2014Ribeiro, P. F. “An amphibian party? Organisational, change and adaptation in the Brazilian Workers Party, 1980-2012”. Journal of Latin American Studies, vol 46, p. 87-119, 2014. ).

A mudança de interesse da orientação partidária do PT e sua preferência pela governabilidade política e econômica e pelas políticas eleitorais em detrimento do apoio aos movimentos sociais fizeram que vários desses grupos de ativistas perdessem espaço político. A experiência narrada sobre o posicionamento de Lula a favor dos representantes do agronegócio e contra sua equipe ambiental é exemplo claro das consequências desse tipo de escolha e mostra quão preterida a linha política de Marina Silva era em relação às pautas que o governo passou a defender, com outros atores políticos estratégicos, enfraquecendo-a dentro da estrutura partidária. Os incentivos seletivos garantidos a essa líder e a seus seguidores deixaram de ser distribuídos.

Conforme assinalou Panebianco (2005)Panebianco, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. , cada linha política do partido disputará os incentivos seletivos que têm influência no fortalecimento da ideologia e da identidade partidárias de seus membros. Eles são estratégicos e podem definir a permanência ou não de apoiadores e dos atores em suas organizações partidárias. Nesse sentido, a falta de incentivos para o apoio ao partido pode levar aqueles que também têm atuação nos movimentos sociais a se sentir livres para assumir novas referências e identidades.

Após o ocorrido, Marina Silva renunciou ao cargo de ministra do Meio Ambiente, decisão que foi acompanhada pelo pedido de exoneração do grupo de apoiadores mais próximos que a ministra tinha no MMA, especialmente aquele oriundo da sociedade civil. A ação política de Marina Silva dentro do PT já não contava mais com o apoio de outrora e a ministra recebia várias críticas por sua gestão, que mobilizou consideravelmente atores da sociedade civil.

Pessoas de diferentes organizações sociais, entre elas ambientalistas, temiam que o apoio quase irrestrito que os ambientalistas davam a Marina Silva gerasse uma desmobilização do movimento, que passou a ficar acrítico e a confiar demasiadamente nas ações de Marina Silva e de sua equipe, ou seja, nas ações governamentais ( Losekann, 2009Losekann, C. “A presença das organizações ambientalistas da sociedade civil no governo Lula (2003-2007) e as tensões com os setores econômicos”. Tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, UFRGS, Porto Alegre, 2009. ). Organizações ambientalistas que estavam dentro do governo, com seus representantes em cargos políticos ou assessorando à distância, como o ISA, tinham um vínculo mais orgânico com a equipe ministerial. Mas outras ONGs, como Greenpeace e WWF-Brasil, tinham perspectiva mais crítica em relação a essa ida de ambientalistas da sociedade civil para o MMA e também a temas específicos, como a proposta da Lei de Gestão de Florestas, que foi bastante questionada por diferentes organizações ambientalistas ( Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
). O ex-deputado federal Aldo Rebelo, que, à época, era líder do governo na Câmara dos Deputados, chegou a falar publicamente que Marina se tornara a ministra das ONGs, e não da sociedade, e que o MMA havia tomado um caráter quase unilateral17 17 Ver: Oliveira, 2016, p , p. 151. , pois deixava de representar outros setores da sociedade, como os agricultores. Para Rebelo, o projeto político e o posicionamento de Marina Silva se assemelhavam mais à lógica dos ativistas do que a de seu partido e a do governo federal.

O reconhecimento dos grupos externos ao MMA de que Marina Silva adotou uma postura movimentalista, ou de ONG, no Ministério é significativo, pois sugere a desvinculação entre sua imagem e o PT. Reconhecer que a identificação com o movimento ambientalista era mais forte que a partidária significava entender que Marina Silva internalizou os valores e normas do grupo, dirigindo sua lealdade primeira mais ao movimento do que ao partido.

Observamos que os principais atores da política ambiental nessa gestão mantiveram certa coerência na implementação de suas agendas, nas propostas e no projeto que construíram enquanto sociedade civil. Conforme Mische (2001Mische, A. Juggling multiple futures: personal and collective project-formation among Brazilian youth leaders. In: Barker, C.; Johnson, A.; Lavalette, M. (eds.). Leadership and social movements. Manchester: Manchester University Press, p. 137-159, 2001. , 2008Mische, A. Partisan publics: communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press, 2008. ), Melucci (1996)Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. e Tilly (2005)Tilly, C. Identities, boundaries and social ties. Colorado: Paradigm Publishers, 2005. assinalaram, as identidades e os projetos que dão liga aos atores sociais são cambiantes em razão das relações que constroem e do contexto em que atuam, bem como o são suas estratégias ( Jasper, 2004Jasper, J. M. “A strategic approach to collective action: looking for agency in social-movement choices”. Mobilization: An International Journal, vol. 9, nº 1, p. 1-16, 2004. , 2014Jasper, J. M. Protest: a cultural introduction to social movements. Cambridge: Polity Press, 2014. ; Meyer e Staggenborg, 2012). Na arena governamental – esse novo lugar de atuação dos ambientalistas que conviveram com pessoas de diferentes trajetórias e onde sofriam diferentes pressões –, suas agendas, estratégias, identidades e projetos foram revisados, necessariamente, mas não sofreram realinhamentos como os do PT. Podemos considerar que permanecer no governo após as derrotas em relação à agenda dos transgênicos e à liberação do licenciamento das hidrelétricas do rio Madeira, da forma como aconteceram, requereu mudanças nos planos desses atores, mas eles mantiveram coesão de grupo e estratégia em suas funções e conseguiram desenvolver parte importante da agenda que elaboraram para a Amazônia.

Para Melucci (1996)Melucci, A. Challenging codes: collective action in the information age. New York: Cambridge University Press, 1996. , a capacidade do líder de fornecer símbolos de identificação e de reforçar a identidade coletiva é de grande importância, uma vez que o líder também reforça a estrutura psicológica dos membros individuais (p. 341). Dessa forma, o líder assume um papel de defesa dos projetos dos movimentos sociais, que contêm e reforçam suas identidades, demandas, estratégias, enfim, seus projetos. Ao defender os projetos e obter sucesso em sua jornada, sua base reforçava os poderes de recompensa – a implementação de fato do projeto de sociedade civil no governo; de identificação – no respeito e na aceitação de que Marina Silva gozava no movimento, e na gratificação emocional que ela proporcionava; e de competência do líder – reconhecimento dos talentos de Marina Silva para implementação do projeto ambientalista, os quais lhe concediam legitimidade, o critério essencial que governa as trocas entre o líder e sua base de apoio e o fundamento do poder do líder. A partir do que foi exposto sobre a relação de Marina Silva com os ambientalistas, não houve sobreposição de estratégia e identidade do partido sobre a do movimento social, conforme defendem Heaney e Rojas (2015) e Rosenblum (2008)Rosenblum, N. On the side of angels: an appreciation of parties and partisanship. Princeton: Princeton University Press, 2008. em casos de conflitos e sobreposições.

A linha política de Marina Silva dentro do PT perdeu importância e deixava, claramente, de ser uma prioridade para o governo e para o partido à medida que este elencava novas parcerias e propostas como prioritárias, isto é, o enfraquecimento de uma issue que fora relevante dentro do partido altera o mecanismo de identificação de eleitores e de partidários, o qual pode também ser fragilizado. O partido deixava de sustentar um desenho de linha política e issue ambiental, o que teve impacto na opinião pública. Com isso, o reforço de linhas concorrentes também enfraquecia o papel de liderança de Marina Silva dentro do partido, os incentivos coletivos de identidade e seletivos eram fortalecidos em outras linhas políticas, como as que defendiam as pautas de infraestrutura e do agronegócio. O papel de liderança partidária de Marina Silva era, portanto, enfraquecido.

Experiência pós-governo e ação na arena eleitoral

Em 2009, Marina Silva se desfiliou do PT, partido em que construiu sua carreira política ao longo de 30 anos. Ela se filiou ao Partido Verde (PV) e concorreu ao cargo de presidente da República, nas eleições de 2010, contra a candidata de Lula, Dilma Rousseff, conquistando o terceiro lugar no pleito, com quase 20 milhões de votos. No âmbito da sociedade civil, Marina e seus apoiadores iniciaram o Movimento Brasil Sustentável, em 2008; criaram o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em 2009; e o Instituto Marina Silva (IMAS), em 2011. As mobilizações no campo social e político tiveram forte apoio de lideranças do setor empresarial que vinham desenvolvendo, desde o final da década de 1990, diferentes projetos de responsabilidade ambiental nas empresas. Essa união foi tão profícua que, nas eleições de 2010, Guilherme Leal, presidente da empresa de cosméticos Natura, foi candidato a vice-presidente da República na chapa de Marina Silva.

Um entrevistado de ONG, que acompanhava de forma participativa a gestão de Marina Silva no governo, informou que, após sua saída do MMA, um grupo de ambientalistas, preocupado com as decisões governamentais, formulou uma campanha de mobilização nacional para chamar a atenção para a agenda ambiental que estava sendo arquivada pelo governo do PT (Entrevista 2, 27/4/2013). A campanha se chamava Brasil Sustentável, era liderada por Marina Silva e coordenada por ambientalistas que acompanhavam essa líder sociopartidária desde a década de 1990, num modelo imbricado de líderes e liderados buscando dar novos sentidos para sua atuação.

A campanha logo foi preterida pela defesa que alguns ícones do movimento ambientalista e de outros movimentos sociais faziam da candidatura de Marina Silva ao cargo de presidente da República nas eleições de 2010. Ela era uma forte liderança partidária, para além de sua força e influência no campo da sociedade civil. Não era possível desvincular Marina Silva da sua atuação e histórico político-partidário. Junto com ela, um grupo de lideranças do movimento ambientalista se filiou ao PV e alguns concorreram a cargos tanto no legislativo como em governos de estados.

A filiação de Marina Silva e de várias lideranças do movimento ambientalista ao PV, as quais a acompanhavam e davam suporte às suas ações, aconteceu por meio de negociações, de acordo com as quais o partido deveria dar espaço para esse grupo atuar na direção partidária, em sua estrutura organizacional, de partido formal. Após as eleições, contudo, os “chefes” do partido não cumpriram o acordado, e a líder Marina Silva, junto com seu grupo de apoiadores, se desfiliou do PV (Entrevista 9, 2/2/2015). Mais uma vez, os incentivos seletivos partidários eram negados ao grupo de Marina Silva. Naquele momento, surgiu a proposta de criar um novo partido político para que ele mesmo fizesse sua própria representação política, uma vez que os partidos com os quais tinham antes estabelecido vínculos deixaram de os representar. Vale ressaltar que se trata de parte importante de um movimento que, desde sua formação, interage com partidos políticos em suas diferentes arenas de atuação: legislativa, governamental e eleitoral.

A ideia de criar um partido próprio amadureceu e, em fevereiro de 2013, Marina Silva e uma rede de apoiadores apresentaram uma proposta do que mais tarde se tornaria a Rede Sustentabilidade, criada formalmente em setembro de 2015. O que se observa nesse processo é que a identidade de movimento social se sobrepôs à identidade de partido político, no que se refere à relação entre ambientalistas com o Partido dos Trabalhadores e com o Partido Verde. Uma vez que esses partidos deixaram de fazer a representação política dos projetos dos ambientalistas e de defender suas principais issues , de distribuir os incentivos coletivos de identidade e incentivos seletivos – que reforçam sua identidade interna e externa como defensores da agenda ambiental – em razão de interesses eleitorais e próprios da organização partidária, os ambientalistas preferiram trilhar seu próprio caminho na vida partidária, tão próxima e cara a eles desde o seu surgimento.

Ainda que os ambientalistas, sob a liderança sociopartidária de Marina Silva, tenham ingressado nas arenas partidárias e se lançado na aventura eleitoral, como apoiadores partidários e como candidatos, eles se desvincularam, em sua ação, identidade e estratégia, do PT, partido que, por quase três décadas, foi um aliado, e fundaram seu próprio partido. As identidades e estratégias foram separadas, bem como os seus caminhos. A liderança de Marina Silva para os ambientalistas foi determinante para dar o formato e definir a longevidade, a intensidade e o local de interação dos atores e organizações do movimento com o seu antigo partido, quais sejam: as arenas legislativa e governamental. Também definiu o tipo de relação com o PV, na arena eleitoral, e os caminhos de atuação na ação coletiva tanto na sociedade civil ou em atividades partidárias.

A ação dos ambientalistas dentro das arenas eleitoral, legislativa e governamental os capacitou com a experiência política, que definiu sua ação futura: criar um partido político e se lançar no mercado eleitoral. Ainda que a Rede Sustentabilidade não seja um partido dos ambientalistas, mas, sim, a representação de algumas importantes lideranças ambientais e de milhares de eleitores, podemos considerar que ela é um produto relevante da experiência de décadas de interação entre movimento e partido no campo social e nas arenas partidárias.

Conclusão

Neste artigo, buscamos compreender como atores de movimentos sociais e de partidos políticos se unem, interagem com o passar dos anos e superam os conflitos que surgem dessa relação, conjugando elementos analíticos da literatura de movimentos sociais e de partidos políticos. Para tanto, estudamos a interação entre atores do movimento ambientalista com partidos políticos desde o seu surgimento, na década de 1980, até a articulação de ambientalistas para a formação do partido político Rede Sustentabilidade, em 2013. Trata-se de uma análise histórica, rara nos estudos sobre interação entre movimentos sociais e partidos políticos, que aborda diferentes formas de interação do mesmo movimento social com partidos políticos. A análise evidenciou que o movimento ambientalista escolheu, em razão de elementos de identidade e estratégia, uma legenda específica para ter relação mais próxima, o Partido dos Trabalhadores.

Observamos que as identidades e estratégias dos movimentos sociais e dos partidos políticos são elementos que os aproximam no processo de luta pela realização de objetivos em comum e para alcançar eficácia política, mas também os distanciam, a depender dos ajustes que ocorrem nas linhas políticas dos partidos, nas suas estratégias e nas transformações pelas quais passam os movimentos sociais, com implicações para o redirecionamento de suas identidades e estratégias – especialmente nos processos de interação com os partidos. Conforme observamos no exemplo de Marina Silva, as lideranças sociopartidárias, líderes no partido e no movimento, exercem papel crucial na mediação, no formato, na longevidade e na intensidade da interação entre as diferentes partes, o que pode dar sobrevida à interação entre atores e organizações sociais e partidárias ao longo dos anos.

A análise da ação do movimento ambientalista com partidos políticos aponta para uma transformação na forma de atuação política do movimento, que migrou para as arenas partidárias a fim de implementar seu projeto político socioambiental. No percurso, Marina Silva se tornou uma líder para o movimento e intensificou as relações de proximidade que este já havia estabelecido com o PT, partilhando projetos em comum. A partir de certo momento, conflitos surgiram na interação entre movimento e partido, e a relação de liderança que desenvolveram com Marina Silva foi determinante para, juntos, romperem com o PT e assumirem novas práticas de ação dentro do sistema partidário. Se antes apoiavam candidaturas e programas de governo desse e de outros partidos, a orientação pós-PV era de eles mesmos serem os protagonistas no sistema político, sem intermediários partidários para lutar e implementar seus projetos políticos e com a forte liderança de Marina Silva.

Nossa principal contribuição teórica ao trabalhar a interação entre partido e movimento foi construir um paralelo entre a literatura de movimentos sociais e a de partidos políticos, identificando pontes entre elementos analíticos de ambos os campos – dentro do debate sobre identidades e estratégias coletivas e partidárias – e, com isso, destacar o papel das lideranças sociopartidárias na interação entre movimentos sociais e partidos políticos. Essa é uma carência na literatura nacional e internacional sobre o assunto, apesar de abundarem estudos empíricos que sinalizam para essa necessidade. As análises ora se desenvolvem focadas em elementos de uma ou de outra literatura, ora se utilizam da bem estabelecida literatura sobre relações entre Estado e sociedade civil para estudarem casos específicos de interação entre movimentos sociais e partidos políticos, fazendo enquadramentos que nem sempre contemplam as dinâmicas das organizações partidárias. Nesse sentido, acreditamos que a contribuição é válida para pesquisadores de ambos os campos.

Empiricamente, a análise histórica de mais de 30 anos da interação de ambientalistas com partidos políticos – como se uniram a partidos, como atuaram juntos e como os conflitos surgiram e foram assimilados – traz uma perspectiva de como essa relação é oscilante em função de diferentes elementos que remetem ao movimento e aos partidos e, ao mesmo tempo, tão importante para a força e o direcionamento político de um movimento social. Para o campo dos partidos políticos, como houve destaque para a relação com o PT, a análise aponta para a necessidade de observar a importância que movimentos sociais podem ter para o desenvolvimento da organização partidária, especialmente com issues específicas, que podem auxiliar em processos eleitorais e também na implementação de políticas públicas quando estão no governo. Partidos e movimentos são agentes de mediação e têm grande importância um para o outro e para a sociedade.

Na análise, prevaleceu a perspectiva dos movimentos sociais, uma vez que este artigo teve como proposta abordar a relação de um movimento social com partidos políticos para compreender mecanismos interacionais de como se constroem pontes com partidos políticos. Estudos futuros podem abordar essa relação de forma mais integrada entre os dois campos ou mesmo trazer mais intensamente a perspectiva dos partidos políticos na relação com movimentos sociais. Seria uma excelente contribuição.

Agradecimentos

Agradeço as ricas contribuições dos pareceristas da revista Opinião Pública , as quais foram essenciais para a melhoria do artigo.

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  • 2
    Agradeço as ricas contribuições dos pareceristas da revista Opinião Pública , as quais foram essenciais para a melhoria do artigo.
  • 3
    Compreendemos eficácia política como a capacidade dos movimentos sociais de adequarem seus meios com vistas a atingir suas metas, realizarem seus objetivos políticos e provocarem mudança social (cf. Tatagiba, 2008Tatagiba, L. “Movimentos sociais e sistema político: um diálogo (preliminar) com a literatura”. In: 6º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, 2008. ). O mesmo conceito se aplica para eficácia política dos partidos políticos, porém, considerando para esses últimos a conquista de votos no mercado eleitoral.
  • 4
    Algumas referências são: Della Porta e Rucht, 1995Della Porta, D.; Rucht, D. Left-libertarian movements in context: a comparison of Italy and West Germany, 1965-1990. In: Jenkins, C.; Klandermans, B. (orgs.). The politics of social protest: comparative perspectives on state and social movements. Social movements protest and contentions, vol. 3. Minneapolis: University of Minnesota Press, p. 229-275, 1995. ; Poguntke, 2001Poguntke, T. “Green Parties in national governments: from protest to acquiescence?”. Working Paper 9. Keele European Parties Research Unit., 2001. ; Desai, 2003Desai, M. From movement to party to government: why social policies in Kerala and West Bengal are so different? In: Goldstone, J. (ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003. ; Goldstone, 2003Goldstone, J. A. (org.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003. , 2004Goldstone, J. A. “More social movements or fewer? Beyond political opportunity structures to relational fields”. Theory and Society, vol. 33, nº 3/4, p. 333-365, jun.-ago. 2004. ; Kitschelt, 2006Kitschelt, H. Movement parties. In: Katz, R. S.; Crotty, W. (orgs.). Handbook of party politics. Londres: Sage Publications, p. 278-289, 2006. ; Anria, 2013Anria, S. “Social movements, party organization, and populism: insights from the Bolivian MAS”. Latin American Politics and Society, vol. 55, nº 3, p. 19-43, 2013. ; Cowell-Meyers, 2014Cowell-Meyers, K. B. “The social movement as political party: the North Ireland women’s coalition and the campaign for inclusion”. Perspectives on Politics, Cambridge, vol. 12, nº 1, p. 61-80, mar. 2014. ; Heaney e Rojas, 2015; Schlozman, 2015Schlozman, D. A. When movements anchor parties: social movements, political parties, and electoral change. Princeton: Princeton University Press, 2015. ; Von Bülow e Bidegain, 2015Von Bülow, M.; Bidegain, G. It takes two to tango: students, political parties and protests in Chile (2005-2013). In: Almeida, P.; Ordero Ulate, A. (orgs.). Handbook of social movements across Latin America: bridging the divide. Burlington: Ashgate, p. 1-11, 2015. ; Abers e Oliveira, 2015; Meza e Tatagiba, 2016Meza, H.; Tatagiba, L. F. “Movimentos sociais e partidos políticos: as relações entre o movimento feminista e o sistema de partidos na Nicarágua (1974-2012)”. Opinião Pública, vol. 22, p. 350-384, 2016. ; Oliveira, 2016Oliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
    https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
    ; Della Porta et al., 2017Della Porta, D., et al. Party movements against austerity. Cambridge, UK: Polity Press, 2017. ; Albala, 2018Albala, A. Civil society and political representation in Latin America (2010-2015). New York: Springer, 2018. ; Pirro, 2019Pirro, A. “Ballots and barricades enhanced: far-right ‘movement parties’ and movement-electoral interactions”. Nations and Nationalism, vol. 25, nº 3, p. 1-21, 2019. .
  • 5
    O trabalho de Meza e Tatagiba (2016)Meza, H.; Tatagiba, L. F. “Movimentos sociais e partidos políticos: as relações entre o movimento feminista e o sistema de partidos na Nicarágua (1974-2012)”. Opinião Pública, vol. 22, p. 350-384, 2016. sobre interações do movimento feminista com o sistema partidário na Nicarágua entre 1974 e 2012, faz detalhado apanhado histórico com importante contribuição teórica e empírica sobre os processos de interação entre movimentos sociais e partidos políticos. Todavia, o estudo está centrado na Nicarágua e não no Brasil.
  • 6
    Kathryn Hochstetler é atualmente professora do Departamento de Desenvolvimento Internacional da London School of Economics and Political Science. Os resultados de sua pesquisa acerca do ambientalismo no Brasil, realizada durante as décadas de 1980 e 1990, podem ser encontrados no livro Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society, que escreveu em coautoria com Margaret Keck ( Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, K.; Keck, M. E. Greening Brazil: environmental activism in state and society. Durham and London: Duke University Press, 2007. ).
  • 7
    Arenas partidárias: eleitoral, governamental e parlamentar ( Ribeiro, 2008Ribeiro, P. F. “Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005”. São Carlos. Tese de doutorado em ciência política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008. ).
  • 8
    Estratégia é um plano de ação para atingir determinado objetivo. Táticas são os meios específicos de implementar estratégias e compreendem as formas de ação coletiva adotadas pelos movimentos ( Meyer e Staggenborg, 2008Meyer, D. S.; Staggenborg, S. Opposing movement strategies in U.S. abortion politics. In: Coy, P. G. (org.). Research in social movements, conflicts and change. Vol. 28. Bingley: Emerald Group Publishing Limited, p. 207-238, 2008. , p. 213-214).
  • 9
    Partido cartel: um partido diferente para o qual a conquista de espaços no parlamento e no governo é fundamental para sua sobrevivência, uma vez que permite acesso do partido a recursos considerados vitais ( Katz e Mair, 1995Katz, R. S; Mair, P. “Changing models of party organization and party democracy: the emergence of the cartel party”. Party Politics, vol. 1, nº 1, p. 5-28, jan. 1995. ).
  • 10
    Defendemos essa posição apoiados no trabalho de Heaney e Rojas (2015); Schlozman (2015)Schlozman, D. A. When movements anchor parties: social movements, political parties, and electoral change. Princeton: Princeton University Press, 2015. ; Schwartz (2006)Schwartz, M. A. Party movements in the United States and Canada: strategies of persistence. Maryland: Rowman and Littlefield, 2006. , entre outros pesquisadores já citados neste artigo.
  • 11
    Por exemplo, vários partidos de esquerda europeus reorientaram sua organização, estratégias e identidade após assumirem mandatos no poder Executivo em meados do século passado ( Mair, 1997Mair, P. Party system change: approaches and interpretations. New York: Oxford International Press, 1997. ). O Partido Social Democrata da Alemanha Oriental, em 1959, realizou congresso em que oficialmente anunciou sua modernização e moderação ideológica, o que refletia sua experiência no governo ( Ribeiro, 2014Ribeiro, P. F. “An amphibian party? Organisational, change and adaptation in the Brazilian Workers Party, 1980-2012”. Journal of Latin American Studies, vol 46, p. 87-119, 2014. ).
  • 12
    Feldmann, enquanto foi constituinte e deputado federal, construiu importantes canais de interlocução entre ambientalistas e a Câmara dos Deputados: a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e a Frente Parlamentar Ambientalista, que seriam muito aproveitadas pelos ambientalistas dedicados a defender seus interesses e a influenciar parlamentares na aprovação e bloqueio de projetos de lei que estavam em votação ou em elaboração ( Bernardo, 1999Bernardo, M. B. “Do monopólio dos sonhos aos descaminhos da política: ambientalismo e espaço público”. Tese de doutorado em sociologia. Universidade de Brasília, Brasília, 1999. ).
  • 13
    Liderança responsável pela criação do PT no estado do Acre e assassinado em 1988 em razão de sua luta pela defesa dos povos da floresta e da Amazônia.
  • 14
    O socioambientalismo emergiu com a redemocratização do país, na década de 1980, e redefiniu a ideia de meio ambiente como a relação entre grupos sociais e recursos naturais. A definição do problema ambiental sai exclusivamente das ciências naturais e vai para as ciências humanas (Alonso, Costa e Maciel, 2007)
  • 15
    No seguinte link , é possível encontrar a lista de prêmios que Marina Silva havia recebido até o momento de sua nomeação como ministra do Meio Ambiente: < http://www.mma.gov.br/estruturas/cgti/_arquivos/curriculoport.pdf . Acesso em: 14 fev. 2019.
  • 16
    Em 2004, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial, com mais de 15 órgãos do governo envolvidos para atacar o problema do desmatamento na Amazônia. O PPCDAm se constituiu a partir desse GTI coordenado por Capobianco.
  • 17
    Ver: Oliveira, 2016, pOliveira, M. S. “Movimentos para as instituições: ambientalistas, partidos políticos e a liderança de Marina Silva. Tese de doutorado em ciência política. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/22095. Acesso em: ago. 2021.
    https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
    , p. 151.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    1 Maio 2018
  • Aceito
    16 Jun 2021
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