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Questionando a tese da cartelização: o financiamento das organizações partidárias no Brasil (1998-2016)

Questioning the cartelization thesis: financing party organizations in Brazil (1998-2016)

Cuestionando la tesis de la cartelización: el financiamiento de los partidos políticos en Brasil (1998-2016)

Remise en cause de la thèse de la cartellisation: le financement des partis politiques au Brésil (1998-2016)

O artigo analisa o financiamento das organizações partidárias no Brasil, no período de 1998 a 2016. Recorrendo a técnicas de estatística descritiva, tratamos do papel dos recursos públicos, das doações de empresas privadas, das contribuições dos filiados e dos parlamentares. Questionamos a aplicabilidade da tese da cartelização dos partidos ao caso brasileiro, mostrando que o modelo de distribuição dos recursos públicos promove a fragmentação, não a cartelização, do sistema partidário. Constatamos que o setor privado não mantém vínculos orgânicos com partidos que representam seus interesses, mas age de forma pragmática. Concentra as doações nos partidos que disputam as eleições para presidente, com ampla vantagem para o partido que ocupa a Presidência. Nem os filiados nem os parlamentares contribuem significativamente para o orçamento dos partidos no Brasil.

financiamento partidário; cartelização; filiação partidária; fundo partidário; financiamento privado


Abstract

The text analyzes the financing of party organizations in Brazil, from 1998 to 2016. Using descriptive statistics, we address the role of public resources, donations from private companies, contributions from members and parliamentarians. We question the applicability of the party cartelization thesis to the Brazilian case, showing that the public resource distribution model promotes fragmentation, not cartelization of the party system. We found that the private sector does not maintain organic links with parties that represent its interests, but acts pragmatically. It concentrates donations on the parties running for presidential elections, with ample advantage for the party that holds the presidency. Neither the affiliates nor the parliamentarians contribute significantly to the budget of the parties in Brazil.

party funding; cartelization; party affiliation; party fund; private financing

Resumen

El texto analiza el financiamiento de las organizaciones partidarias en Brasil, de 1998 a 2016. Utilizando técnicas de estadística descriptiva, abordamos el papel de los recursos públicos, donaciones de empresas privadas, contribuciones de diputados y parlamentarios. Cuestionamos la aplicabilidad de la tesis de la cartelización de partidos al caso brasileño, mostrando que el modelo de distribución de recursos públicos promueve la fragmentación, no la cartelización del sistema de partidos. Descubrimos que el sector privado no mantiene vínculos orgánicos con partidos que representan sus intereses, sino que actúa de manera pragmática. Concentra las donaciones en los partidos que se postulan para las elecciones presidenciales, con amplia ventaja para el partido que ostenta la presidencia. Ni los afiliados ni los parlamentarios contribuyen significativamente al presupuesto de los partidos en Brasil.

financiación del partido; cartelización; afiliados del partido; fondo público del partido; financiación privada

Résumé

Ce texte présente l'analyse sur le financement des organisations de partis politiques au Brésil dans la période de 1998 à 2016. En utilisant les techniques des statistiques descriptives, nous examinons le rôle développé par les ressources publiques, les donations des entreprises privées, ainsi comme les contributions apportées par les affiliés et les parlementaires. Nous mettons en cause l'applicabilité de la thèse de la cartellisation des partis politiques dans le cas brésilien, en démontrant que le modèle de distribution des ressources publiques favorise la fragmentation, pas la cartellisation du système des partis. Nous avons constaté que le secteur privé n'entretient pas de liens organiques avec les partis qui représentent ses intérêts, cependant il agit de manière pragmatique. Il concentre les donations dans les partis qui disputent les élections présidentielles, en ayant grand avantage au parti qui exerce la Présidence du pays. Ni les affiliés, ni les parlementaires ne contribuent significativement au budget des partis politiques au Brésil.

financement des partis politiques; cartellisation; affiliation au parti politique; fonds des partis; financement privé

Introdução

O papel do dinheiro na competição política é amplamente tratado na literatura da ciência política, com enfoques que vão desde a influência direta sobre resultados eleitorais e representantes eleitos até análises que jogam luz sobre como o dinheiro influencia as organizações partidárias e o funcionamento da democracia representativa a longo prazo. O presente artigo trata do financiamento das organizações partidárias no Brasil, a partir de uma compilação inédita de dados sobre as receitas dos partidos políticos nacionais durante duas décadas (de 1998 a 2016). O texto tem dois propósitos: primeiro, mapear o financiamento de organizações partidárias no Brasil. Até então, os trabalhos sobre o financiamento da política se concentraram na questão do financiamento do processo eleitoral. Aqui focamos nas organizações partidárias. Analisamos o volume de financiamento, as principais fontes e como esses recursos são distribuídos entre os partidos. Em segundo lugar, situamos o caso brasileiro no debate da ciência política sobre a evolução do sistema partidário nas democracias representativas contemporâneas.

O artigo está organizado em quatro seções, após esta introdução. Primeiro, recapitulamos o estado da arte das literaturas internacional e nacional sobre as fontes de financiamento público e privado. Depois, apresentamos a base de dados e os percalços e limitações na coleta das informações. No terceiro passo, exploramos os dados, enfocando sequencialmente os recursos públicos, as doações das empresas, as contribuições dos filiados e das lideranças partidárias. Vinculamos a análise do papel dessas fontes de financiamento ao debate teórico na ciência política sobre a cartelização do sistema partidário (no caso dos recursos públicos), a relação orgânica ou pragmática do setor privado com o sistema partidário (no caso das doações de empresas), a caracterização dos partidos brasileiros como partidos de massa (no caso das contribuições dos filiados) e o deslocamento do centro gravitacional do partido no eleitorado para o partido no governo (no caso das contribuições dos parlamentares). Avaliamos o financiamento especificamente à luz das teses sobre a cartelização do quadro partidário. Ao final, discutimos os resultados retomando essas quatro intersecções entre a análise do financiamento político e a literatura sobre os partidos políticos.

O estado da arte

A produção científica sobre o “financiamento político” no Brasil cresceu significativamente na última década. O conceito se refere aos recursos financeiros para custear as organizações partidárias e financiar as campanhas eleitorais. Ambos os gastos influenciam a disputa política, seja em relação à dinâmica do processo eleitoral a curto prazo, seja em relação às estruturas partidárias a longo prazo. A literatura da ciência política se refere, em larga escala, à análise do financiamento das campanhas eleitorais. Speck (2015)Speck , B. W. Recursos, partidos e eleições: o papel do financiamento privado, do Fundo Partidário e do horário gratuito na competição política no Brasil . In: Avelar , L. ; Cintra , A. O. ( eds .) . Sistema político brasileiro: uma introdução . 3ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo : Fundação Konrad Adenauer; Unesp , 2015 . recapitulou o estado da arte sobre a relação entre dinheiro e política no Brasil. Mancuso (2015)Mancuso , W. P. “ Investimento eleitoral no Brasil: balanço da literatura (2001-2012) e agenda de pesquisa ”. Revista de Sociologia e Política , vol. 23 , nº 54 , p. 155 - 183 , 2015 . apresentou um balanço da literatura especificamente acerca da influência das doações empresariais no processo eleitoral.

A pesquisa sobre o financiamento das organizações partidárias é mais rarefeita no Brasil. Uma das explicações para isso reside na disponibilidade dos dados. O Quadro 1 mostra a diferença entre o acesso aos dados referentes às finanças eleitorais e aquele relativo às organizações partidárias. Os dados relativos às contas partidárias até 2006 não estão acessíveis eletronicamente, somente em meio físico. De 2007 a 2016, as prestações de contas estão acessíveis em formato digital, porém não organizadas em bancos de dados. Para os diretórios subnacionais, os dados estão disponíveis somente em papel, sob demanda efetuada aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Um novo sistema de prestação de contas em formato eletrônico, implementado a partir de 2017, promete as informações financeiras dos diretórios partidários em todos os âmbitos federativos, em formato de banco de dados.

Quadro 1
Acesso aos dados sobre finanças partidárias e eleitorais

Nota: * A partir de 2017, disponível eletronicamente.


A discussão acerca dos recursos financeiros das organizações partidárias se divide entre trabalhos que analisam o financiamento público e outros dedicados às fontes privadas. Sobre ambos os temas, a ciência política internacional lançou teses centrais que orientaram o rumo das pesquisas.

Os recursos públicos e a tese da cartelização

A ciência política tratou intensamente do tema do volume e distribuição dos recursos públicos para financiamento de partidos e eleições. A tese mais importante em relação a esse tópico diz respeito à chamada cartelização da competição. Lançada em 1995 por Katz e Mair (1995)Katz , R. S. ; Mair , P. “ Changing models of party organization and party democracy: the emergence of the cartel party ”. Party Politics , vol. 1 , nº 1 , p. 5 - 28 , 1 jan . 1995 . , essa tese sofreu críticas em relação à sua consistência conceitual ( Koole, 1996Koole , R. “ Cadre, catch-all or cartel? A comment on the notion of the Cartel party ”. Party Politics , vol. 2 , nº 4 , p. 507 - 523 , 10 jan . 1996 . ), à plausibilidade do modelo explicativo ( Kitschelt, 2000Kitschelt , H. “ Citizens, politicians, and party cartelization: political representation and state failure in post-industrial democracies ”. European Journal of Political Research , vol. 37 , nº 2 , p. 149 - 179 , mar . 2000 . ) e à verificação empírica (Pierre, Svåsand e Widfeldt, 2000) e passou por modificações (Katz e Mair, 1996, 2012; Mair e Katz, 2009Mair , P. ; Katz , R. S. “ The cartel party thesis: a restatement ”. Perspectives on Politics , vol. 7 , nº 4 , p. 753 - 766 , 2009 . ). Nem por isso deixou de influenciar o debate sobre as mudanças dos sistemas partidários modernos. Para tratar dela aqui, será necessário qualificar o significado do termo “cartelização”. Entendemos que a tese foi apresentada em três versões. A primeira concerne à cartelização das organizações partidárias, na qual “cartelização” significa maior dependência do conjunto dos partidos em relação aos recursos públicos, em detrimento do papel de outras fontes de financiamento. A cartelização afasta os partidos da sociedade e os aproxima do Estado. Um indicador importante para essa primeira versão da tese é o volume crescente dos recursos públicos alocados aos partidos e, consequentemente, o peso predominante daqueles no orçamento destes. Já a segunda versão da tese afirma que a competição entre os partidos é caracterizada pela cartelização. A forma pela qual os recursos são distribuídos terá impacto sobre a competição entre os partidos, favorecendo os grandes, consolidados, e dificultando a sobrevivência dos pequenos, novatos. Como as regras de distribuição são feitas pelos próprios partidos majoritários, essa segunda versão sugere que o desenho das regras pelos legisladores segue uma lógica de autoproteção. O indicador para avaliar a validade da tese é a maneira como os recursos são distribuídos entre os partidos. Por sua vez, a terceira versão da tese da cartelização também mobiliza a questão do peso dos recursos públicos, agora adotando uma perspectiva intrapartidária . A ascensão desses recursos estaria umbilicalmente ligada ao declínio dos recursos arrecadados dos filiados no custeio de cada organização partidária. O partido cartelizado é aquele que abandonou uma caraterística básica dos partidos de massa, substituindo o autofinanciamento por recursos públicos.

Dado o caráter multifacetado da tese da cartelização, as análises sobre o caso brasileiro também chegam a conclusões diferentes. Vários autores trataram da questão dos subsídios públicos e da relação destes com a competição partidária. Os estudos são unânimes no diagnóstico sobre o volume e o peso crescente desses recursos em relação ao total de financiamento dos partidos no Brasil. No que tange à primeira interpretação, a dependência crescente dos partidos em relação aos subsídios estatais, a cartelização é amplamente confirmada pelos trabalhos acadêmicos ( Nicolau, 2010Nicolau , J. Parties and democracy in Brazil, 1985-2006: moving toward cartelization . In: Lawson , K. ; Lanzaro , J. ( eds .) . Political parties and democracy (5 vols.) . Santa Barbara : Praeger , 2010 . ). Quanto à segunda ótica, da cartelização na alocação dos recursos entre os partidos, as análises tendem a divergir. Parte dos autores defende que os partidos grandes usam os recursos públicos para garantir o seu espaço no sistema representativo. Esse grupo se apoia na comparação entre os modelos de distribuição equitativa e proporcional dos recursos, argumentando que o modelo proporcional contribuiria para a perpetuação do peso de influência sobre o eleitorado ( Andreis, 2008Andreis , T. F. “ Cartelização e financiamento público dos partidos políticos: uma análise da democracia brasileira ”. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais , Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul . Porto Alegre , 2008 . ; Bolognesi, 2016Bolognesi , B. “ Dentro do Estado, longe da sociedade: a distribuição do fundo partidário em 2016 ”. Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil , vol. 3 , nº 11 , 2016 . ; Bourdoukan, 2009Bourdoukan , A. “ O bolso e a urna: financiamento político em perspectiva comparada ”. Tese de Doutorado em Ciência Política , Universidade de São Paulo . São Paulo , 2009 . ). Outros analistas críticos à tese da cartelização partem do diagnóstico empírico de que as maiores organizações partidárias que supostamente cartelizam a competição perderam espaço para as siglas menores e novas. Ribeiro (2013)Ribeiro , P. F. “ El modelo de partido cartel y el sistema de partidos de Brasil ”. Revista de Ciencia Política , Santiago , vol. 33 , nº 3 , p. 607 - 629 , 2013 . identifica tradições no sistema partidário brasileiro que apontam para a cartelização, como a dependência dos partidos em relação aos recursos estatais, ao mesmo tempo que constata elementos que dificultam a cartelização, como o sistema proporcional das eleições para o Legislativo e a falta de cláusulas de barreira que facilitem a sobrevivência dos partidos pequenos. No que se refere à influência dos recursos públicos, ele afirma que o modelo de distribuição mais ajuda do que dificulta a sobrevivência dos partidos pequenos, descartando, portanto, a tese da cartelização. Speck e Campos (2014)Speck , B. W. ; Campos , M. M. “ Incentivos para a fragmentação e a nacionalização do sistema partidário a partir do horário eleitoral gratuito no Brasil ”. Teoria & Pesquisa – Revista de Ciência Política , vol. 23 , nº 2 , p. 12 - 40 , 2014 . argumentam na mesma direção, com base no modelo de distribuição do tempo gratuito de propaganda no rádio e TV, que tende a aumentar o espaço dos pequenos partidos e prejudicar os partidos maiores. Pelas regras de alocação do horário eleitoral e partidário, um partido grande terá menos tempo de TV do que dois partidos pequenos com igual peso eleitoral, o que resulta em um incentivo à fragmentação. Não há estudos que analisem a terceira versão da tese da cartelização, que diz respeito à substituição dos recursos dos filiados pelos recursos públicos. Essa tese, cuja validade foi questionada por Pierre, Svåsand e Widfeldt (2000) para um grupo de países europeus, carece de uma análise para o caso brasileiro.

Os recursos privados: entre a corrupção e o enraizamento dos partidos

Na literatura acadêmica, há duas leituras diferentes sobre os vínculos financeiros entre empresas privadas e partidos políticos. Na leitura dos cientistas políticos que analisam a dinâmica dos processos eleitorais, as doações empresariais são ações estrategicamente instrumentalizadas para promover o interesse das empresas ( Austin e Tjernström, 2003Austin , R. ; Tjernström , M. ( eds .) . Funding of political parties and election campaigns . Stockholm, Sweden : International Idea , 2003 . ). Os autores argumentam que as empresas financiam candidatos mais favoráveis aos seus negócios, com a dupla finalidade de elegê-los e influenciar as decisões dos eleitos. Nessa linha de raciocínio, o financiamento privado da competição política é fonte de corrupção dos partidos e representantes políticos. Tanto a literatura que sugere reformas na legislação sobre o financiamento político ( Griner e Zovatto, 2004Griner , S. ; Zovatto , D. ( eds .) . De las normas a las buenas prácticas: el desafío del financiamiento político en América Latina . Washington : Organization of American States (OAS) , 2004 . ) como também boa parte dos estudos sobre o financiamento eleitoral trabalham com o objetivo de provar a relação causal do dinheiro sobre o voto popular e favores dos representantes eleitos (Ansolabehere, Figueiredo e Snyder, 2003; Stratmann, 2005Stratmann , T. “ Some talk: money in politics. A (partial) review of the literature ”. Public Choice , vol. 124 , nº 1-2 , p. 135 - 156 , jul . 2005 . ). Pesquisas mais recentes visam avaliar em que medida as relações entre partidos e setor privado são caracterizadas por vínculos de interesses mais imediatos ou por relações de identificação programática ( McMenamin, 2013McMenamin , I. If money talks, what does it say?: Corruption and business financing of political parties . Oxford : Oxford University Press , 2013 . ).

Em contraste com essa leitura e fundamentando-se nos estudos eleitorais, a ciência política que analisa os partidos políticos enxerga nas doações empresariais apenas uma peça do mosaico maior do enraizamento social dos partidos. As doações de empresas, sindicatos, associações ou movimentos são uma manifestação dos vínculos entre os partidos políticos e determinados segmentos da sociedade. Nessa visão, as doações empresariais não são consideradas fonte de corrupção, mas expressam uma relação de vínculo orgânico com a sociedade (Verba, Schlozman e Brady, 1995) e o setor privado ( Nassmacher, 2003Nassmacher , K.-H. Introduction: political parties, funding and democracy . In: Austin , R. ; Tjernström , M. ( eds .) . Funding of political parties and election campaigns. Handbook Series . Stockholm, Sweden : International Idea , 2003 . ). Os trabalhos clássicos de Duverger (1951)Duverger , M. Political parties: their organization and activity in the modern state . London : Methuen , 1951 . e Kirchheimer (1966)Kirchheimer , O. The transformation of Western European party systems . In: Lapalombara , J. ( ed .) . Political parties and political development . Princeton : Princeton University Press , p. 177 - 200 , 1966 . , que introduziram as categorias de partidos de quadro, partidos de massa e partidos catch all no debate sobre a evolução das organizações partidárias, fizeram referência explícita às fontes diferentes de financiamento que caracterizam esses três tipos: no partido de quadros, há as doações eventuais de notáveis, no partido de massa, as contribuições regulares de filiados e, no partido catch all , as doações dos grupos de interesse. Conforme vimos, Katz e Mair (1995)Katz , R. S. ; Mair , P. “ Changing models of party organization and party democracy: the emergence of the cartel party ”. Party Politics , vol. 1 , nº 1 , p. 5 - 28 , 1 jan . 1995 . acrescentaram a esses modelos o financiamento público como modelo de financiamento dos partidos cartel.

Tirando os trabalhos sobre o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil, que não fazem parte do escopo deste artigo, as análises do financiamento privado das organizações partidárias são rarefeitas. Ribeiro (2008)Ribeiro , P. F. “ Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005 ”. Tese de Doutorado em Ciências Humanas , Universidade Federal de São Carlos . São Carlos , 2008 . analisa a composição das fontes de financiamento do diretório nacional do PT, constatando um deslocamento das contribuições dos filiados para duas outras fontes: os recursos públicos, que cresceram com o sucesso eleitoral nas eleições para a Câmara dos Deputados, e as doações empresariais, a partir da vitória eleitoral nas eleições para a Presidência em 2002. O primeiro trabalho exaustivo sobre o financiamento privado dos diretórios nacionais é de Campos (2009)Campos , M. “ Democracia, partidos e eleições: os custos do sistema partidário-eleitoral no Brasil ”. Tese de Doutorado em Ciência Política , Universidade Federal de Minas Gerais . Belo Horizonte , 2009 . . O autor analisa as principais fontes de financiamento dos partidos de 1998 a 2006, constatando, para o conjunto das organizações partidárias, um crescimento vertiginoso das doações empresariais e, para as de esquerda, uma participação significativa das contribuições dos filiados no custeio dos diretórios nacionais. Com base num levantamento similar das fontes de financiamento dos diretórios para o período de 2006 a 2012, Krause, Rebello e Silva (2015) discutem como os partidos brasileiros se enquadram na tipologia de partidos de quadros, de massa, catch all e cartel, analisando as principais fontes de financiamento dos diretórios. Uma das conclusões desse trabalho é a de que partidos de massa, financiados significativamente pelas contribuições regulares dos filiados, não existem no Brasil.

Metodologia e dados analisados

O banco de dados coletado abrange informações das prestações de contas anuais dos partidos políticos brasileiros à justiça eleitoral, para o período de 1998 a 2016. A delimitação do período de coleta se justifica pelo acesso aos dados. As prestações de contas aqui utilizadas foram solicitadas ao TSE (Coordenadoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias, Coepa), em meio físico ou digital. Para o período de 1998 a 2005, o banco de dados abrange os nove maiores partidos 3 3 São eles: PMDB, PFL/DEM, PDS/PP, PDT, PTB, PT, PSDB, PL/PR e PSB. . Para o período seguinte, de 2006 a 2016, a coleta envolveu todos os 37 partidos com registro permanente no TSE, nesse intervalo de tempo. No total, o banco de dados engloba 385 prestações de contas de diretórios nacionais dos partidos.

Não foi possível obter as prestações de contas de alguns partidos para determinados anos por diversas razões: os partidos não entregaram a prestação de contas; as pastas de prestação de contas estiveram indisponíveis no período da coleta; ou faziam parte de processos tramitando na justiça eleitoral. O Quadro 2 mostra a cobertura dos dados obtidos sobre os partidos existentes nos anos correspondentes: “1” significa que a prestação de contas estava disponível e os dados foram transcritos para o banco de dados; “0” significa que o dado não foi obtido, apesar de o partido existir no respectivo ano e “” (vazio) significa que o partido não existiu naquele ano. A cobertura para o período todo (dados obtidos sobre partidos existentes, de 1996 a 2016) é de 66%. A análise dos dados na próxima seção se refere separadamente aos nove partidos, com cobertura de 1998 a 2016, e aos 18 partidos com cobertura mais completa, de 2006 a 2016, como está indicado no Quadro 2 . Mais detalhes sobre o banco de dados estão disponíveis no Apêndice 1 Apêndice 1 Das 385 prestações de contas, extraímos as informações sobre a origem dos recursos. Os balancetes que os partidos enviam ao TSE informam 11 diferentes categorias ( Quadro 6 ) de ingressos. As informações coletadas somam 4.235 pontos de dados: Quadro 6 : Classificação de categorias de ingresso, segundo o TSE Contribuições de parlamentares Contribuições de filiados Contribuições de simpatizantes Doações de p essoa jurídica Doações de pessoa física Cotas recebidas (fundo partidário) Transferências recebidas (diretórios subnacionais) Receitas financ eiras Receitas não operacionais Sobras de campanha Outras receitas Fonte: Elaboração própria. É importante diferenciar a falta de acesso às prestações de contas ( Quadro 2 ) da ausência de informações sobre ingressos em determinadas categorias de receitas ( Quadro 7 ). Frequentemente, os partidos reportam receitas financeiras somente em relação a algumas categorias previstas para os demonstrativos. Por exemplo, para o PDT, acessamos as prestações de contas para 18 dos 19 anos da nossa janela de observação. Para o período de 1998 a 2016, somente não tivemos acesso à prestação de contas de 2005 desse partido. Em contrapartida, nas 18 prestações de contas, o partido informou valores na categoria fundo partidário em todos os anos; na categoria contribuições de parlamentares, em 17 prestações de contas; para a de contribuições dos filiados, em 12 prestações de contas; e para a de doações de empresas, em três prestações de contas. Diferentemente da falta de dados existente no primeiro caso, tratamos a ausência de valores, no segundo caso, não como omissão, mas como informação válida. O partido não deixou de informar receitas, mas realmente não recebeu recursos dessa fonte. Quadro 7 : Cobertura das informações sobre categorias Todos os partidos em todos os anos Grupo de 9 partidos 1998 a 2016 Grupo de 18 partidos 2006 a 2016 Categoria N total % informações sobre categoria N total % informações sobre categoria N total % informações sobre categoria Contribuições de Filiados 385 47% 160 33% 193 61% Contribuições de Parlamentares 385 49% 160 81% 193 30% Contribuições de Simpatizantes 385 4% 160 4% 193 5% Fundo Partidário 385 97% 160 96% 193 98% Doações de Pessoa Física 385 48% 160 43% 193 50% Doações de Pessoa Jurídica 385 44% 160 53% 193 36% Outras receitas 385 37% 160 43% 193 38% Receitas não operacionais 385 12% 160 14% 193 12% Receitas financeiras 385 77% 160 82% 193 72% Sobras de campanha 385 41% 160 33% 193 50% Transferências de diretórios subnacionais 385 46% 160 25% 193 68% Fonte: Elaboração própria. O Quadro 7 identifica a cobertura de valores informados para as diferentes categorias, dada a disponibilidade das respectivas prestações de contas. O levantamento indica taxas altas de preenchimento, em relação à categoria fundo partidário (97%) e receitas financeiras (77%). As categorias com menor taxa de preenchimento são as contribuições dos simpatizantes (4%) e as receitas não operacionais (12%). Em todas as outras categorias, a taxa de preenchimento de informações gira entre 40% e 50% das 385 prestações de contas analisadas. Nos dois subgrupos com maior cobertura de prestações de contas (dos nove partidos mais antigos e dos 18 partidos mais novos), o quadro das informações prestadas sobre as subcategorias de ingresso é similar: fundo partidário e receitas financeiras despontam na frente com as maiores taxas de preenchimento, enquanto as menores taxas são, novamente, as contribuições de simpatizantes e receitas não operacionais. Nas outras categorias, há algumas variações. Mencionamos três: as doações de pessoas jurídicas são informadas em 53% das prestações de contas dos nove partidos antigos, enquanto, nos partidos novos, essa taxa cai para 36%. De igual modo, as contribuições dos parlamentares são informadas em 81% das prestações de contas do primeiro grupo, mas somente em 30% do segundo grupo. Finalmente, no caso das contribuições dos filiados, a situação se inverte. No grupo dos partidos tradicionais, somente 33% das contas contêm informações sobre tais contribuições, enquanto, no segundo grupo, essa taxa praticamente dobra para 61%. .

Quadro 2
: Cobertura do banco de dados

O método de análise se baseia em estatísticas descritivas. Trabalhamos com somas, porcentagens, médias e medianas, em diferentes níveis de agregação dos dados. Dialogamos com a literatura internacional sobre o financiamento das organizações partidárias, avaliando o peso relativo das diferentes fontes de recursos no custeio das organizações partidárias, bem como o das mudanças ao longo do tempo, para caracterizar a relação dos partidos com o Estado, o setor privado e a sua própria base organizacional.

Análise dos dados

Analisamos os dados em cinco etapas. Primeiro, descrevemos a evolução do volume de financiamento de todos os partidos no decorrer das duas últimas décadas. Em seguida, selecionamos as quatro categorias de receita mais importantes para entender a relação dos partidos com o Estado, com o setor privado, com os filiados e os parlamentares.

O peso das diferentes categorias de receitas

Quais são as principais receitas dos partidos políticos no Brasil? Olhando para o conjunto dos dados, o maior volume de financiamento das organizações partidárias nacionais são os recursos públicos e as doações empresariais. O fundo partidário é responsável por 58,4% dos recursos e as doações de empresas, por 34,7%, somando 93,1% do total de recursos arrecadados no período. As duas outras fontes aqui analisadas, as contribuições dos parlamentares e dos filiados, são responsáveis por 1,9% e 1,3% da receita dos partidos, respectivamente, ocupando um papel residual.

Resta analisar se esse padrão de distribuição das fontes é o mesmo no decorrer do tempo. No Gráfico 1 , verificamos um crescimento bastante significativo do volume de recursos mobilizados pelas organizações partidárias. Numa primeira fase, de 1998 até 2005, os nove partidos movimentaram juntos aproximadamente R$ 250 milhões por ano. Na fase seguinte, de 2006 a 2014, houve um crescimento exponencial dos valores movimentados. Na terceira fase, nos anos de 2015 e 2016, os valores voltaram a patamares mais modestos. Dentro desse crescimento, há uma clara separação entre a evolução do financiamento em anos eleitorais e em anos não eleitorais. O valor da arrecadação dos partidos em anos com eleições municipais ou nacionais mais que dobra em relação aos anos não eleitorais.

Gráfico 1
: Evolução das receitas dos partidos

Cabe, agora, verificar como as diferentes fontes de financiamento contribuem para essa evolução dos valores. No Gráfico 2 , identificamos as duas principais fontes (fundo partidário e doações empresariais) e juntamos as demais em uma categoria residual. A composição da origem dos recursos revela mudanças significativas em relação à participação das doações empresariais. Na primeira fase, até 2003, as doações de empresas têm papel residual no financiamento dos partidos. Esse quadro se modifica entre 2004 e 2014, quando as empresas assumem um papel cada vez maior na obtenção desses recursos. Ao mesmo tempo, a partir de 2004, o balanço para os anos eleitorais se diferencia dos anos sem eleições. Em 2008, as doações das empresas se equiparam aos recursos do fundo partidário e nos anos de 2010, 2012 e 2014 se tornam a fonte mais importante. Nos anos sem eleições, o papel das doações empresariais também cresce, mas em nenhum momento chega a se equiparar à importância do fundo partidário. Os recursos de outras fontes têm função residual. Em nenhum momento representam acima de 10% do total dos recursos.

Gráfico 2
: Participação das diferentes fontes nas receitas

Munidos dessas constatações iniciais, vamos para a análise detalhada das fontes de financiamento, com enfoque em sua distribuição entre os partidos. Analisamos, separadamente, quatro fontes de financiamento. As duas primeiras, o financiamento público e o financiamento empresarial, são as principais tanto pelo volume dos recursos, como pela importância de ambas no debate da ciência política. As outras duas fontes, contribuições dos filiados e dos parlamentares, foram incluídas pela sua relevância no debate da ciência política internacional acerca da relação dos partidos com a própria base e as suas lideranças. Tratando de cada fonte, analisamos primeiro a evolução do volume de financiamento no decorrer do tempo para, em seguida, verificar a sua distribuição entre os partidos.

Análise do fundo público

O volume e a distribuição dos recursos públicos são tipicamente regulados por lei. As regras que definem o fundo partidário, no período observado, foram estabelecidas entre 1993 e 1995. Trataremos, primeiro, do volume de financiamento público, para, depois, abordarmos a questão da distribuição entre os partidos. Pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos 9.096, de 1995, o fundo partidário é composto por um valor fixo por eleitor, ajustado pela inflação, acrescentando-se as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral aos partidos políticos, candidatos e eleitores (em situação irregular) e contando, ainda, com a participação de eventuais valores adicionais definidos pelo legislador. O conjunto dessas quatro regras define o volume dos recursos do fundo partidário, de 1994 até hoje (2020). O valor fixo por eleitor garante um incremento vegetativo do fundo partidário, baseado no crescimento do eleitorado de 106 milhões para 146 milhões de eleitores, entre 1998 e 2016: um aumento de 38% 4 4 Cálculo de própria autoria, com base em dados do TSE sobre o eleitorado. . A provisão da correção inflacionária evita que os valores sejam depreciados pelo valor da moeda. A alocação das multas eleitorais ao fundo partidário resulta em certa oscilação dos valores, em razão de grandes escândalos e da reação das respectivas instâncias jurídicas envolvidas 5 5 Os atores envolvidos na judicialização abrangem não somente o Ministério Público e os respectivos tribunais que definem as multas, como também o legislador, que frequentemente promulga leis anistiando as multas, e a Presidência, que eventualmente veta as leis de anistia. . Merece atenção a possibilidade de alocação de valores adicionais ao fundo partidário. Em 2006, os legisladores começaram a alocar recursos adicionais significativos aos partidos políticos, e, a partir de 2015, esses valores adicionais ultrapassaram o financiamento básico calculado em função do número de eleitores e a inflação.

Enquanto as regras que definem o volume de recursos permaneceram inalteradas no período observado, o conjunto das normas que regem a distribuição dos recursos entre os partidos passou por redefinições importantes. Os recursos do fundo partidário são distribuídos combinando-se regras de acesso, de alocação igualitária e de alocação proporcional ao desempenho dos partidos. No caso do Brasil, critérios de acesso que excluam pequenas siglas do fundo partidário praticamente não existem. Os recursos são distribuídos alocando-se uma pequena parte dos recursos igualmente e grande parte proporcionalmente ao desempenho eleitoral no passado. O critério adotado é a proporção de votos alcançados pelo partido na última eleição para deputado federal.

Adicionalmente, diversas decisões da Justiça Eleitoral ou do STF influenciam a distribuição dos recursos do fundo partidário. As mais importantes são a suspensão do repasse de recursos do fundo a partidos que descumpriram obrigações básicas, como a prestação de contas anual. Esse bloqueio pode ser temporário ou permanente, dependendo de eventuais ajustes realizados pelas organizações partidárias. Também, as regras de distribuição de recursos acima enumeradas passaram por reinterpretações importantes, em virtude de decisões do judiciário. Em 2006, o STF julgou uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) declarando inconstitucional a modalidade de distribuição dos recursos estabelecida na lei de financiamento eleitoral de 1995 (Lei 9.096). Outra decisão importante que mudou a distribuição dos recursos públicos foi a inclusão dos partidos novos, criados a partir de 2011, na distribuição do fundo partidário.

No conjunto, as regras estabelecidas pelo legislador e a sua interpretação pela justiça produzem efeitos sobre a distribuição dos recursos do fundo partidário entre os partidos. Os resultados se refletem em nossos dados, que se referem ao volume de recursos públicos efetivamente alocado aos partidos.

Volume absoluto e peso relativo do financiamento público

O Gráfico 3 ilustra a evolução do volume total do fundo partidário, ressaltando o peso das três fontes de financiamento que alimentam o fundo. O orçamento regular, calculado com base no número de eleitores e corrigido pela inflação, reflete o crescimento do eleitorado. Os recursos provenientes das multas são discriminados pelo TSE somente a partir de 2001. As multas ganharam maior peso após 2006, com os grandes escândalos envolvendo temas de financiamento político. O que salta aos olhos são os incrementos dos recursos por meio das dotações orçamentárias adicionais, introduzidas desde 2011. Mesmo que a possibilidade desse complemento já tenha sido prevista na legislação original, a sua ativação pelos partidos passou inicialmente despercebida pela opinião pública. Em 2015, ano da proibição do financiamento empresarial de partidos e campanhas pelo STF, os partidos triplicaram o valor do fundo partidário através de dotações orçamentárias complementares. Em 2016, o mesmo padrão se repetiu em patamar ligeiramente inferior.

Gráfico 3
: Evolução do fundo partidário e dos seus componentes

Analisaremos, agora, quanto os recursos públicos pesam no orçamento total dos partidos. O Gráfico 4 mostra a evolução do fundo partidário no decorrer das duas últimas décadas. A evolução dos valores absolutos (nas barras) confirma o crescimento do fundo partidário. Explicaremos, na próxima seção, por que, para a análise do padrão de financiamento das organizações partidárias, os dados dos anos sem eleições são mais representativos. Restringindo o olhar a esses anos, as taxas de participação do fundo partidário no financiamento total dos partidos são mais constantes, oscilando entre 80% e 90%. Somente em 2013 essa proporção cai para 60%, ainda representando a maioria absoluta dos recursos totais dos partidos. Os diretórios nacionais, mesmo no contexto de intensa mobilização de recursos privados para influenciar a disputa política, continuaram financiando as suas atividades regulares em grande parte por meio dos recursos do fundo partidário.

Gráfico 4
: Volume e peso relativo do financiamento público

Na avaliação realizada sobre a primeira versão da tese da cartelização, relacionada à questão do volume total dos recursos públicos e do seu peso no financiamento das organizações partidárias, verificamos que, tomando-se os anos não eleitorais como medida, os recursos do fundo partidário constituem a fonte predominante no orçamento dos partidos. Durante as duas décadas observadas, não houve modificações drásticas desse quadro. Se o diagnóstico de Katz e Mair estiver correto, de que a prevalência dos recursos públicos promove um distanciamento entre partidos e sociedade, o volume e o peso do fundo partidário para o financiamento das organizações partidárias no Brasil, a partir de 1994, apontam para uma cartelização do conjunto dos partidos.

Juntando os nossos achados sobre as finanças dos diretórios nacionais com os resultados das pesquisas sobre o financiamento das campanhas, chegamos à conclusão de que, no período observado, houve um sistema dual de financiamento: as organizações partidárias foram financiadas com recursos preponderantemente públicos, enquanto nas campanhas eleitorais prevaleceram os recursos privados.

Distribuição dos recursos públicos entre os partidos

Além da questão do volume total dos recursos públicos, a distribuição dos recursos entre os partidos é central para a questão de como o financiamento público influencia os partidos políticos. Como apontamos acima, no caso dos recursos públicos, a questão “quem recebe, quanto, por que e como” não é regulada pelo “mercado”, mas por critérios estabelecidos em leis, elaboradas e reformadas pelos legisladores, interpretadas pelo TSE que administra o processo eleitoral e, eventualmente, judicializadas na justiça eleitoral e no STF.

A segunda versão da tese da cartelização, referente ao impacto dos recursos públicos sobre a competição política entre os partidos, requer uma análise mais detalhada da alocação dos recursos entre estes. Antes de analisar a distribuição empírica dos recursos, recapitulamos brevemente o desenho do sistema na forma definida na lei. No caso do Brasil, a distribuição dos recursos segue, em larga medida, a lógica proporcional em função do sucesso eleitoral. Quem teve mais votos receberá mais recursos. O Quadro 3 resume essas regras, bem como mudanças importantes no decorrer do tempo. Até 2006, os pequenos e novos partidos foram crescentemente prejudicados pela lei de alocação do fundo partidário. Tal tendência foi abortada por decisão do STF, o qual declarou, naquele ano, a inconstitucionalidade desse conjunto de regras. Em reação, o Legislativo elaborou outra lei, aumentando de 0,7% para 5% os recursos distribuídos igualitariamente entre todos os partidos registrados 6 6 A Lei 9.096 de 1995 estabelecia critérios distintos de distribuição do fundo partidário. Uma primeira cota de 29% do total do fundo partidário era destinada aos partidos que cumprissem a cláusula de barreira. Dos 71% restantes, fazia-se uma nova cota de redistribuição: 1% igualitário e 99% proporcional aos votos na última eleição. Na prática, a legislação estabelecia: a) 0,71% igualitário e b) 99,29% proporcional. . Os 95% de recursos distribuídos proporcionalmente aos votos na última eleição não mais estariam sujeitos a uma cláusula de barreira. Os pequenos partidos passariam a gozar de uma pequena vantagem sobre os maiores 7 7 Sobre esse cenário, a partir de 2006, ver Speck e Campos (2014) . .

Quadro 3
: As regras de distribuição dos recursos públicos entre os partidos

Até este momento tratamos das regras de distribuição. Agora focamos a distribuição real dos recursos. Precisamos de uma métrica de comparação. A partir da distribuição dos recursos proporcionalmente aos votos da última eleição, construímos quatro tipos de alocação 8 8 A eleição aqui levada em consideração é a referente à votação para a Câmara dos Deputados. . Estes são ilustrados no Gráfico 5 , no qual a diagonal (linha preta) representa a perfeita proporcionalidade dos recursos públicos em relação aos votos recebidos pelos partidos. Quando a distribuição real dos recursos fica próxima da proporcionalidade (marcados com x), identificamos um padrão neutro . Entendemos que, quanto mais a distribuição dos recursos públicos reproduzir a atual relação de forças dos partidos, menor será a influência do financiamento público sobre os resultados eleitorais 9 9 Esse conceito de “influência” é emprestado de Dahl (1963) , para quem o termo indica uma mudança de comportamento que não estaria presente na ausência do fator considerado influente. . Os partidos fortes continuarão fortes e os fracos permanecerão fracos. Os recursos públicos terão influência neutra sobre a competição política 10 10 Essa afirmação inclui um pressuposto empírico e outro normativo. O pressuposto normativo diz respeito à concepção de neutralidade na distribuição dos recursos públicos. Aqui, defendemos que a distribuição neutra dos recursos públicos visa à manutenção do status quo da distribuição de poder, justificando que partidos grandes recebam mais recursos do que partidos pequenos. Uma concepção normativa alternativa poderia defender que os recursos públicos deveriam promover a competitividade política, fortalecendo os partidos pequenos. O pressuposto empírico é de que a relação entre recursos financeiros e sucesso, enquanto organização, seja linear. Essa pode ser uma simplificação inapropriada, se houver rendimento diferente dos recursos no início e no final da escala. Pode ocorrer que determinado financiamento básico seja necessário para ter algum impacto sobre as campanhas e que, nos valores mais altos, o financiamento tenha retornos decrescentes. Nesse caso, a proporcionalidade linear não seria neutra, mas prejudicaria os partidos pequenos e grandes. . No segundo padrão observado (marcado com ●), os partidos pequenos são subfinanciados em relação à métrica da proporcionalidade. Identificamos essa distribuição como concentrada , porque ela promove os grandes partidos e dificulta a sobrevivência dos pequenos. A distribuição concentrada é equivalente da cartelização da disputa, por meio dos recursos públicos. Essa era a situação identificada por Mair e Katz, em sua interpretação do impacto do financiamento público sobre as organizações partidárias. O terceiro padrão (marcado com ○) tem características opostas. Os partidos pequenos recebem mais recursos do que acima da proporcionalidade, enquanto os grandes recebem menos. Essa distribuição dispersa incentiva a entrada de novos competidores e leva à maior fragmentação do quadro partidário. O quarto padrão ( oscilante ) é caracterizado por desvios assistemáticos (marcado com Δ). Nesse caso, partidos grandes ou pequenos são acidentalmente deslocados da linha de proporcionalidade, em função de penalidades administrativas, multas ou da judicialização das regras de financiamento.

Gráfico 5
: Quatro tipos de distribuição de recursos e a métrica da proporcionalidade

Após identificar os diferentes padrões de alocação dos recursos públicos, analisaremos agora a distribuição empírica dos recursos do fundo partidário entre os partidos, no período observado. Como a distribuição dos recursos muda após cada eleição, convém apresentar os dados em intervalos de quatro anos. No Gráfico 6 , verificamos a distribuição dos recursos públicos no decorrer das duas últimas décadas. Todos os quadros, em seu conjunto, mostram distribuições dos recursos públicos próximas do tipo ideal da proporcionalidade ( neutro ). No entanto, são os desvios que importam. Nos primeiros dois quadros, esses desvios indicam um padrão de alocação concentrada . Os partidos grandes recebem proporcionalmente mais recursos em relação aos votos, enquanto os partidos pequenos são subfinanciados. Para esses dois períodos (e, provavelmente, também para o primeiro período, de 1995 a 1998, para o qual não dispomos de dados), a tese da cartelização se confirma.

Gráfico 6
: Padrões de distribuição do fundo partidário entre partidos

Sabemos que a decisão do STF em 2006, que declarou inconstitucional esse modelo de distribuição dos recursos, bem como a reação do legislativo em 2007, resultou em uma nova modalidade de distribuição dos recursos do fundo partidário. Como consequência dessas mudanças, o padrão de distribuição nos próximos três períodos se aproxima do padrão disperso . Entre 2007 e 2016, os partidos grandes receberam menos recursos do que lhes corresponderia, segundo a distribuição proporcional dos votos, enquanto os pequenos partidos foram favorecidos. Podemos afirmar que, a partir de 2007, a tese da cartelização não mais se aplica ao Brasil. Pelo contrário, o modelo de distribuição dos recursos públicos promove a dispersão do quadro partidário, alocando desproporcionalmente mais recursos aos partidos pequenos.

Não somente o legislador, mas também as decisões da justiça contribuíram para esse quadro. Principalmente no período de 2011 a 2014, observamos vários partidos novos, sem histórico eleitoral anterior, com taxas de financiamento acima do padrão de proporcionalidade. Esses desvios assistemáticos não resultaram de mudanças da legislação, mas são consequência de decisões ad hoc da Justiça Eleitoral sobre a alocação dos recursos para partidos novos. Mais especificamente, no caso do PSD, Solidariedade e PHS, o TSE decidiu mudar radicalmente a interpretação das regras vigentes, alocando parte dos recursos aos novos partidos. Também há partidos que oscilaram para baixo da linha da proporcionalidade. A origem desses desvios reside tipicamente na aplicação de punições administrativas ou de multas.

Podemos concluir que a tese da cartelização, no sentido da influência do financiamento público sobre a disputa entre os partidos, justifica-se para a primeira fase de observação, até 2006. Os partidos grandes são, de fato, sobrefinanciados, em função das regras que excluem pequenos partidos da distribuição de parte significativa dos recursos públicos. A judicialização da questão do financiamento e a reação do legislador levam a uma inversão da situação. A partir de 2007, os partidos pequenos passam a receber ligeiramente mais recursos do que a meta da proporcionalidade, e os partidos grandes são penalizados. Essa distribuição contribui para a desconcentração dos recursos e a fragmentação do quadro partidário. Para esse período, a tese da cartelização deve ser rejeitada.

Análise das doações empresariais

Cabe agora examinar as doações empresariais aos partidos, tendo em mente as duas leituras alternativas sobre o significado desses recursos: como fonte de corrupção ou sinal de enraizamento dos partidos. Antes de mergulhar nos dados, é importante estabelecer como as diferentes teorias se alinham com eventuais padrões de doações empresariais. A ideia de que as doações a determinados partidos representam vínculos entre determinados grupos de interesse sugere que um ou mais partidos recebem recursos regulares de grupos econômicos que os enxergam como fiéis representantes dos seus interesses. Para caracterizar esse apoio como orgânico, esperamos que ele ocorra independentemente do desempenho eleitoral dos partidos. Os vínculos orgânicos ou programáticos se manifestam quando os grupos econômicos continuam apoiando seus partidos preferidos, mesmo quando estes se encontram na oposição ( McMenamin, 2013McMenamin , I. If money talks, what does it say?: Corruption and business financing of political parties . Oxford : Oxford University Press , 2013 . ). Na ausência desse vínculo programático , a literatura internacional explora as várias facetas de vínculos instrumentais com os partidos. A ideia da instrumentalização das doações empresariais está alinhada com a literatura que as analisa sob a ótica da corrupção. Speck (2016)Speck , B. “ Influenciar as eleições ou garantir acesso aos eleitos: o dilema das empresas que financiam campanhas eleitorais ”. Novos Estudos – Cebrap , vol. 104 , p. 38 - 59 , mar . 2016 . sugere duas estratégias alternativas para essa conexão instrumental, quando empresas usam doações para influenciar o processo político. A primeira estratégia consiste no apoio a apenas um grupo que disputa o poder, tentando influenciar, dessa forma, o resultado eleitoral; a segunda se manifesta no apoio equilibrado a todos os grupos que apresentam candidaturas viáveis, visando estabelecer boas relações com o futuro governo, qualquer que seja o resultado da disputa. Qual dessas três modalidades de interação entre o setor privado e os partidos políticos (relação programática, influência sobre eleições, acesso aos eleitos) está mais compatível com os dados analisados? A análise foca inicialmente na descrição dos fluxos financeiros, enfatizando dois aspectos: o volume dos recursos ao longo do tempo e a sua distribuição entre os diferentes partidos políticos. Ao final da análise dos dados, voltaremos à questão da interpretação à luz das macroteorias apresentadas.

Volume absoluto e peso relativo das doações de empresas

Olhando para o volume das doações empresariais, constatamos um crescimento vertiginoso ao longo do tempo ( Gráfico 7 ). As doações para os nove partidos observados cresceram de R$ 2 milhões, em 1998, para R$ 1,3 bilhões, em 2014. Esses picos se referem aos anos eleitorais. Nos anos não eleitorais, há um crescimento em patamar inferior. Aqui, os valores se movimentam de R$ 2,3 milhões, em 1999, para R$ 193 milhões, em 2013.

Gráfico 7
: Evolução das doações empresariais

Precisamos entender o significado da oscilação das doações entre anos eleitorais e anos sem eleições. As análises sobre o financiamento das campanhas eleitorais nos informam que os recursos das empresas para apoiar as campanhas são cada vez mais canalizados por meio dos partidos políticos ( Speck, 2015Speck , B. W. Recursos, partidos e eleições: o papel do financiamento privado, do Fundo Partidário e do horário gratuito na competição política no Brasil . In: Avelar , L. ; Cintra , A. O. ( eds .) . Sistema político brasileiro: uma introdução . 3ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo : Fundação Konrad Adenauer; Unesp , 2015 . ). Até aproximadamente 2010, o padrão predominante era o financiamento direto das campanhas eleitorais, através de doações de empresas para candidatos. Numa segunda fase, as empresas começaram a apostar em doações para os partidos, que, por sua vez, os transferiam para os candidatos. O volume de intermediação de recursos chegou a 50% do total das doações das empresas. Os recursos intermediados pelos partidos em função do processo eleitoral entram nas prestações de contas das organizações partidárias em anos eleitorais, mesmo que visem influenciar primeiramente a disputa eleitoral. Apesar do registro contábil da arrecadação e dos gastos desses recursos nas contas dos partidos, eles têm um impacto apenas residual sobre a vida das organizações partidárias.

Para avaliar o volume e o peso dos recursos empresariais para as organizações partidárias, os dados dos anos sem eleições são mais informativos. Os marcadores no Gráfico 7 nas porcentagens dos recursos provenientes das doações empresariais evidenciam tal evolução nos anos não eleitorais. Em 1999, os partidos receberam 1,4% da arrecadação total de empresas, chegando, em 2013, ao pico de 31%. Em anos não eleitorais, as doações privadas são responsáveis por até um terço do volume de recursos disponíveis aos diretórios nacionais dos partidos.

Distribuição entre partidos

Em que medida as doações das empresas seguem os padrões de distribuição dos recursos públicos, próximos da proporção de votos dos partidos nas eleições para deputado federal? O Gráfico 8 ilustra que as doações das empresas apresentam um padrão de distribuição distante da métrica de proporcionalidade. A maioria dos partidos (marcados com +) não recebe qualquer doação, independentemente de seu sucesso eleitoral, ao passo que outros são beneficiados com doações volumosas, mesmo que tenham votação moderada. Esse gráfico identifica separadamente os quatro partidos PSDB, PT, PL/PR e PMDB (com marcadores específicos). São esses os partidos que, em algum momento, concentraram recursos bem acima do seu peso eleitoral nas eleições para a Câmara dos Deputados. Por outro lado, as mesmas siglas em outros anos receberam recursos proporcionalmente abaixo de sua votação. A força eleitoral dos partidos nas eleições anteriores para a Câmara dos Deputados não explica as doações das empresas. A arrecadação das doações privadas pelas organizações partidárias não está informada pela máxima da distribuição proporcional dos recursos, que orienta em larga medida o fundo partidário. Enquanto os recursos públicos em larga medida seguem um padrão neutro, reproduzindo a proporcionalidade das forças dos partidos, os recursos das empresas apoiam alguns partidos selecionados e negligenciam os outros. Resta saber qual outra lógica orienta as doações privadas.

Gráfico 8
: Padrão de distribuição das doações empresariais em anos sem eleições

Quando olhamos em quais momentos ocorreram as doações para os quatro partidos ( Gráfico 9 ), percebemos que, no ano após as eleições de 1998, as quais elegeram Fernando Henrique Cardoso do PSDB para presidente e Marco Maciel para vice-presidente, o PSDB concentrou todos os recursos arrecadados das empresas. No ano pós-eleições municipais de 2000, nas quais o PT conquistou muitas prefeituras, o quadro se inverteu. As doações das empresas foram, então, integralmente para o diretório nacional do PT. Após as eleições presidenciais, em 2002, nas quais Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, conquistou a Presidência, tendo José Alencar, do PL, como vice, os recursos foram majoritariamente para o diretório do PSDB novamente, com uma pequena parcela para o PL, partido do vice-presidente Alencar. Nos anos seguintes, (2005, 2007, 2009, 2011 e 2014), o PT foi o maior beneficiário das doações empresariais, concentrando entre 50% e 90% dos recursos. Após as eleições de 2014, o quadro se inverteu novamente, e os recursos para o PT praticamente cessaram. O maior beneficiário foi, então, o PMDB, com Michel Temer na Presidência, seguido do PSDB, maior partido de oposição. Podemos tirar duas conclusões: primeiro, os doadores empresariais concentram seus recursos em poucos partidos. Nisso acompanham a lógica da estruturação das disputas eleitorais para presidente no período, polarizada em torno de dois blocos partidários ( Limongi e Cortez, 2010Limongi , F. ; Cortez , R. “ As eleições de 2010 e o quadro partidário ”. Novos Estudos – Cebrap , nº 88 , p. 21 - 37 , dez . 2010 . ; Melo e Câmara, 2012Melo , C. R. ; Câmara , R. “ Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil ”. Dados , vol. 55 , nº 1 , p. 71 - 117 , 2012 . ). Os partidos que apresentam candidatos à Presidência ou à Vice-Presidência são os preferidos das empresas. Segundo, em relação a esses partidos que concentram os recursos, identificamos dois padrões de doação diferentes: em períodos de estabilidade, com alta probabilidade de reeleição do governo do momento, as empresas apoiam os partidos do presidente e do vice-presidente. Isso fica mais evidente, no longo período de 2005 a 2013, quando as empresas apoiavam majoritariamente o PT, partido que ocupava a Presidência da República. Em períodos de maior competitividade e possibilidade de transição de poder, as empresas oscilam entre apoiar ou o partido que ainda está no poder ou então o seu principal oponente. Isso se manifesta nas mudanças abruptas entre o apoio ao PSDB e ao PT, nos anos de 1999, 2001, 2003 e 2005, como também no abandono do apoio ao PT após 2013 e o apoio ao PMDB após o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e a ascensão do vice-presidente Michel Temer à Presidência.

Gráfico 9
: Os quatro maiores beneficiários de doações empresariais

Voltando às abordagens da ciência política – a respeito do papel das doações empresariais como representação de relações orgânicas com determinados partidos, buscando influenciar a disputa eleitoral ou aderindo pragmaticamente aos governos no poder –, verificamos que os dados aqui analisados não são compatíveis com a primeira interpretação. Pela sua volatilidade no apoio financeiro aos partidos, as doações empresariais dificilmente podem ser lidas como expressão de uma relação de proximidade estável entre determinados grupos de interesse e determinadas siglas partidárias. Por outro lado, não fica claro qual das duas versões de instrumentalização das doações como defesa de interesses empresariais se adequa mais aos dados. Por vezes, quando o resultado das disputas eleitorais está mais incerto – como na passagem do governo do PSDB para o do PT ou, novamente, na crise após a segunda eleição da presidente Dilma Rousseff –, as empresas parecem mais ambiciosas e determinadas, jogando todo o seu peso para apoiar apenas uma das chapas à Presidência. Por outro lado, em tempos de hegemonia incontestada de um partido no governo federal – como no caso do PT, de 2004 até 2014, as empresas mudam para uma estratégia mais pragmática, aceitando o status quo e tentando se aproximar do governo, independentemente de sua cor partidária.

Contribuições de filiados

O papel dos filiados e das suas contribuições para o custeio das organizações partidárias constitui uma faceta importante da discussão sobre a cartelização dos partidos. Como foi mencionado, a terceira versão da tese da cartelização postula que os partidos individuais podem ser diagnosticados como cartelizados, na medida em que substituem as contribuições dos filiados pelo financiamento estatal. O stakeholder principal do partido não se encontraria mais na sociedade, mas no poder público.

Contudo, antes de analisar os dados, faz-se necessário escolher os parâmetros adequados para descrever o padrão de arrecadação entre os filiados. Os dados sobre as contribuições dos filiados são esparsos. Somente 47% das 385 prestações de contas incluem informações sobre essa fonte de arrecadação (Apêndice 1 Apêndice 1 Das 385 prestações de contas, extraímos as informações sobre a origem dos recursos. Os balancetes que os partidos enviam ao TSE informam 11 diferentes categorias ( Quadro 6 ) de ingressos. As informações coletadas somam 4.235 pontos de dados: Quadro 6 : Classificação de categorias de ingresso, segundo o TSE Contribuições de parlamentares Contribuições de filiados Contribuições de simpatizantes Doações de p essoa jurídica Doações de pessoa física Cotas recebidas (fundo partidário) Transferências recebidas (diretórios subnacionais) Receitas financ eiras Receitas não operacionais Sobras de campanha Outras receitas Fonte: Elaboração própria. É importante diferenciar a falta de acesso às prestações de contas ( Quadro 2 ) da ausência de informações sobre ingressos em determinadas categorias de receitas ( Quadro 7 ). Frequentemente, os partidos reportam receitas financeiras somente em relação a algumas categorias previstas para os demonstrativos. Por exemplo, para o PDT, acessamos as prestações de contas para 18 dos 19 anos da nossa janela de observação. Para o período de 1998 a 2016, somente não tivemos acesso à prestação de contas de 2005 desse partido. Em contrapartida, nas 18 prestações de contas, o partido informou valores na categoria fundo partidário em todos os anos; na categoria contribuições de parlamentares, em 17 prestações de contas; para a de contribuições dos filiados, em 12 prestações de contas; e para a de doações de empresas, em três prestações de contas. Diferentemente da falta de dados existente no primeiro caso, tratamos a ausência de valores, no segundo caso, não como omissão, mas como informação válida. O partido não deixou de informar receitas, mas realmente não recebeu recursos dessa fonte. Quadro 7 : Cobertura das informações sobre categorias Todos os partidos em todos os anos Grupo de 9 partidos 1998 a 2016 Grupo de 18 partidos 2006 a 2016 Categoria N total % informações sobre categoria N total % informações sobre categoria N total % informações sobre categoria Contribuições de Filiados 385 47% 160 33% 193 61% Contribuições de Parlamentares 385 49% 160 81% 193 30% Contribuições de Simpatizantes 385 4% 160 4% 193 5% Fundo Partidário 385 97% 160 96% 193 98% Doações de Pessoa Física 385 48% 160 43% 193 50% Doações de Pessoa Jurídica 385 44% 160 53% 193 36% Outras receitas 385 37% 160 43% 193 38% Receitas não operacionais 385 12% 160 14% 193 12% Receitas financeiras 385 77% 160 82% 193 72% Sobras de campanha 385 41% 160 33% 193 50% Transferências de diretórios subnacionais 385 46% 160 25% 193 68% Fonte: Elaboração própria. O Quadro 7 identifica a cobertura de valores informados para as diferentes categorias, dada a disponibilidade das respectivas prestações de contas. O levantamento indica taxas altas de preenchimento, em relação à categoria fundo partidário (97%) e receitas financeiras (77%). As categorias com menor taxa de preenchimento são as contribuições dos simpatizantes (4%) e as receitas não operacionais (12%). Em todas as outras categorias, a taxa de preenchimento de informações gira entre 40% e 50% das 385 prestações de contas analisadas. Nos dois subgrupos com maior cobertura de prestações de contas (dos nove partidos mais antigos e dos 18 partidos mais novos), o quadro das informações prestadas sobre as subcategorias de ingresso é similar: fundo partidário e receitas financeiras despontam na frente com as maiores taxas de preenchimento, enquanto as menores taxas são, novamente, as contribuições de simpatizantes e receitas não operacionais. Nas outras categorias, há algumas variações. Mencionamos três: as doações de pessoas jurídicas são informadas em 53% das prestações de contas dos nove partidos antigos, enquanto, nos partidos novos, essa taxa cai para 36%. De igual modo, as contribuições dos parlamentares são informadas em 81% das prestações de contas do primeiro grupo, mas somente em 30% do segundo grupo. Finalmente, no caso das contribuições dos filiados, a situação se inverte. No grupo dos partidos tradicionais, somente 33% das contas contêm informações sobre tais contribuições, enquanto, no segundo grupo, essa taxa praticamente dobra para 61%. ). Para amenizar o risco de nossa análise ser enviesada por eventuais omissões ou valores extremos, escolhemos trabalhar com a mediana, de modo a captar o valor mais típico de arrecadação entre os filiados de cada partido. Adicionalmente, tomamos o cuidado de selecionar somente aqueles partidos para os quais dispomos de um número suficiente de prestações de contas.

O resultado dessa análise encontra-se na Quadro 4, na qual incluímos os partidos que apresentaram prestações de contas para pelo menos dez anos, a fim de garantir certo padrão de representatividade das informações analisadas. A sexta coluna informa a receita mediana dos partidos. Para as siglas que apresentaram, em mais da metade das suas prestações de contas, valores zerados para a arrecadação entre os filiados, esse valor por definição é zero. Para os outros, a mediana garante que valores extremamente baixos ou altos sejam excluídos, visando captar o valor típico de arrecadação. Adicionalmente ao cálculo da mediana, incluímos uma medida de dispersão 11 11 A medida de dispersão é calculada com base no intervalo interquartil, dividido pela mediana. .

Quadro 4
Distribuição e peso da arrecadação dos filiados

Base: 27 partidos que apresentaram acima de dez prestações de contas sobre a arrecadação dos filiados no período estudado (ver p. 26 para maior detalhamento).


Calculamos os valores da mediana e da dispersão para três indicadores: os valores absolutos arrecadados pelas siglas partidárias; a arrecadação por filiado; e o peso das contribuições no financiamento anual dos partidos. O primeiro indicador, dos valores absolutos, está naturalmente vinculado à ordem de grandeza do partido. Quanto mais filiados, maior o volume de arrecadação. O segundo indicador de contribuições de filiados identifica a capacidade extrativa dos partidos políticos ponderada pela sua base de filiados. Aqui a questão de fundo é se os partidos são capazes de impor custos aos seus filiados. Quanto vale a filiação para o filiado? Com o terceiro indicador, voltamos à questão da cartelização dos partidos. Em que medida os recursos arrecadados dos filiados são relevantes para o custeio das organizações partidárias? Do ponto de vista financeiro, o partido precisa dos filiados? Desde Duverger, a teoria sugere que os partidos de massa se financiam preferencialmente com os recursos dos filiados e que todos os filiados, sem exceção, contribuem financeiramente com o partido. Katz e Mair (1995)Katz , R. S. ; Mair , P. “ Changing models of party organization and party democracy: the emergence of the cartel party ”. Party Politics , vol. 1 , nº 1 , p. 5 - 28 , 1 jan . 1995 . argumentam que os partidos cartelizados substituíram o modelo do autofinanciamento pelos recursos públicos.

Para o conjunto dos partidos, é possível descartar a relevância da tese da cartelização como um processo de substituição de uma fonte por outra. Observando o período, apenas 1,3% dos recursos são provenientes das contribuições dos filiados. Para os anos não eleitorais, os dados variam ente 0,8% e 3,3%, sem tendência clara de ascensão ou queda. Em nenhum momento do período observado a contribuição dos filiados constituiu uma fonte significativa de ingressos para os partidos brasileiros. Resta saber se alguns deles fogem desse quadro geral e conseguem se financiar, pelo menos parcialmente, com recursos arrecadados dos filiados.

Com base na mediana, o conjunto dos 27 partidos que apresentaram acima de dez prestações de contas divide-se em dois grupos, de tamanho aproximadamente igual. Enquanto 13 partidos informaram valores arrecadados dos filiados em até metade das prestações de contas (com mediana zero), outras 14 siglas reportaram ingressos regulares. As cinco siglas mencionadas praticamente sem arrecadação dos filiados somaram 6 dos 13 milhões de filiados, no ano de 2015. É importante lembrar que o PMDB, que faz parte desse grupo sem arrecadação, é o partido com maior número de filiados em todo o período, contando com 2,2 milhões de eleitores na mediana, como está informado na Quadro 4. Entre os partidos que regularmente declaram valores arrecadados dos filiados, o partido que se destaca é o PT, com maior valor mediano de arrecadação (R$ 3,2 milhões). Os outros partidos que se destacam, PSB, PPS/CID, PSTU, PSOL e PSDC/DC, arrecadaram apenas uma fração do referido valor. Das siglas restantes, nenhuma arrecadou acima de R$ 100 mil. Com exceção do PSDC/DC, todas elas são consideradas de esquerda.

O próximo indicador, referente ao valor arrecadado anualmente por filiado, identifica a capacidade extrativa dos partidos em relação à sua base. O primeiro grupo dos 13 partidos com mediana zero novamente forma uma categoria separada. Entre os partidos com alguma contribuição por parte dos filiados, o PSTU desponta na frente, com uma mediana de R$ 27,00 arrecadados por filiado ao ano. O PT arrecada apenas uma fração desse valor, com R$ 4,60, seguido do PSOL, com R$ 3,20 por filiado. Para todos os outros partidos, a capacidade de arrecadação de recursos encontra-se abaixo de 1 real por filiado, ao ano.

Com o último indicador – a porcentagem mediana do peso das contribuições dos filiados nas receitas globais dos partidos –, voltamos ao tema da cartelização de cada partido. Somente no caso do PSTU as receitas das contribuições aportam um quinto (18%) do orçamento do partido. Para três outros partidos, os filiados contribuíram acima de 1% do orçamento anual do partido nacional. O maior valor é o do PSDC/DC (5,1%), partido considerado de direita, seguido das siglas de esquerda, PSOL e PT, com 2,5% e 2,3%, respectivamente.

A partir desses dados, podemos concluir que somente para um número bastante reduzido de partidos os recursos dos filiados contribuem com os orçamentos das organizações partidárias. A rigor, apenas o PSTU se qualificaria como partido cujos filiados constituem um pilar importante para o financiamento dos gastos da organização. Em todos os outros casos, a arrecadação de recursos dos filiados não contribui de forma significativa para a manutenção financeira da organização. Voltando ao nosso tema inicial, da cartelização, à exceção do PSTU, não há como falar em uma substituição do modelo de autofinanciamento, próximo da sociedade, para um modelo de dependência de recursos estatais, pois, no período observado, as organizações partidárias nunca dependeram do autofinanciamento. Esses resultados vão ao encontro de trabalhos internacionais que igualmente questionam a tese da cartelização como processo de substituição dos recursos dos filiados nos partidos de massa pelo financiamento público (Pierre, Svåsand e Widfeldt, 2000).

Contribuições de lideranças

A última categoria de receitas que analisaremos concerne às contribuições dos parlamentares. Qual é a distribuição desses recursos entre os partidos, como ela se relaciona com o número de parlamentares e quanto pesam as receitas dos parlamentares no orçamento de cada partido? A justificativa para uma análise mais detalhada decorre da importância da relação entre as organizações partidárias e seus quadros eleitos. Aqui, como em outras áreas, relações financeiras se traduzem em relações de poder. Similarmente à análise das contribuições dos filiados, trabalhamos com dois conceitos separados de dependência: das organizações partidárias em relação às lideranças em cargos eletivos e vice-versa. Na primeira dimensão, analisamos em que medida os quadros eleitos contribuem significativamente para as finanças partidárias. O peso das contribuições dos parlamentares nas finanças dos partidos constitui um indicador dessa relação de poder. Partidos que dependem das contribuições dos seus parlamentares terão de abrir espaço para a voz das lideranças nas decisões coletivas. Na segunda dimensão, partidos capazes de impor custos aos seus representantes sinalizam seu poder perante suas lideranças individuais. Quanto maior o valor de contribuição cobrado pelo partido por parlamentar, maior o poder da organização sobre seus representantes. Como veremos, essas duas afirmações são independentes entre si, jogando luz sobre diferentes aspectos das contribuições dos parlamentares para com os partidos.

A fim de avaliar os padrões de contribuições dos parlamentares aos partidos políticos, tomaremos o mesmo cuidado quando da análise das filiações. Incluímos em nossa análise os partidos para os quais dispomos de, no mínimo, dez prestações de contas, utilizando, além disso, a mediana como valor mais representativo para a contribuição de cada partido, ao longo do tempo. A Quadro 5 informa os resultados dessa comparação. Incluímos os valores medianos e a medida de dispersão para os três indicadores das contribuições dos parlamentares.

Quadro 5
Distribuição e peso da arrecadação dos parlamentares

Base: 24 partidos que apresentaram acima de dez prestações de contas sobre os valores arrecadados dos parlamentares no período estudado (ver p. 29 para maior detalhamento).


Primeiro, verificamos que 12 dos partidos informaram valores arrecadados dos parlamentares em menos da metade das suas prestações de contas, resultando em valores medianos zerados. Entre os outros 12 partidos que informaram regularmente valores recebidos dos parlamentares, o partido que mais arrecadou dos seus parlamentares foi o PT, com R$ 6,1 milhões, seguido do PMDB, PCdoB e PL, com R$ 1,7 milhões, R$ 934 mil e R$ 716 mil, respectivamente.

A capacidade de impor custos aos parlamentares, medida pelos valores arrecadados por parlamentar, é elevada em vários partidos. Calculando o valor por deputado federal (ver Quadro 5 ), o PT continua com a maior arrecadação mediana, de R$ 73 mil, seguido do PCdoB, com R$ 72 mil. O PL e PMDB estão mais distantes, com R$ 23 mil e R$ 21 mil por parlamentar, respectivamente. Na mesma ordem de grandeza, há, ainda, o PMN, com R$ 13 mil por parlamentar ao ano. Verificamos que, entre os partidos que adotam uma política de arrecadar regularmente recursos dos seus parlamentares, há diferentes graus de capacidade extrativa e os valores para vários dos partidos são significativos.

Resta analisar a dependência inversa: em que medida os partidos dependem dos recursos das lideranças? O último indicador se refere ao peso dos recursos arrecadados dos parlamentares no volume total de financiamento dos partidos. O maior valor mediano é novamente o do PT, com 5,7%, em seguida estão: PCdoB (4%), PMDB (3,1%) e PL (2,6%). Nos outros partidos, encontramos medianas menores. Existem variações significativas em relação ao peso desses recursos no financiamento global dos partidos. No entanto, são diferenças de grau, não de classe. Nenhum partido depende em mais de 6% dos recursos de seus parlamentares, mesmo que a arrecadação varie bastante.

O resultado da análise dos recursos dos parlamentares é um pouco diferente do obtido com os recursos dos filiados. Em comparação com a sua relação com os filiados, aos quais os partidos não impõem custos significativos, alguns partidos extraem recursos bastante altos das suas lideranças. Mesmo que os parlamentares possam financiar essas contribuições a partir dos salários, cabe notar que a capacidade extrativa dos partidos perante seus representantes eleitos varia bastante. Na maioria dos partidos, o salário é do parlamentar enquanto, para algumas siglas específicas, o entendimento é outro.

Por outro lado, a contribuição de ambas as fontes para o custeio das organizações partidárias nacionais é simbólica ou pouco significativa. Mesmo que o custo imposto aos parlamentares seja significativo no caso de algumas siglas, o volume arrecadado dos deputados não chega a ser essencial para fechar as finanças dos diretórios nacionais em nenhum desses casos. Esse resultado relativiza o argumento de que as contribuições financeiras dos legisladores os investem de influência adicional sobre as decisões partidárias. Mesmo que alguns partidos imponham custos aos parlamentares, esses ingressos não pesam no orçamento dessas organizações.

Discussão

A análise das receitas financeiras das organizações partidárias para um período de duas décadas mostra uma faceta importante do sistema partidário no Brasil. Pela lente dos recursos, é possível diagnosticar como os partidos se relacionam com o Estado, o setor privado e as suas bases e lideranças.

Segundo Katz e Mair (1995)Katz , R. S. ; Mair , P. “ Changing models of party organization and party democracy: the emergence of the cartel party ”. Party Politics , vol. 1 , nº 1 , p. 5 - 28 , 1 jan . 1995 . , os partidos cartel constituiriam um novo tipo de partido, na sequência dos partidos de quadros, de massa e catch all . Analisamos a tese da cartelização, especificando três interpretações diferentes. Os recursos públicos são a fonte mais importante do financiamento das organizações partidárias? No caso dos partidos brasileiros, em anos não eleitorais, mais da metade dos recursos das organizações partidárias nacionais vem do fundo partidário. Nesse sentido, pode-se falar de uma cartelização do conjunto dos partidos. A forma de distribuição dos recursos públicos entre eles fortalece as siglas grandes e mais antigas, em detrimento das novas e pequenas? Os dados mostram que essa tese se sustenta somente num primeiro momento do financiamento público dos partidos, até 2006. A partir da intervenção do judiciário (STF) na questão, bem como da reação dos legisladores, a regra de distribuição é redefinida, resultando em uma inversão do impacto. Agora, os partidos pequenos recebem recursos que estão ligeiramente acima da proporção de votos, e os partidos grandes são penalizados. Não há como falar de cartelização no sentido de uma reserva de mercado ou proteção para os partidos grandes contra a concorrência dos pequenos nesse segundo período.

A distribuição das doações empresariais entre os partidos políticos sinaliza que, diferentemente dos recursos públicos, as empresas não seguem a lógica da alocação proporcional dos recursos em função do sucesso eleitoral passado dos partidos. Entre as três interpretações na literatura, a primeira, que associa as doações à relação orgânica ou programática entre grupos de interesse e partidos políticos, não encontra respaldo nos dados. O apoio financeiro aos partidos não é estável, mas muda com o desfecho das eleições presidenciais. Os dados sugerem que, em momentos de crise ou de transição política, a ambição das empresas seja maior, buscando influenciar a disputa política através de doações volumosas. Em momentos de maior estabilidade política, a atitude pragmática de apoiar o partido que controla a Presidência prevalece.

O autofinanciamento dos partidos por meio da arrecadação de contribuições regulares dos filiados praticamente inexiste. Não somente para o conjunto dos partidos, mas também para os partidos individuais, a participação dos filiados no custeio das organizações nacionais é apenas simbólica. O modelo do partido de massa, que se caracteriza pela capacidade de autofinanciamento por meio das contribuições dos filiados, não tem relevância quando olhamos para o padrão de financiamento dos diretórios nacionais. Em relação aos seus representantes, os partidos apresentam bastante variedade quanto à capacidade de impor custos a eles. Os recursos arrecadados das lideranças políticas são mais significativos do que o financiamento da base partidária.

A análise das relações dos partidos com as suas principais fontes de financiamento (o Estado, o setor privado, a militância e as lideranças) é um recurso importante para avaliar o perfil das organizações partidárias no Brasil. A granularidade (dados nacionais apenas) e a densidade dos dados disponíveis (muitos anos sem dados) permitiram um estudo apenas exploratório do papel das organizações partidárias nacionais. Os novos dados disponíveis para os milhares de diretórios estaduais e municipais, a partir de 2017, prometem a possibilidade de testar as hipóteses aqui aventadas com técnicas de análise mais avançadas.

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  • 3
    São eles: PMDB, PFL/DEM, PDS/PP, PDT, PTB, PT, PSDB, PL/PR e PSB.
  • 4
    Cálculo de própria autoria, com base em dados do TSE sobre o eleitorado.
  • 5
    Os atores envolvidos na judicialização abrangem não somente o Ministério Público e os respectivos tribunais que definem as multas, como também o legislador, que frequentemente promulga leis anistiando as multas, e a Presidência, que eventualmente veta as leis de anistia.
  • 6
    A Lei 9.096 de 1995 estabelecia critérios distintos de distribuição do fundo partidário. Uma primeira cota de 29% do total do fundo partidário era destinada aos partidos que cumprissem a cláusula de barreira. Dos 71% restantes, fazia-se uma nova cota de redistribuição: 1% igualitário e 99% proporcional aos votos na última eleição. Na prática, a legislação estabelecia: a) 0,71% igualitário e b) 99,29% proporcional.
  • 7
    Sobre esse cenário, a partir de 2006, ver Speck e Campos (2014)Speck , B. W. ; Campos , M. M. “ Incentivos para a fragmentação e a nacionalização do sistema partidário a partir do horário eleitoral gratuito no Brasil ”. Teoria & Pesquisa – Revista de Ciência Política , vol. 23 , nº 2 , p. 12 - 40 , 2014 . .
  • 8
    A eleição aqui levada em consideração é a referente à votação para a Câmara dos Deputados.
  • 9
    Esse conceito de “influência” é emprestado de Dahl (1963)Dahl , R. A. Modern political analysis . Englewood Cliffs, NJ : Prentice-Hall , 1963 . , para quem o termo indica uma mudança de comportamento que não estaria presente na ausência do fator considerado influente.
  • 10
    Essa afirmação inclui um pressuposto empírico e outro normativo. O pressuposto normativo diz respeito à concepção de neutralidade na distribuição dos recursos públicos. Aqui, defendemos que a distribuição neutra dos recursos públicos visa à manutenção do status quo da distribuição de poder, justificando que partidos grandes recebam mais recursos do que partidos pequenos. Uma concepção normativa alternativa poderia defender que os recursos públicos deveriam promover a competitividade política, fortalecendo os partidos pequenos. O pressuposto empírico é de que a relação entre recursos financeiros e sucesso, enquanto organização, seja linear. Essa pode ser uma simplificação inapropriada, se houver rendimento diferente dos recursos no início e no final da escala. Pode ocorrer que determinado financiamento básico seja necessário para ter algum impacto sobre as campanhas e que, nos valores mais altos, o financiamento tenha retornos decrescentes. Nesse caso, a proporcionalidade linear não seria neutra, mas prejudicaria os partidos pequenos e grandes.
  • 11
    A medida de dispersão é calculada com base no intervalo interquartil, dividido pela mediana.

Apêndice 1

Das 385 prestações de contas, extraímos as informações sobre a origem dos recursos. Os balancetes que os partidos enviam ao TSE informam 11 diferentes categorias ( Quadro 6 ) de ingressos. As informações coletadas somam 4.235 pontos de dados:

Quadro 6
: Classificação de categorias de ingresso, segundo o TSE

É importante diferenciar a falta de acesso às prestações de contas ( Quadro 2 ) da ausência de informações sobre ingressos em determinadas categorias de receitas ( Quadro 7 ). Frequentemente, os partidos reportam receitas financeiras somente em relação a algumas categorias previstas para os demonstrativos. Por exemplo, para o PDT, acessamos as prestações de contas para 18 dos 19 anos da nossa janela de observação. Para o período de 1998 a 2016, somente não tivemos acesso à prestação de contas de 2005 desse partido. Em contrapartida, nas 18 prestações de contas, o partido informou valores na categoria fundo partidário em todos os anos; na categoria contribuições de parlamentares, em 17 prestações de contas; para a de contribuições dos filiados, em 12 prestações de contas; e para a de doações de empresas, em três prestações de contas. Diferentemente da falta de dados existente no primeiro caso, tratamos a ausência de valores, no segundo caso, não como omissão, mas como informação válida. O partido não deixou de informar receitas, mas realmente não recebeu recursos dessa fonte.

Quadro 7
: Cobertura das informações sobre categorias

O Quadro 7 identifica a cobertura de valores informados para as diferentes categorias, dada a disponibilidade das respectivas prestações de contas. O levantamento indica taxas altas de preenchimento, em relação à categoria fundo partidário (97%) e receitas financeiras (77%). As categorias com menor taxa de preenchimento são as contribuições dos simpatizantes (4%) e as receitas não operacionais (12%). Em todas as outras categorias, a taxa de preenchimento de informações gira entre 40% e 50% das 385 prestações de contas analisadas.

Nos dois subgrupos com maior cobertura de prestações de contas (dos nove partidos mais antigos e dos 18 partidos mais novos), o quadro das informações prestadas sobre as subcategorias de ingresso é similar: fundo partidário e receitas financeiras despontam na frente com as maiores taxas de preenchimento, enquanto as menores taxas são, novamente, as contribuições de simpatizantes e receitas não operacionais. Nas outras categorias, há algumas variações. Mencionamos três: as doações de pessoas jurídicas são informadas em 53% das prestações de contas dos nove partidos antigos, enquanto, nos partidos novos, essa taxa cai para 36%. De igual modo, as contribuições dos parlamentares são informadas em 81% das prestações de contas do primeiro grupo, mas somente em 30% do segundo grupo. Finalmente, no caso das contribuições dos filiados, a situação se inverte. No grupo dos partidos tradicionais, somente 33% das contas contêm informações sobre tais contribuições, enquanto, no segundo grupo, essa taxa praticamente dobra para 61%.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Aceito
    16 Ago 2021
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