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Medo do crime: mensurando o fenômeno e explorando seus preditores na cidade de São Paulo

Fear of crime: measuring the phenomenon and exploring its predictors in São Paulo city

Miedo al crimen: midiendo el fenómeno y explorando sus predictores en la ciudad de São Paulo

Peur du crime: mesurer le phénomène et explorer ses prédicteurs dans la ville de São Paulo

O artigo visa contribuir para discussões teóricas e metodológicas sobre a conceitualização, mensuração e identificação de preditores do medo do crime no contexto brasileiro. Com base em dados de survey aplicado em 2015 na cidade de São Paulo, o medo do crime foi trabalhado por meio de dimensões emocionais, cognitivas e comportamentais. Análises de regressões e modelagens de equações estruturais apontaram efeitos recíprocos entre as três dimensões e revelaram suas relações com aspectos individuais (variáveis sociodemográficas), experiências de vitimização (direta e indireta) e contextuais (percepções de desordem e coesão social). Os resultados evidenciam a natureza complexa do fenômeno, reforçando a mensuração mais abrangente, bem como revelam o papel de condicionantes como sexo, percepção de desordem, baixa coesão social, vitimização indireta, idade, escolaridade e status socioeconômico.

medo do crime; survey; mensuração; violência


Abstract

This paper aims to contribute to theoretical and methodological discussions about the conceptualization, measurement, and identification of predictors of fear of crime in the Brazilian context. Based on survey data collected in São Paulo city in 2015, we worked with a fear of crime construct covering emotional, cognitive and behavioral dimensions. Using Multiple Regressions and Structural Equation Modeling we verify the relation between each one of these components and explanatory variables informed by individual aspects (sociodemographic variables) experiences of victimization (direct and indirect) and contextual aspects (perceptions of disorder and social cohesion). The results highlight the complex and multidetermined nature of the phenomenon studied and support the importance of a broader measurement perspective. The analysis also reveals the influence of predictors such as gender, perceived neighborhood disorder, low social cohesion, indirect victimization, age, education, and socioeconomic status.

fear of crime; survey; measurement; violence

Resumen

Este artículo pretende contribuir a la discusión teórica y metodológica sobre la conceptualización, medición e identificación de los predictores del miedo al crimen en el contexto brasilero. Basado en datos de encuestas aplicadas en 2015 en la ciudad de São Paulo, trabajamos el constructo de miedo al crimen que identifica dimensiones emocionales, cognitivas y comportamentales. Por medio de regresiones múltiples y modelos de ecuaciones estructurales, identificamos efectos recíprocos entre las tres dimensiones del miedo al crimen y verificamos la relación entre estas dimensiones con variables explicativas asociadas a características sociodemográficas, experiencias de victimización (directa e indirecta) y variables contextuales (percepciones de desorden y cohesión social). Los resultados destacan la naturaleza compleja y multideterminada del fenómeno estudiado y respaldan la importancia de una perspectiva de medición más amplia. El análisis también revela la influencia de predictores como el sexo, percepción de desorden, baja cohesión social, victimización indirecta, edad, educación y estatus socioeconómicos.

miedo al crimen; encuesta; medición; violencia

Résumé

L’article vise à contribuer pour les discussions théoriques et méthodologiques sur la conceptualisation, la mesure et l'identification des prédicteurs de la peur du crime dans le contexte brésilien. Sur la base des données d'enquête collectées dans la ville de São Paulo en 2015, la peur du crime a été abordée à travers une construction aux dimensions émotionnelle, cognitive et comportementale. Par le moyen de les l'analyse des régressions multiples et la modélisation d'équations structurelles ont identifié des effets réciproques entre les trois dimensions et révélé leur relation avec les aspects individuels (variables sociodémographiques) des expériences de victimisation (directes et indirectes) et contextuelles (perceptions du désordre et de la cohésion sociale). Les résultats montrent la nature complexe et multi déterminée du phénomène étudié et ils renforcent l’importance à travers une construction d’une perspective de mesure plus large. L'analyse révèle également l'influence de prédicteurs tels que le sexe, la perception du désordre, la faible cohésion sociale, l’expérience de victimisation indirecte, l'âge, la scolarité et le statut socioéconomique.

peur du crime; enquête; mesure; violence

Introdução 3 3 O presente artigo é fruto de pesquisa desenvolvida junto ao Projeto “Building Democracy Daily: Human Rights, Violence, and Institutional Trust” – Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (CepiD-Fapesp 2013-07923-7).

O crescimento dos indicadores a respeito da criminalidade urbana no Brasil desde meados dos anos 1980 sinaliza não apenas a gravidade e a disseminação de crimes violentos no país, como também a inscrição desse fenômeno como um problema crônico cujos desdobramentos se tornam parte da vivência cotidiana dos cidadãos nas últimas décadas.

Concomitantemente ao crescimento da criminalidade, amplia-se também a vitimização direta e indireta da população, ou seja, pessoas que foram vítimas ou têm informações sobre casos de violência que envolvem pessoas próximas ou a sua comunidade. Nesse sentido, as pesquisas de vitimização têm ajudado a monitorar e compreender o fenômeno da violência, tanto por meio de trabalhos e relatórios descritivos quanto por pesquisas que buscam explorar seus preditores, tais como características das vítimas, estilo de vida e condições espaciais (Beato Filho, Peixoto e Andrade, 2004; Cardia, 2003Cardia, N. “Exposição à violência: seus efeitos sobre valores e crenças em relação a violência, polícia e direitos humanos”. Lusotopie, nº 10, p. 299-328, 2003. ; Crisp, 2010Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp). Percepção de medo no estado de Minas Gerais. Relatório final. UFMG, Belo Horizonte, 2010. ; Rolim, 2019Rolim, M. Pesquisas de vitimização, instrumentos fundamentais para a segurança pública. In: Seibel, E. J.; Hartman, F. C. (eds.). Vitimização e sentimento de insegurança: metodologias e pesquisa. Curitiba: Brazil Publishing, 2019. ; Zaluar, 2007Zaluar, A. Pesquisa domiciliar de vitimização na cidade do Rio de Janeiro – 2005-2006. Coleção Estudos Cariocas. Nupevi/IMS/Uerj, Crisp/UFMG, Pronex/CNPq, IPP/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2007. ).

À violência vivenciada direta ou indiretamente, somam-se a percepção de risco e o medo do crime, cuja incidência é alta nos mais variados grupos sociais. O medo excessivo e constante é um elemento capaz de impactar diretamente a qualidade de vida, além de ter influência sobre a forma como indivíduos se relacionam uns com os outros e com seu entorno. Esse é um tema que tem sido discutido na literatura brasileira nas duas últimas décadas, tanto por pesquisas qualitativas ( Aguiar, 2005Aguiar, C. L. S. “Medo e descrença nas instituições de lei e ordem: uma análise da imprensa escrita e das sondagens de opinião”. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. ; Caldeira, 2000Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. ), como quantitativas, o que inclui trabalhos que exploram as relações entre o medo e outras variáveis condicionantes, como características sociodemográficas (Beato Filho e Caminhas, 2009; Cardoso et al., 2013Cardoso, G. R., et al. “Percepções sobre a sensação de segurança entre os brasileiros: investigação sobre condicionantes individuais”. Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 7, nº 2, p. 144-161, 2013. ; Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ; Silva e Beato Filho, 2013), características espaciais e ecológicas, como percepção de desordem e incivilidades (Beato Filho e Caminhas, 2009; Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ; Silva e Beato Filho, 2013; Soares, 2008Soares, G. O sentimento de insegurança: teorias, hipóteses e dados. In: Duarte, M. S. D. B. (ed.). Pesquisa de condições de vida e vitimização de 2007: análise criminal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Coleção Instituto de Segurança Pública, 2008. ; Zaluar, 2007Zaluar, A. Pesquisa domiciliar de vitimização na cidade do Rio de Janeiro – 2005-2006. Coleção Estudos Cariocas. Nupevi/IMS/Uerj, Crisp/UFMG, Pronex/CNPq, IPP/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2007. ), exposição aos meios de comunicação (Beato Filho e Caminhas, 2009), contato direto ou indireto com a violência (Beato Filho e Caminhas, 2009; Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ; Soares, 2008Soares, G. O sentimento de insegurança: teorias, hipóteses e dados. In: Duarte, M. S. D. B. (ed.). Pesquisa de condições de vida e vitimização de 2007: análise criminal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Coleção Instituto de Segurança Pública, 2008. ) e percepções sobre o trabalho da polícia ( Costa e Durante, 2019Costa, A. T.; Durante, M. O. “A polícia e o medo do crime no Distrito Federal”. Dados, vol. 62, nº 1, p. 1-31, 2019. ). Cumpre destacar que, embora existam pesquisas quantitativas a respeito do tema em escala nacional ( IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional por amostra de domicílios: características da vitimização e do acesso à justiça no Brasil em 2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. ; FBSP, 2017Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (org.). Medo da violência e o apoio ao autoritarismo no Brasil: índice de propensão ao apoio a posições autoritárias. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017. ), a maior parte dos estudos que são referências no presente artigo, em virtude do debate teórico-metodológico aqui proposto, localiza-se em contextos urbanos – em especial metropolitanos – da região Sudeste do Brasil e Distrito Federal4 4 Destaca-se a profícua produção bibliográfica realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança (Crisp) com foco em Minas Gerais e, mais especificamente, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. . Em especial a cidade de São Paulo, lócus da pesquisa empírica empreendida neste estudo, é objeto de pesquisas quantitativas e qualitativas sobre o medo do crime há mais de três décadas, em convergência com o processo histórico relativo ao recrudescimento da criminalidade urbana no município a partir dos anos de 1970 ( Caldeira, 2000Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. ).

O presente artigo visa trazer duas contribuições para a discussão a respeito das percepções sobre o medo do crime no contexto da literatura nacional. A primeira envolve a discussão sobre a mensuração do medo do crime, na qual se constata a ampla variedade de maneiras de operacionalização e a produção de resultados frequentemente inconclusivos. Nessa perspectiva, descrevemos o que os estudos internacionais e brasileiros têm apontado em relação ao tema, levando-se em consideração a significativa projeção que a criminalidade e a violência desfrutam na estruturação da sociedade brasileira em suas mais diversas camadas sociais, territorialidades e arranjos institucionais. A segunda consiste em, recorrendo a análises empíricas, aferir, inicialmente, em estatísticas, a correlação entre diferentes fenômenos que têm sido problematizados como fatores circunscritos e circundantes do medo do crime, cuja divisão pode ser estabelecida entre componentes emocionais, cognitivos e comportamentais do medo ( Rader, 2004Rader, N. E. “The threat of victimization: a theoretical reconceptualization of fear of crime”. Sociological Spectrum, vol. 24, nº 6, p. 689-704, 2004. ). Como desdobramento desse processo, por meio da utilização da modelagem de equações estruturais (MEE), investigamos os preditores dos três aspectos constitutivos da percepção de medo do crime a partir das variáveis individuais e contextuais e das experiências de vitimização, de modo a também realizarmos uma análise compreensiva das relações de determinação estabelecidas entre os indicadores.

Dessa forma, o texto a seguir se divide em cinco seções principais. Na primeira delas, "Considerações sobre a mensuração de medo do crime", realizamos uma revisão de literatura a respeito do conceito e de sua mensuração, destacando suas dimensões emocionais, cognitivas e comportamentais. Em seguida, ainda nos fiando na literatura, na seção “Preditores do medo do crime”, apresentamos os principais fatores explicativos para o medo do crime, elencados em pesquisas tanto nacionais quanto internacionais, com destaque para aspectos sociodemográficos e contextuais e experiências de vitimização. A seguir, encetamos o estudo empírico no qual o artigo se centra, apresentando na seção “Metodologia” o desenho de pesquisa, descrevendo a amostra utilizada, a estratégia analítica adotada e o processo de construção das variáveis. Ulteriormente, em “Resultados e discussão”, descrevemos de maneira pormenorizada as análises realizadas através de dois procedimentos: 1) por meio de regressões lineares multivariadas, testamos o efeito dos preditores selecionados para cada uma das dimensões do medo do crime tomadas individualmente; e 2) por meio de modelagem de equações estruturais testamos os efeitos simultâneos diretos e indiretos das variáveis explicativas sobre as variáveis que compõem o medo do crime. Os resultados foram apresentados fazendo uso de tabelas e diagramas e discutidos à luz da literatura. Por fim, em ”Conclusão”, são apresentadas as considerações finais, seção na qual reforçamos a importância de se considerar o medo do crime a partir de suas múltiplas dimensões.

Considerações sobre a mensuração de medo do crime

Desde a década de 1960, a literatura sobre o medo do crime tem crescido não apenas nos EUA, como também no resto do mundo. Diversos autores apontam que essa ascensão está relacionada com o aumento nos índices de criminalidade, que torna o fenômeno socialmente relevante e tema de interesse para acadêmicos e formadores de políticas públicas, em razão dos impactos que causa em nível individual e no bem-estar da população como um todo (Dubow, McCabe e Kaplan, 1979; Farrall et al., 1997Farrall, S.; et al. “Questioning the measurement of the ‘fear of crime’: findings from a major methodological study”. British Journal of Criminology, vol. 37, nº 4, p. 658-679, 1 jan. 1997. ; Ferraro e Grange, 1987Ferraro, K. F.; Grange, R. L. “The measurement of fear of crime”. Sociological Inquiry, vol. 57, nº 1, p. 70-97, jan. 1987. ; Gray, Jackson e Farrall, 2011b; Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ; Rader, 2016Rader, N. E. “Fear of crime”. Oxford Research Encyclopedia of Criminology and Criminal Justice. Oxford University Press USA, 2016. ).

Entretanto, enquanto objeto de pesquisa, a conceitualização e a mensuração do medo do crime ainda são bastante desafiadoras. Estudiosos têm debatido longamente a respeito de como mensurar esse fenômeno e, em uma revisão de literatura de 40 anos atrás, Dubow, McCabe e Kaplan (1979) já apontavam para a ampla polissemia conceitual da expressão “medo do crime”. Utilizada para fazer referência a aspectos tão diversos e com tantos significados diferentes, tal expressão revelava, segundo os autores, certa falta de cuidado conceitual, cuja consequência teórica mais evidente era a de tornar o “medo do crime” um conceito quase ininteligível. Embora não exista uma conceituação universalmente acordada, diversos autores pontuam que o medo do crime seria uma resposta emocional negativa para uma ameaça ou perigo potencial de ser vítima de um crime ( Ferraro e Grange, 1987Ferraro, K. F.; Grange, R. L. “The measurement of fear of crime”. Sociological Inquiry, vol. 57, nº 1, p. 70-97, jan. 1987. ; Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ; Lane et al., 2004, apud Henson e Reyns, 2015Henson, B.; Reyns, B. W. “The only thing we have to fear is fear itself… and crime: the current state of the fear of crime literature and where it should go next: the only thing we have to fear”. Sociology Compass, vol. 9, nº 2, p. 91-103, fev. 2015. ; Rader, 2016Rader, N. E. “Fear of crime”. Oxford Research Encyclopedia of Criminology and Criminal Justice. Oxford University Press USA, 2016. ).

De uma perspectiva psicológica, o medo é uma reação que desencadeia uma série de mudanças corporais que colocam o indivíduo em alerta contra um perigo ou ameaça potencial. Por um lado, esse medo pode ser considerado sensato e até mesmo necessário, pois existem situações de risco nas quais a cautela pode ser oportuna e o medo funciona como um mecanismo de alerta para resguardar a segurança individual contra a possibilidade de vitimização – esse seria o medo justificado e útil. Entretanto, quando é excessivo e constante, ele se torna um elemento capaz de impactar diretamente a qualidade de vida, gera um terror contraproducente ou até mesmo debilitante e incapacitante, além de ter influência sobre a forma como indivíduos se relacionam uns com os outros, com seu entorno e com a estrutura social, afetando relações de sociabilidade nas mais diferentes escalas do tecido social.

Hough (2004)Hough, M. “Worry about crime: mental events or mental states?”. International Journal of Social Research Methodology, vol. 7, nº 2, p. 173-176, abr. 2004. assinala a existência de uma diferença entre a preocupação com o crime e o medo do crime. A preocupação seria uma espécie de ansiedade, angústia ou inquietação que tem características de um estado mental, pois é um sentimento difuso que não está relacionado a um evento em particular. Já o medo seria um evento mental específico e concreto de temor, pontuado no tempo e no espaço por episódios peculiares que podem ser contabilizados ou datados e que possuem contextos e situações desencadeadoras que os suscitam.

Para além do enfoque psicológico e emocional, o tema pode ser pensado ainda a partir de outras dimensões, como a percepção de risco de vitimização. Tal abordagem consiste na avaliação ou julgamento que os indivíduos elaboram sobre a probabilidade de serem vítimas de diferentes tipos de crimes/violências ou nas crenças – positivas ou negativas – que sustentam a respeito da incidência criminal no local onde moram. Entender que o bairro tem se tornado mais violento ao longo do tempo ou não se sentir seguro ao andar sozinho à noite seriam percepções de natureza cognitiva que não estão necessariamente atreladas ao sentimento de medo como estado momentâneo, mas, sim, a uma avaliação acerca dos riscos de vitimização, elaborada por meio de diferentes combinações de informações, experiências e crenças com as quais os indivíduos lidam cotidianamente.

É certo que o ambiente e a percepção de risco são fatores importantes e estão relacionados com aspectos emocionais de medo e preocupação. Quando a percepção de risco aumenta, a segurança passa a ser uma questão e as emoções atreladas ao medo são desencadeadas, deixando os indivíduos alertas e mais propensos a tomar atitudes como correr ou lutar. Já o medo recorrente ou a preocupação constante, que se mantêm em diferentes circunstâncias, tornam-se sentimentos disfuncionais que podem alterar a percepção de risco. Ou seja, é possível que essas variáveis não sejam independentes uma da outra, mas que elas se influenciem mutuamente, de maneira que a percepção cognitiva de risco pode ser tanto preditora quanto produto dos sentimentos emocionais.

Uma outra perspectiva que se relaciona com o medo e a preocupação são os comportamentos protetivos e ações restritivas. Os comportamentos protetivos são aqueles que visam prover a segurança pessoal por meio de medidas que resguardam contra ameaças em caso de um atentado, como, por exemplo, adotar um cão de guarda, instalar equipamentos de segurança (fechaduras, muros, grades, alarmes e câmeras), contratar empresa de segurança privada, blindar carros, realizar cursos e aulas de lutas e de defesa pessoal, comprar equipamentos como spray de pimenta e até mesmo uma arma. Já as ações restritivas motivadas pelo medo do crime são aquelas que afetam o cotidiano e implicam evitar determinados comportamentos com o objetivo de minimizar as chances de vitimização, tais como deixar de sair à noite, abrir mão de transitar por determinados locais, evitar andar a pé, abolir o uso de transporte público, evitar pessoas ou situações, deixar de morar em casa, mudar de bairro ou cidade etc. ( Cardia, 2003Cardia, N. “Exposição à violência: seus efeitos sobre valores e crenças em relação a violência, polícia e direitos humanos”. Lusotopie, nº 10, p. 299-328, 2003. ; Doran e Burgess, 2012Doran, B. J.; Burgess, M. B. Why is fear of crime a serious social problem? In: Doran, B. J.; Burgess, M. B. (eds.). Putting fear of crime on the map. New York: Springer New York, p. 9-23, 2012. ; Henson e Reyns, 2015Henson, B.; Reyns, B. W. “The only thing we have to fear is fear itself… and crime: the current state of the fear of crime literature and where it should go next: the only thing we have to fear”. Sociology Compass, vol. 9, nº 2, p. 91-103, fev. 2015. ; Liska, Sanchirico e Reed, 1988; Rader, 2016Rader, N. E. “Fear of crime”. Oxford Research Encyclopedia of Criminology and Criminal Justice. Oxford University Press USA, 2016. ; Ruback e Thompson, 2001Ruback, R. B.; Thompson, M. P. Social and psychological consequences of violent victimization. London; New Delhi: Sage Publications, 2001. ).

A maior parte da literatura é convergente em considerar que aspectos emocionais e comportamentais são dimensões diferentes. Entretanto, há divergência no que se refere às relações que elas estabelecem entre si. Por exemplo, embora as pesquisas indiquem a associação positiva entre comportamentos restritivos e protetivos e a preocupação com o crime, a existência e a direção da causalidade não são claras, de maneira que muito provavelmente essas variáveis interajam reciprocamente, retroalimentando-se. Foi o que apontou estudo de Liska, Sanchirico e Reed (1988), que encontraram efeitos recíprocos e positivos entre os aspectos emocionais e comportamentos restritivos. Por um lado, o estudo mostra que o aspecto emocional tem um efeito positivo sobre a adoção de medidas de segurança, ou seja, quanto maior o sentimento de medo, mais comportamentos restritivos são adotados com o objetivo de controlar ou mitigar os riscos de ser vítima de um crime5 5 É preciso não perder de vista que a simples adoção de determinados comportamentos pode estar associada mais à capacidade e à possibilidade de os indivíduos e os grupos sociais recorrerem a tais práticas do que necessariamente sua preocupação ou medo do crime. Assim, por exemplo, para muitas pessoas, não é facultada a escolha de mudar de residência ou deixar de sair à noite em virtude do medo que sentem. Também a aquisição de determinados mecanismos de segurança e proteção patrimonial está associado a recursos econômicos. . Por outro lado, a mesma pesquisa indicou que o efeito dos comportamentos restritivos sobre o sentimento de medo não foi negativo, mas, sim, positivo, ou seja, ações que teriam como objetivo minimizar a exposição às situações de risco acabaram contribuindo para aumentar o sentimento de medo. Nesse caso, é possível que as pessoas, ao adotarem comportamentos restritivos para diminuir a exposição ao risco, tenham diminuído suas interações sociais e estreitado suas redes de sociabilidade, enfraquecendo os laços comunitários e as relações de confiança interpessoal, reproduzindo e amplificando a sensação de medo.

A possível validação referente à existência de relações recíprocas entre os aspectos emocionais, cognitivos e comportamentais do medo impõe importantes desafios no que tange tanto à formulação das perguntas de pesquisa quanto ao reconhecimento das limitações metodológicas dos surveys transversais. Partindo da diferenciação conceitual e metodológica entre os componentes cognitivos, afetivos e comportamentais associados às atitudes concernentes ao medo, pesquisar o fenômeno implica esquadrinhar qual a relação que essas dimensões estabelecem entre si e também de que maneira elas interagem com aspectos que vêm sendo investigados pela literatura como elementos importantes na conformação dessas atitudes, tais como as dimensões sociodemográficas e contextuais e as experiências de vitimização.

Rader (2004)Rader, N. E. “The threat of victimization: a theoretical reconceptualization of fear of crime”. Sociological Spectrum, vol. 24, nº 6, p. 689-704, 2004. despende esforços nessa tarefa, argumentando que o medo do crime é um fenômeno complexo e multidimensional cuja abrangência e profundidade são reduzidas quando os pesquisadores focam apenas nas respostas emocionais que as pessoas dão para a ameaça de vitimização. Nesse sentido, a autora se propõe a trabalhar com um constructo de medo que incorpora simultaneamente as dimensões emocionais (medo ou preocupação com o crime), cognitivas (percepção de risco) e comportamentais (comportamentos protetivos e restritivos), por entender que, embora estas sejam diferentes, elas se relacionam reciprocamente (isto é, tanto como efeito quanto como causa). Adotando essa perspectiva, a autora procurou enfrentar basicamente dois desafios. O primeiro se refere à grande quantidade e variedade de estudos que conceitualizam e operacionalizam de distintas maneiras o medo do crime e fenômenos correlatos6 6 Percepção de insegurança, percepção de segurança, adoção de comportamentos restritivos e protetivos, percepção de risco, diferença entre medo, preocupação e ansiedade,etc. , cuja consequência mais evidente é a produção de resultados inconclusivos. O segundo desafio é desdobramento do primeiro e diz respeito à produção de evidências empíricas relativas às determinações teóricas estabelecidas a partir desse conjunto conceitual amplo e nebuloso.

Tal elaboração teórica foi posteriormente acompanhada pelo teste empírico (Rader, May e Goodrum, 2007) realizado a partir da aplicação de um survey transversal com 2.091 moradores do estado de Kentucky (EUA), cuja estratégia de análise reproduzimos parcialmente no presente artigo. Os autores utilizam uma série de regressões lineares a fim de mensurar os efeitos recíprocos entre medo do crime, percepção de risco, comportamentos protetivos e comportamentos restritivos. Para tanto, alternam nos modelos a posição de cada uma das três dimensões como variáveis dependentes e independentes. Em seus resultados, embora tanto a percepção de risco quanto os comportamentos restritivos e protetivos tenham se mostrado preditores do aspecto emocional de medo do crime, isso não se verificou em relação aos demais componentes, uma vez que somente o aspecto afetivo do medo do crime foi preditor em relação aos outros.

Preditores do medo do crime

Aspectos sociodemográficos

No que se refere aos preditores da preocupação e do medo do crime, as revisões de literatura realizadas por Hale (1996)Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. e por Rader (2004)Rader, N. E. “The threat of victimization: a theoretical reconceptualization of fear of crime”. Sociological Spectrum, vol. 24, nº 6, p. 689-704, 2004. apontam que os principais preditores individuais encontrados são variáveis sociodemográficas como gênero (mulheres manifestando mais medo do que homens), idade (os mais velhos manifestando mais medo do crime do que os jovens) e condição socioeconômica (os pobres teriam mais medo). Essas três categorias sociais, em especial, integram a abordagem interpretativa que associa o medo do crime à percepção de vulnerabilidade perante o risco de vitimização ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ; Warr, 1987Warr, M. “Fear of victimization and sensitivity to risk”. Journal of Quantitative Criminology. Vol. 3, nº 1, p. 29-46, 1987. ), cujo fundamento está associado ao sentimento de impotência e incapacidade – de motivação física, financeira ou social – dos indivíduos em reagir ou controlar uma série de experiências a que estão expostos cotidianamente e sua dificuldade em minimizar o risco de vitimização e o sentimento de ameaça.

Pesquisas realizadas no Brasil têm convergido razoavelmente com a literatura internacional no tocante aos preditores sociodemográficos. A percepção de insegurança maior entre as mulheres em comparação com os homens é praticamente uma constante (Beato Filho e Caminhas, 2009; Cardoso et al., 2013Cardoso, G. R., et al. “Percepções sobre a sensação de segurança entre os brasileiros: investigação sobre condicionantes individuais”. Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 7, nº 2, p. 144-161, 2013. ; Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ; Silva e Beato Filho, 2013; Villarreal e Silva, 2006Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. ). Quanto à idade, quase todos os estudos analisados também se alinham com a hipótese de que os mais velhos costumam sentir mais medo.

Na literatura internacional, as análises sobre a associação entre a classe social e o medo do crime tendem a reunir também as pesquisas sobre os determinantes étnico-raciais, com as minorias étnicas se sobrepondo à baixa renda entre os grupos sociais que apresentam maior preocupação com a vitimização ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ). Alinhada à perspectiva de vulnerabilidade, tal literatura enfatiza que o fundamento da percepção de fragilidade é derivado de aspectos contextuais, relacionados às experiências e condições de vida no bairro e na vizinhança, que abrangem, entre outros fatores, a qualidade da infraestrutura urbana e dos serviços públicos, as dinâmicas e taxas criminais e a eficácia coletiva ( Sampson, 2002Sampson, R. J. Organized for what? Recasting theories of social (dis)organization. In: Waring, E.; Weisburd, D. (eds.). Crime and social organization. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, p. 113-128, 2002. ; Sampson, Raudenbush e Earls, 1997; Silva e Beato Filho, 2013; Villarreal e Silva, 2006Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. ). Conjugados, tais fatores expressam uma concentração de desvantagens (Sampson, Raudenbush e Earls, 1997) que teria impacto decisivo tanto na incidência criminal e nos eventos violentos quanto no sentimento social de desamparo perante a ameaça de vitimização.

No tocante às condições socioeconômicas, as pesquisas desenvolvidas no Brasil têm indicado resultados conflitantes com a literatura internacional, uma vez que alguns estudos não encontraram efeito da renda sobre a percepção de risco ( Villarreal e Silva, 2006Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. ). Já o instigante trabalho de Silva e Beato Filho (2013) chega à conclusão de que o efeito da renda sobre o medo é significativo e negativo somente no nível da vizinhança, na medida em que a renda individual não apresenta efeito significativo, indicando que o medo do crime é maior em bairros mais pobres, sinalizando certa concordância com a perspectiva da vulnerabilidade. Não obstante, também foram encontradas diversas associações entre pessoas com maior status socioeconômico e sensação de insegurança ( Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ), renda e medo geral de crimes (Beato Filho e Caminhas, 2009) e renda e sensação de segurança ( Cardoso et al., 2013Cardoso, G. R., et al. “Percepções sobre a sensação de segurança entre os brasileiros: investigação sobre condicionantes individuais”. Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 7, nº 2, p. 144-161, 2013. ). As investigações sobre os determinantes étnico-raciais do medo do crime realizadas na realidade brasileira também apresentam certa ambiguidade, pois há artigos identificando associação positiva entre as pessoas que se autodeclaram brancas, medo do crime (Silva e Beato Filho, 2013) e percepção de risco de roubo ( Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ), enquanto outros estudos atestam que os autodeclarados brancos possuem maior percepção de segurança em diferentes unidades territoriais (domicílio, bairro e município) ( Cardoso et al., 2013Cardoso, G. R., et al. “Percepções sobre a sensação de segurança entre os brasileiros: investigação sobre condicionantes individuais”. Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 7, nº 2, p. 144-161, 2013. ).

Aspectos contextuais

No que concerne propriamente aos aspectos contextuais, há duas grandes vertentes interpretativas que procuram explicar as percepções de medo a partir de dinâmicas societárias territoriais – geralmente urbanas – em pequena escala, como o bairro e vizinhança. Da conhecida teoria das janelas quebradas ( Kelling e Wilson, 1982Kelling, G. L.; Wilson, J. Q. “Broken windows”. Atlantic Monthly, vol. 249, nº 3, p. 29-38, 1982. ) deriva a hipótese que afirma, em linhas gerais, que a presença de desordens sociais e ambientais na vizinhança seria sinal de baixa vigilância e sinalizaria a incapacidade e/ou desinteresse dos moradores e dos agentes públicos de se encarregarem do cuidado com os bens e equipamentos coletivos, ensejando a ocorrência de eventos de vitimização cujos efeitos negativos envolvem o aumento de percepção de insegurança dos habitantes e a estigmatização do bairro ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ; Kelling e Wilson, 1982Kelling, G. L.; Wilson, J. Q. “Broken windows”. Atlantic Monthly, vol. 249, nº 3, p. 29-38, 1982. ). Sampson (2009)Sampson, R. J.. “Disparity and diversity in the contemporary city: social (dis)order revisited”. The British Journal of Sociology, vol. 60, nº 1, p. 1-31, 2009. , contudo, questiona tal construção ao indicar que relacionar um ambiente supostamente disruptivo às experiências de vitimização significa negligenciar a miríade de sentidos que podem ser atribuídos a esses eventos por diversos indivíduos e grupos sociais, cuja chave interpretativa se associa a percepções sociais que organizam e hierarquizam a realidade, tais como classificações e estereótipos sociais, geralmente vinculados a marcadores sociais de classe e raça.

Nos estudos realizados sobre o Brasil, Silva e Beato Filho (2013) não encontraram efeito da percepção de desordem sobre o medo do crime, resultado similar ao de Villarreal e Silva (2006)Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. em relação à percepção de risco, embora a desordem tenha se associado positivamente à maior taxa de homicídio no bairro e à vitimização por assalto. Já Rodrigues e Oliveira (2012)Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. identificaram o efeito da percepção de desordem física sobre a sensação de segurança, bem como a associação entre a desordem social e as percepções de risco relacionadas a roubo e agressão, enquanto Beato Filho e Caminhas (2009) reconheceram o efeito da percepção de desordem física e social sobre o medo do crime.

A outra vertente interpretativa que leva em consideração os elementos contextuais do medo do crime se baseia na teoria da desorganização social , que postula que a manutenção ou a produção de eficácia coletiva na vizinhança seriam fatores protetivos contra a incidência de violência e contra a intensificação do sentimento do medo. Em linhas gerais, o conceito de eficácia coletiva é expressão da combinação de três processos sociais localizados na escala do bairro ( Sampson, 2002Sampson, R. J. Organized for what? Recasting theories of social (dis)organization. In: Waring, E.; Weisburd, D. (eds.). Crime and social organization. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, p. 113-128, 2002. ; Sampson, Raudenbush e Earls, 1997; Silva e Beato Filho, 2013; Villarreal e Silva, 2006Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. ). O primeiro deles diz respeito à intensidade dos laços sociais de vizinhança, especialmente relacionados à formação de redes de confiança e práticas de ajuda mútua. O segundo processo se refere às percepções e atitudes positivas dos indivíduos em relação ao bairro em que moram e aos vizinhos com quem convivem. A conjugação desses dois fenômenos constitui a denominada coesão social no bairro. Como um possível desdobramento, o outro processo é relativo à disposição dos moradores em agir coletivamente em prol da regulação social das condutas e dos espaços ( controles sociais informais ), bem como da capacidade de se organizar politicamente em benefício da vizinhança. No que concerne à violência e ao medo, ainda conforme a hipótese da desorganização social, a eficácia coletiva estaria associada à capacidade de determinada comunidade ou vizinhança mobilizar recursos – materiais e simbólicos – eficazes na prevenção de eventos violentos ou socialmente indesejáveis, de natureza criminal ou não. Embora bairros que concentrem desvantagens disponham de densas redes de sociabilidade e, não raras vezes, fortes laços sociais, o conceito de desorganização social de Sampson (2002)Sampson, R. J. Organized for what? Recasting theories of social (dis)organization. In: Waring, E.; Weisburd, D. (eds.). Crime and social organization. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, p. 113-128, 2002. indica a inabilidade de tais comunidades em mobilizar essas redes com o objetivo de fomentar uma sociedade segura e pacífica. Dessa maneira, a existência de intensas redes de sociabilidade e confiança vicinais não é garantia de que uma determinada configuração social consiga colocar em prática controles sociais informais de modo a reduzir a ocorrência de eventos criminais, experiências de vitimização e difusão do sentimento de medo.

Algumas pesquisas realizadas no Brasil têm procurado detectar o efeito de componentes relacionados à eficácia coletiva sobre a ocorrência de crimes e percepção de insegurança e/ou de risco, cujos resultados têm apresentado divergências. Silva e Beato Filho (2013) procuraram investigar os efeitos dos aspectos contextuais sobre o medo do crime , indicador mensurado a partir dos comportamentos restritivos levados a cabo pelas pessoas em virtude da percepção de insegurança. Para tanto, empregaram uma estratégia analítica multinível na qual consideraram 193 setores censitários de Belo Horizonte como unidades territoriais de análise. Decompondo eficácia coletiva em coesão social, confiança interpessoal e controle informal, chegaram à conclusão de que a elevada percepção de coesão social na vizinhança impacta negativamente o medo do crime, isto é, reconhecer os moradores do bairro e manter práticas de reciprocidade com os vizinhos diminui a frequência de práticas relacionadas à percepção de insegurança ou medo do crime (Silva e Beato Filho, 2013, p. 161) .

Adotando também uma perspectiva analítica multinível, Villarreal e Silva (2006)Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. relatam o efeito positivo de coesão social sobre a percepção de risco. Quanto maiores são os laços sociais e as redes de sociabilidade entre vizinhos, maior é a capacidade de difusão de informações relativas a eventos criminais no bairro, tendo como possível consequência a elevação do sentimento de insegurança mediada pela experiência de vitimização indireta ou vicinal. Contudo, Rodrigues e Oliveira (2012)Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. , dialogando com a mesma teoria e utilizando a mesma base de dados que Villarreal e Silva (2006)Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. , concluem que a percepção de integração social teve efeito negativo sobre a sensação de insegurança , indicando que a existência de redes de sociabilidade diminui a insegurança no bairro (não houve significância estatística sobre duas variáveis de percepções de risco, roubo e agressão).

Experiências de vitimização

Adorno e Lamin (2006)Adorno, S.; Lamin, C. Medo, violência e insegurança. In: Lima, R. S.; Paula, L. D. (eds.). Segurança pública e violência: o Estado está cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2006. realizam um balanço a respeito da relação entre criminalidade, vitimização e medo. Os esforços na tentativa de comprovar tal relação teriam origem na década de 1960, nos Estados Unidos. Não obstante, os autores levantam estudos em diversos momentos e locais nos quais não são verificadas associações entre criminalidade e medo do crime. No lugar da vitimização, chamam a atenção para outros fatores que podem influenciar o sentimento de medo, como a insegurança em relação às transformações sociais, o medo do imigrante, a percepção de desordem e de incivilidades urbanas etc. A análise de Caldeira (2000)Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. sobre o medo e a criminalidade no município de São Paulo tem o mérito de articular as experiências de vitimização violenta a outros processos sociais desencadeadores de ansiedade e preocupação na população paulistana. A “fala do crime”, conjunto de narrativas que tem no crime e na violência seu repertório temático, procura restabelecer a ordem e o significado de um mundo perturbado pelas experiências individuais de vitimização e pela percepção do incremento da violência. Mas não só: a “fala do crime” é um suporte discursivo que veicula percepções sociais mais amplas, relacionadas à crise econômica, decadência social e profundas transformações na cidade e nas relações sociais de vizinhança.

Em artigo recente, Zaluar (2019)Zaluar, A. “Os medos na política de segurança pública”. Estudos Avançados, vol. 33, nº 96, p. 5-22, 2019. elabora a associação entre criminalidade, vitimização e medo a partir de uma outra perspectiva. Centrando suas análises no Rio de Janeiro, a autora decompõe as experiências relacionadas ao medo do crime em dois blocos principais. O primeiro se refere ao medo despertado a partir das experiências cotidianas extremamente violentas que se desenrolam nos bairros pobres da metrópole. É o medo sentido por moradores das favelas e comunidades que vivenciam os riscos imanentes de vitimização e de toda sorte de prejuízos ocasionados em virtude dos confrontos deflagrados pela “guerra às drogas” e pela “guerra irregular” (p. 11). O segundo bloco, por sua vez, refere-se à consequência do que a autora denomina “ construção social do medo” ( Zaluar, 2019Zaluar, A. “Os medos na política de segurança pública”. Estudos Avançados, vol. 33, nº 96, p. 5-22, 2019. , p. 8), relacionada à produção de um medo difuso, capilarizado por veículos de comunicação e capitalizado simbolicamente por interesses políticos e ideologias religiosas. Além disso, Adorno e Lamin (2006)Adorno, S.; Lamin, C. Medo, violência e insegurança. In: Lima, R. S.; Paula, L. D. (eds.). Segurança pública e violência: o Estado está cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2006. citam os surveys de vitimização realizados na França na década de 1970 para argumentar que um dos principais fatores que explicam a disjunção entre insegurança e vitimização reside no perfil social e no seu estilo de vida correspondente. Para os jovens, sair à noite, frequentar locais considerados violentos, entre outras ações, indicaria um menor sentimento de medo associado à maior incidência de eventos de vitimização. Os mais velhos, por sua vez, em virtude de sua condição física, evitariam se expor a situações em que poderiam ser vitimizados, indicando que o sentimento de insegurança e a percepção do risco conformam um estilo de vida que diminui o risco de vitimização. Em suma, justamente por ter um menor sentimento de medo, os jovens, em geral, adotariam um estilo de vida com maior exposição à vitimização. Tal apontamento é interessante, pois levanta questões sobre o encadeamento causal/temporal que gira em torno da relação entre medo e vitimização, cujo desfecho é de difícil resolução em dados obtidos por meio de survey transversal.

Se, por um lado, a vitimização indireta, a percepção de desordem e as incivilidades teriam o poder de produzir o sentimento de insegurança em pessoas não vitimizadas, a banalização da violência em determinados contextos sociais e a familiaridade espacial do indivíduo com o local onde mora teriam, por outro lado, o efeito de reduzir a percepção de insegurança daqueles que moram em locais de altas taxas de criminalidade. De acordo com Ferraro e Grange (1987)Ferraro, K. F.; Grange, R. L. “The measurement of fear of crime”. Sociological Inquiry, vol. 57, nº 1, p. 70-97, jan. 1987. , tais situações indicam a disjunção da criminalidade e violência em relação à percepção de risco e sentimento de medo dos indivíduos.

Ainda que os resultados sejam inconclusivos, a vitimização continua presente nas análises empíricas sobre o medo do crime, frequentemente aparecendo como preditora deste. Gray, Jackson e Farrall (2011b) e Jackson e Kuha (2014)Jackson, J.; Kuha, J. “Worry about crime in a cross-national context: a model-supported method of measurement using the European social survey”. Survey Research Methods, 22 fev. 2014. , em suas propostas de mensuração do medo, descobriram que a vitimização é preditora do sentimento do medo somente entre os indivíduos considerados pelos autores como aqueles pertencentes ao grupo com maior medo. Rader (2004)Rader, N. E. “The threat of victimization: a theoretical reconceptualization of fear of crime”. Sociological Spectrum, vol. 24, nº 6, p. 689-704, 2004. encontra que a vitimização direta é preditora de todos os componentes que constituem a operacionalização da ameaça de vitimização . Já no Brasil, as investigações de Silva e Beato Filho (2013), ao procurarem compreender a importância da vizinhança e do bairro na manifestação do medo entre indivíduos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, apontaram que a vitimização é preditora do medo. Por sua vez, a vitimização por roubo e assalto nos 12 meses anteriores à entrevista é preditora da percepção de risco de sofrer homicídio ( Villarreal e Silva, 2006Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. ), enquanto a vitimização anterior por crimes de propriedade é preditora da percepção de risco de roubo ( Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ). Olhando para o indicador de medo elaborado a partir de seu componente emocional, Beato Filho e Caminhas (2009) encontraram associação positiva tanto da vitimização direta quanto da indireta (vicária) sobre medo do crime.

O levantamento da literatura especializada sobre o medo do crime revela não apenas sua extensa coleção de conceitos e mensurações, como também outras coleções relacionadas a formulação e operacionalização de suas variáveis explicativas, motivo pelo qual a estabilidade metodológica de algumas variáveis sociodemográficas (sexo e idade, especialmente) parece ser um fator relevante (não o único, certamente) para a produção de resultados mais constantes. Diante desse cenário, consideramos pertinente explorar no presente artigo alguns meandros teórico-metodológicos que envolvem as relações estabelecidas teoricamente entre os aspectos constitutivos de uma definição ampla de medo do crime (componentes cognitivo, emocional e comportamental) e as variáveis explicativas informadas por aspectos individuais (variáveis sociodemográficas), experiências de vitimização (direta e indireta) e fatores contextuais (percepções de desordem e de coesão social).

Estudo empírico: medo do crime e seus preditores em São Paulo

Tendo como material principal um survey realizado no município de São Paulo em 2015 pelo Núcleo de Estudos da Violência, os objetivos deste artigo são: a) verificar empiricamente as associações entre os aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais do medo do crime; e b) levando em conta os resultados do procedimento descrito no item a, pesquisar os preditores desses aspectos cotejando suas três principais vertentes interpretativas, a saber: variáveis sociodemográficas, variáveis contextuais e experiências de vitimização. Para tanto, adotamos a modelagem de equações estruturais (MEE) como estratégia de análise, de modo a investigar simultaneamente efeitos diretos e indiretos entre os conjuntos de variáveis, bem como as determinações entre as variáveis explicativas.

Metodologia

Amostra

Os dados utilizados no presente estudo correspondem a um survey transversal com moradores do município de São Paulo em 2015. Foram feitas entrevistas domiciliares face a face com 1.806 indivíduos. Representativo do município de São Paulo, o procedimento amostral adotado consistiu no método de conglomerado em dois estágios, com sorteio sistemático de setores censitários e posterior adoção de cotas amostrais baseadas em dados do IBGE. O questionário procurou investigar as atitudes, os valores e as experiências dos entrevistados com as instituições enredadas na justiça criminal (polícias e justiça), as percepções a respeito de suas condições de vida e as do bairro onde moram, bem como a avaliação que elaboram sobre os princípios democráticos e a confiança institucional.

Estratégia de análise

Como foi mencionado anteriormente, o percurso analítico do presente artigo possui duas etapas. Em primeiro lugar (Procedimento 1), reproduziremos parcialmente as análises levadas a cabo por Rader (Rader, 2004; Rader, May e Goodrum, 2007) em seu intento de considerar os aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais do medo do crime. Nesse sentido, o indicador relativo a cada aspecto será individualmente testado como variável dependente em uma série de regressões multivariadas, na qual a inclusão gradual dos conjuntos de variáveis independentes possibilitará uma apreciação da importância que cada um deles tem sobre os demais. Cumpre-se registrar, contudo, que nosso objetivo não é o de formular um único constructo para os três componentes realizados, mas, sim, ratificar a importância dos efeitos recíprocos entre os componentes emocionais, cognitivos e comportamentais do medo do crime.

A partir dos resultados obtidos no primeiro passo, na segunda etapa (Procedimento 2) faremos uso da modelagem de equações estruturais (MEE), a fim de testar simultaneamente os determinantes dos componentes do medo do crime. Nessa estratégia, analisaremos mais detidamente o comportamento dos preditores em relação às variáveis dependentes, procurando destacar as principais regularidades e particularidades identificadas, bem como apontar as diferenças observadas em relação ao primeiro passo da análise. A opção pelo uso da MEE se deve a vários motivos, entre os quais destacamos a verificação da validade de hipóteses complexas, propiciada pela estimação simultânea de mais de uma variável dependente e pela análise de caminhos, que possibilita o exame dos efeitos diretos e indiretos de variáveis explicativas sobre variáveis dependentes7 7 A explicação mais pormenorizada sobre a modelagem de equações estruturais será realizada no Procedimento 2 em “Resultados e discussão”. ( Gau, 2010Gau, J. M. “Basic principles and practices of structural equation modeling in criminal justice and criminology research”. Journal of Criminal Justice Education, vol. 21, nº 2, p. 136-151, 2010. ; Neves, 2018Neves, J. A. B. Modelo de equações estruturais: uma introdução aplicada. Brasília: Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. ). Ambos os procedimentos foram realizados por meio do software Stata 14.0

Operacionalização das variáveis

Variável dependente: medo do crime

  • Aspecto cognitivo: Mensurou-se o componente cognitivo do medo do crime como uma variável latente por meio de análise fatorial confirmatória (AFC), na qual foram consideradas duas questões bastante usuais sobre a percepção de insegurança no bairro: com que frequência você se sente seguro ao andar sozinho no seu bairro de dia (nunca [1] a sempre [5]) ; com que frequência você se sente seguro ao andar sozinho no seu bairro à noite (alpha = 0,71)).

  • Aspecto afetivo:A mesma mensuração (AFC) foi aplicada para o componente emocional do medo do crime, que foi realizada a partir da intensidade da preocupação (nada preocupado [1], pouco preocupado [2] ou muito preocupado [3]) que o entrevistado disse sentir a respeito de cinco diferentes situações: alguém roubar sua casa quando ela está sem ninguém; ter sua casa assaltada com sua família dentro; ser assaltado na rua; sofrer sequestro relâmpago; ter parente ou amigo assassinados (alpha = 0,86)). Uma observação preliminar dessas questões indicou baixíssima variabilidade dos dados, com 54,5% da amostra afirmando que se diz muito preocupada em todas as situações elencadas. Embora os resultados evidenciem a centralidade social da preocupação relacionada à violência e à criminalidade, tal mensuração parece captar uma miríade de percepções sociais difusas engendrada a partir de diversos aspectos que extrapolariam o medo do crime apenas como uma emoção episódica, aproximando-se mais do que a literatura considera como ansiedade ( Farrall et al., 1997Farrall, S.; et al. “Questioning the measurement of the ‘fear of crime’: findings from a major methodological study”. British Journal of Criminology, vol. 37, nº 4, p. 658-679, 1 jan. 1997. ; Hough, 2004Hough, M. “Worry about crime: mental events or mental states?”. International Journal of Social Research Methodology, vol. 7, nº 2, p. 173-176, abr. 2004. ).

  • Aspecto comportamental: Já o componente comportamental foi operacionalizado em duas etapas. Na primeira, foi elaborado um índice que contabilizou as ações especificamente adotadas pelos entrevistados em virtude do medo da violência. Questionou-se se as pessoas evitaram andar a pé, se deixaram de circular por ruas/bairros da cidade, se evitaram sair à noite, se evitaram sair com dinheiro, se mudaram de residência e se compraram uma arma . Tendo em vista que as situações perguntadas não são equivalentes, na medida em que sinalizam diferentes intensidades relacionadas ao medo do crime, elas foram classificadas em ações simples ou graves (foram considerados comportamentos graves mudar de residência e comprar uma arma). Desse modo, às ações simples foi atribuído o valor 1, enquanto para as graves foi contado valor 3, de modo a contabilizar para cada entrevistado uma pontuação de 0 (pessoas que afirmaram que não adotaram nenhum desses comportamentos) a 10 (entrevistados que adotaram todas as seis ações). Cerca de 18% dos entrevistados afirmaram que não haviam colocado em prática nenhuma das medidas, ao passo que 30% adotaram conjuntamente os quatro comportamentos classificados como simples. A segunda etapa da mensuração consistiu na ponderação desse índice perante a questão de se a adoção desses comportamentos fez com que o entrevistado se sentisse mais seguro. Levando em consideração a pertinência das observações de Gray, Jackson e Farrall (2011a) sobre a diferenciação entre o medo funcional e o disfuncional articulados aos comportamentos restritivos/protetivos, compreende-se que a resiliência da percepção de insegurança a despeito das ações tomadas intensifica a percepção de medo do crime. Por sua vez, haveria uma redução do medo do crime para quem considera que suas ações aumentaram sua segurança. Diante dessa ponderação, o índice obtido por meio de diferentes comportamentos foi multiplicado por dois para quem afirmou que continuava inseguro a despeito dos comportamentos adotados, criando uma escala final do componente comportamental do medo do crime, que variou de 0 a 20. A variável foi padronizada (Z score ), assim como as demais variáveis contínuas que não foram produzidas a partir das AFCs. É o caso de idade e status socioeconômico.

Variáveis independentes

  • Variáveis sociodemográficas: Como pode ser observado na Tabela 1 , a variável relacionada à idade é contínua (em anos), com respondentes entre 16 e 92 anos, tendo sido padronizada, como foi relatado. A variável relacionada à raça/cor foi obtida a partir de autodeclaração dos entrevistados e recategorizada para não brancos (0) e brancos (1). Já a escolaridade foi formulada a partir de oito categorias (até o ensino fundamental 1 incompleto (1), ensino fundamental 1 completo (2), ensino fundamental 2 incompleto (3), ensino fundamental 2 completo (4), ensino médio incompleto (5), ensino médio completo (6), ensino superior incompleto (7) e ensino superior completo (8)) e tratada nas análises como variável discreta. Por fim, para a mensuração do status socioeconômico, foi adotado o Critério Brasil ( Abep, 2015Abep. Alterações na aplicação do Critério Brasil (válidas a partir de 1/1/2015). São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2015. ), utilizando-se sua pontuação bruta como variável contínua em vez das faixas estabelecidas pela metodologia do instrumento desse inquérito. A variável de renda domiciliar ou individual não ofereceu melhores perspectivas de análise, dada a quantidade de não respostas e também pela mensuração obtida por meio de faixas de renda.

    Tabela 1
    : Variáveis do estudo

  • Variável contextual – Percepção de desordem: Um dos preditores mais frequentemente utilizados nas mensurações do medo do crime é a presença das chamadas desordens físicas e sociais no bairro. No questionário, os entrevistados foram perguntados a respeito da frequência com a qual identificam as seguintes situações no bairro em que vivem: pichação de muros/casas; presença de lixo ou entulho nas calçadas e córregos; som alto à noite; carros abandonados e uso de drogas ilegais em locais públicos. Em uma escala que ia de nunca (1) a sempre (5) (alpha = 0,72), aplicou-se uma análise fatorial confirmatória com base nas respostas para as cinco situações.

  • Variável contextual – Coesão social: O indicador que chamamos de coesão social também foi obtido a partir da análise fatorial confirmatória e procurou representar as percepções (positiva, negativa ou neutra) dos entrevistados sobre seu bairro e acerca das relações que mantêm com seus vizinhos. Para a criação dessa medida, foram utilizadas três questões: confiança interpessoal nos vizinhos (de não confia [1] a confia muito [4]), o quanto você conhece seus vizinhos (não conhece [1], conhece apenas de vista [2], conhece, mas não são amigos [3] e conhece, são amigos [4]), e se os vizinhos respeitam a lei da mesma maneira que você respeita (não [0] e sim [1]). A medida de tal indicador também foi obtida mediante AFC.

  • Experiências de vitimização – Vitimização direta: Foi elaborado um indicador binário a partir de oito itens relacionados a situações diversas de vitimização direta que ocorreram com os entrevistados no bairro no período anterior a 12 meses da entrevista. Entre os eventos, estão ameaça com faca, ameaça com arma de fogo, agressão física, ferimento por faca, ferimento por arma de fogo, ameaça de morte, sequestro relâmpago e violência sexual . Devido à baixa ocorrência de mais de uma experiência de vitimização direta (5% da amostra foi vítima de mais de uma situação), optou-se pela construção da variável binária entre vitimizados [1] e não vitimizados [0]. Entre os eventos listados, destacam-se com maior incidência agressão física (6,0% da amostra), seguida de ameaça com arma de fogo (5,6%), ameaça de morte (5,4%) e ameaça com faca (3,4%). As demais experiências de vitimização apresentaram números muito baixos, não chegando a 0,1% do total da amostra.

  • Experiências de vitimização –Vitimização indireta: Indicador binário (vitimizado [1] e não vitimizado [0]) criado a partir de três situações ocorridas no bairro no período do ano anterior à entrevista: se algum parente ou amigo foi assassinado, se o entrevistado ouviu tiros ou se viu o corpo de uma pessoa assassinada na rua . Chama a atenção a grande quantidade de experiências dessa natureza relatadas, em que 9,9% dos entrevistados relataram ter parente ou amigo assassinado no último ano e 20,5% viram o corpo de uma pessoa morta em rua do bairro.

Resultados e discussão

Procedimento 1: Modelos de regressões

No que concerne aos objetivos do presente artigo, são dois os principais resultados almejados com a realização do Procedimento 1 (realização dos três conjuntos de regressões). O primeiro deles se refere à tentativa de validação da hipótese enunciada por Rader (2004)Rader, N. E. “The threat of victimization: a theoretical reconceptualization of fear of crime”. Sociological Spectrum, vol. 24, nº 6, p. 689-704, 2004. e Rader, May e Goodrum (2007) a respeito dos efeitos recíprocos entre os componentes emocionais, cognitivos e comportamentais do medo do crime. O segundo resultado concerne aos efeitos dos conjuntos de preditores (sociodemográficos, contextuais e de vitimização) sobre cada um dos aspectos do medo do crime.

Os resultados obtidos com o Procedimento 1 revelaram a identificação dos efeitos recíprocos entre as variáveis representantes dos aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais do medo do crime. Nas Tabelas 2 , 3 e 4 , apresentamos os resultados de três conjuntos de regressões lineares multivariadas, considerando cada um dos componentes do medo do crime. Em cada tabela, há quatro modelos que representam a inserção gradual de grupos de variáveis independentes: no modelo 1, estão as variáveis individuais sociodemográficas; no modelo 2, acrescentamos as experiências diretas e indiretas de vitimização; no terceiro, estão presentes também os preditores contextuais (coesão social e percepção de desordem); e, por fim, inserimos os demais componentes do medo do crime.

Tabela 2
: Preditores do aspecto emocional do medo do crime
Tabela 3
: Preditores do aspecto cognitivo do medo do crime
Tabela 4
: Preditores do aspecto comportamental do medo do crime

Como se pode observar na Tabela 2 , o aspecto emocional do medo no modelo 1 é predito principalmente pela variável sexo (mulher) e, em menor escala, pelos mais escolarizados, resultado muito parecido com o do segundo modelo, no qual a vitimização indireta também se mostrou significativa. Quando inseridas no modelo, as variáveis contextuais, tanto a percepção de desordem quanto o indicador de coesão social, mostraram-se positivamente associadas ao componente emocional do medo do crime, embora a capacidade explicativa do modelo pouco tenha se alterado. A última regressão revela a importância da inclusão dos aspectos cognitivos e comportamentais do medo, cujo R2 aumentou de 4,6% para 31%. Verifica-se a importância primordial do componente cognitivo do medo, seguido por indicador de coesão social, sexo (mulher) e aspecto comportamental do medo, que atingiram coeficientes estatisticamente significativos. Em menor escala, escolaridade (mais escolarizados), percepção de desordem e vitimização direta também apresentaram associação ao aspecto emocional.

Além da importância da inclusão dos outros dois aspectos do medo do crime como fundamentais no ajuste do modelo, destacam-se os resultados relativos aos indicadores de coesão social e de vitimização direta, na medida em que descrevem efeitos de certo modo inesperados. Quanto maior a percepção de coesão social na vizinhança, maior é a preocupação do respondente em se tornar vítima de crimes, o que referenda parcialmente a hipótese que associa o estreitamento dos vínculos sociais de vizinhança a um mecanismo informacional eficiente na difusão de experiências criminais e à consequente difusão de experiências criminais e a consequente difusão do sentimento de medo. Por sua vez, ter sido vítima nos últimos 12 meses contribui negativamente sobre o componente emocional do medo do crime. Esse resultado aponta para a disjunção entre vitimização e medo, na medida em que a independência entre esses dois fenômenos poderia ser analisada a partir da hipótese da vulnerabilidade, segundo a qual os principais preditores – sexo e idade – de cada fenômeno estariam em polos opostos. Assim, se a vitimização direta atinge principalmente homens e jovens, o aspecto emocional do medo atingiria, sobretudo, mulheres e idosos. Ademais, a própria preocupação em se tornar vítima de crime ou violência teria como consequência a menor exposição à vitimização.

Na Tabela 3 , nota-se que o componente cognitivo de medo do crime esteve associado a sexo (mulher) no modelo 1 e que foi acrescido da vitimização indireta no modelo 2, indicando que o conhecimento acerca da ocorrência de eventos criminais no bairro diminui a percepção de segurança de seus moradores. A inclusão das variáveis contextuais na terceira regressão já foi responsável por um grande aumento na capacidade explicativa do modelo, com o indicador de coesão social apresentando efeito negativo e percepção de desordem com efeito positivo sobre o componente cognitivo do medo. Por fim, no modelo 4, a inserção dos aspectos emocionais e comportamentais do medo ampliou ainda mais o R2 (42%), no qual se observa a preponderância do componente emocional do medo sobre todas as demais variáveis. Coesão social, componente comportamental, sexo (mulher), idade (mais velhos), vitimização indireta e percepção de desordem também obtiveram significância estatística em relação à variável dependente. O indicador de coesão social apresentou resultado oposto ao verificado em relação ao componente emocional do medo do crime, isto é, quanto mais estreitos os laços de vizinhança, maior é a percepção de segurança no bairro.

Por fim, na Tabela 4 , o aspecto comportamental do medo do crime foi predito, no modelo 1, por sexo (mulher), escolaridade (mais escolarizados) e status socioeconômico (maior pontuação no critério Brasil), que permaneceram importantes no modelo 2, no qual tanto a vitimização direta quanto a indireta tiveram efeito positivo sobre os comportamentos restritivos dos respondentes. Enquanto o indicador de coesão social teve efeito negativo, a percepção de desordem apresentou efeito positivo sobre o componente comportamental do medo. Observa-se ainda, na Tabela 4 , que na quarta e última regressão, a explicação do modelo atingiu seu maior valor (15,8%), similarmente ao que foi verificado nas duas tabelas anteriores (2 e 3). Os aspectos cognitivos e emocionais são os principais preditores do componente comportamental nesse último modelo, no qual também foram estatisticamente significativos sexo (mulher), escolaridade (mais escolarizados), maior pontuação no Critério Brasil, ter sido vítima nos últimos 12 meses e maior percepção de desordem. Embora a presença de escolaridade e status socioeconômico como variáveis preditoras possivelmente esteja relacionada à maior capacidade socioeconômica dos indivíduos em adotar determinadas práticas a fim de evitar sua exposição, é preciso lembrar que o indicador comportamental do medo também inclui a percepção de segurança perante as atitudes tomadas, exigindo maior capacidade interpretativa desse resultado.

Preditores de medo do crime, percepção de insegurança e comportamentos restritivos/protetivos

A Tabela 5 ilustra o comportamento das variáveis independentes em relação aos três conjuntos de regressões para os modelos 3 e 4, registrando os preditores estatisticamente significativos (p<0,05) e os sentidos (positivo ou negativo) dos coeficientes. A opção por registrar os modelos 3 e 4 deve-se à comparação dos efeitos entre os modelos que contaram apenas com o conjunto de preditores sociodemográficos, contextuais e de vitimização e aqueles que incluíram também os componentes do medo do crime como variáveis explicativas.

Tabela 5
: Preditores dos três aspectos do medo do crime

Observa-se que as variáveis sexo e percepção de desordem são preditoras dos três componentes do medo do crime, em todos os modelos. Outras variáveis sociodemográficas se comportam residualmente em relação às variáveis dependentes, com idade e status socioeconômico se associando ao componente cognitivo, raça/cor se associando ao aspecto emocional, e idade, escolarização e status socioeconômico tendo efeito sobre o componente comportamental. A vitimização indireta teve efeito sobre os componentes cognitivo e comportamental. Os resultados mais surpreendentes foram observados nos efeitos da vitimização direta e do indicador de coesão social. A vitimização direta se associou negativamente ao aspecto emocional e positivamente ao comportamental, de modo a expressar uma aparente contradição, embora existam interpretações para ambos os resultados, já elencadas anteriormente. Contudo, conforme se destacará adiante a partir dos resultados da análise do modelo de equações estruturais, essa contradição se desfaz com a observância dos efeitos da vitimização direta sobre as variáveis contextuais, na medida em que as experiências de vitimização – direta e indireta – tendem a impactar negativamente as percepções dos indivíduos a respeito do local no qual residem, no que se refere tanto à percepção de desordem quanto aos vínculos sociais inscritos no contexto de vizinhança.

Já a coesão social apresentou efeito positivo sobre o componente emocional e negativo sobre o cognitivo e comportamental, manifestando um paradoxo que já havia sido verificado nas pesquisas brasileiras sobre o papel desempenhado pela coesão social (Silva e Beato Filho, 2013; Soares, 2008Soares, G. O sentimento de insegurança: teorias, hipóteses e dados. In: Duarte, M. S. D. B. (ed.). Pesquisa de condições de vida e vitimização de 2007: análise criminal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Coleção Instituto de Segurança Pública, 2008. ). Uma vez que a coesão é considerada um dos fundamentos da eficácia coletiva, tem-se a expectativa de que a conjugação desses fenômenos incida sobre uma menor chance de vitimização indireta por meio da regulação acionada pelos controles sociais informais. Assim, o sentimento de preocupação em ser vítima de determinados crimes pode estar ancorado, em sobreposição à reação emocional do medo do crime, em um valor social, um fundamento comum que mobiliza a comunidade em prol de ações coletivas que visam à minimização dos riscos. Compreendida também como um valor compartilhado, a preocupação com a violência não implicaria necessariamente a percepção relacionada à insegurança no bairro ou a adoção de determinadas medidas devido ao medo, sobretudo quando se considera que as práticas socioespaciais em contextos nos quais há o reconhecimento de laços estreitos de vizinhança e presença de confiança interpessoal podem ser interpretadas pelos seus moradores como ambientes seguros em virtude da familiaridade com que se apropriam desses espaços e da rede de relações sociais vicinais em que estão inseridos.

Em suma, os resultados obtidos por meio do Procedimento 1 revelam que a inserção dos componentes do medo do crime como variáveis independentes impactou de maneira expressiva a variância explicada pelos modelos. Embora nosso objetivo não seja o de propor um único constructo que encerre os distintos aspectos que circundam o medo do crime, a identificação da associação robusta entre seus componentes traz implicações teórico-metodológicas que gostaríamos de assinalar. Primeiro, é preciso destacar a autonomia de cada um dos componentes do medo, pois, além de efetivamente medirem fenômenos distintos, não detectamos quaisquer sinais de colinearidade que os resultados descritos pudessem sugerir.

Em segundo lugar, levando-se em consideração a autonomia dos componentes do medo do crime, a estreita associação entre eles, bem como os diferentes efeitos proporcionados pelos seus preditores, questionamo-nos se a estratégia analítica que testa isoladamente cada componente seria capaz de compreender adequadamente os efeitos das variáveis independentes. Tendo em vista os efeitos recíprocos entre os aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais, e considerando que o conjunto de preditores é o mesmo, aventamos a possibilidade de elaborar um modelo mais sofisticado que desse conta de um encadeamento teórico mais complexo. Tal proposta será concretizada no Procedimento 2 por meio da utilização da modelagem de equações estruturais (MEE), na qual pretendemos, além de testar simultaneamente os efeitos das variáveis explicativas sobre as três variáveis dependentes (componentes do medo), incorporar hipóteses relacionadas às determinações entre as variáveis independentes, bem como realizar a mensuração das variáveis latentes (não observáveis) no próprio modelo8 8 No Procedimento 1, cada indicador latente foi mensurado isoladamente a partir de análises fatoriais confirmatórias, produzindo escores fatoriais que foram inseridos nos modelos de regressão concernentes às Tabelas 2 , 3 e 4 . , de modo a qualificar o ajuste dos dados da amostra. Os procedimentos e resultados serão explicados na próxima seção.

Procedimento 2: Modelagem de equações estruturais (MEE)

A modelagem de equações estruturais é uma ferramenta que combina a análise de caminhos com a análise fatorial confirmatória (AFC), implicando a realização simultânea de modelos de estimação (análises de regressão) e de mensuração, respectivamente. Além de possibilitar a utilização concomitante de diversas variáveis dependentes, é atributo fundamental de tal estratégia de análise o teste empírico de uma hipótese teoricamente formulada, sob a qual geralmente está emaranhada uma rede de múltiplas determinações. Nesse sentido, um dado indicador pode, ao mesmo tempo, comportar-se como variável dependente e independente de forma a complexificar a relação entre os preditores, bem como possibilitar o escrutínio de efeitos diretos e indiretos sobre as variáveis dependentes ( Gau, 2010Gau, J. M. “Basic principles and practices of structural equation modeling in criminal justice and criminology research”. Journal of Criminal Justice Education, vol. 21, nº 2, p. 136-151, 2010. ; Neves, 2018Neves, J. A. B. Modelo de equações estruturais: uma introdução aplicada. Brasília: Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. ; Oliveira, Oliveira e Adorno, 2019).

Levando-se em consideração a proposta de nosso estudo, a aplicação da modelagem de equações estruturais tem por finalidade, por um lado, investigar os preditores dos aspectos comportamentais, emocionais e cognitivos do medo do crime simultaneamente, permitindo que esses componentes covariem entre si e, por outro lado, perscrutar o encadeamento de determinações dos próprios preditores, de modo a detectar possíveis efeitos indiretos que não puderam ser observados nas regressões lineares simples (à maneira dos modelos levados a cabo no Procedimento 1 do presente artigo). Concretamente, por exemplo, a análise de caminhos permite compreender não somente o papel das experiências de vitimização sobre os componentes de medo, mas também se e como essas experiências podem impactar as percepções de coesão social e de desordem, que, por sua vez, influenciam os aspectos constitutivos do medo do crime. Destarte, diante da revisão bibliográfica e do grupo de variáveis que temos trabalhado até aqui, o Diagrama 19 9 Nos diagramas de equações estruturais, as elipses representam variáveis latentes, constructos não diretamente observáveis gerados a partir de n variáveis (apresentadas na descrição metodológica deste artigo); os retângulos representam variáveis observáveis; as linhas retas são os caminhos das regressões, nas quais as setas indicam a posição de cada variável dentro do modelo: variável independente à variável dependente; as linhas curvas com setas nas duas pontas representam as covariâncias. ilustra a estrutura de relações que consideramos adequada para representar nossas hipóteses:

Diagrama 1
: Modelo explicativo – Medo do crime

Nesse conjunto de relações, compreendemos que: A) à semelhança das regressões lineares no Procedimento 1, em especial os modelos 3, os componentes de medo do crime são explicados por aspectos sociodemográficos (sexo, idade, raça/cor, escolaridade e status socioeconômicos), contextuais (percepção de desordem e coesão social) e experiências de vitimização (direta e indireta). Embora não se trate de um único constructo, a observância da natureza de seus efeitos recíprocos nos dá a liberdade de covariar os aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais do medo do crime; B) as percepções de desordem e de coesão social seriam em parte explicadas pelas experiências de vitimização direta ou indireta. Dadas as características de nossa amostra ( survey transversal) e os limites desse estudo, consideramos que as relações estabelecidas entre coesão social e desordem são recíprocas (e inversamente proporcionais).

Ainda que fosse possível, não nos propusemos a procurar compreender os efeitos dos indicadores contextuais sobre as experiências de vitimização (que seria uma espécie de teste da teoria da eficácia coletiva e dos controles sociais informais). Inversamente, sugerimos que os eventos de vitimização impactam negativamente as percepções acerca de aspectos ambientais e sociais do bairro, enfatizando o caráter disruptivo de tais experiências ( Caldeira, 2000Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. ). Desse modo, ter sido vítima no bairro nos últimos 12 meses tenderia a aumentar a percepção de desordem e a diminuir a percepção de coesão social. C) As experiências de vitimização teriam como preditoras as variáveis sociodemográficas, cuja expectativa repousa em ratificar o que afirma a literatura, para a qual resultados apontam uma chance de vitimização direta maior para homens e pessoas mais jovens.

O Diagrama 2 mostra os resultados. Nele foram representados apenas os caminhos que obtiveram nível de significância estatística menor de 5%. Podem-se considerar aceitáveis os ajustes do modelo (χ2=685,69/( gl:172 ); RMSEA=0,041; CFI=0,938 TLI=0,912). Os números próximos às linhas indicam os coeficientes não padronizados das regressões. Diferentemente do Procedimento 1, no qual foram utilizados os escores fatoriais dos constructos latentes (aspectos emocional e cognitivo de medo, percepção de desordem e coesão social) como variáveis das regressões, o uso da MEE possibilita que o modelo de mensuração das variáveis latentes seja realizado concomitantemente às análises de caminho, de modo a qualificar o ajuste dos dados às hipóteses elaboradas e representadas pelo diagrama. Com o objetivo de controlar os efeitos das experiências de vitimização sobre percepção de desordem e coesão social, foram traçados também caminhos das variáveis sociodemográficas aos indicadores contextuais. Ao desempenhar o papel de controle, tais caminhos e efeitos não foram inseridos nos diagramas. Contudo, os resultados das regressões, das cargas fatoriais das variáveis geradoras dos constructos latentes e dos ajustes do modelo estão disponíveis no Anexo Metodológico Anexo metodológico Tabela 1 Modelo de equações estruturais: ajustes do modelo, efeitos diretos e efeitos indiretos Método de estimação: MLMV Graus de liberdade 172 P-valor (qui-quadrado) 0,000 Comparative Fit Index (CFI) 0,938 Tucker-Lewis Index (TLI) 0,912 RMSEA 0,041 90% CI 0,038 – 0,044 EFEITOS DIRETOS Variáveis latentes - Modelos de mensuração Medo - Aspecto cognitivo - Com que frequência... Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - sente-se seguro ao andar no bairro de dia 1,000 2 - sente-se seguro ao andar no bairro à noite 1,310 0,077 16,98 0,000 Medo - Aspecto afetivo - O quanto se preocupa em... Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - alguém roubar sua casa quando está sem ninguém 1,000 2 - ter sua casa assaltada com sua família dentro 0,974 0,974 34,88 0,000 3 - ser assaltado na rua 0,861 0,288 29,94 0,000 4 - sofrer sequestro relâmpago 1,117 0,036 31,33 0,000 5 - ter parente ou amigo assassinado 0,780 0,780 27,65 0,000 Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - Confiança nos vizinhos 0,335 0,026 13,13 0,000 2 - Conhece os vizinhos 0,210 0,014 14,66 0,000 3 - Os vizinhos respeitam a lei 0,567 0,032 17,75 0,000 Percepção de desordem - Com que frequência há no bairro... Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - pichação de muros ou casas 1,000 2 - lixo ou entulho nas calçadas ou córregos 1,109 0,062 17,96 0,000 3 - som alto à noite 1,090 0,065 16,75 0,000 4 - carros abandonados 1,093 0,062 17,50 0,000 5 - uso de drogas ilegais em espaços públicos 0,849 0,055 15,51 0,000 Regressões Medo - Aspecto cognitivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,030 0,075 0,40 0,689 Vitimização indireta 0,173 0,055 3,13 0,002 Coesão social -0,187 0,041 -4,55 0,000 Percepção de desordem 0,169 0,048 3,55 0,000 Sexo 0,364 0,052 7,01 0,000 Idade 0,180 0,031 5,82 0,000 Raça 0,042 0,052 0,81 0,418 Status socioeconômico 0,070 0,028 2,47 0,013 Escolaridade -0,002 0,014 -0,11 0,912 Medo - Aspecto afetivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta -0,061 0,038 -1.,60 0,109 Vitimização indireta 0,025 0,028 0,89 0,373 Coesão social 0,019 0,020 0,98 0,328 Percepção de desordem 0,064 0,023 2,73 0,006 Sexo 0,182 0,026 6,91 0,000 Idade 0,015 0,015 1,02 0,309 Raça -0,059 0,026 -2,25 0,025 Status socioeconômico 0,014 0,014 0,96 0,339 Escolaridade 0,014 0,007 0,45 0,045 Medo - Aspecto comportamental Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,202 0,069 2,94 0,003 Vitimização indireta 0,111 0,050 2,22 0,027 Coesão social -0,085 0,036 -2,34 0,019 Percepção de desordem 0,184 0,043 4,29 0,000 Sexo 0,247 0,047 5,25 0,000 Idade 0,098 0,028 3,55 0,000 Raça -0,009 0,047 -0,20 0,843 Status socioeconômico 0,081 0,026 3,09 0,002 Escolaridade 0,042 0,013 3,30 0,001 Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta -0,202 0,097 -2,09 0,037 Vitimização indireta -0,143 0,067 -2,12 0,034 Sexo -0,224 0,067 -3,37 0,001 Idade 0,356 0,037 9,52 0,000 Raça -0,012 0,067 -0,18 0,856 Status socioeconômico 0,087 0,036 2,39 0,017 Escolaridade 0,025 0,018 1,42 0,155 Percepção de desordem Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,064 0,064 1,00 0,318 Vitimização indireta 0,428 0,047 9,02 0,000 Sexo 0,024 0,044 0,56 0,578 Idade -0,118 0,024 -4,93 0,000 Raça 0,101 0,045 2,27 0,023 Status socioeconômico -0,070 0,024 -2,89 0,004 Escolaridade 0,010 0,012 0.,81 0,420 Vitimização direta Coeficiente Erro-padrão Z P valor Sexo -0,065 0,016 -4,00 0,000 Idade -0,049 0,009 -5,65 0,000 Raça -0,029 0,017 -1,76 0,078 Status socioeconômico -0,002 0,009 -0,22 0,829 Escolaridade -0,007 0,004 -1,54 0,124 Vitimização indireta Coeficiente Erro-padrão Z P valor Sexo -0,052 0,023 -2,20 0,028 Idade -0,073 0,013 -5,86 0,000 Raça -0,029 0,024 -1,20 0,228 Status socioeconômico -0,003 0,013 -0,23 0,818 Escolaridade -0,006 0,006 -0,97 0,332 Covariâncias Coeficiente Erro-padrão Z P valor Cognitivo - afetivo 0,184 0,017 11,05 0,000 Cognitivo - comportamental 0,255 0,027 9,47 0,000 Afetivo - comportamental 0,120 0,013 9,19 0,000 Coesão social - desordem -0,295 0,034 -8,55 0,000 Vitimização direta - indireta 0,184 0,017 11,05 0,000 EFEITOS INDIRETOS - Regressões Medo - aspecto cognitivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,049 0,023 2,10 0,036 Vitimização indireta 0,099 0,016 6,05 0,000 Coesão social — — — — Percepção de desordem — — — — Sexo 0,027 0,020 1,35 0,177 Idade -0,111 0,018 -6,3 0,000 Raça 0,009 0,018 0,51 0,608 Status socioeconômico -0,029 0,010 -2,86 0,004 Escolaridade -0,005 0,005 -1,1 0,272 Medo - Aspecto afetivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,000 0,004 0,04 0,967 Vitimização indireta 0,025 0,003 8,11 0,000 Coesão social — — — — Percepção de desordem — — — — Sexo -0,001 0,006 -0,24 0,807 Idade -0,001 0,007 -0,18 0,854 Raça 0,007 0,004 1,63 0,103 Status socioeconômico -0,003 0,002 -1,18 0,236 Escolaridade 0,001 0,001 1,10 0,269 Medo - Aspecto comportamental Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,029 0,016 1,82 0,069 Vitimização indireta 0,091 0,011 7,94 0,000 Coesão Social — — — — Percepção de desordem — — — — Sexo -0,002 0,016 -0,11 0,911 Idade -0,078 0,014 -5,67 0,000 Raça 0,007 0,014 0,53 0,598 Status socioeconômico -0,021 0,008 -2,80 0,005 Escolaridade -0,003 0,004 -0,87 0,382 Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta — — — — Vitimização indireta — — — — Sexo 0,020 0,008 2,46 0,014 Idade 0,020 0,007 3,03 0,002 Raça 0,010 0,006 1,65 0,099 Status socioeconômico 0,001 0,003 0,29 0,773 Escolaridade 0,002 0,002 1,45 0,148 Percepção de desordem Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta — — — — Vitimização indireta — — — — Sexo -0,026 0,011 -2,34 0,019 Idade -0,035 0,007 -4,96 0,000 Raça -0,014 0,011 -1,33 0,185 Status socioeconômico -0,001 0,006 -0,25 0,805 Escolaridade -0,003 0,003 -1,09 0,277 Fonte: Elaboração dos autores com base em dados do Núcleo de Estudos da Violência, 2015 . .

Diagrama 2
: Modelo de equações estruturais – Medo do crime

Com efeito, no que diz respeito aos preditores dos componentes do medo do crime, é esperado que os resultados verificados no Diagrama 2 se aproximem dos obtidos nos modelos 3 do Procedimento 1, uma vez que a principal diferença nos dois casos consiste na simultaneidade dos modelos estruturais e de mensuração possibilitada pela MEE, que, no primeiro passo, foram realizadas de maneira isolada. O primeiro resultado que vale a pena destacar diz respeito à covariância significativa entre os componentes do medo, o que ratifica, portanto, aquilo que tem sido chamado de efeitos recíprocos entre os aspectos emocional, cognitivo e comportamental do medo do crime. A associação entre os aspectos comportamental e cognitivo apresenta maior coeficiente (b = 0,25), seguida da covariância entre os componentes emocional e cognitivo (b = 0,18) e da covariância entre aspectos emocionais e comportamentais (b = 0,12), apontando para um contraste em relação ao Procedimento 1, no qual o aspecto comportamental, ainda que tenha se mostrado fundamental para as explicações dos modelos 4, manifestou efeitos modestos no que tange aos demais componentes.

No tocante aos preditores do medo do crime, de modo semelhante ao que foi observado anteriormente com as regressões lineares, a variável sexo é preditora de todos os componentes do medo. As mulheres se preocupam mais em se tornar vítimas de crimes e violências, possuem maior percepção de insegurança no bairro e adotam com mais frequência comportamentos que objetivam minimizar sua exposição à violência, embora não se sintam mais seguras ao colocá-los em prática. Esse resultado é consistente com toda a literatura pesquisada e pode ser explicado por: a) percepção de vulnerabilidade física por parte de mulheres; b) socialização de gênero que reforça uma imagem de vulnerabilidade feminina e leva mulheres a acreditar que são mais visadas e que, portanto, devem temer estranhos e o espaço público; e c) receio de que qualquer tipo de vitimização direta se torne um caso de abuso sexual.

A variável idade apresenta efeito positivo sobre os componentes cognitivo e comportamental do medo, apontando que pessoas mais velhas sentem mais medo do crime. Esses resultados estão de acordo com a literatura, e a principal explicação para tal relação está na percepção de vulnerabilidade física dos mais velhos comparada à dos mais jovens. A variável raça/cor (branco) se associou negativamente ao componente emocional do medo, ou seja, as pessoas autodeclaradas brancas afirmam se preocupar menos em se tornarem vítimas de crimes e violências, resultado que também pode estar alinhado à percepção de vulnerabilidade que não brancos sentem perante o risco de vitimização.

Os mais escolarizados e os respondentes com maior pontuação no Critério Brasil adotam com mais frequência comportamentos protetivos/restritivos, com os primeiros se preocupando mais em se tornar vítimas e os segundos revelando maior percepção de insegurança no bairro onde moram. De todo modo, tais resultados se alinham com a maior parte da literatura nacional, diferenciando-se dos achados encontrados em outros países (principalmente EUA e Reino Unido). Distanciam-se, portanto, da interpretação que associa as condições sociais e econômicas desfavoráveis ao medo do crime. Se é esperado que indivíduos com maior poder aquisitivo tenham chances mais efetivas de adotar determinados comportamentos que minimizam a exposição ao risco, a percepção de insegurança no bairro sinaliza em direção a outras explicações que envolvem fundamentos estruturais da sociedade brasileira concernentes à reprodução da desigualdade social evidenciada em processos de exclusão materiais e simbólicos.

As experiências de vitimização, tanto direta quanto indiretas, ocorrem com maior frequência entre homens e pessoas mais jovens, revelando uma vez mais o caráter disjuntivo existente entre vitimização e medo do crime no que diz respeito às variáveis sociodemográficas e convergindo com as interpretações relacionadas tanto à perspectiva da vulnerabilidade ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ) quanto à percepção diferenciada – entre homens e mulheres, jovens e idosos – a respeito da gravidade e das consequências atreladas às experiências de vitimização ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ; Rader, 2004Rader, N. E. “The threat of victimization: a theoretical reconceptualization of fear of crime”. Sociological Spectrum, vol. 24, nº 6, p. 689-704, 2004. ; Warr, 1987Warr, M. “Fear of victimization and sensitivity to risk”. Journal of Quantitative Criminology. Vol. 3, nº 1, p. 29-46, 1987. ). Assim, os resultados conjugados das relações entre vitimização, medo do crime e variáveis sociodemográficas mostram que, embora os homens e jovens sejam acometidos mais frequentemente por experiências de vitimização, são as mulheres, pessoas de maior escolaridade, de classe mais alta e idosos que manifestam mais medo. Sob uma perspectiva ampla, é possível dizer que o perfil de quem sente mais medo difere bastante do perfil das principais vítimas do crime violento do país (jovens, do sexo masculino, de baixa escolaridade e classes populares), indicando que o medo do crime não está ligado diretamente ao risco objetivo de vitimização, e que existem fatores culturais e políticos (socialização de gênero, exposição midiática da violência, autossegregação urbana etc.) que produzem e amplificam a percepção de insegurança. Desse ponto de vista, destacamos que a preocupação, a insegurança ou o medo em relação à criminalidade e à violência extravasam o nível individual associado unicamente à ameaça de vitimização, assumindo também contornos culturalmente orientados que posicionam os indivíduos e grupos sociais perante a realidade em que vivem. Duas importantes interpretações contribuem para a explicação desses resultados. A primeira delas diz respeito às implicações que o próprio sentimento de medo produz nas práticas sociais. A adoção de comportamento restritivos, por exemplo, diminuiria a exposição ao risco de vitimização. Em consequência, expõem-se a riscos mais elevados os indivíduos e grupos sociais que sentem menos medo. A maior ou menor exposição à vitimização se refere não somente aos aspectos sociodemográficos levantados pela teoria da vulnerabilidade, mas também à adoção de diversos estilos de vida ( Adorno e Lamin, 2006Adorno, S.; Lamin, C. Medo, violência e insegurança. In: Lima, R. S.; Paula, L. D. (eds.). Segurança pública e violência: o Estado está cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2006. ; Aguiar, 2005Aguiar, C. L. S. “Medo e descrença nas instituições de lei e ordem: uma análise da imprensa escrita e das sondagens de opinião”. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. ).

Quanto à segunda, pode-se considerar como paradigmática a interpretação de Zaluar (1998)Zaluar, A. Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil. In: Schwarcz, L. M. (ed.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea, vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. a respeito das relações estabelecidas entre gênero, juventude e violência, na qual a autora utiliza a categoria etos guerreiro , que se refere à constituição de identidades masculinas forjadas a partir de processos de socialização de homens jovens a grupos – criminais ou não – nos quais a “demonstração de agressividade é passaporte para a aceitação social e aquisição de prestígio e poder” ( Zaluar, 1998Zaluar, A. Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil. In: Schwarcz, L. M. (ed.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea, vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. , p. 298). O pertencimento a esses grupos se daria por meio do compartilhamento de valores e de sofisticados códigos de condutas que reivindicariam uma espécie de adesão total, na qual a disposição em vitimizar e ser vitimizado seria valorizada na mesma medida em que a externalização ou o reconhecimento do sentimento de medo precisariam ser recalcados, posto que evidenciariam uma fraqueza não condizente com as expectativas identitárias.

No tocante às experiências com a violência, a vitimização direta teve efeito positivo sobre o componente comportamental, enquanto a vitimização indireta teve efeitos positivos em relação aos aspectos cognitivo e comportamental. A adoção de comportamentos mais previdentes parece ser uma consequência esperada após a experiência de vitimização direta. Contudo, merece destaque a importância da vitimização indireta também sobre a percepção de insegurança no bairro (aspecto cognitivo). Apesar de esse resultado ser bastante documentado na literatura ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ) e apresentar conexões ambíguas com os elementos constitutivos da coesão social ( Rodrigues e Oliveira, 2012Rodrigues, C. D.; Oliveira, V. C. “Medo de crime, integração social e desordem: uma análise da sensação de insegurança e do risco percebido na capital de Minas Gerais”. Revista Teoria & Sociedade, vol. 20, nº 2, 2012. ; Villarreal e Silva, 2006Villarreal, A.; Silva, B. F. “Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods”. Social Forces, vol. 84, nº 3, p. 1.725-1.753, 2006. ), vale lembrar que as questões sobre vitimização indireta utilizadas neste artigo referem-se a eventos muito graves que podem sinalizar aos entrevistados alta suscetibilidade à vitimização e à fragilidade da própria vida ou de pessoas próximas.

Por sua vez, ter sido vítima direta ou indiretamente no bairro nos últimos 12 meses contribui de maneira efetiva para as percepções dos indivíduos relacionadas ao bairro onde moram ou à vizinhança à qual pertencem. Observa-se que a vitimização direta tem efeito negativo sobre o indicador de coesão social, enquanto a vitimização indireta tem impacto elevado e positivo na percepção de desordem e negativo em relação à coesão social. Desse modo, as experiências recentes de vitimização no bairro modulam a maneira como os indivíduos percebem e vivenciam suas práticas espaciais e suas relações de sociabilidade com os vizinhos. Como afirma Caldeira (2000Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. , p. 28), a vitimização violenta desestrutura a experiência cotidiana dos indivíduos, e a reconstituição de ordem e sentido, elaborada e reelaborada narrativamente pela “fala do crime”, se dá pela ressignificação do contexto social no qual essas experiências ocorreram. A profusão dessas narrativas, sobretudo quando o bairro é o cenário desses eventos, ao mesmo tempo que procura estabilizar simbolicamente as vítimas diretas de crimes violentos, acaba por engendrar certa ansiedade cotidiana, revelando a importância da vitimização indireta para as percepções a respeito do contexto no qual as pessoas vivem.

Conforme é possível observar no Diagrama 2 , os indicadores contextuais tiveram grande relevância em praticamente todos os modelos. Os efeitos de percepção de desordem impactam positivamente os três componentes do medo do crime, com destaque para o aspecto comportamental. Os elementos considerados como evidências de desordem seriam entendidos pelos entrevistados como sinais de degradação do ambiente urbano e de práticas sociais consideradas disruptivas no contexto de vizinhança. Tais ocorrências podem ser percebidas como evidências tanto do descaso das autoridades públicas em atender adequadamente as demandas do bairro e de sua incapacidade em regular as condutas dos indivíduos, quanto da falta de cuidado da própria comunidade com o bairro onde vive e com as relações sociais estruturadas no cotidiano vicinal. A elevada frequência de algumas dessas situações, sobretudo aquelas que são consideradas transgressoras da lei, tenderia a aumentar a percepção de insegurança, o sentimento de medo e a adoção de comportamentos restritivos dos indivíduos.

Nesse ponto, cabe salientar o valor significativo e negativo da covariância entre percepção de desordem e coesão social: os entrevistados que apresentam atitudes negativas em relação aos vizinhos tendem a relatar uma quantidade maior de sinais de desordem, a despeito da relação de causalidade entre elas (evidência que não é possível detectar no presente estudo). Não obstante, a hipótese levantada por Sampson (2009)Sampson, R. J.. “Disparity and diversity in the contemporary city: social (dis)order revisited”. The British Journal of Sociology, vol. 60, nº 1, p. 1-31, 2009. de que as inscrições no espaço urbano são interpretadas a partir de categorias e atributos que reproduzem as desigualdades e os estigmas sociais dá ênfase às atitudes dos indivíduos para com os laços de sociabilidade e a confiança interpessoal que vivenciam em seu próprio contexto. Enquanto moradores com baixa percepção de coesão social tendem a identificar facilmente sinais de incivilidade e desordem no ambiente, moradores que nutrem afeto e confiança em relação a seus vizinhos tenderiam a negligenciar essas inscrições espaciais no bairro em que vivem. Essa dinâmica também é percebida na análise de Caldeira (2000)Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. , na qual a circulação das narrativas associadas à “fala do crime” ressignifica os espaços e as relações, bem como reorganiza as práticas sociais por meio de uma hierarquização espacial que dispõe os sinais de incivilidades para compor uma cartografia moral dos lugares considerados seguros e das localidades que devem ser evitadas.

Já o indicador de coesão social usado esteve associado negativamente aos componentes comportamental e cognitivo do medo do crime. Pessoas que se percebem alinhadas moralmente aos seus vizinhos e que afirmam nutrir por eles amizade e confiança tendem a se sentir mais seguras no bairro e a não adotar comportamentos restritivos/protetivos por medo da violência. Nota-se também que foi dissipado o efeito positivo de coesão social sobre o aspecto emocional do medo evidenciado no Procedimento 1 ( Tabela 2 ), resultado atribuído à mensuração simultânea das variáveis latentes no Procedimento 2. Desse modo, os resultados obtidos convergem para a interpretação de que a familiaridade dos indivíduos com a organização espacial de seu bairro e a relação de confiança que mantêm com os vizinhos apresentam efeitos positivos sobre a percepção de segurança ( Hale, 1996Hale, C. “Fear of crime: a review of the literature”. International Review of Victimology, vol. 4, nº 2, p. 79-150, jan. 1996. ; Mello, 2016Mello, D. M. D. “Zonas do medo: variações geográficas do sentimento de (in)segurança no suplemento ‘Vitimização e acesso à justiça da PNAD de 2009’”. Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 10, nº 2, p. 20, 2016. ; Soares, 2008Soares, G. O sentimento de insegurança: teorias, hipóteses e dados. In: Duarte, M. S. D. B. (ed.). Pesquisa de condições de vida e vitimização de 2007: análise criminal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Coleção Instituto de Segurança Pública, 2008. ). Vale lembrar, contudo, que as experiências de vitimização impactam negativamente a percepção de coesão social, fazendo com que seja rejeitada a hipótese que sugere que, em determinados contextos, as experiências violentas são naturalizadas a ponto de não impactarem o sentimento de medo ou as atitudes em relação ao bairro e aos vizinhos.

Aprofundando um pouco a análise referente às relações entre vitimização e contexto, ao observarmos o conjunto de resultados no Diagrama 2 , verifica-se que as experiências de vitimização têm efeito positivo sobre percepção de desordem, negativo sobre coesão social e positivo sobre os componentes do medo do crime, enquanto as variáveis contextuais apresentam efeitos negativos (coesão social) e positivos (desordem) sobre o medo.

Diante desse enquadramento, seria razoável imaginar que as experiências de vitimização apresentassem efeitos indiretos sobre os componentes do medo do crime, cuja mediação seria realizada pelas variáveis contextuais. A análise dos efeitos indiretos das experiências de vitimização corrobora tal hipótese. Verificam-se efeitos indiretos das experiências de vitimização sobre todos os aspectos do medo do crime: mediados pela percepção de desordem e pela coesão social, os efeitos da vitimização direta (b = 0,05) sobre o componente cognitivo, bem como os efeitos da vitimização indireta sobre o componente cognitivo (b = 0,10), comportamental (b = 0,09) e emocional (b = 0,02) do medo do crime, são estatisticamente significativos10 10 Os resultados dos efeitos indiretos estão no Anexo Metodológico. .

Em suma, sofrer ou presenciar alguma experiência de vitimização no bairro, além de ampliar diretamente o sentimento de medo, impacta diretamente as percepções sobre o bairro e a vizinhança, as quais, por sua vez, ao se mostrarem fundamentais na determinação do medo do crime, acabam por mediar a relação entre as experiências de vitimização e os componentes emocional, cognitivo e comportamental do medo, ampliando-os. Tal resultado expressa o aumento da importância relativa dos eventos de vitimização na explicação dos determinantes das percepções de insegurança.

Uma vez mais, a interpretação de Caldeira (2000)Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. se revela muito convergente com os resultados obtidos, na medida em que a experiência frequentemente traumática da vitimização direta11 11 Ao menos no que concerne às vitimizações associadas à violência urbana. dificilmente se circunscreve ao indivíduo, pois seus efeitos, produzidos pela circulação da “fala do crime”, mobilizam categorias e representações que, por um lado, ressignificam o contexto social em que se vive e, por outro, articuladas a outras fontes sociais de ansiedade (geralmente relacionadas a processos de mudança social), contribuem decisivamente na produção da percepção de insegurança e do sentimento de medo.

Conclusão

O presente artigo procurou problematizar e aprofundar algumas discussões no tocante à conceitualização e à mensuração do medo do crime. A miríade de conceitos e mensurações identificada nas literaturas nacional e internacional acerca do medo e de suas variáveis explicativas tem como uma consequência praticamente inevitável a produção de resultados contraditórios ou inconclusivos. Diante desse cenário, decidimos ampliar a mensuração do medo considerando seus aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais, reproduzindo parcialmente o artigo de Rader, May e Goodrum (2007). Os resultados do Procedimento 1 mostraram a existência de efeitos recíprocos entre esses aspectos e a autonomia de cada um perante os demais.

O Procedimento 2 procurou integrar os aspectos emocional, cognitivo e comportamental em uma única estratégia de análise. Por meio do uso da modelagem de equações estruturais (MEE), identificamos que o sexo (mulher) e a elevada percepção de desordem são variáveis preditoras dos três componentes de medo. Reportar menor percepção de coesão social na vizinhança, ter relatado vitimização indireta, ser mais velho e mais escolarizado e possuir maior status socioeconômico têm efeitos positivos sobre, ao menos, dois dos componentes, enquanto a vitimização direta e raça/cor (não brancos) são preditores de um dos aspectos. Os resultados evidenciam a natureza complexa e multideterminada do fenômeno estudado e reforçam a importância dos conjuntos de preditores relacionados aos elementos sociodemográficos individuais, eventos de vitimização e características do bairro e da vizinhança.

Ainda, tal estratégia de análise permitiu a investigação a respeito das relações de determinação entre os preditores do medo do crime, bem como os efeitos indiretos de algumas variáveis explicativas sobre o medo, cujos resultados podem ser sumarizados em três pontos. Primeiro, reconhece-se a associação positiva entre as experiências de vitimização e o medo do crime, embora os determinantes sociodemográficos de ambos os fenômenos sejam opostos (homens jovens são mais vitimizados e relatam menor sentimento de medo). São fatores explicativos as diferentes experiências de socialização de gênero e de adesão a estilos de vida (que se alteram ao longo dos ciclos etários) que expõem os indivíduos a menor ou maior chance de vitimização. Segundo, tanto a vitimização direta quanto a indireta apresentam efeitos positivos sobre as variáveis contextuais, aumentando a percepção de desordem e diminuindo a percepção de coesão social. Em terceiro lugar, e como desdobramento desse resultado, foram identificados efeitos indiretos das experiências de vitimização sobre os componentes do medo do crime, cuja mediação foi realizada pelas variáveis contextuais.

Segundo Caldeira (2000)Caldeira, T. P. D. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. , o caráter disruptivo da vitimização direta, associado à elaboração e circulação da “fala do crime”, tem a capacidade de fornecer categorias, classificações e estereótipos que não somente servem de matéria-prima para a ressignificação do contexto social no qual se vive e para a amplificação do sentimento de medo e da percepção de insegurança, mas que também operam como uma linguagem capaz de articular outras fontes sociais de ansiedade e preocupação.

A proposta de mensuração do medo a partir de uma perspectiva mais abrangente e que vá além de explorar apenas as emoções nos parece promissora, principalmente porque, no contexto brasileiro, os dados que captam preocupação e ansiedade com relação ao crime parecem representar um fenômeno tão prevalente e disseminado que dificultam a operacionalização empírica desse fenômeno e seu uso como variável em modelos estatísticos. Mais importante, contudo, tal quadro evidencia a centralidade da violência e da criminalidade na realidade brasileira, na qual a produção e a circulação da “fala do crime” são capazes de expressar outras dinâmicas sociais que igualmente são fontes de ansiedade e insegurança. Nesses termos, não se preocupar com o crime se equipararia a não se preocupar com outras questões socialmente relevantes. Tornando-se praticamente um fundamento moral, a preocupação no que diz respeito à vitimização seria uma expressão em contraposição às ameaças de um mundo instável, associando-se ao desejo individual e coletivo por ordem e estabilidade. De todo modo, considerar aspectos como percepção de risco e comportamentos nos pareceu um caminho razoável para capturar nuances mais finas relacionadas ao medo e verificar sua relação com as demais variáveis.

Além das dificuldades referentes propriamente à conceituação e mensuração do medo do crime – tema central deste artigo –, há ainda outras limitações relacionadas ao desenho da pesquisa. A amostra transversal com que trabalhamos não nos permite estabelecer causalidade entre as variáveis, de modo que os sentidos das determinações propostos são fundamentalmente de natureza teórica. No entanto, os resultados relacionados às variáveis contextuais (percepção de desordem e coesão social) seriam mais robustos se tivéssemos um desenho amostral que circunscrevesse unidades territoriais de vizinhança, de maneira a possibilitar análises multiníveis.

Quanto aos condicionantes de medo do crime, diversas variáveis testadas se mostraram significativas, indicando que o medo do crime é um fenômeno complexo que está ligado a uma série de fatores, como características sociodemográficas, experiências de vitimização e percepções sobre a comunidade. Qualquer política que vise trabalhar para minimizar o medo do crime precisa considerar o papel que a percepção de fragilidade tem na reprodução do medo.

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  • Zaluar, A. “Os medos na política de segurança pública”. Estudos Avançados, vol. 33, nº 96, p. 5-22, 2019.
  • 3
    O presente artigo é fruto de pesquisa desenvolvida junto ao Projeto “Building Democracy Daily: Human Rights, Violence, and Institutional Trust” – Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (CepiD-Fapesp 2013-07923-7).
  • 4
    Destaca-se a profícua produção bibliográfica realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança (Crisp) com foco em Minas Gerais e, mais especificamente, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
  • 5
    É preciso não perder de vista que a simples adoção de determinados comportamentos pode estar associada mais à capacidade e à possibilidade de os indivíduos e os grupos sociais recorrerem a tais práticas do que necessariamente sua preocupação ou medo do crime. Assim, por exemplo, para muitas pessoas, não é facultada a escolha de mudar de residência ou deixar de sair à noite em virtude do medo que sentem. Também a aquisição de determinados mecanismos de segurança e proteção patrimonial está associado a recursos econômicos.
  • 6
    Percepção de insegurança, percepção de segurança, adoção de comportamentos restritivos e protetivos, percepção de risco, diferença entre medo, preocupação e ansiedade,etc.
  • 7
    A explicação mais pormenorizada sobre a modelagem de equações estruturais será realizada no Procedimento 2 em “Resultados e discussão”.
  • 8
    No Procedimento 1, cada indicador latente foi mensurado isoladamente a partir de análises fatoriais confirmatórias, produzindo escores fatoriais que foram inseridos nos modelos de regressão concernentes às Tabelas 2 , 3 e 4 .
  • 9
    Nos diagramas de equações estruturais, as elipses representam variáveis latentes, constructos não diretamente observáveis gerados a partir de n variáveis (apresentadas na descrição metodológica deste artigo); os retângulos representam variáveis observáveis; as linhas retas são os caminhos das regressões, nas quais as setas indicam a posição de cada variável dentro do modelo: variável independente à variável dependente; as linhas curvas com setas nas duas pontas representam as covariâncias.
  • 10
    Os resultados dos efeitos indiretos estão no Anexo Metodológico Anexo metodológico Tabela 1 Modelo de equações estruturais: ajustes do modelo, efeitos diretos e efeitos indiretos Método de estimação: MLMV Graus de liberdade 172 P-valor (qui-quadrado) 0,000 Comparative Fit Index (CFI) 0,938 Tucker-Lewis Index (TLI) 0,912 RMSEA 0,041 90% CI 0,038 – 0,044 EFEITOS DIRETOS Variáveis latentes - Modelos de mensuração Medo - Aspecto cognitivo - Com que frequência... Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - sente-se seguro ao andar no bairro de dia 1,000 2 - sente-se seguro ao andar no bairro à noite 1,310 0,077 16,98 0,000 Medo - Aspecto afetivo - O quanto se preocupa em... Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - alguém roubar sua casa quando está sem ninguém 1,000 2 - ter sua casa assaltada com sua família dentro 0,974 0,974 34,88 0,000 3 - ser assaltado na rua 0,861 0,288 29,94 0,000 4 - sofrer sequestro relâmpago 1,117 0,036 31,33 0,000 5 - ter parente ou amigo assassinado 0,780 0,780 27,65 0,000 Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - Confiança nos vizinhos 0,335 0,026 13,13 0,000 2 - Conhece os vizinhos 0,210 0,014 14,66 0,000 3 - Os vizinhos respeitam a lei 0,567 0,032 17,75 0,000 Percepção de desordem - Com que frequência há no bairro... Coeficiente Erro-padrão Z P valor 1 - pichação de muros ou casas 1,000 2 - lixo ou entulho nas calçadas ou córregos 1,109 0,062 17,96 0,000 3 - som alto à noite 1,090 0,065 16,75 0,000 4 - carros abandonados 1,093 0,062 17,50 0,000 5 - uso de drogas ilegais em espaços públicos 0,849 0,055 15,51 0,000 Regressões Medo - Aspecto cognitivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,030 0,075 0,40 0,689 Vitimização indireta 0,173 0,055 3,13 0,002 Coesão social -0,187 0,041 -4,55 0,000 Percepção de desordem 0,169 0,048 3,55 0,000 Sexo 0,364 0,052 7,01 0,000 Idade 0,180 0,031 5,82 0,000 Raça 0,042 0,052 0,81 0,418 Status socioeconômico 0,070 0,028 2,47 0,013 Escolaridade -0,002 0,014 -0,11 0,912 Medo - Aspecto afetivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta -0,061 0,038 -1.,60 0,109 Vitimização indireta 0,025 0,028 0,89 0,373 Coesão social 0,019 0,020 0,98 0,328 Percepção de desordem 0,064 0,023 2,73 0,006 Sexo 0,182 0,026 6,91 0,000 Idade 0,015 0,015 1,02 0,309 Raça -0,059 0,026 -2,25 0,025 Status socioeconômico 0,014 0,014 0,96 0,339 Escolaridade 0,014 0,007 0,45 0,045 Medo - Aspecto comportamental Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,202 0,069 2,94 0,003 Vitimização indireta 0,111 0,050 2,22 0,027 Coesão social -0,085 0,036 -2,34 0,019 Percepção de desordem 0,184 0,043 4,29 0,000 Sexo 0,247 0,047 5,25 0,000 Idade 0,098 0,028 3,55 0,000 Raça -0,009 0,047 -0,20 0,843 Status socioeconômico 0,081 0,026 3,09 0,002 Escolaridade 0,042 0,013 3,30 0,001 Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta -0,202 0,097 -2,09 0,037 Vitimização indireta -0,143 0,067 -2,12 0,034 Sexo -0,224 0,067 -3,37 0,001 Idade 0,356 0,037 9,52 0,000 Raça -0,012 0,067 -0,18 0,856 Status socioeconômico 0,087 0,036 2,39 0,017 Escolaridade 0,025 0,018 1,42 0,155 Percepção de desordem Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,064 0,064 1,00 0,318 Vitimização indireta 0,428 0,047 9,02 0,000 Sexo 0,024 0,044 0,56 0,578 Idade -0,118 0,024 -4,93 0,000 Raça 0,101 0,045 2,27 0,023 Status socioeconômico -0,070 0,024 -2,89 0,004 Escolaridade 0,010 0,012 0.,81 0,420 Vitimização direta Coeficiente Erro-padrão Z P valor Sexo -0,065 0,016 -4,00 0,000 Idade -0,049 0,009 -5,65 0,000 Raça -0,029 0,017 -1,76 0,078 Status socioeconômico -0,002 0,009 -0,22 0,829 Escolaridade -0,007 0,004 -1,54 0,124 Vitimização indireta Coeficiente Erro-padrão Z P valor Sexo -0,052 0,023 -2,20 0,028 Idade -0,073 0,013 -5,86 0,000 Raça -0,029 0,024 -1,20 0,228 Status socioeconômico -0,003 0,013 -0,23 0,818 Escolaridade -0,006 0,006 -0,97 0,332 Covariâncias Coeficiente Erro-padrão Z P valor Cognitivo - afetivo 0,184 0,017 11,05 0,000 Cognitivo - comportamental 0,255 0,027 9,47 0,000 Afetivo - comportamental 0,120 0,013 9,19 0,000 Coesão social - desordem -0,295 0,034 -8,55 0,000 Vitimização direta - indireta 0,184 0,017 11,05 0,000 EFEITOS INDIRETOS - Regressões Medo - aspecto cognitivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,049 0,023 2,10 0,036 Vitimização indireta 0,099 0,016 6,05 0,000 Coesão social — — — — Percepção de desordem — — — — Sexo 0,027 0,020 1,35 0,177 Idade -0,111 0,018 -6,3 0,000 Raça 0,009 0,018 0,51 0,608 Status socioeconômico -0,029 0,010 -2,86 0,004 Escolaridade -0,005 0,005 -1,1 0,272 Medo - Aspecto afetivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,000 0,004 0,04 0,967 Vitimização indireta 0,025 0,003 8,11 0,000 Coesão social — — — — Percepção de desordem — — — — Sexo -0,001 0,006 -0,24 0,807 Idade -0,001 0,007 -0,18 0,854 Raça 0,007 0,004 1,63 0,103 Status socioeconômico -0,003 0,002 -1,18 0,236 Escolaridade 0,001 0,001 1,10 0,269 Medo - Aspecto comportamental Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta 0,029 0,016 1,82 0,069 Vitimização indireta 0,091 0,011 7,94 0,000 Coesão Social — — — — Percepção de desordem — — — — Sexo -0,002 0,016 -0,11 0,911 Idade -0,078 0,014 -5,67 0,000 Raça 0,007 0,014 0,53 0,598 Status socioeconômico -0,021 0,008 -2,80 0,005 Escolaridade -0,003 0,004 -0,87 0,382 Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta — — — — Vitimização indireta — — — — Sexo 0,020 0,008 2,46 0,014 Idade 0,020 0,007 3,03 0,002 Raça 0,010 0,006 1,65 0,099 Status socioeconômico 0,001 0,003 0,29 0,773 Escolaridade 0,002 0,002 1,45 0,148 Percepção de desordem Coeficiente Erro-padrão Z P valor Vitimização direta — — — — Vitimização indireta — — — — Sexo -0,026 0,011 -2,34 0,019 Idade -0,035 0,007 -4,96 0,000 Raça -0,014 0,011 -1,33 0,185 Status socioeconômico -0,001 0,006 -0,25 0,805 Escolaridade -0,003 0,003 -1,09 0,277 Fonte: Elaboração dos autores com base em dados do Núcleo de Estudos da Violência, 2015 . .
  • 11
    Ao menos no que concerne às vitimizações associadas à violência urbana.

Anexo metodológico

Tabela 1
Modelo de equações estruturais: ajustes do modelo, efeitos diretos e efeitos indiretos
Método de estimação: MLMV
Graus de liberdade 172
P-valor (qui-quadrado) 0,000
Comparative Fit Index (CFI) 0,938
Tucker-Lewis Index (TLI) 0,912
RMSEA 0,041
90% CI 0,038 – 0,044
EFEITOS DIRETOS
Variáveis latentes - Modelos de mensuração
Medo - Aspecto cognitivo - Com que frequência... Coeficiente Erro-padrão Z P valor
1 - sente-se seguro ao andar no bairro de dia 1,000
2 - sente-se seguro ao andar no bairro à noite 1,310 0,077 16,98 0,000
Medo - Aspecto afetivo - O quanto se preocupa em... Coeficiente Erro-padrão Z P valor
1 - alguém roubar sua casa quando está sem ninguém 1,000
2 - ter sua casa assaltada com sua família dentro 0,974 0,974 34,88 0,000
3 - ser assaltado na rua 0,861 0,288 29,94 0,000
4 - sofrer sequestro relâmpago 1,117 0,036 31,33 0,000
5 - ter parente ou amigo assassinado 0,780 0,780 27,65 0,000
Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor
1 - Confiança nos vizinhos 0,335 0,026 13,13 0,000
2 - Conhece os vizinhos 0,210 0,014 14,66 0,000
3 - Os vizinhos respeitam a lei 0,567 0,032 17,75 0,000
Percepção de desordem - Com que frequência há no bairro... Coeficiente Erro-padrão Z P valor
1 - pichação de muros ou casas 1,000
2 - lixo ou entulho nas calçadas ou córregos 1,109 0,062 17,96 0,000
3 - som alto à noite 1,090 0,065 16,75 0,000
4 - carros abandonados 1,093 0,062 17,50 0,000
5 - uso de drogas ilegais em espaços públicos 0,849 0,055 15,51 0,000
Regressões
Medo - Aspecto cognitivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta 0,030 0,075 0,40 0,689
Vitimização indireta 0,173 0,055 3,13 0,002
Coesão social -0,187 0,041 -4,55 0,000
Percepção de desordem 0,169 0,048 3,55 0,000
Sexo 0,364 0,052 7,01 0,000
Idade 0,180 0,031 5,82 0,000
Raça 0,042 0,052 0,81 0,418
Status socioeconômico 0,070 0,028 2,47 0,013
Escolaridade -0,002 0,014 -0,11 0,912
Medo - Aspecto afetivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta -0,061 0,038 -1.,60 0,109
Vitimização indireta 0,025 0,028 0,89 0,373
Coesão social 0,019 0,020 0,98 0,328
Percepção de desordem 0,064 0,023 2,73 0,006
Sexo 0,182 0,026 6,91 0,000
Idade 0,015 0,015 1,02 0,309
Raça -0,059 0,026 -2,25 0,025
Status socioeconômico 0,014 0,014 0,96 0,339
Escolaridade 0,014 0,007 0,45 0,045
Medo - Aspecto comportamental Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta 0,202 0,069 2,94 0,003
Vitimização indireta 0,111 0,050 2,22 0,027
Coesão social -0,085 0,036 -2,34 0,019
Percepção de desordem 0,184 0,043 4,29 0,000
Sexo 0,247 0,047 5,25 0,000
Idade 0,098 0,028 3,55 0,000
Raça -0,009 0,047 -0,20 0,843
Status socioeconômico 0,081 0,026 3,09 0,002
Escolaridade 0,042 0,013 3,30 0,001
Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta -0,202 0,097 -2,09 0,037
Vitimização indireta -0,143 0,067 -2,12 0,034
Sexo -0,224 0,067 -3,37 0,001
Idade 0,356 0,037 9,52 0,000
Raça -0,012 0,067 -0,18 0,856
Status socioeconômico 0,087 0,036 2,39 0,017
Escolaridade 0,025 0,018 1,42 0,155
Percepção de desordem Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta 0,064 0,064 1,00 0,318
Vitimização indireta 0,428 0,047 9,02 0,000
Sexo 0,024 0,044 0,56 0,578
Idade -0,118 0,024 -4,93 0,000
Raça 0,101 0,045 2,27 0,023
Status socioeconômico -0,070 0,024 -2,89 0,004
Escolaridade 0,010 0,012 0.,81 0,420
Vitimização direta Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Sexo -0,065 0,016 -4,00 0,000
Idade -0,049 0,009 -5,65 0,000
Raça -0,029 0,017 -1,76 0,078
Status socioeconômico -0,002 0,009 -0,22 0,829
Escolaridade -0,007 0,004 -1,54 0,124
Vitimização indireta Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Sexo -0,052 0,023 -2,20 0,028
Idade -0,073 0,013 -5,86 0,000
Raça -0,029 0,024 -1,20 0,228
Status socioeconômico -0,003 0,013 -0,23 0,818
Escolaridade -0,006 0,006 -0,97 0,332
Covariâncias Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Cognitivo - afetivo 0,184 0,017 11,05 0,000
Cognitivo - comportamental 0,255 0,027 9,47 0,000
Afetivo - comportamental 0,120 0,013 9,19 0,000
Coesão social - desordem -0,295 0,034 -8,55 0,000
Vitimização direta - indireta 0,184 0,017 11,05 0,000
EFEITOS INDIRETOS - Regressões
Medo - aspecto cognitivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta 0,049 0,023 2,10 0,036
Vitimização indireta 0,099 0,016 6,05 0,000
Coesão social
Percepção de desordem
Sexo 0,027 0,020 1,35 0,177
Idade -0,111 0,018 -6,3 0,000
Raça 0,009 0,018 0,51 0,608
Status socioeconômico -0,029 0,010 -2,86 0,004
Escolaridade -0,005 0,005 -1,1 0,272
Medo - Aspecto afetivo Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta 0,000 0,004 0,04 0,967
Vitimização indireta 0,025 0,003 8,11 0,000
Coesão social
Percepção de desordem
Sexo -0,001 0,006 -0,24 0,807
Idade -0,001 0,007 -0,18 0,854
Raça 0,007 0,004 1,63 0,103
Status socioeconômico -0,003 0,002 -1,18 0,236
Escolaridade 0,001 0,001 1,10 0,269
Medo - Aspecto comportamental Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta 0,029 0,016 1,82 0,069
Vitimização indireta 0,091 0,011 7,94 0,000
Coesão Social
Percepção de desordem
Sexo -0,002 0,016 -0,11 0,911
Idade -0,078 0,014 -5,67 0,000
Raça 0,007 0,014 0,53 0,598
Status socioeconômico -0,021 0,008 -2,80 0,005
Escolaridade -0,003 0,004 -0,87 0,382
Coesão social Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta
Vitimização indireta
Sexo 0,020 0,008 2,46 0,014
Idade 0,020 0,007 3,03 0,002
Raça 0,010 0,006 1,65 0,099
Status socioeconômico 0,001 0,003 0,29 0,773
Escolaridade 0,002 0,002 1,45 0,148
Percepção de desordem Coeficiente Erro-padrão Z P valor
Vitimização direta
Vitimização indireta
Sexo -0,026 0,011 -2,34 0,019
Idade -0,035 0,007 -4,96 0,000
Raça -0,014 0,011 -1,33 0,185
Status socioeconômico -0,001 0,006 -0,25 0,805
Escolaridade -0,003 0,003 -1,09 0,277
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados do Núcleo de Estudos da Violência, 2015Núcleo de Estudos da Violência. Audience Legitimacy. Survey realizado pelo Ibope sob orientação do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), no contexto da pesquisa Cepid/Fapesp (Cepid-Fapesp 2013-07923-7), 2015. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2020
  • Aceito
    8 Out 2021
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