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Audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados brasileira, 1997-2020

Public hearings on cannabis/marijuana in the Brazilian House of Representatives, 1997-2020

Audiencias públicas sobre cannabis/marihuana en la Cámara de Diputados de Brasil, 1997-2020

Audiences publiques sur le cannabis/marijuana à la Chambre des députés du Brésil, 1997-2020

O objetivo deste artigo é analisar as audiências públicas sobre maconha/cannabis realizadas na Câmara dos Deputados no período entre 1997 e 2020, a partir de um censo das audiências públicas sobre o tema e uma análise de conteúdo automatizada dos discursos proferidos nas mesmas. O debate legislativo sobre regulação da maconha/cannabis no Brasil, via audiências públicas, se ampliou nos últimos anos, enfocando os usos medicinal e industrial da planta. Como principais resultados, observamos que houve uma mudança no perfil do público convidado ao longo do tempo, ganhando destaque as pessoas pesquisadoras, representantes de pessoas pacientes/usuárias e de agências reguladoras. Verificamos ainda que há uma polarização do debate em torno do par uso medicinal vs . abuso/dependência. Outros temas também se destacaram nas falas analisadas, ainda que menos centralmente, relativos ao cultivo, produtos derivados da cannabis, cadeia produtiva e sua regulação.

cannabis; política de drogas; Brasil; audiência pública; Câmara dos Deputados


Abstract

The purpose of this article is to analyze the public hearings on marijuana/cannabis held in the Chamber of Deputies between 1997 and 2020. We conducted a census of public hearings on the subject and an automated content analysis of the speeches made in them. The legislative debate on cannabis/marijuana regulation in Brazil via public hearings expanded in recent years, focusing on the medicinal and industrial uses of the plant. As main results, we observed that there was a change in the profile of guests over time, since researchers, representatives of patients/users and regulatory agencies gained prominence. We also note that there is polarization surrounding the debate over the pair medicinal use vs. abuse/addiction. Other themes also stood out in the speeches analyzed, albeit less centrally, related to cultivation, products derived from cannabis, and the production chain and its regulation.

cannabis; drug policy; Brazil; public hearing; lower chamber

Resúmen

El propósito de este artículo es analizar las audiencias públicas sobre marihuana/cannabis celebradas en la Cámara de Diputados entre 1997 y 2020. Realizamos un censo de audiencias públicas sobre el tema y un análisis del contenido automatizado de los discursos pronunciados en ellas. El debate legislativo sobre la regulación del cannabis/marihuana en Brasil a través de audiencias públicas se ha ampliado en los últimos años, centrándose en los usos medicinales e industriales de la planta. Como principales resultados, observamos que hubo un cambio en el perfil de los huéspedes a lo largo del tiempo, ganando protagonismo para investigadores, representantes de pacientes/usuarios y agencias reguladoras. También notamos que existe una polarización del debate en torno al par de uso medicinal vs. abuso/adicción. En las intervenciones analizadas también se destacaron otros temas, aunque de forma menos centralizada, relacionados con el cultivo, los productos derivados del cannabis y la cadena productiva y su regulación.

cannabis; política sobre drogas; Brasil; audiencia pública; cámara baja

Résumé

Le but de cet article est d'analyser les auditions publiques sur la marijuana / cannabis tenues à la Chambre des députés entre 1997 et 2020. Nous avons réalisé un recensement des auditions publiques sur le sujet et une analyse du contenu automatisé des discours qui y sont prononcés. Le débat législatif sur la réglementation du cannabis/macrobial au Brésil, par le biais d'audiences publiques, a pris de l'ampleur ces dernières années et s'est concentré sur les utilisations médicinales et industrielles de la plante. Comme principaux résultats, nous avons observé qu'il y avait un changement dans le profil des clients au fil du temps, gagnant en importance pour les chercheurs, les représentants des patients / utilisateurs et les organismes de réglementation. On note également qu'il y a une polarisation du débat autour du couple usage médicinal vs. abus / dépendance. D'autres thèmes se sont également démarqués dans les discours analysés, bien que moins centraux, liés à la culture, aux produits dérivés du cannabis et à la chaîne de production et à sa régulation.

cannabis; politique antidrogue; Brésil; audience publique; chambre basse

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar as audiências públicas sobre maconha/cannabis realizadas na Câmara dos Deputados no período entre 1997 e 2020. Espera-se que tal iniciativa permita explicitar os rumos do debate legislativo sobre a regulação dessa droga, as mudanças ou continuidades desse debate ao longo do tempo e os principais atores e argumentos mobilizados. O foco em audiências públicas se justifica pelo papel cumprido por tais dispositivos, no sentido de ampliar a participação popular na produção de leis e ampliar as informações disponíveis para a tomada de decisão no legislativo, a partir da consulta a especialistas ( Geddes, 2018Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. ).

Como estratégias metodológicas, realizamos: 1) um censo das audiências públicas sobre o tema e 2) uma análise do conteúdo dos discursos proferidos nas mesmas. O banco de dados, construído com esse censo, subsidiou a análise a partir de estatísticas descritivas, que proporcionaram um panorama sobre as audiências e atores envolvidos. Já a análise de conteúdo “é uma técnica híbrida que pode mediar essa improdutiva discussão sobre virtudes e métodos” ( Bauer, 2002Bauer, M. W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In: Bauer, M. W.; Gaskell, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático, p. 189-217. Petrópolis: Vozes, 2002. , p. 190), permitindo uma aproximação ao conteúdo dos discursos, ou seja, os valores, as opiniões, os sentimentos e as representações de atores sociais acerca de um tema ou situação.

Destaca-se que o debate legislativo sobre regulação da maconha/cannabis no Brasil, via audiências públicas, vem se ampliando nos últimos anos, enfocando o uso medicinal da planta, em virtude da tramitação do PL 399/2015 que “dispõe sobre o marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil”. A análise longitudinal de tais eventos indica que há uma mudança no perfil do público convidado ao longo do tempo, ganhando destaque pessoas pesquisadoras, representantes de pessoas pacientes/usuárias e de agências reguladoras, o que pode apontar para uma mudança nos debates realizados, ganhando um viés mais científico no presente.

Além disso, verificamos haver uma polarização do debate em torno do par uso medicinal vs . abuso/dependência, também há, entretanto, a emergência de outros temas nas falas analisadas, relativos ao cultivo, produtos derivados da cannabis, cadeia produtiva e sua regulação, dimensões relacionadas à demanda por regulamentação legislativa dos usos medicinal e industrial, atualmente capitaneada pelos poderes Executivo, via atuação da Anvisa (Silva, Mourão e Lopes, 2020), e do Judiciário, via concessão de habeas corpus preventivo a cultivadores domésticos ( Policarpo e Martins, 2019Policarpo, F.; Martins, L. “'Dignidade', 'doença' e 'remédio': uma análise da construção médico-jurídica da maconha medicinal”. Antropolítica – Revista Contemporânea de Antropologia, n° 47, 2019. ).

Política de drogas na Câmara dos Deputados: tendências legislativas na regulação da maconha/cannabis

O foco do artigo é a regulação da maconha/cannabis, que se insere em um debate mais amplo sobre política de drogas. Nesse sentido, cumpre observar que as políticas de drogas brasileiras são orientadas pelo legado do que se convencionou nomear de proibicionismo ( MacRae, 2006MacRae, E. Redução de danos para o uso da cannabis. In: Silveira, D.; Moreira, F. (orgs.). Panorama atual de drogas e dependências, p. 361-370. São Paulo: Editora Atheneu, 2006. ; Fiore, 2012Fiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. ; Fraga, 2012Fraga, P. C. P. “Les actions d’éradication des plantations considérées illicites en Amérique Latine et au Brésil”. Déviance et Société, vol. 36, n° 2, p. 115-135, 2012. ). Antes mesmo da implementação de legislações, programas e ações, segundo prerrogativas de agências multilaterais, na primeira metade do século XX, o país já dirigia aparato repressivo contra a venda e o uso de maconha/cannabis e desenvolvia programas de combate ao seu plantio ( Rosa, 2019Rosa, L. “Terra e ilegalidade: agricultura de maconha em Alagoas e Pernambuco (1938-1981)”. Tese de Doutorado em Desenvolvimento Econômico. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. ; Fraga, Martins e Rodrigues, 2020Fraga, P. C. P.; Martins, R.; Rodrigues, L. “Discursos sobre a maconha na imprensa brasileira na primeira metade do Século XX”. Teoria e Cultura, vol. 15, n° 2, 2020. ). Nas últimas décadas, mesmo com mudanças no cenário internacional, com a distensão das orientações da ONU e as novas legislações nacionais em países como Uruguai, Portugal, México, Canadá e em diversos estados dos Estados Unidos, o Brasil manteve, com poucas alterações, as diretrizes que orientam as políticas de saúde e de repressão às substâncias psicoativas ilegais.

O atual marco regulatório da política de drogas no Brasil é a Lei 11.343/2006. Campos (2015Campos, M. S. “Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo”. Tese de Doutorado em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. ; 2019) analisou a sua tramitação e concluiu que, apesar do objetivo central de uma nova lei de drogas ter sido o estabelecimento de uma regulação mais preventiva, com ênfase na dimensão de saúde pública, a aprovação da referida legislação se ancorou na “coexistência entre a diminuição das penas para os usuários (agora objeto das instituições de saúde pública) e o recrudescimento penal para os traficantes” ( Campos, 2019Campos, M. S. A lei de drogas e o Parlamento Brasileiro. In: Fraga, P.; Carvalho, M. C. Drogas e sociedade: estudos comparados Brasil e Portugal, p. 174-186. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019. , p. 174-175). Segundo o autor, tal resultado é fruto de “interseções entre os discursos médico, político e jurídico-criminal” ( Campos, 2019Campos, M. S. A lei de drogas e o Parlamento Brasileiro. In: Fraga, P.; Carvalho, M. C. Drogas e sociedade: estudos comparados Brasil e Portugal, p. 174-186. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019. , p. 175), que organizam percepções binárias presentes nos discursos parlamentares sobre o tema, tal como evidenciam os pares usuários/traficantes, repressão/redução de danos, despenalização/criminalização, saúde/assistência social, prisão/clínica, doença/crime ( Campos, 2015Campos, M. S. “Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo”. Tese de Doutorado em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. , p. 55).

Analisando as proposições legislativas relacionadas à política de drogas no Brasil, De Bem, Delduque e Silva (2016)De Bem, I. P.; Delduque, M. C.; Silva, J. A. A. “Como pensam os parlamentares brasileiros sobre álcool, tabaco e drogas: uma investigação no Congresso Nacional”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, n° 15, p. 45-52, 2016. verificaram que, durante os anos de 2011 a 2014, o foco de atuação do poder legislativo foram as drogas lícitas, enquanto proposições relacionadas à “maconha” representaram apenas 1,1% das iniciativas legislativas. Entretanto, segundo Kiepper e Esher (2014)Kiepper, A.; Esher, Â. “Regulation of marijuana by the Brazilian Senate: a public health issue”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 30, p. 1.588-1.590, 2014. , o legislativo brasileiro tem se mostrado atento às mudanças nas percepções da população com relação à regulação da cannabis , como indicam a Sugestão Legislativa 8/2014 e o Projeto de Lei Complementar 37/2013. Ainda segundo De Bem, Delduque e Silva (2016)De Bem, I. P.; Delduque, M. C.; Silva, J. A. A. “Como pensam os parlamentares brasileiros sobre álcool, tabaco e drogas: uma investigação no Congresso Nacional”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, n° 15, p. 45-52, 2016. , citando Room (2013)Room, R. “Legalizing a market for cannabis for pleasure: Colorado, Washington, Uruguay and beyond”. Addiction, n° 109, p. 345-51, 2013. , tais debates explicitam a necessidade de revisar tratados internacionais sobre drogas e especialmente a legislação proibicionista. Experiências como a do Uruguai e de alguns estados norte-americanos, de acordo com Kiepper e Esher (2014)Kiepper, A.; Esher, Â. “Regulation of marijuana by the Brazilian Senate: a public health issue”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 30, p. 1.588-1.590, 2014. , também indicam que a polarização entre os argumentos de saúde (aspectos medicinais e impactos na saúde pública) e os de segurança pública (proibição e repressão) cederam lugar para soluções mais diversificadas.

Pinto e Oberling (2016)Pinto, N. M.; Oberling, A. F. Liberação ou proibição? Discursos e representações acerca da política de drogas nos projetos de leis no Congresso Nacional (2010-2014). In: Labate, B. C., et al. (orgs.). Drogas, políticas públicas e consumidores, p. 205-232. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: NEIP, 2016. analisaram três projetos de lei (PLC 37/2013, PL7187/2014 e PL7220/2014) e uma Sugestão Legislativa apresentada ao Senado (SUG 08/2014). As autoras verificaram que os argumentos mobilizados nos documentos relacionados às proposições são de caráter médico/científico, criminal/penal e moral/religioso. Entretanto, considerando as análises de Campos (2015)Campos, M. S. “Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo”. Tese de Doutorado em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. , pode-se afirmar que as propostas de alteração na política de drogas no país operam dentro das margens do paradigma proibicionista. Fiore (2012)Fiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. aponta que, ainda que a legislação brasileira tenha previsto a despenalização do uso de drogas 4 4 Atualmente encontra-se em tramitação no STF o Recurso Extraordinário 635659, “Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada”. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4034145&numeroProcesso=635659&classeProcesso=RE&numeroTema=506 > . Acesso em: 14 dez. 2021. , essa mudança se deu sem que o proibicionismo 5 5 Fiore (2012, p , p. 10) argumenta que o proibicionismo, paradigma que orienta políticas de drogas internacionalmente, fundado na Convenção Única sobre Entorpecentes da ONU, promulgada em 1961, “é composto de duas premissas fundamentais: 1) o uso dessas drogas é prescindível e intrinsecamente danoso, portanto, não pode ser permitido; 2) a melhor forma de o Estado fazer isso é perseguir e punir seus produtores, vendedores e consumidores”. tenha sido posto em xeque, havendo antes uma “modernização de suas premissas” ( Fiore, 2012Fiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. , p. 16). Com relação à atuação legislativa sobre o tema, o autor afirma que

É improvável que alguma mudança além do aprofundamento do modelo atual possa ocorrer. Desde a promulgação da Lei de Drogas, em 2006, os projetos que ganharam algum destaque e maior apoio no Congresso previam, por exemplo, o retorno da pena restritiva de liberdade para consumidores, dessa vez sob a forma de tratamento compulsório e com a justificativa de que a lei atual havia eliminado as ferramentas da dissuasão do Estado. Outra iniciativa, dada a grande repercussão do aumento do consumo de crack pelo país, tentou endurecer ainda mais as penas para os traficantes dessa forma específica de cocaína ( Fiore, 2012Fiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. , p. 21).

Brum (2018) reforça essa análise, a partir da investigação de 110 proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional nos anos de 1999, 2003, 2007, 2011 e 2015. A autora verificou que, apesar da tentativa de liberalizar alguns elementos da regulação de drogas com a aprovação da Lei 11.343/2006, especialmente a despenalização de pessoas usuárias, “as proposições legislativas, em sua vasta maioria, reforçam o modelo proibicionista e buscam reforçar a orientação estatal quanto ao modo de vida considerado adequado pelo poder público” (Brum, 2018, p. 61). Tais resultados corroboram o argumento de Fiore (2012Fiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. ; 2016) e indicam que o debate sobre drogas no legislativo nacional tem se concentrado em iniciativas voltadas à repressão e segurança pública e que a discussão é limitada devido aos potenciais constrangimentos eleitorais associados ao tema.

No entanto, esses achados parecem contrastar com a percepção das pessoas que legislam sobre a política de drogas no país. Pesquisa da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) publicada em 2016 mostra que a maioria da Câmara dos Deputados daquela legislatura avaliava negativamente a política de drogas vigente (55% a consideravam ruim ou péssima), e perceberam também que essa havia piorado ao longo do tempo (48%). Nesse sentido, 68% se posicionaram contrariamente à criminalização de pessoas usuárias. Entre aqueles que se apresentaram favoráveis à criminalização (13%), a maioria a defendeu em relação aos usuários de crack e cocaína.

Considerando a maconha/cannabis, especificamente, 54% apoiavam a criminalização do comércio e posse, ainda que cerca de um quarto da Câmara dos Deputados tenha se mostrado favorável a alguma forma de regulação da substância. No entanto, a posição favorável à regulação do uso médico da maconha/cannabis se mostrou mais disseminada do que a regulação em geral:

Somados aos que foram receptivos ao uso do CBD (canabidiol, um dos princípios ativos da maconha com aplicação terapêutica mais consolidada na literatura médica), os deputados simpáticos ao uso terapêutico da maconha atingiram uma folgada maioria de mais de 80% da Câmara ( Fiore, 2016Fiore, M. Relatório executivo da pesquisa sobre percepção dos parlamentares brasileiros sobre a política de drogas. São Paulo: PBPD-Plataforma Brasileira de Política de Drogas, 2016. Disponível em: < https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2016/12/Pesquisa-Congresso-Nacional-2.pdf> . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2...
, p. 11).

Apesar da postura conservadora com relação a mudanças na política de drogas, o relatório conclui que

Existe um apoio entre os congressistas para alterar pontos equivocados do atual modelo, como a criminalização dos usuários, por exemplo. Há também uma disposição para mudar pontos específicos da política de drogas, como a permissão do uso de maconha para fins terapêuticos, que teve apoio expressivo da maioria das duas casas legislativas ( Fiore, 2016Fiore, M. Relatório executivo da pesquisa sobre percepção dos parlamentares brasileiros sobre a política de drogas. São Paulo: PBPD-Plataforma Brasileira de Política de Drogas, 2016. Disponível em: < https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2016/12/Pesquisa-Congresso-Nacional-2.pdf> . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2...
, p. 22).

Tais dados apontam para alguma permeabilidade a mudanças na regulação das drogas, especialmente com relação à maconha/cannabis. Como afirma Lima (2010)Lima, R. C. C. “O problema das drogas no Brasil: revisão legislativa nacional”. Libertas, vol. 10, n° 1, 2010. , a revisão da legislação de drogas no Brasil aponta para a existência de uma disputa por distintos projetos, havendo “a possibilidade de aprofundar a opção (...) por uma legislação mais aproximada com o compromisso de coibir o próprio poder punitivo do Estado (...) e abrir uma agenda pública democrática e responsável no tema” (p. 119), ainda que haja riscos de que tais mudanças aconteçam sem que o paradigma proibicionista seja questionado, como alerta Fiore (2012)Fiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. . É nesse bojo que emergem novas discussões sobre o uso terapêutico da maconha/cannabis, que ganharam fôlego renovado com a apresentação do projeto de Lei 399/2015, pelo deputado Fábio Mitidieri (PSD/SE). O projeto original altera a Lei 11.343/2006 “para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação” ( Brasil, 2015Brasil. Projeto de Lei n° 399, de 2015. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01vnw1vmfensmwg6tcxzlznyce2251017.node0?codteor=1302175&filename=PL+399/2015> . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
).

Pode-se considerar que o referido projeto é uma reação às ações promovidas pelo poder Executivo, por meio da Anvisa, no sentido de regulamentar o acesso da população a medicamentos à base de derivados da maconha/cannabis, e do Judiciário, que tem regulado o cultivo doméstico através da concessão de habeas corpus a associações de pacientes que fazem uso de medicamentos derivados da planta. Tais iniciativas emergem a partir de mobilização social, especialmente de famílias e associações de familiares de pacientes que fazem uso de remédios à base de derivados da maconha/cannabis, que pressionou a agência a reclassificar o canabidiol e permitir seu uso terapêutico ( Oliveira, 2017Oliveira, M. B. “A regulamentação do canabidiol no Brasil: como nasce a expertise leiga”. Liinc em revista, vol. 13, n° 1, 2017. ; Rodrigues, Lopes e Mourão, 2020Rodrigues, A. P. L. S.; Lopes, I.; Mourão, V. L. A. “'Eficácia, segurança e qualidade': parâmetros discursivos nas audiências públicas da Anvisa sobre regulamentação e pesquisas com cannabis para fins medicinais”. Teoria e Cultura, vol. 15, n° 2, 2020. ). Essa mudança tem impulsionado outras demandas, como aquelas relacionadas à regulamentação do plantio em território nacional para fins medicinais, científicos e industriais ( Oliveira, 2017Oliveira, M. B. “A regulamentação do canabidiol no Brasil: como nasce a expertise leiga”. Liinc em revista, vol. 13, n° 1, 2017. ; Rodrigues, Lopes e Mourão, 2020Rodrigues, A. P. L. S.; Lopes, I.; Mourão, V. L. A. “'Eficácia, segurança e qualidade': parâmetros discursivos nas audiências públicas da Anvisa sobre regulamentação e pesquisas com cannabis para fins medicinais”. Teoria e Cultura, vol. 15, n° 2, 2020. ).

Vê-se, pois, a emergência de um novo “ciclo de atenção” ( Brandão, 2014aBrandão, M. D. “Ciclos de atenção à maconha no Brasil”. Revista da Biologia, vol. 13, n° 1, p. 1-10, 2014a. ; 2014bBrandão, M. D. “O ‘problema público’ da maconha no Brasil: anotações sobre quatro ciclos de atores, interesses e controvérsias”. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 7, n° 4, p. 703-740, 2014b. ), agora voltado à dimensão medicinal/terapêutica da maconha/cannabis. O projeto de Lei 399/2015, que “inaugurou” esse novo ciclo de atenção sobre a regulação da maconha/cannabis e seus derivados para fins terapêuticos e comerciais, teve seu substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisou o tema no dia 8 de junho de 2021. A votação foi equilibrada, com 17 votos favoráveis e 17 contrários. A proposta saiu vitoriosa devido ao voto do relator, deputado Luciano Ducci (PSB/PR) 6 6 Atualmente a tramitação do PL 399/2015 encontra-se suspensa, em virtude de recurso apresentado pelo deputado Pastor Eurico (PHS/PE) contra a decisão do presidente da Comissão Especial, deputado Paulo Teixeira (PT/SP), pelo não cumprimento, por parte da Comissão Especial, do prazo regimental máximo de 40 sessões para deliberar sobre a matéria. . A elaboração do parecer ao projeto de lei ensejou a realização de onze audiências públicas para informar parlamentares sobre o tema e permitir a participação da população na elaboração do documento.

As audiências públicas podem ser realizadas com participação de entidades da sociedade civil, com o objetivo de incrementar as informações disponíveis para que parlamentares possam deliberar sobre o tema discutido ou tomar devidas providências, ou podem ser utilizadas para interpelação de Ministros de Estado, para prestar informações sobre o tema previamente determinado ou para expor o assunto de relevância de seu Ministério (Art. 24). Elas podem ser convocadas por comissões permanentes (ou pela ouvidoria parlamentar) e têm como objetivo “instruir matéria legislativa em trâmite, bem como (...) tratar de assuntos de interesse público relevante, atinentes à sua área de atuação, mediante proposta de qualquer membro ou a pedido de entidade interessada” (Art. 255 do RICD, Brasil, 1989). Podem ser convidadas para essas atividades “autoridades, as pessoas interessadas e os especialistas ligados às entidades participantes” (Art. 256) e, no caso de haver defensores e opositores da matéria discutida, deve-se possibilitar a expressão das “diversas correntes de opinião” (Art. 256, parágrafo 2º). Após as apresentações das pessoas convidadas e parlamentares presentes podem interpelá-las pelo tempo de três minutos, havendo ainda direito à réplica e à tréplica.

Ainda são escassos os trabalhos na ciência política brasileira que analisam audiências públicas no âmbito do poder Legislativo nacional ( Troiano, 2016Troiano, M. “Os empresários no Congresso: a legitimação de interesses via audiências públicas”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. ). Muitos trabalhos se concentram nas audiências realizadas no Judiciário, em agências do Executivo e em contextos municipais 7 7 Uma exceção importante é o trabalho de Troiano (2016) . Disponível em: < https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8599/TeseMT.pdf?sequence=1&isAllowed=y> . Acesso em: 9 nov. 2020. . Em trabalho que analisa as relações entre empresários e parlamentares e os processos de intermediação de interesses via audiências públicas na Câmara dos Deputados, Troiano (2016)Troiano, M. “Os empresários no Congresso: a legitimação de interesses via audiências públicas”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. argumenta que

As audiências públicas são interpretadas como decisivos espaços de embates políticos e negociações constantes, bem como ambiente institucional de disputa de recursos escassos entre grupos organizados. Os resultados desses embates dependem das propriedades das naturezas institucionais as quais estão expostos ( Troiano, 2016Troiano, M. “Os empresários no Congresso: a legitimação de interesses via audiências públicas”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. , p. 27).

Nesse sentido, as audiências públicas podem ser consideradas “ambientes institucionais” de negociação, de formação de consensos, de construção de expertise sobre determinado assunto e de fomento à participação popular. Geddes (2018)Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. , ao analisar as audiências públicas realizadas no escopo de select committees 8 8 Select committees da Câmara Baixa do Reino Unido são comissões temáticas de fiscalização das ações do Executivo. No Brasil, pode-se considerar que as comissões permanentes da Câmara dos Deputados concentram as funções das select committees e das general (anteriormente standing ) committees . Mais informações sobre comissões legislativas no Reino Unido disponível em: < https://www.parliament.uk/about/how/committees/> . Acesso em: 9 nov. 2020. no Reino Unido, argumenta que as audiências públicas convocadas por comissões legislativas são importantes porque

Dão sustentação a processos de escrutínio [de ações governamentais] e asseguram que recomendações e conclusões estejam baseadas em evidências apresentadas à comissão; em nível individual, permite que membros do parlamento construam expertise relativas a políticas específicas e pratiquem papéis de investigação/escrutínio e, em nível institucional, permite o acúmulo de informações para subsidiar os processos de formulação de políticas; são importantes para garantir maior engajamento público ( Geddes, 2018Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. , p. 285. Tradução livre).

O autor afirma que se torna relevante investigar quem são as pessoas convidadas a participar das audiências públicas, o que permitiria avaliar a qualidade das evidências/informações apresentadas. Isso quer dizer que, segundo Geddes (2018)Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. , há uma relação entre quem fala (sexo, região/localidade, instituição a que se vincula) e o que se fala, especialmente no que se refere à pluralidade e à representatividade das informações compartilhadas. Ampliando o argumento do autor, que enfatiza apenas o perfil de especialistas que participam das audiências públicas, consideramos que é importante saber também o que pessoas convidadas a participar das audiências públicas falam e que tipos de argumentos apresentam. No caso em questão, essas informações permitiriam avaliar os rumos da política de drogas no país, mais especificamente no que diz respeito à regulação do uso da maconha/cannabis.

Metodologia

Com o fim de analisar as audiências públicas sobre maconha/cannabis realizadas na Câmara dos Deputados no período entre 1997 e 2020, a pesquisa empregou metodologias qualitativas e quantitativas. Foi elaborado um censo com todas as audiências públicas sobre maconha/cannabis realizadas na Câmara dos Deputados no período pós-1988. A fonte de dados foi o sítio eletrônico oficial da instituição. As audiências foram buscadas a partir das palavras-chave “maconha” e “cannabis” 9 9 A opção pelo uso das duas palavras-chave se justifica por uma aparente polarização do debate a partir do emprego de um dos termos, em que a palavra “maconha” remeteria ao uso adulto e à repressão e segurança pública, enquanto o termo “cannabis” poderia remeter a uma posição mais “científica”, mas também mais despolitizada, em uma tentativa de desassociar o debate sobre o uso terapêutico ou industrial da planta do questionamento do paradigma proibicionista. Essa posição remete aos achados de Fiore (2016) , que apontam para maior permeabilidade da discussão sobre regulação do uso terapêutico da maconha/cannabis entre parlamentares brasileiros. O uso dos dois termos remete ainda ao par droga/remédio, identificado por Policarpo e Martins (2019) nos discursos de operadores do direito que lidam com pedidos de habeas corpus para cultivo doméstico com fins medicinais. Ademais, onze das audiências públicas identificadas foram encontradas a partir das duas palavras-chave, o que parece apontar para o fato de que as palavras têm sido usadas como sinônimos na indexação realizada na Câmara dos Deputados, pelo menos em contexto mais recente. , considerando os registros das reuniões ocorridas no âmbito das comissões legislativas, instâncias que possuem a prerrogativa de realizar audiências públicas. A busca se deu no Assunto 10 10 “Resumo do discurso ou da reunião de comissão, com os principais assuntos tratados”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas/pesquisa/como-pesquisar> . Acesso em: 10 dez. 2021. e no Texto integral 11 11 “Íntegra do discurso de plenário ou da reunião de comissão disponível a partir de 10 de outubro de 2000”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas/pesquisa/como-pesquisar> . Acesso em: 10 dez. 2021. das notas taquigráficas das audiências públicas. No caso das audiências públicas sobre maconha e/ou cannabis, temos 17 atividades realizadas entre 1997 e 2020. A análise teve como objeto as notas taquigráficas das audiências públicas, também disponíveis no sítio da Câmara. Identificamos 16 transcrições completas e uma incompleta, relativa à audiência realizada em 1997 pela CDH, que compuseram o corpus analisado.

A base de dados 12 12 A base de dados está disponível no site do Cesop na página deste artigo, na seção Revista Opinião Pública: < https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica> . , construída com esse censo, subsidiou a análise a partir de estatísticas descritivas que, além de proporcionarem um panorama sobre esses eventos, permitiram contextualizar os resultados da análise de conteúdo. Essa, por sua vez, permitiu descrever, analisar e interpretar as falas, na medida em que a técnica é voltada: ao tipo de texto analisado e ao seu conteúdo (mensagem); às condições de produção (contexto); à caracterização de quem fala, às variáveis sociodemográficas e aos fundamentos e efeitos das mensagens emitidas através dos discursos.

Devido ao volume de textos incluído no corpus da pesquisa, o processo de categorização, “ponto crucial da análise de conteúdo” ( Franco, 2005Franco, M. L. P. B. Análise de conteúdo. Brasília: Liber Livro, 2005. , p. 57) foi desenvolvido a posteriori, ou seja, as classes temáticas foram construídas a partir dos discursos analisados, com o auxílio do Iramuteq, um software gratuito que foi desenvolvido na lógica da fonte aberta. Ele tem interface com o ambiente estatístico do software R, usa a linguagem python e permite diferentes tipos de análise de informações textuais, desde o cálculo de frequências até análises multivariadas, como a classificação hierárquica descendente, que permite a construção de categorias temáticas a partir do teste de associação do qui-quadrado ( Camargo e Justo, 2013Camargo, B. V.; Justo, A. M. “Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais”. Temas em Psicologia, vol. 21, n° 2, p. 513-518, 2013. ). Apresenta também a distribuição do vocabulário que permite uma clara visualização e uma compreensão fácil da análise de similitude a nuvens de palavras. A unidade de análise considerada na pesquisa é a palavra, dado que o Iramuteq é um software de análise lexical, e as unidades de contexto são as frases em que as palavras são mobilizadas.

A utilização de softwares em pesquisas qualitativas é atualmente um dos modos de aproximação entre as metodologias quantitativas e qualitativas, por ser possível a geração de estatísticas e análise de grandes volumes de dados em curtos espaços de tempo. Além disso, como aponta Cervi (2018)Cervi, E. U. “Análise de conteúdo automatizada para conversações em redes sociais online: uma proposta metodológica”. In: Anais do 42° Encontro Anual da Anpocs, Caxambu (MG), 2018. , o recurso ao Iramuteq permite aproximar as categorias analíticas ao conteúdo do texto, “reduzindo a subjetividade na definição do corpus empírico e aumenta a possibilidade de replicar a técnica” (p. 1).

Resultados e discussão

O maior volume de audiências (onze) ocorreu em comissão especial voltada à discussão para elaboração de parecer sobre o PL 399/2015, do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD/SE). As demais audiências foram realizadas nas comissões de Seguridade Social e Família (três), Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (uma), Direitos Humanos (uma) e Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (uma). Quanto aos temas, esses foram classificados em impactos na saúde e uso medicinal (CSSF, 2012 e 2019; CAPADR, 2019); descriminalização para consumo próprio (CSSF, 2015); convocação de Ministro para prestar contas sobre participação na Marcha da Maconha (CSPCCO, 2009) e debate sobre violência na região do “Polígono da Maconha” (CDH, 1997).

Considerando a distribuição das audiências públicas sobre maconha/cannabis ao longo do período analisado, temos uma concentração das atividades no ano de 2019 (nove). O timing das audiências é importante, porque pode indicar os ciclos de atenção ao tema ( Brandão, 2014aBrandão, M. D. “Ciclos de atenção à maconha no Brasil”. Revista da Biologia, vol. 13, n° 1, p. 1-10, 2014a. ; 2014bBrandão, M. D. “O ‘problema público’ da maconha no Brasil: anotações sobre quatro ciclos de atores, interesses e controvérsias”. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 7, n° 4, p. 703-740, 2014b. ). Em 1997, a atividade foi realizada em razão do homicídio de um agricultor em Pernambuco, em conflito com o tráfico de drogas na região. Apesar de o foco da audiência ter sido a segurança pública/violência, já apareceram argumentos relacionados ao plantio e às condições de vida de pequenos agricultores da região conhecida como Polígono da Maconha, trazidos por representante do sindicato de trabalhadores rurais da região.

Considerando esses temas gerais, pode-se observar uma mudança no foco das audiências, passando de um foco repressivo e punitivista – vide audiência pública realizada em 2009, distinta das demais por se referir não à deliberação de proposição legislativa, mas à convocação de autoridade (no caso, o Ministro Carlos Minc) para prestar esclarecimentos sobre sua presença na Marcha da Maconha realizada no Rio de Janeiro naquele ano, quando o STF ainda não havia decidido favoravelmente à realização de tais eventos, com base nas liberdades de expressão e manifestação – a um foco nos debates mais voltados a possibilidades de regulação alternativas, relativas ao consumo próprio (2015) ou ao uso medicinal (2012, 2019). Importante observar, ainda, que na audiência realizada em 2012, com o tema do uso medicinal da maconha/cannabis, apenas um especialista vinculado à universidade, pesquisador da área de fisiologia/neurologia, participou. Dentre os demais convidados, dois possuíam vínculo com comunidades terapêuticas e outro era delegado.

Já em 2015, a audiência ocorreu em resposta à atuação do STF a respeito do Art. 28 da nova lei de drogas (Lei 11.343/2006), que gerou controvérsia sobre a criminalização/descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal 13 13 Recurso Extraordinário 635.659. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4034145> . Acesso em: 18 jul. 2022. . Segundo parlamentares presentes, a matéria seria de competência do Legislativo e não do Judiciário, o que aponta para a centralidade e, ao mesmo tempo, omissão daquele poder com relação à regulação da maconha/cannabis. Além disso, a Lei 11.343/2006 prevê, em seu artigo 2º, a possibilidade de cultivo de plantas proscritas para fins medicinais ou científicos, mas a atividade carece de regulamentação. Destaca-se também a publicação da RDC 17/2015 pela Anvisa em maio de 2015, que definiu critérios para a importação de medicamento, à base de canabinoides, e a aprovação do registro do Mevatyl em 2018. Diante desses fatos, verifica-se que o uso medicinal da cannabis se tornou realidade no Brasil, o que impulsionou os debates sobre o tema, especialmente sobre a regulamentação do plantio e processamento da cannabis para fins medicinais e comerciais.

Assim, em 2019, começam de forma mais intensiva as audiências sobre o uso medicinal da cannabis. A primeira delas, convocada pela CSSF, pautou o tema da regulamentação da cannabis medicinal. A questão da judicialização esteve presente novamente, reforçando a necessidade de atuação do Legislativo frente aos processos judiciais que demandam do Estado a possibilidade de plantio e consumo com fins medicinais, além do acesso ao medicamento Mevatyl pelo SUS, dado seu alto custo. As demais audiências públicas realizadas em 2019 e 2020 foram convocadas pela comissão especial criada para debater e emitir parecer sobre o projeto de Lei 399/2015.

Com relação ao perfil de participantes (público convidado e parlamentares), há uma predominância de homens (80%) que se mantém ao longo do tempo. Considerando apenas o público convidado, esse percentual cai para 73% de homens, mas ainda se mantém bastante elevado. A Tabela 1 apresenta informações sobre participantes, desagregadas por sexo e comissão:

Tabela 1
Participantes das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados segundo sexo e comissão (1997-2020)

Os dados indicam que há uma desigualdade de gêneros, em termos da presença nas audiências públicas analisadas, relativamente estável, considerando a distribuição nas comissões. Homens representam em média 80% do total de participantes, havendo maior presença feminina (21,43%) na audiência pública realizada na CAPADR e maior presença masculina naquelas realizadas pelas CDH e CSSF, comissões permanentes que historicamente contam com maior presença feminina entre seus membros ( Rezende, 2020Rezende, D. Mulher no poder e na tomada de decisões. Brasília: Ipea, 2020. ). Dentre o total de audiências analisadas, em três delas, apenas homens foram convidados para o debate: a de 2009, em que o Ministro Carlos Minc foi convocado para prestar esclarecimentos sobre sua participação na Marcha da Maconha do RJ, e duas realizadas em 2020 para debater a comercialização de medicamentos elaborados a partir de substratos da cannabis sativa . Esses resultados corroboram os achados de pesquisas anteriores ( Geddes, 2018Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. ) e podem apontar para a reprodução de desigualdades existentes em outras esferas (universidades, empresas, órgãos públicos) 14 14 Infelizmente não foram coletados os dados relativos à raça/cor de especialistas participantes das atividades, o que nos daria pistas sobre a pluralidade das evidências apresentadas ao debate e do grau de inclusividade de tais eventos, considerando que os efeitos da política de drogas brasileira recai de forma desigual sobre distintos grupos populacionais, se penaliza de forma desproporcional a população negra ( Ferrugem, 2019) . .

Quanto ao vínculo institucional de participantes apresentado na Tabela 2 , os dados apontam para a predominância de pessoas com vínculo com organizações da sociedade civil, como Ongs, associações e redes (21,8%), seguidos de representantes de empresas e participantes vinculados a universidades (ambos com 15,4%), representantes de entidades de classe como OAB, conselhos profissionais e sindicatos (10,2%), representantes de Ministérios (9%), de agências reguladoras (7,7%) e membros do poder Judiciário ou Ministério Público (5,12%). Os dados também indicam uma mudança de perfil dentre as pessoas convidadas. Representantes de empresas (privadas ou públicas, como a Embrapa) passam a participar das audiências em 2019, quando também não há mais a presença de participantes com vínculo explícito com entidades religiosas, como ocorreu nas audiências públicas realizadas em 2012 e 2015, por exemplo. Importante observar que a participação de membros de entidades religiosas pode se dar de forma não explícita, a exemplo da atuação do que Vaggione (2017)Vaggione, J. M. “La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa”. Cadernos Pagu, n° 50, 2017. chama de “fiel laico”, ou seja, militantes religiosos que optam por não revelar esse pertencimento, atuando como “especialistas”, garantindo um “verniz” laico aos seus argumentos.

Tabela 2
Participantes das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados segundo tipo de instituição à qual se vincula e sexo (1997-2020)

A presença de membros de empresas se justifica pelos temas debatidos, relacionados à produção e à comercialização de medicamentos, e pelo crescente interesse de tais organizações no mercado de cannabis medicinal e cânhamo no Brasil, enquanto a presença de membros (declarados) de entidades religiosas em geral se relaciona à sua atuação em comunidades terapêuticas ou ainda a questões morais relacionadas ao abuso de drogas ( Pinto e Oberling, 2016Pinto, N. M.; Oberling, A. F. Liberação ou proibição? Discursos e representações acerca da política de drogas nos projetos de leis no Congresso Nacional (2010-2014). In: Labate, B. C., et al. (orgs.). Drogas, políticas públicas e consumidores, p. 205-232. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: NEIP, 2016. ). Parlamentares são o grupo mais frequente, mas dada a função das audiências públicas de produzir expertise e informar o processo de tomada de decisões, esse resultado já era esperado.

Considerando os dados desagregados por sexo, temos a predominância feminina apenas na categoria Outros, que inclui pessoas sem vínculo ou vinculadas a instituições internacionais, como a OMS. As participações mais desiguais estão nas associações de Classe, Empresa pública, Polícia e Organizações religiosas, instituições tradicionalmente masculinizadas. Dentre as menos desiguais, destacam-se Ministérios, Universidades e Agências reguladoras.

Apresentamos na Tabela 3 os dados de participantes desagregados por comissão, o que permite visualizar os tipos de expertise mobilizados por cada uma delas, associados à sua atuação profissional, informação disponível nas notas taquigráficas analisadas:

Tabela 3
Participantes das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados segundo tipo de instituição à qual se vincula e comissão (1997-2020)

A Tabela 3 indica que há maior pluralidade entre participantes das audiências públicas realizadas pela comissão especial, o que pode se relacionar com o maior volume de atividades realizadas por esse órgão. A menor diversidade está na audiência pública realizada pela CSPCCO, o que se explica pela natureza do evento, voltado à interpelação de Ministro de Estado. Importante destacar que, ainda que a presença explícita de membros de organizações religiosas apareça apenas nas audiências realizadas pela CSSF, isso não significa que eles não estejam presentes nas demais atividades, visto que há parlamentares com vínculo com tais organizações, mas que participam das audiências como membros da Câmara, ou como “fiéis laicos” ( Vaggione, 2017Vaggione, J. M. “La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa”. Cadernos Pagu, n° 50, 2017. ), como dito anteriormente.

Finalmente, destacamos pessoas convidadas que estiveram presentes em mais de uma audiência pública, que podem atuar como “ usual suspects ” ( Geddes, 2018Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. ), ou seja, pessoas que frequentemente são consultadas em audiências públicas, o que pode explicitar vieses na seleção de especialistas. O participante mais frequente foi William Dib, ex-presidente da Anvisa, presente em três audiências públicas, incluindo uma em que foi o único convidado. Sua presença se justifica em virtude do papel desempenhado pela Agência na regulação do acesso e distribuição de medicamentos derivados da maconha/cannabis no Brasil. Pessoas que participaram de duas atividades: Rodrigo Mesquita, membro da Comissão Especial de Assuntos Regulatórios da OAB Nacional; Salomão Rodrigues, representante do Conselho Federal de Medicina; Carolina Noccetti, médica vinculada à empresa de consultoria especializada em cannabis medicinal no Brasil; José Bacellar, presidente da Verdemed; Roberto Fontes Vieira, pesquisador da Embrapa; Leandro Ramires, médico e representante da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal; Ricardo Ferreira, médico, consultor técnico da ABRACannabis - Cultive e Abrace Esperança e representante da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis; e Sérgio Rocha, pesquisador da Universidade Federal de Viçosa, na área de Agronomia/Fitotecnia.

Essas participações se concentram nas audiências públicas realizadas em 2019 e 2020, no âmbito da comissão especial, e apontam para o tipo de debates realizados, voltados à regulação de medicamentos à base de maconha/cannabis e ao plantio em território nacional. Importante observar a predominância masculina no grupo de “ usual suspects ”, mas também a maior presença de especialistas que defendem a regulação do uso medicinal (representantes de associações de pacientes, médica especialista, presidente de empresa relacionados à maconha/cannabis) e do uso industrial (Sérgio Rocha, especialista em melhoramento genético de Cannabis spp. ).

Considerando o argumento de Geddes (2018)Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. , pode-se verificar que há diversidade no perfil do público convidado a participar das audiências públicas realizadas na Câmara dos Deputados sobre maconha/cannabis, ainda que essa diversidade se dê mais pelo vínculo institucional do que por características sociodemográficas. Além disso, importante observar que o maior volume de participações é de representantes de organizações da sociedade civil, o que indica uma abertura do poder legislativo para o diálogo com a população, representada por grupos que têm interesse direto (ou “preferências intensas”) sobre o tema. Resta saber se essa diversidade se manifesta também nas falas apresentadas nas audiências públicas.

Com relação a essa questão, interessante observar que as audiências realizadas entre 1997 e 2015 utilizam o termo maconha na descrição do assunto do evento, enquanto a palavra cannabis passa a ser utilizada a partir de 2019. A escolha do termo já aponta para o tipo de enquadramento a orientar as discussões, sendo a palavra maconha mais relacionada a questões de violência, criminalidade e segurança pública, enquanto o termo cannabis aparece mais ligado a questões de saúde e a uma abordagem mais “científica” do tema, conforme explicamos anteriormente.

As falas foram categorizadas de forma temática a partir da classificação hierárquica descendente (CHD) realizada pelo Iramuteq. As categorias são construídas a partir do teste qui-quadrado que mede o grau de associação entre as palavras. A classificação das palavras foi de tipo simples sobre segmentos de texto, mais indicada quando se tem textos longos, como as falas apresentadas nas audiências públicas. O corpus foi constituído por 193 textos, separados em 9660 segmentos de textos. Foram obtidas 337433 ocorrências ou palavras, sendo 18608 palavras distintas e 8309 palavras que apareceram uma única vez (hapax) 15 15 Para essa análise, foi utilizado o algoritmo svdR e não o irlba. Os resultados com os dois métodos foram similares. Maiores informações disponíveis em: < https://www.rdocumentation.org/packages/irlba/versions/2.3.3/topics/svdr> . Acesso em: 18 jan. 2021. . A análise classificou 74,80% dos segmentos de texto. O conteúdo analisado foi dividido em cinco classes ou temas, como mostra a Tabela 4:

Tabela 4
Classificação hierárquica descendente das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados (1997-2020)

Com relação aos conteúdos das classes, temos a seguinte classificação: subcorpus Gênero textual, formado pela classe 5, com palavras características do tipo de texto analisado, como deputado, palavra, senhor, agradecer e presidente; subcorpus Uso medicinal , formado pelas classes 2 e 3; subcorpus Abuso/dependência, formado pelas classes 1 e 4. Ainda que as palavras da classe 1 remetam a um debate ou divergência de opiniões, o nome do subcorpus considerou a prevalência das palavras associadas à classe 4. Essa primeira análise reforça os achados de pesquisas prévias, apresentadas na revisão da literatura sobre o tema, em que o debate parece se concentrar nos pares maconha/cannabis, segurança pública/saúde, droga/medicamento, dependência/tratamento.

Para contextualizar a Tabela 4 , apresentamos a seguir falas típicas das classes. Considerando os vínculos institucionais dos autores das falas apresentadas, importante destacar que entre aqueles que argumentam a favor da regulação do uso medicinal encontram-se o deputado Luciano Ducci (PSB/PR), relator do PL 399/2015, e representantes de associações de pacientes (Abrace e ABRACannabis):

Inclusive com o presidente Paulo Teixeira querem que fiquemos restritos à RDC da Anvisa, que permite a produção de medicamento no Brasil, mas com o produto importado, fazendo com que não desenvolvamos o processo no nosso país e continuemos importando o produto (deputado Luciano Ducci, AP59337, Comissão especial, 2020. Classe 2).

Então, essa discussão, se a Cannabis deve ser usada ou não como medicamento no Brasil, já foi superada. Desde 2017, a Anvisa regulamentou e colocou no mercado um produto chamado aqui no Brasil de Mevatyl, que é um extrato natural da planta Cannabis sativa, composto tanto com THC quanto com CBD (Ricardo Ferreira, representante da ABRACannabis, AP 58199, Comissão especial, 2019. Classe 2).

Por outro lado, nas falas contrárias à regulação do uso terapêutico da maconha/cannabis, destaca-se o deputado Osmar Terra (MDB/RS), conhecido defensor da manutenção do proibicionismo como forma de enfrentamento dos problemas relativos às drogas. Finalmente, a fala do deputado Tiago Mitraud (Novo/MG), ainda que remeta à questão da segurança pública, é crítica ao proibicionismo e diametralmente oposta, por exemplo, ao posicionamento do colega Osmar Terra:

Meu filho, não há problema em usar maconha porque é remédio? A cannabis causa dependência em 12% a 53% dos usuários, aumenta as chances de envolvimento com outras drogas, produz sintomas psicóticos (Ministro Osmar Terra, AP58201, Comissão especial, 2019. Classe 4).

Na fala do senhor aqui, misturamos as duas coisas. Acho que precisamos separar esses assuntos. Se houve alguma coisa que a sua exposição aqui provou foi que, a respeito da questão do uso recreativo ou das drogas ilícitas, a atual legislação e a atual guerra às drogas não funcionam (Dep. Tiago Mitraud, AP58201, 2019, Comissão especial. Classe 1).

De forma a refinar a análise, desagregamos os dados, uma vez que, como Geddes (2018)Geddes, M. “Committee hearings of the UK Parliament: who gives evidence and does this matter?”. Parliamentary Affairs, 2018. aponta, o conteúdo das falas apresentadas nas audiências públicas se relaciona com quem fala. Nesse sentido, agrupamos as categorias de tipo de instituição, para analisar separadamente o conteúdo de suas falas. As categorias construídas foram: Executivo (representantes de ministérios, agências reguladoras, polícia federal e empresas públicas); Sociedade civil (associações de classe, Ongs, redes e outras associações); Empresas; Universidades; Judiciário e Ministério Público.

A Tabela 5 informa as classes construídas a partir das falas de representantes do poder Executivo. O Iramuteq classificou 78,61% dos segmentos de texto. O corpus foi dividido em dois subcorpus ( Tabela 5 ). O subcorpus Regulação e pesquisa é composto pelas classes 3 (24,4%), 4 (15,6%) e 5 (15,9%). As classes 3 e 4 formam um subgrupo e remetem à regulação de medicamentos à base de cannabis. A classe 5 é composta por palavras que remetem à pesquisa para subsidiar o cultivo da planta. O subcorpus Abuso/dependência é composto pelas classes 1 (22,5%) e 2 (21,6%%) e traz tanto elementos que remetem ao gênero textual analisado (classe 2) quanto questões relacionadas ao abuso e dependência de drogas (classe 1). Novamente aparece o par uso medicinal x abuso/dependência nas falas analisadas, equivalente ao par remédio/droga ( Policarpo, Martins, 2019Policarpo, F.; Martins, L. “'Dignidade', 'doença' e 'remédio': uma análise da construção médico-jurídica da maconha medicinal”. Antropolítica – Revista Contemporânea de Antropologia, n° 47, 2019. ).

Tabela 5
Classificação hierárquica descendente das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados desagregados segundo tipo de instituição: Executivo (1997-2020)

As intervenções orais de representantes do Executivo se organizam em duas direções específicas: por um lado, discursos que rejeitam qualquer proposta de mudança nas leis atuais, inclusive em relação à cannabis medicinal, proferidos por um Ministro de Estado e um técnico do Ministério da Agricultura:

Esses dados são do auxílio-doença do INSS. Até 2006, era o álcool o principal fator. O álcool continua com o mesmo número de dependentes químicos em auxílio-doença, mas olhem como subiram os dependentes de crack, cocaína e maconha (Ministro Osmar Terra, AP58201, Comissão especial, 2019. Classe 1).

Vamos pesquisar e vamos usar, porque, se eu fumar maconha e usar óleo de maconha, virá todo o resto de substâncias que causam dependência, que destroem o cérebro, que trazem não só um pequeno problema de memória, mas problemas seríssimos (Carlos Goulart, representante do Ministério da Agricultura, CSSF, 2019. Classe 1).

Por outro, técnicos da Anvisa e da Embrapa que buscam esclarecer e informar sobre aspectos técnicos da regulação de medicamentos, no caso da primeira, e acerca da estrutura molecular e da composição química da planta:

O papel da agência, isso é extremamente importante, é o de tratar de medicamento à base de cannabis. Na discussão no Congresso Nacional, na Câmara, no Senado, sei que algumas pessoas desvirtuam o que a Anvisa está propondo (William Dib, presidente da Anvisa, AP58132, Comissão Especial, 2019. Classe 3).

Portanto, não há risco à segurança da população brasileira em permitir o registro do medicamento. Nós temos uma agência com total capacidade de dizer o que pode e o que não pode e registrar medicamentos com absoluta segurança (Ivo Bucaresky, representante da Anvisa, AP 58497, Comissão especial, 2019. Classe 3).

Alguns deles vêm avaliando uma grande gama de material genético para teores de THC, os chamados quimiotipos, o estudo da biologia floral da planta, a polinização, as questões de luminosidade. Então, nós estamos no zero (Roberto Fontes Vieira, representante da Embrapa, AP 58545, CAPADR, 2019. Classe 5).

No entanto, apesar de termos identificado posições divergentes com relação à regulação da cannabis para fins medicinais, é importante destacar que mesmo pessoas convidadas favoráveis ao tema explicitam que se trata de um debate específico, voltado apenas ao uso terapêutico da planta, como indica a fala do então presidente da Anvisa, William Dib, que trata como desvio qualquer outro tema que fuja ao uso medicinal, o que reforça o fato de que o paradigma proibicionista é o pilar fundamental da política de drogas no Brasil.

Já as falas de representantes de organizações da sociedade civil apresentam argumentos buscando desvincular o uso medicinal da cannabis do uso adulto, da relação da planta com a dependência química ou de que a droga seria “porta de entrada” para outras substâncias psicoativas ilegais. Compreendem-se essas narrativas pela presença significativa de associações de pacientes, Ongs e associações de advogados, como a REFORMA 16 16 Segundo o sítio eletrônico da associação, “[a] Rede Reforma foi fundada e registrada em 2016, na cidade do Rio de Janeiro, como uma associação civil sem fins lucrativos, com natureza de direito privado, congregando advogadas(os) sensíveis às injustiças provocadas pela atual política de drogas no Brasil”. Disponível em: < https://redereforma.org/sobre/> . Acesso em: 9 mar. 2022. , que buscam garantir e melhorar o acesso de pacientes aos benefícios da cannabis medicinal. As exposições orais de representantes jurídicos destacam as estratégias dos habeas corpus preventivos junto a varas criminais para garantir que pessoas que necessitem do óleo de cannabis para fins terapêuticos possam produzi-lo por meio do cultivo doméstico da planta, dado o alto custo do produto importado, regulado pela Anvisa.

Tabela 6
Classificação hierárquica descendente das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados desagregados segundo tipo de instituição: Sociedade civil (1997-2020)

Passando à análise temática, foram classificados 84,94% dos segmentos de texto e o corpus se dividiu em dois subcorpus: o primeiro formado pelas classes 1 (50,6%), 2 (14,8%) e 3 (18,8%), Cultivo, canabinoides e divergências . As classes 1 e 2 formam um subgrupo, que remete ao cultivo da cannabis por associações e a divergências no debate sobre o tema, separado da classe 3, que traz palavras associadas aos canabinoides e seus efeitos medicinais. O segundo subcorpus foi formado pela classe 4 (15,8%) e trata da Dimensão econômica da regulação da cannabis para fins medicinais. Interessante observar que, nessa categoria, o tema do abuso/dependência não está presente, apesar da relevância da classe 1, composta por termos como não, maconha e droga, e da referência ao CFM, instituição publicamente contrária ao uso terapêutico da cannabis 17 17 Disponível em: < https://www.abp.org.br/post/abp-e-cfm-decalogo-maconha> . Acesso em: 9 mar. 2022. . Outras questões, como associativismo canábico, aparecem, havendo a presença de termos que se relacionam com seu repertório de ação, como habeas corpus , judicial, universidade.

O subcorpus Cultivo, canabinoides e divergências apresenta relatos de membros dessas associações que explicitam conhecimentos sobre as propriedades terapêuticas da planta, sua estrutura, as regulações legais que permitem a existência de instituições que fabricam o óleo amparadas legalmente, assim como entendimento de portarias da Anvisa que regulam a compra e venda de medicamentos à base de canabinoides, explicitando o que Oliveira (2017)Oliveira, M. B. “A regulamentação do canabidiol no Brasil: como nasce a expertise leiga”. Liinc em revista, vol. 13, n° 1, 2017. identificou como uma “expertise leiga”. As associações apresentam características variadas e fins específicos, algumas voltadas para garantir direitos, outras para a atenção e autorizações para o preparo do óleo doméstico, entre outras questões relevantes atinadas ao uso terapêutico. Nesse subcorpus estão contidas falas divergentes do Conselho Federal Medicina, que se posiciona contra a regulação da cannabis terapêutica e em nota pública já se manifestou nesse sentido, alertando para o que considera alto risco na proposta de regulamentação do plantio da Cannabis sativa à saúde:

Isso me preocupa porque demonstra que os legisladores não leram a regulamentação da Anvisa. Se tivessem lido o que está regulamentado, ninguém aqui estaria falando em porta de entrada para outra droga, de consumo de crack e vice-versa (Leandro Stelitano, representante da Associação Cannab, AP 58445, Comissão especial, 2019. Classe 1).

110 e 111, estão as indicações precisas para o uso do canabidiol. Só que não se pode confundir uma coisa com a outra. É difícil se discutir isso no CFM porque, por exemplo, o título do livro de maconha do fórum foi A tragédia da maconha (João Paulo Lotufo, representante do Conselho Federal de Medicina, AP 56122, CSSF, 2019. Classe 1).

Eu cultivo uma planta chamada HarleTsu, a chamada maconha com a cepa HarleTsu, que é rica em CBD, tem THC, tem todos os canabinoides. Ele tem até mesmo o efeito que o Rafael citou aqui (Cidinha Carvalho, representante da Cultive, AP 58445, Comissão especial, 2019. Classe 3).

Em João Pessoa, houve também uma grande decisão, a primeira decisão, e única até agora, autorizando uma associação a cultivar Cannabis, preparar o óleo e fornecê-lo para seus associados, que é a Abrace lá da Paraíba (Emílio Nabas Figueiredo, representante da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, AP 58308, Comissão especial, 2019. Classe 2).

O subcorpus Dimensão Econômica reflete falas que advertem sobre a necessidade da existência de um marco regulatório para maconha/cannabis nos moldes de outras concessões públicas, como a distribuição de água e de energia, destacados por muitos como importante para não haver o que consideram “desvio ou uso indevido” dos objetivos do plantio para fins medicinais. Nesse sentido, algumas instituições da sociedade civil defendem o desenvolvimento de tecnologia e industrialização brasileiras para que o capital nacional esteja protegido e tenha prioridade sobre a exploração da planta. A ideia da regulação visa, portanto, segundo representantes das instituições, garantir o cultivo e a produção para fins medicinais e, como consequência, a diminuição do preço do óleo:

a exemplo da regulação das águas, hoje está em debate um marco regulatório sanitário para o Brasil; a exemplo do que se tem de regulação de energia elétrica, havendo inclusive agências reguladoras que têm competência legal e técnica para estabelecer os mecanismos de controle desses setores econômicos (Rodrigo Mesquita, representante da OAB, AP 58545, CAPADR, 2019. Classe 4).

Evitando-se, assim, um comércio de licenças e uma burla de uma regulação com preocupação em inclusão produtiva, em sustentabilidade econômica; a transferência de tecnologia por entrantes estrangeiros que já possuem tecnologia em razão do desenvolvimento de seus negócios em ambientes já regulados (Rodrigo Mesquita, representante da OAB, AP 58308, Comissão especial, 2019. Classe 4).

Representantes de organizações da sociedade civil possuem em comum a preocupação nas audiências de mostrar as propriedades terapêuticas das plantas e garantir o acesso àqueles e àquelas que necessitam de seu uso, mas percebem-se nas intervenções interesses que variam entre a produção em pequena escala em forma associativa e outras que defendem uma produção em escala maior para o barateamento e o maior acesso ao produto. Uma instituição importante que diverge de uma regulação do próprio plantio, por considerar que não há indícios científicos do benefício das plantas e seus derivados à saúde, é o CFM, órgão que tem se posicionado publicamente contra o uso medicinal da planta 18 18 Disponível em: < https://portal.cfm.org.br/noticias/em-audiencia-no-senado-federal-cfm-se-posiciona-contra-descriminalizacao-do-cultivo-da-cannabis-sativa/> . Acesso em: 10 dez. 2021. :

Vamos regulamentar ou não vamos regulamentar como o CFM pode ser muito mais rápido, não queremos fazer nenhuma competição, nós vamos trazer isso, discutir juntos e achar o melhor caminho, agora é necessário que não tenhamos dúvida (Salomão Rodrigues, representante do CFM, AP58199, Comissão especial, 2019. Classe 1).

O grupo das empresas, por sua vez, representa um universo heterogêneo em relação a suas atividades, funções, interesses e objetivos. Há empresas nacionais e multinacionais de fitoterápicos, farmácias de manipulação, empresa farmoquímica e plataforma que buscam orientar médicos e médicas sobre os sistemas endocanabinoides e possibilitar trocas de experiências entre prescritores e não prescritores de cannabis medicinal. Com relação às falas de representantes de empresas ( Tabela 7 ), foram classificados 86,43% dos segmentos de texto das falas desse grupo. Foram criadas sete classes, organizadas em três subcorpus. O subcorpus composto pelas classes 2 (14,5%) e 7 (12,2%) pode ser intitulado Paciente/tratamento . O subcorpus formado pelas classes 1 (17,7%), 4 (12%) e 3 (15,7%) foi nomeado Debate e regulação . Já o subcorpus formado pelas classes 5 (15,6%) e 6 (12,3%), apresenta palavras que remetem ao Cultivo e à cadeia produtiva .

Tabela 7
Classificação hierárquica descendente das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados desagregados segundo tipo de instituição: Empresas (1997-2020)

No subcorpus Paciente/tratamento , as falas versam sobre os importantes avanços em tratamentos em que os pacientes usam o CBD, o THC e outros canabinoides, muitos deles em substituição a outros fármacos que não tinham o efeito esperado para o tratamento. Representantes das empresas destacam que sua pretensão é a liberação do cultivo para a produção de fármacos que melhorariam a vida de pacientes com a produção de uma mercadoria mais barata e nacional. Há, ao longo das exposições orais, apresentações de resultados de pesquisas realizadas, geralmente, por outras instituições e cientistas não relacionados às empresas, que revelam dados sobre os benefícios da planta para várias enfermidades como fibromialgia, autismo e neoplasias. Além disso, o desenvolvimento de canabinoides sintéticos é apresentado como alternativa à regulação do plantio de cannabis para fins terapêuticos, como explicita Renata Monteiro Dantas, representante da Orthofarma:

Portanto, nós temos esses dois caminhos a seguir. É importante ter essa substância industrializada e até isolada? Sim. Mas por que não podemos ter a planta, se ela tem melhor resposta terapêutica, com menos efeitos colaterais, e principalmente se isso garante o acesso ao medicamento a todo mundo? (Renata Monteiro Dantas, representante da Orthofarma, AP 59342, Comissão especial, 2020. Classe 7).

Na audiência 58497, realizada em 2019 pela Comissão Especial criada para elaborar um parecer ao PL 399/2015, há intenso debate sobre os efeitos do uso da planta cannabis e da combinação de canabinoides, e também falas de representante da empresa Prati-Donaduzzi que defende que o canabidiol sintético possui custo mais baixo e maior potencial para produção em larga escala:

O que são o canabidiol de origem vegetal purificada e o canabidiol de origem sintética? Vocês conseguem reconhecer os dois? Os dois são um pozinho branco. Eles são exatamente a mesma molécula, exatamente o mesmo produto, só que nós acreditamos que, na forma sintética, esse é o grande desafio do mundo hoje, o grande desafio do Brasil é conseguir viabilizar a indústria farmoquímica, nós conseguimos a produção em maior escala e com menor custo, possibilitando um medicamento ao preço que a população merece. Portanto, motivos para o desenvolvimento do canabidiol sintético seriam sobretudo a redução de custo e a escalabilidade: existe pouca disponibilidade de matéria-prima com grau farmacêutico para quem quer desenvolver o produto como medicamento (Eder Fernando Maffissoni, representante da Prati Donaduzzi, AP 58497, Comissão especial, 2019).

Relevante explicitar que a Prati-Donaduzzi, “atualmente, é o maior fornecedor de medicamentos para o governo brasileiro, principalmente genéricos” ( Caetano, 2021Caetano, H. M. S. “'Com mais técnica, com mais ciência': controvérsias em torno dos procedimentos regulatórios e científicos com cannabis no Brasil”. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Instituto de Ciências Sociais, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2021. , p. 122), tendo estabelecido um acordo sigiloso de cooperação técnica com o governo federal em 2021 para fins de transferência de tecnologia 19 19 Disponível em: < https://revistaforum.com.br/noticias/ministerio-da-saude-realiza-acordo-sigiloso-com-farmaceutica-para-fornecimento-de-canabidiol/> . Acesso em: 10 dez. 2021. . A empresa conseguiu, em tempo recorde, registro de patente, hoje anulado, para produção de canabidiol 20 20 Disponível em: < https://www.cannabisesaude.com.br/inpi-nulidade-patente-canabidiol-prati/> . Acesso em: 9 mar. 2022. . Além disso, a empresa possui “convênio com a USP para o desenvolvimento de um produto farmacêutico contendo substâncias sintéticas de canabidiol” ( Caetano, 2021Caetano, H. M. S. “'Com mais técnica, com mais ciência': controvérsias em torno dos procedimentos regulatórios e científicos com cannabis no Brasil”. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Instituto de Ciências Sociais, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2021. , p. 122), opção defendida também pelo deputado Osmar Terra (MDB/RS), já que esse produto não requer o cultivo da cannabis 21 21 Trecho de exposição do então Ministro Osmar Terra, na audiência 58201 realizada em 2019, no âmbito da Comissão Especial criada para emitir parecer ao PL 399/2015: “O laboratório Prati-Donaduzzi, cujos representantes eu acho que os senhores já convidaram para vir aqui, como o deputado Ducci estava me falando, já está desenvolvendo canabidiol sintético, não precisa da planta, não precisa de nada. A morfina, que é derivada do ópio, é um potente analgésico e já existe na forma sintética. Ninguém precisa plantar ópio ou aumentar a sua oferta para haver morfina no mercado”. . Há, portanto, divergências de interesses quanto à necessidade de se liberar o plantio para fins industriais e para a produção de fármacos.

No subcorpus Debate e regulação , destacam-se falas sobre a importância da regulação do plantio da cannabis medicinal no Brasil. As empresas destacam a importância da regulação, pois o Brasil teria um alto potencial para desenvolver canabidiol de qualidade e de forma segura e regulada; além disso, essas empresas alegam ter acumulado experiência e desenvolvido tecnologia de manipulação de plantas para fins medicinais que poderiam ser aplicados à extração de canabinoides e outros componentes da cannabis. Destacam ainda o atraso do Brasil em contraste com posições assumidas por outros países, inclusive latinoamericanos, que regularam o cânhamo e o uso terapêutico da cannabis:

O Canadá e quase todos os países da Europa. E olhem ali os nossos vizinhos: Argentina, Paraguai, Uruguai, Peru, Chile, Colômbia. Todos já têm uma regulamentação positiva (José Bacellar, representante da VerdeMed, AP 58545, CAPADR, 2019. Classe 1).

O Uruguai, a Colômbia, o México, os Estados Unidos, o Canadá, os países europeus vivem realidades diferentes. O Brasil é uma experiência única. Eu acho que nós precisamos perder o medo de ousar e de ser inovadores. (Euclides Lara Cardozo, representante da Sustentec, AP 59342, Comissão especial, 2020. Classe 1).

O subcorpus Cultivo e cadeia produtiva reflete argumentos sobre o desenvolvimento dessa cadeia em cenário de aprovação do PL 399/2015. Buscam em suas exposições demonstrar que o país tem alta capacidade de organizar a cadeia produtiva da planta. Destacam elementos atrelados à indústria de fitoterápicos que teriam efeitos terapêuticos e sociais relevantes: geração de renda em regiões mais pobres onde a planta pode ser cultivada, produção de fármacos, sustentabilidade ecológica e possibilidade de domínio da cadeia produtiva:

que mostrou os benefícios que uma região que tiver a capacidade de organizar a cadeia produtiva de plantas medicinais pode oferecer, diante da ideia inicial de que nosso agro também pode ser (farma) e de que pode ser importante para a produção de medicamentos (Euclides Lara Cardozo, representante da Sustentec, AP 59342, Comissão especial, 2020. Classe 5).

há obviamente uma oportunidade perdida para o Brasil, que pode e deve verticalizar toda a cadeia produtiva, desde a produção da matéria-prima até a geração dos insumos [falha na gravação] produção de medicamentos (Fabrício Pamplona, representante da Proprium, AP 58308, Comissão especial, 2019. Classe 5)

As exposições orais desse subgrupo enfatizam que seus posicionamentos a favor do cultivo de cannabis estão restritos ao uso medicinal, o que reforça os resultados encontrados por Fiore (2016)Fiore, M. Relatório executivo da pesquisa sobre percepção dos parlamentares brasileiros sobre a política de drogas. São Paulo: PBPD-Plataforma Brasileira de Política de Drogas, 2016. Disponível em: < https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2016/12/Pesquisa-Congresso-Nacional-2.pdf> . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2...
na pesquisa com legisladores. Isso assinala que uma condição necessária para o avanço do debate no legislativo é a manutenção, ainda que com algumas mudanças pontuais, do paradigma proibicionista. Mesmo que esse argumento deva ser tomado como hipótese, ele parece pertinente ao apontar os limites que o proibicionismo impõe inclusive ao debate (legislativo, acadêmico, científico) sobre drogas e política de drogas.

Nas falas de representantes de universidades, por sua vez, foram notadas evidências de alguns temas: informações sobre a adequação da planta à quase totalidade do território brasileiro e aos seus biomas; narrativas sobre a possibilidade do plantio ser fonte de renda em regiões secas, onde hoje existe cultivo ilegal; críticas à forma como a questão é tratada no país, criminalizando o uso e afastando a possibilidade de cuidados àqueles e àquelas que desenvolvem uso problemático com a maconha/cannabis; prioridade de ações repressivas por agentes do Estado em detrimento de uma perspectiva da questão das drogas no âmbito da saúde pública; preocupação de esclarecer distinções entre uso problemático e uso não problemático da maconha/cannabis e de outras drogas, e também que a maioria dos utilizadores de maconha/cannabis não apresenta características de uso problemático.

As falas de representantes de universidades tiveram 90,42% dos segmentos de texto classificados. A análise gerou três subcorpus. O primeiro, composto pelas classes 1 (13,8%) e 2 (11,3%), foi intitulado Cultivo , uma vez que apresenta palavras relacionadas a aspectos técnicos do plantio da cannabis. O segundo subcorpus foi formado pelas classes 3 (11,9%) e 4 (14%) e remete ao Debate sobre o tema 22 22 Estiveram presentes nas audiências públicas representantes das seguintes instituições: Usp, UnB, UFJF, UFV, Unifesp, UFRGS, Mackenzie, UFRN e UFRJ. . O terceiro subcorpus foi formado pelas classes 5 (24,3%) e 6 (24,8%) e foi denominado Paciente/tratamento , trazendo termos relacionados ao uso medicinal como extrato, paciente, maconha, remédio, substância. Esse último agrega quase 50% das falas analisadas. Outro aspecto interessante na classe 3 diz respeito, por um lado, à ausência do tema abuso/dependência, mas, por outro, à presença de termos relacionados à dimensão mais próxima da segurança pública e política de drogas.

As narrativas de pessoas vinculadas a universidades dirigem-se no sentido de esclarecer e tecer informações baseadas em estudos científicos, pois avaliam que há muita desinformação, o que prejudica tanto a atenção à saúde de quem apresenta uso problemático, quanto o acesso daqueles que necessitam utilizar os canabinoides para fins terapêuticos, além de prejudicar ou mesmo obstar o debate público qualificado sobre o tema. Assim, as exposições orais nas audiências públicas são uma tentativa de trazer ao debate argumentos fundamentados em pesquisa e representam também saberes específicos, próprios das várias áreas de conhecimento que tratam o tema da maconha/cannabis em diferenciados aspectos. Importante explicitar que representantes de universidades só começaram a participar de audiências públicas sobre o tema em 2012, na audiência realizada pela CSSF, mas ainda em minoria. Sua presença se torna mais recorrente e massiva a partir da tramitação do PL 399/2015 na Comissão Especial, o que foi uma alteração significativa em termos de política de drogas no Brasil.

Tabela 8
Classificação hierárquica descendente das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados desagregados segundo tipo de instituição: Universidades (1997-2020)

No subcorpus Cultivo , as falas expõem, por um lado, conhecimento técnico sobre a adaptação da planta aos biomas brasileiros, embora não seja uma espécie originária do Brasil. Além disso, seu cultivo não necessita de um volume de água abundante, o que poderia beneficiar agricultores que vivem em regiões secas. Nesse tema também se destacam falas que apontam a possibilidade da cannabis ser uma importante cultura em uma região que hoje é alvo de erradicações forçadas, podendo o cultivo fundamentar reparações históricas e geração de renda.

Outro fator interessante é que, na Região Amazônica e no Pantanal, o modelo indicou baixa aptidão para cultivo de Cannabis. Ou seja, naturalmente, a Cannabis é uma cultura agrícola que preserva esses biomas de grande importância no Brasil (Sérgio Rocha, pesquisador UFV, AP58545, CAPADR, 2019. Classe 1).

que não são beneficiadas nem com a possibilidade de cultivo de outras espécies agrícolas, porque vivem em regiões com alguma deficiência hídrica. Então, essas famílias teriam na Cannabis uma possibilidade de geração de renda e emprego nessas áreas mais pobres do País (Sérgio Rocha, pesquisador UFV, AP59342, Comissão especial, 2020. Classe 1).

No subcorpus Regulação , é debelada a necessidade de maior conhecimento sobre a planta, seus efeitos psicoativos e sua capacidade de produzir ou não dependência química. Argumentações críticas sobre as ações e políticas de drogas no país buscam destacar o estigma que a pessoa usuária de maconha/cannabis sofre e a pouca atenção e investimento no problema na área de saúde pública com desmonte, inclusive, de iniciativas de redução de danos. As falas também problematizam as argumentações de que o país estaria despreparado para descriminalizar a maconha/cannabis e outras drogas, dada a diminuição do consumo de tabaco, fruto de regulamentação do uso e não de proibição:

A criminalização distancia as pessoas que usam drogas de forma problemática dos serviços de saúde e de assistência social. Isso é uma grande questão colocada para os usuários. Fica bastante confuso para eles entenderem que o mesmo Estado que os pune como criminosos oferece-lhes cuidados de saúde (Andrea Donatti Gallassi, pesquisadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades/UnB, AP40853, CSSF, 2015. Classe 3).

Já no subcorpus Paciente/tratamento , observam-se, assim como nas categorias Empresa e Sociedade civil, exposições orais que exaltam os benefícios da cannabis medicinal, o alto custo das importações, os efeitos positivos do THC e a necessidade de combiná-lo com o canabidiol:

Existem fatos científicos que atestam que a maconha é uma planta que possui substâncias que, isoladas ou usadas em conjunto, podem aliviar sofrimentos que outros remédios não podem. E os efeitos colaterais são relativamente a menor comparados a outros remédios existentes no mercado (Renato Malcher Lopes, pesquisador da UnB, AP 0457/12, CSSF, 2012. Classe 5). Entretanto, os animais adultos e os animais velhos ficaram muito mais espertos. Isso ecoa uma coisa que as pessoas que trabalham em saúde pública vêm dizendo há muito tempo: a maconha não é muito benéfica para os mais jovens, mas é bem benéfica para adultos e idosos (Sidarta Ribeiro, pesquisador da UFRN, AP58198, Comissão especial, 2019. Classe 5).

Vou mostrar em seguida que temos inúmeros extratos não só do canabidiol. Há alguns estudos mostrando que extratos de Cannabis, mais ricos em canabidiol e não só ricos em THC, têm o potencial de diminuir convulsão, mas não epilepsia em geral (Lisia Von Diemen, pesquisadora da UFRGS, AP 58198, Comissão especial, 2019. Classe 6).

Outro grupo presente nas audiências públicas analisadas é composto por representantes do Judiciário e do Ministério Público. As exposições orais de representantes dessa categoria podem ser classificadas em três eixos específicos: aquelas que questionam a eficácia do cannabidiol e de outros derivados da cannabis por advir de uma droga proscrita que provocaria muitos males à sociedade brasileira; explicações que esclarecem medidas tomadas pelo Ministério Público para permitir o funcionamento de empresa sem fins lucrativos que produza o óleo de cannabis e dar outras providências que garantam a prescrição médica, o uso dos derivados da planta e o plantio doméstico, enquanto não há uma regulação específica; e aquelas que não se opõem ao uso da cannabis como recurso terapêutico, mas que põem em relevo a necessidade de maiores evidências científicas para tratar a questão como de importância para a saúde pública.

A análise textual classificou 71,24% dos segmentos de textos dessa categoria e deu origem a cinco classes, distribuídas em dois subcorpus. O subcorpus Uso medicinal , formado pelas classes 5 (14,5%), 3 (19,3%) e 2 (23,5%), que traz palavras que aludem ao debate sobre o uso medicinal, dividindo-se em dois subgrupos, um formado pela classe 5 e outro pelas classes 2 e 3; e o subcorpus Regulação , formado pelas classes 1 (15,1%) e 4 (27,7%) e que apresenta palavras como paciente, regra, controle, parecer, argumento, que remetem à discussão sobre regulação, como pode ser observado na Tabela 9:

Tabela 9
Classificação hierárquica descendente das audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados desagregados segundo tipo de instituição: Judiciário e Ministério Público (1997-2020)

No subcorpus Uso medicinal , observam-se discursos que, por um lado, questionam a cannabis como uma planta medicinal, com algumas falas que duvidam de pesquisas ou consideram que ainda não há evidências científicas seguras e comprovadas para que o judiciário possa agir no sentido de garantir a saúde pública, o bem a ser preservado. Nesses discursos, pode ainda ser observado um posicionamento de buscar não diferenciar os efeitos psicoativos da cannabis dos efeitos terapêuticos:

Eu tenho que falar da droga de maior prevalência, que é o álcool. Lá, olhem o que eles fizeram. Eles regulamentaram o álcool. Não têm essa panaceia com Cannabis que temos aqui. É Primeiro Mundo (Guilherme Athayde Ribeiro Franco, representante do Ministério Público, AP58308, Comissão especial, 2019. Classe 2).

A Inglaterra aculturou o ópio para a China. Sim, as drogas sempre conviveram com os seres humanos, mas nunca como nós temos nos dias de hoje, com interesses mercadológicos, interesses que são mais do que revelados (Guilherme Athayde Ribeiro Franco, representante do Ministério Público, AP58308, Comissão especial, 2019. Classe 3).

Assim também, do outro lado, muitas famílias choram, muitas mães choram, porque entes queridos não voltam para casa. É interessante que há um liame em comum: substâncias psicoativas presentes na mesma planta, a planta que hoje traz saúde (Guilherme Athayde Ribeiro Franco, representante do Ministério Público, AP58308, Comissão especial, 2019. Classe 5).

Por outro lado, evidenciam-se discursos questionanadores da postura considerada conservadora do Judiciário e do Ministério Público de não reagir a uma demanda advinda da sociedade por melhoria da qualidade de vida e apontam importantes decisões judiciais no sentido de se adequar a tendências internacionais de reconhecer os efeitos terapêuticos da planta e de diferenciar o uso adulto do uso medicinal.

No subcorpus Regulação , evidenciam-se falas de representantes do Ministério Público e de membros do Judiciário sobre a importância da regulação do uso de cannabis e de acesso ao tratamento com a planta. Parte dessas observações se refere ao anteprojeto elaborado com o objetivo de atualizar a Lei 11.343/2006, que teve como relator o desembargador federal Ney Bello:

aí nós criamos, então, a necessidade de que isso fosse a partir da prescrição de um profissional habilitado determinado, como um pressuposto para o plantio, estabelecendo o cultivo de até 60 plantas por paciente (Ney Bello, desembargador federal, AP58308, Comissão especial, 2019. Classe 1)

também estabelecemos que a prescrição médica teria que ser fundamentada e assinada por profissional em pleno exercício da medicina, com a indicação do quantitativo necessário de cada produto para cada paciente por que essa regra de individualização de cada paciente foi incluída no anteprojeto (Ney Bello, desembargador federal, AP58308, Comissão especial, 2019. Classe 4).

claro, seguramente, na verdade, discutimos os três modelos, o modelo da importação, o modelo da produção por laboratório e o modelo da produção cooperativada, e pareceu-nos que eles eram absolutamente compatíveis uns com os outros (Ney Bello, desembargador federal, AP58308, Comissão especial, 2019. Classe 4).

Há também falas sobre a preocupação em esclarecer que não há qualquer medida que libere ou incentive o uso adulto e que essas ações estão submetidas às leis em vigor, o que novamente aponta para um debate que é balizado pelo proibicionismo e cujos desdobramentos devem ser implementados sem que esse paradigma seja posto em xeque. Isso aponta para certa plasticidade do paradigma proibicionista, capaz de se adaptar e, de certa forma, “fagocitar” tentativas de avançar alternativas em termos da regulação das drogas no país.

Em síntese, considerando os dados apresentados para todas as categorias, podemos verificar alguns temas recorrentes nas falas de participantes das audiências públicas analisadas. Retomando os resultados para o corpus “geral”, temos duas categorias centrais 23 23 Na análise que se segue não são consideradas as categorias que remetem ao gênero textual analisado, nem ao debate/discussão que ocorre nas audiências públicas. : uso medicinal e abuso/dependência. Tais categorias remetem às controvérsias associadas à regulação do uso da maconha/cannabis no Brasil, já que a primeira destaca o uso da planta e seus derivados como medicamento e a outra enfatiza os problemas relacionados ao tráfico e à dependência. Vê-se, pois, uma polarização que gira em torno do par remédio x droga, que parece ser uma espécie de epítome do debate público sobre o tema, podendo-se afirmar que essa percepção também organiza as falas dos diversos grupos representados nas audiências públicas. Essa oposição se apresenta também nas controvérsias associadas aos efeitos dos diferentes canabinoides, em que o CBD figura como remédio, enquanto o THC é classificado como droga, devido aos seus efeitos psicoativos, o que remete a uma “política das moléculas” ou a uma biomoralidade (Rose, 2008 apud Caetano, 2021Caetano, H. M. S. “'Com mais técnica, com mais ciência': controvérsias em torno dos procedimentos regulatórios e científicos com cannabis no Brasil”. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Instituto de Ciências Sociais, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2021. ). O Quadro 1 sintetiza os temas identificados nas exposições orais apresentadas nas audiências públicas analisadas:

Quadro 1
Categorias presentes nas falas analisadas, segundo tipo de instituição (1997-2020)

Apesar das similaridades, há algumas variações importantes, como o tema do cultivo, que aparece nas falas de membros do poder Executivo, de representantes de empresas, organizações da sociedade civil e universidades, em uma abordagem técnica que perpassa as características botânicas da planta, bem como a viabilidade de seu cultivo em território nacional. Entretanto, é preciso ressaltar que o debate legislativo sobre cultivo da maconha/cannabis via audiências públicas não considerou de forma adequada a expertise desenvolvida por cultivadores domésticos, ainda que esses estejam na vanguarda do cultivo legal da planta no país ( Motta e Veríssimo, 2020Motta, Y. J. P.; Veríssimo, M. “Notas sobre práticas de jardinagem, relações mercadológicas e seus efeitos na produção e reprodução da 'cultura canábica'”. Teoria e Cultura, vol. 15, n° 2, 2020. ). Ainda que possa haver diferenças entre cultivo doméstico e cultivo industrial, a ausência de representantes desse grupo na audiência pública convocada pela CAPADR é notória. Perde-se a possibilidade de investigar e de disseminar uma expertise leiga ( Oliveira, 2017Oliveira, M. B. “A regulamentação do canabidiol no Brasil: como nasce a expertise leiga”. Liinc em revista, vol. 13, n° 1, 2017. ) desenvolvida em interface com universidades e associações de pacientes.

Além disso, o tema do cultivo parece ser um condensador das divergências em torno da regulação dos usos industrial e medicinal da Cannabis spp ., uma vez que atores expressivos do campo proibicionista, como o deputado Osmar Terra (MDB/RS), têm se mostrado favoráveis à autorização do uso de canabinoides sintéticos, como aquele desenvolvido pela empresa farmacêutica Prati-Donaduzzi, o que dispensaria a necessidade de descriminalização e regulação do cultivo da planta no país e, ao mesmo tempo, garantiria o acesso a um tipo de medicamento às pessoas que fazem uso terapêutico de derivados da planta. Tal alternativa, entretanto, desconsidera aspectos como o alto custo de tais medicamentos, as possibilidades econômicas associadas ao cultivo e os distintos efeitos relacionados ao uso de derivados naturais da planta, além dos efeitos deletérios do proibicionismo.

Considerações finais

O artigo apresentou uma análise das audiências públicas sobre maconha/cannabis realizadas na Câmara dos Deputados no período entre 1997 e 2020. Diante dos apontamentos extraídos da literatura sobre o tema da política de drogas brasileira, especialmente no que se refere à atuação do Poder Legislativo, observamos que há entraves ao debate sobre o tema na Câmara dos Deputados, associados à prevalência do paradigma proibicionista. Assim, em linhas gerais, as propostas legislativas têm se voltado ao reforço do proibicionismo, com ênfase em medidas voltadas ao recrudescimento das medidas criminais e ancoradas na temática da segurança pública.

Entretanto, as demandas relacionadas ao uso medicinal da cannabis e seus derivados têm impulsionado propostas voltadas à regulação do cultivo, beneficiamento, produção, venda e consumo de produtos medicinais à base da planta. Nesse sentido, destaca-se o projeto de Lei 399/2015, do deputado Fábio Mitidieri (PSD/SE), que propõe alterações na lei de drogas vigente “para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”. A discussão do projeto ensejou a realização de diversas audiências públicas e parece ter inaugurado um novo “ciclo de atenção” no debate legislativo sobre o tema.

Audiências públicas têm sido apontadas pela literatura como um importante instrumento de fomento à participação popular no processo decisório, além de permitirem o desenvolvimento de expertise por parte da Câmara, aumentando e qualificando as informações disponíveis para a tomada de decisões. Para que esse papel possa ser cumprido, é importante que haja diversidade e qualidade nas informações compartilhadas nas audiências públicas. Dessa forma, é relevante verificar quem são as pessoas convidadas a falarem nas audiências públicas como especialistas, bem como avaliar que tipo de informações são apresentadas.

Diante disso, realizamos um censo das audiências públicas sobre o tema maconha/cannabis na Câmara dos Deputados brasileira e verificamos terem sido realizados 17 eventos entre os anos de 1997 e 2020. As audiências se concentraram no ano de 2019, em virtude do já mencionado projeto de Lei 399/2015. Verificamos que cinco comissões foram responsáveis pela convocação dos eventos: CDH (uma audiência pública), CSPCCO (uma), CFFS (três), CAPADR (uma) e comissão especial criada para elaborar parecer sobre o projeto de Lei 399/2015 (onze).

Com relação ao perfil das pessoas especialistas convidadas, observamos que há predominância de pessoas vinculadas a organizações da sociedade civil, como redes e associações de pacientes e familiares de pacientes que fazem tratamento à base de produtos derivados da maconha/cannabis, seguidas de representantes de empresas e universidades. Homens formam a maioria de especialistas, o que indica um viés de gênero na composição das audiências públicas.

Entre representantes da sociedade civil, notadamente Ongs, associações de cannabis e representantes de operadores do Direito, da universidade e das empresas, encontramos as principais falas a favor do estabelecimento de um marco regulatório sobre o cultivo para fins medicinais e comerciais, embora nesses grupos a posição de uma liberação para uso adulto não seja consensual. Representantes das universidades compõem a categoria que mais reforçou a necessidade de uma nova política de drogas voltada para a regularização do cultivo e a descriminalização do uso adulto. Entre representantes do Executivo, notadamente representantes ministeriais, principalmente nas falas de representantes de instituições de cuidados aos dependentes químicos e o CFM, na sociedade civil, há a maior resistência a qualquer tipo de alteração da lei atual. Podemos ainda identificar um terceiro grupo que busca se posicionar segundo evidências científicas atuais, sem, todavia, expressar qualquer posicionamento a favor ou contra mudanças. Nesse grupo estão representantes da Anvisa, Embrapa e parte de representantes do Judiciário e do Ministério Público.

No que diz respeito às informações apresentadas nos eventos, destacam-se aquelas que orbitam em torno dos eixos “uso medicinal” e “abuso/dependência”, o que reforça achados de pesquisas anteriores que indicam que o debate sobre a política de drogas no Brasil tende a se polarizar em torno dos eixos saúde e segurança pública, ou remédio e droga. Entretanto, outros temas emergiram, tais como a discussão sobre regulação do cultivo, cadeia produtiva e desenvolvimento de produtos à base de maconha/cannabis, que vão ao encontro dos debates que emergem a partir da autorização, pela Anvisa, da comercialização e do uso de medicamentos derivados da planta e das estratégias e pressão de organizações da sociedade civil relacionadas ao uso medicinal.

Não obstante o largo leque de representantes de instituições das mais variadas identidades, origens e interesses, a relação binária proibicionismo x antiproibicionismo ainda é presente no debate sobre a maconha/cannabis. Um elemento que se destaca no histórico das audiências se refere à mudança de tratamento da planta em relação aos fins de seus usos, uma vez que, à medida que a questão do uso para fins medicinais e terapêuticos ganha relevo, o termo cannabis passa a ser mais utilizado. Outra questão que se evidencia é a ênfase de determinados atores favoráveis ao uso da maconha/cannabis para fins medicinais de que esse posicionamento não se estende ao uso adulto, o que aponta para a plasticidade do proibicionismo e sua capacidade de balizar e mesmo limitar os debates sobre políticas de drogas no país.

Nesse sentido, ainda que seja possível perceber alguns avanços no debate sobre política de drogas no país, especialmente no que se refere à regulação dos usos industrial e medicinal da maconha/cannabis a partir da tramitação do PL 399/2015, esse ainda tem como referência inevitável o proibicionismo. Assim, é preciso atentar para o que parece ser uma condição necessária para se avançar em termos de políticas de drogas mais liberalizantes, que é a de oferecer como contrapartida o reforço do caráter repressivo e punitivo da política proibicionista no que se refere a usos que ultrapassem o caráter terapêutico, assim como o ocorrido com a Lei 11.343/2006, em que a despenalização do porte para consumo próprio foi acompanhada de recrudescimento da punição do tráfico, sem contudo, haver qualquer critério mais objetivo que permitisse distinguir de forma menos nebulosa as duas categorias.

Finalmente, destacamos a necessidade de ampliar a pesquisa realizada, incorporando à análise testes que permitam verificar a associação entre características do perfil de especialistas e os argumentos apresentados nas audiências públicas, bem como incluir a análise das participações de parlamentares, que frequentemente expõem suas posições sobre o tema nos debates que ocorrem durante os eventos. Isso poderia ampliar o escopo dos resultados apresentados anteriormente, a partir da construção de um quadro mais compreensivo sobre as discussões legislativas sobre política de drogas e, mais especificamente, sobre a regulação do uso da maconha/cannabis no Brasil. Tais investigações permitiriam uma aproximação mais acurada das tendências legislativas sobre o tema e, por conseguinte, dos rumos da política de drogas no país.

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  • 4
    Atualmente encontra-se em tramitação no STF o Recurso Extraordinário 635659, “Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada”. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4034145&numeroProcesso=635659&classeProcesso=RE&numeroTema=506 > . Acesso em: 14 dez. 2021.
  • 5
    Fiore (2012, pFiore, M. “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, n° 92, p. 9-21, 2012. , p. 10) argumenta que o proibicionismo, paradigma que orienta políticas de drogas internacionalmente, fundado na Convenção Única sobre Entorpecentes da ONU, promulgada em 1961, “é composto de duas premissas fundamentais: 1) o uso dessas drogas é prescindível e intrinsecamente danoso, portanto, não pode ser permitido; 2) a melhor forma de o Estado fazer isso é perseguir e punir seus produtores, vendedores e consumidores”.
  • 6
    Atualmente a tramitação do PL 399/2015 encontra-se suspensa, em virtude de recurso apresentado pelo deputado Pastor Eurico (PHS/PE) contra a decisão do presidente da Comissão Especial, deputado Paulo Teixeira (PT/SP), pelo não cumprimento, por parte da Comissão Especial, do prazo regimental máximo de 40 sessões para deliberar sobre a matéria.
  • 7
    Uma exceção importante é o trabalho de Troiano (2016)Troiano, M. “Os empresários no Congresso: a legitimação de interesses via audiências públicas”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. . Disponível em: < https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8599/TeseMT.pdf?sequence=1&isAllowed=y> . Acesso em: 9 nov. 2020.
  • 8
    Select committees da Câmara Baixa do Reino Unido são comissões temáticas de fiscalização das ações do Executivo. No Brasil, pode-se considerar que as comissões permanentes da Câmara dos Deputados concentram as funções das select committees e das general (anteriormente standing ) committees . Mais informações sobre comissões legislativas no Reino Unido disponível em: < https://www.parliament.uk/about/how/committees/> . Acesso em: 9 nov. 2020.
  • 9
    A opção pelo uso das duas palavras-chave se justifica por uma aparente polarização do debate a partir do emprego de um dos termos, em que a palavra “maconha” remeteria ao uso adulto e à repressão e segurança pública, enquanto o termo “cannabis” poderia remeter a uma posição mais “científica”, mas também mais despolitizada, em uma tentativa de desassociar o debate sobre o uso terapêutico ou industrial da planta do questionamento do paradigma proibicionista. Essa posição remete aos achados de Fiore (2016)Fiore, M. Relatório executivo da pesquisa sobre percepção dos parlamentares brasileiros sobre a política de drogas. São Paulo: PBPD-Plataforma Brasileira de Política de Drogas, 2016. Disponível em: < https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2016/12/Pesquisa-Congresso-Nacional-2.pdf> . Acesso em: 31 ago. 2022.
    https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2...
    , que apontam para maior permeabilidade da discussão sobre regulação do uso terapêutico da maconha/cannabis entre parlamentares brasileiros. O uso dos dois termos remete ainda ao par droga/remédio, identificado por Policarpo e Martins (2019)Policarpo, F.; Martins, L. “'Dignidade', 'doença' e 'remédio': uma análise da construção médico-jurídica da maconha medicinal”. Antropolítica – Revista Contemporânea de Antropologia, n° 47, 2019. nos discursos de operadores do direito que lidam com pedidos de habeas corpus para cultivo doméstico com fins medicinais. Ademais, onze das audiências públicas identificadas foram encontradas a partir das duas palavras-chave, o que parece apontar para o fato de que as palavras têm sido usadas como sinônimos na indexação realizada na Câmara dos Deputados, pelo menos em contexto mais recente.
  • 10
    “Resumo do discurso ou da reunião de comissão, com os principais assuntos tratados”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas/pesquisa/como-pesquisar> . Acesso em: 10 dez. 2021.
  • 11
    “Íntegra do discurso de plenário ou da reunião de comissão disponível a partir de 10 de outubro de 2000”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas/pesquisa/como-pesquisar> . Acesso em: 10 dez. 2021.
  • 12
    A base de dados está disponível no site do Cesop na página deste artigo, na seção Revista Opinião Pública: < https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica> .
  • 13
    Recurso Extraordinário 635.659. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4034145> . Acesso em: 18 jul. 2022.
  • 14
    Infelizmente não foram coletados os dados relativos à raça/cor de especialistas participantes das atividades, o que nos daria pistas sobre a pluralidade das evidências apresentadas ao debate e do grau de inclusividade de tais eventos, considerando que os efeitos da política de drogas brasileira recai de forma desigual sobre distintos grupos populacionais, se penaliza de forma desproporcional a população negra ( Ferrugem, 2019)Ferrugem, D. Guerra às drogas e a manutenção da hierarquia racial. Belo Horizonte: Letramento, 2019. .
  • 15
    Para essa análise, foi utilizado o algoritmo svdR e não o irlba. Os resultados com os dois métodos foram similares. Maiores informações disponíveis em: < https://www.rdocumentation.org/packages/irlba/versions/2.3.3/topics/svdr> . Acesso em: 18 jan. 2021.
  • 16
    Segundo o sítio eletrônico da associação, “[a] Rede Reforma foi fundada e registrada em 2016, na cidade do Rio de Janeiro, como uma associação civil sem fins lucrativos, com natureza de direito privado, congregando advogadas(os) sensíveis às injustiças provocadas pela atual política de drogas no Brasil”. Disponível em: < https://redereforma.org/sobre/> . Acesso em: 9 mar. 2022.
  • 17
    Disponível em: < https://www.abp.org.br/post/abp-e-cfm-decalogo-maconha> . Acesso em: 9 mar. 2022.
  • 18
  • 19
  • 20
  • 21
    Trecho de exposição do então Ministro Osmar Terra, na audiência 58201 realizada em 2019, no âmbito da Comissão Especial criada para emitir parecer ao PL 399/2015: “O laboratório Prati-Donaduzzi, cujos representantes eu acho que os senhores já convidaram para vir aqui, como o deputado Ducci estava me falando, já está desenvolvendo canabidiol sintético, não precisa da planta, não precisa de nada. A morfina, que é derivada do ópio, é um potente analgésico e já existe na forma sintética. Ninguém precisa plantar ópio ou aumentar a sua oferta para haver morfina no mercado”.
  • 22
    Estiveram presentes nas audiências públicas representantes das seguintes instituições: Usp, UnB, UFJF, UFV, Unifesp, UFRGS, Mackenzie, UFRN e UFRJ.
  • 23
    Na análise que se segue não são consideradas as categorias que remetem ao gênero textual analisado, nem ao debate/discussão que ocorre nas audiências públicas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Aceito
    9 Jun 2022
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