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A participação em organizações internacionais: uma análise da experiência de empresários e trabalhadores no Mercosul (1995-2019)

Participation in international organizations: An analysis of the experience of business and workers in Mercosur (1995-2019)

Participación en organismos internacionales: Un análisis de la experiencia de empresarios y trabajadores en el Mercosur (1995-2019)

Participation aux organisations internationales : Une analyse de l'expérience des entrepreneurs et des travailleurs au Mercosur (1995-2019)

O artigo analisa a participação de atores sociais no Subgrupo de Trabalho nº 10 sobre Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social do Mercosul (SGT 10), no período de 1995 a 2019, em duas etapas: na primeira delas, procurou-se analisar o conjunto de atores sociais dos quatro Estados-Partes fundadores do Mercosul; na segunda, a abordagem concentrou-se em quatro atores sociais dos dois principais Estados-Partes do Mercosul (Argentina e Brasil). Esses atores representam trabalhadores e empresários. A pesquisa utilizou análise documental e de conteúdo e estatística descritiva. No artigo, foi possível constatar que: (i) houve redução da participação dos atores sociais no SGT 10 no período analisado; e (ii) a agenda do SGT 10 mostrou-se permeável aos interesses dos quatro atores sociais selecionados quando se analisam as decisões aprovadas dentro desse subgrupo.

participação; Mercosul; SGT10; empresariado; trabalhadores


Abstract

This article analyzes the participation of social actors in Mercosur's Working Subgroup No. 10 on labor, employment, and social security issues (SGT 10), from 1995 to 2019. In the first stage of analysis the study examined the social actors in the four founding states in Mercosur. In the second, the approach focused on four social actors that represent workers and business from the two main participating states, Argentina and Brazil. The research used document and content analysis and descriptive statistics. It found that: (i) there was a reduction in the participation of social actors in SGT 10 in the period analyzed; and (ii) the SGT 10 agenda was permeable to the interests of the four selected social actors, according to the analysis of the proposals approved in this subgroup.

participation; Mercosur; SGT10; business; workers

Resumen

Este artículo analiza la participación de los actores sociales en el seno del Subgrupo de Trabajo Nº 10 del Mercosur sobre temas de trabajo, empleo y seguridad social (SGT 10) en el período comprendido entre 1995 y 2019 y en dos etapas: en la primera, se buscó analizar el conjunto de actores sociales en los cuatro Estados Partes fundadores del Mercosur; en la segunda, el enfoque se centró en los cuatro actores sociales ubicados en los dos principales Estados Partes del Mercosur (Argentina y Brasil). Estos actores representan a trabajadores y emprendedores. La investigación utilizó el análisis documental y de contenido y la estadística descriptiva. En el artículo se pudo comprobar que: (i) hubo una reducción en la participación de los actores sociales en el SGT 10, cuando se evalúa esta participación a lo largo del período analizado; (ii) SGT 10 se mostró permeable a los intereses de los cuatro actores sociales seleccionados al analizar las propuestas aprobadas dentro de este subgrupo.

participación; Mercosur; SGT10; emprendedores; trabajadores

Résumé

Cet article analyse la participation des acteurs sociaux au sein du sous-groupe de travail 10 du Mercosur sur les questions de travail, d'emploi et de sécurité sociale (SGT 10), au cours de la période allant de 1995 à 2019 en deux étapes: dans la première, il a cherché à analyser l'ensemble des acteurs sociaux dans les quatre États membres fondateurs du Mercosur; dans la seconde, l'approche s'est concentrée sur les quatre acteurs sociaux situés dans les deux principaux États membres du Mercosur (Argentine et Brésil). Ces acteurs représentent des travailleurs et des entrepreneurs. La recherche a utilisé l'analyse de documents et de contenu ainsi que des statistiques descriptives. Dans cet article, il a été possible de vérifier que : (i) il y a eu une réduction de la participation des acteurs sociaux au SGT 10, lorsque cette participation est évaluée sur la période analysée ; (ii) l'agenda du SGT 10 s'est avéré perméable par rapport aux intérêts des quatre acteurs sociaux sélectionnés lors de l'analyse les propositions approuvées au sein de ce sous-groupe.

participation; Mercosur; SGT10; entrepreneurs; travailleurs

Introdução 4 4 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no 12° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado de forma virtual, de 19 a 23 de outubro de 2020. Essa pesquisa contou com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por meio de concessão de bolsa de demanda social, e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), por intermédio da concessão de bolsa de Produtividade em Pesquisa. Os autores agradecem as recomendações apresentadas pelos pareceristas anônimos da Opinião Pública . Quaisquer problemas que eventualmente persistiram são de inteira responsabilidade dos autores.

Nas últimas décadas, Estados concederam mais autoridade política às organizações internacionais (OIs) com o propósito de lidar com problemas cujo enfrentamento requer conhecimentos técnicos especializados e cooperação internacional entre governos e atores não estatais, como empresas e organizações não governamentais (ONGs) ( Tallberg; Zürn, 2019Tallberg, J.; Zürn, M. “The legitimacy and legitimation of international organizations: introduction and framework”. The Review of International Organizations, vol. 14, p. 581-606, 2019. ). Na medida que aumenta a autoridade política das OIs, elas precisam ser cada vez mais percebidas como legítimas pelos cidadãos dos diversos Estados do sistema internacional. Caso contrário, podem ter dificuldades para tornar efetivas suas políticas e decisões (Tallberg; Bäckstrand; Scholte, 2018; Tallberg; Zürn, 2019Tallberg, J.; Zürn, M. “The legitimacy and legitimation of international organizations: introduction and framework”. The Review of International Organizations, vol. 14, p. 581-606, 2019. ). Ao utilizar o termo "déficit democrático da globalização", Joseph Nye (2001)Nye, J. S. "Globalization's democratic deficit: how to make international institutions more accountable". Foreign Affairs, vol. 80, n° 4, p. 2-6, 2001. argumentou que, em um cenário no qual a democracia tende a ser mais valorizada em termos globais, a redução desse déficit se tornou necessária para aumentar a legitimidade das organizações internacionais.

É nesse contexto que a participação de atores sociais interessados pode ser essencial para se enfrentar o problema da legitimidade democrática das OIs. Uma democracia, como explica Robert Dahl (2005)Dahl, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. , deve conceder aos cidadãos oportunidades plenas para formular suas preferências, expressá-las aos seus concidadãos e ao governo, seja através de ação individual ou coletiva. A participação, entendida como ação social que tenta influenciar as decisões políticas ( Verba; Nie, 1972Verba, S.; Nie, N. H. Participation in America - political democracy and social equality. Chicago: The Chicago University Press, 1972. ) ou a distribuição de bens públicos ( Booth; Seligson, 1978Booth, J.; Seligson, M. A. Political participation in Latin America. Vol. 1: Citzen and State. New York: Holmes & Meyer Publishers, 1978. ), é um dos principais mecanismos pelos quais as preferências dos cidadãos são reconhecidas e consideradas no processo decisório ( Verba; Nie, 1972Verba, S.; Nie, N. H. Participation in America - political democracy and social equality. Chicago: The Chicago University Press, 1972. ).

Essas premissas da participação nas democracias se aplicam, também, às OIs e ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), que é uma organização internacional com pouco mais de 30 anos de existência e orientada por objetivos de integração que impactam a vida dos cidadãos de seus Estados-membros e associados. Essa organização precisa buscar legitimidade democrática perante as populações desses Estados. É nesse sentido que se pode compreender a estratégia adotada por ela de abertura de espaços de participação para atores sociais, especialmente nas décadas de 1990 e 2000.

A partir de 1994, com o Protocolo de Ouro Preto (POP), o Mercosul iniciou um processo de inclusão de atores sociais em sua estrutura institucional. Nesse momento, foi criado o Foro Consultivo Econômico e Social (FCES), limitando a participação a sindicatos e associações empresariais. Além disso, o POP criou, também, espaços de participação fora das instituições que representam os poderes executivos nacionais, como a Comissão Parlamentar Conjunta. Essas duas instâncias de participação fazem parte do que Martins e Silva (2011Martins, J. R. V.; Silva, C. A. “Políticas sociais e participação social: a constituição de uma esfera pública regional no Mercosul”. Boletim de Economia e Política Internacional, vol. 5, p. 65-71, 2011. , p. 6) definem como a "primeira geração de mecanismos de participação do Mercosul". A segunda iniciou em 2006, com a criação de diversos outros mecanismos, como as Cúpulas Sociais do Mercosul e os espaços nacionais de participação - como o Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Participativo e o Conselho Consultivo da Sociedade Civil ( Martins; Silva, 2011Martins, J. R. V.; Silva, C. A. “Políticas sociais e participação social: a constituição de uma esfera pública regional no Mercosul”. Boletim de Economia e Política Internacional, vol. 5, p. 65-71, 2011. ).

De 1994 até hoje, outras instâncias do bloco foram abertas à presença de atores sociais. Essa presença pode ser realizada nas reuniões subordinadas ao Conselho Mercado Comum (CMC), ao Grupo Mercado Comum (GMC) e à Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), que são os órgãos decisórios do Mercosul. A participação encontra-se resumida, porém, a um caráter consultivo nesses órgãos. Como apontam alguns autores, a característica intergovernamental do bloco torna decisiva a atuação dos governos nacionais na tomada de decisões regionais ( Izerrougene, 2009Izerrougene, B. “O desafio da integração social no Mercosul”. Cadernos PROLAM/USP, vol. 1, n° 1, p. 100-112, 2009. ; Malamud; Sousa, 2010Malamud, A.; Sousa, L. “Parlamentos supranacionais na Europa e na América Latina: entre o fortalecimento e a irrelevância”. Contexto Internacional, vol. 27, n° 2, p. 369-409, 2010. ; Martins; Albuquerque; Gomensoro, 2011; Simões, 2011Simões, A. J. F. Integração: sonho e realidade na América do Sul. Brasília: FUNAG, 2011. ; Laisner; Camargo, 2013Laisner, R. C.; Camargo, A. G. "O papel das cúpulas sociais do Mercosul na (re)definição da democracia em tempos de globalização". In: Anais do Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais - ABRI, Belo Horizonte, 2013. ; Mesquita, 2013Mesquita, L. R. “Para além do Estado: a agência no Mercosul social e participativo”. Conjuntura Internacional, vol. 10, n° 1, p. 40-50, 2013. ; Motta et al., 2013Motta, M., et al. “A evolução da integração regional na América do Sul e a crise do Mercosul”. Conjuntura Global, vol. 2, n° 3, p. 181-189, 2013. ). Em outras palavras, a participação de atores sociais encontra-se condicionada aos interesses dos governos e seus representantes que são os únicos capazes de tomar decisões vinculantes dentro dos órgãos decisórios do Mercosul.

Apesar desses problemas, é relevante analisar em que medida os atores sociais estão presentes e se sua voz é considerada em instâncias do bloco. Este constitui o problema da pesquisa cujo desenvolvimento é apresentado na sequência deste artigo. A participação desses atores é avaliada aqui segundo duas dimensões analíticas baseadas em Graham Smith (2009)Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.: a primeira corresponde à presença dos atores em espaços decisórios; e a segunda envolve uma análise qualitativa a respeito da possibilidade desses atores terem seus interesses, ou sua voz , devidamente considerados na tomada de decisões políticas. Nesses termos e para desenvolver o problema da pesquisa, adotou-se como objeto de estudo o Subgrupo de Trabalho nº 10 sobre Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social (SGT 10) - órgão subordinado ao GMC. Uma das funções do SGT 10 é debater aspectos relativos à implementação de políticas de emprego, legislação laboral, circulação de trabalhadores dentro do Mercosul, inspeções laborais, combate ao trabalho infantil e aplicação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Suas reuniões são divididas em duas etapas: a primeira é preparatória e aberta à participação no modelo tripartite - representantes dos Estados, dos empregadores e dos trabalhadores; a segunda tem caráter decisório e não conta com a participação dos representantes de trabalhadores e empresários. Vale destacar que a escolha desse subgrupo se justifica pela participação constante dos atores sociais, ainda que seja observado um sensível declínio dessa participação desde 2015.

A análise realizada aqui está dividida em duas partes principais. Na primeira, é examinada a participação dos atores sociais no SGT10 no período de 1995 a 2019. O SGT 10 tem importância pelo seu papel de assessoramento no processo decisório do Mercosul nos temas sob seu escopo mencionados no parágrafo anterior, tais como políticas de emprego, legislação laboral, circulação de trabalhadores, entre outros. Além disso, é uma instância de participação dos atores sociais que desejam influenciar a agenda e o processo decisório do bloco. Na segunda etapa, foram selecionados quatro atores sociais de dois dos principais Estados-Partes do Mercosul: Brasil e Argentina. Trata-se de uma escolha necessária devido às dificuldades de se analisar as propostas de todos os atores sociais que participaram das reuniões do SGT10 no período examinado e tendo em vista que a pesquisa, nessa segunda etapa, é qualitativa e envolve o estudo sistemático das intervenções nessas reuniões dos atores selecionados. Nesse sentido, definiram-se, como recorte, as intervenções realizadas: (i) pelas entidades brasileiras, Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Central Única de Trabalhadores (CUT); e (ii) pelas argentinas Unión Industrial Argentina (UIA) e Confederación General del Trabajo de la República de Argentina (CGTRA). O período analisado é o mesmo, isto é, desde 1995, quando esses atores passaram a participar do SGT 10, até 2019, data final da coleta dos dados. Nesse período é possível fazer uma análise comparativa da participação dos atores ao longo do tempo.

Para realizar a primeira parte da pesquisa, optou-se pela análise documental das listas de presença das reuniões do SGT 10 no período entre 1995 e 2019, totalizando 41 reuniões. Esses documentos, disponíveis no site institucional do Mercosul, identificam quem foram os participantes presentes em cada reunião. A partir das listas, verificou-se uma tendência de redução da presença de atores não governamentais nos últimos anos. A constatação dessa redução suscitou questionamentos sobre as motivações desses atores a respeito do seu afastamento progressivo das reuniões do SGT10. O estudo dessas motivações ultrapassa, no entanto, o escopo deste artigo, pois a ênfase aqui recai sobre a análise da participação dos atores não governamentais nessas reuniões, ou seja, em que medida esse SGT mostrou-se permeável à voz dos atores sociais. Sendo assim, a segunda parte examinou como os quatro atores sociais selecionados apresentaram e discutiram propostas endereçadas à agenda do SGT10. Nessa etapa, foram examinados 929 atas e anexos das reuniões do subgrupo, por meio de análise de conteúdo com auxílio do software Atlas.ti. De forma a auxiliar a análise, foi realizada, também, regressão logística para avaliar se a voz - isto é, as intervenções dos atores - foi relevante para as decisões finais do SGT10.

Com base no exposto anteriormente, o objetivo deste artigo é avaliar a participação dos atores sociais na formulação das propostas presentes na agenda do SGT 10 no período de 1995 a 2019. Para isso, os objetivos específicos do artigo são: (i) examinar a lista de presenças do SGT10 para identificar a presença dos atores sociais nas reuniões realizadas por esse SGT; (ii) avaliar as atas das reuniões realizadas pelo Subgrupo de Trabalho; e (iii) verificar como os atores sociais selecionados neste artigo realizaram intervenções em relação aos temas discutidos no referido SGT.

Para desenvolver esses objetivos, o artigo está dividido em seis seções principais, além desta introdução. A seção intitulada "Participação, democracia e organizações internacionais" apresenta os aspectos teóricos que servem de subsídio para a pesquisa empírica. A segunda seção, intitulada "Mercosul e participação social: um breve histórico", discorre sobre os espaços institucionais abertos à participação de atores sociais no Mercosul. Na sequência, a terceira seção expõe os elementos metodológicos do estudo realizado. As seções seguintes (intituladas "Análise das listas de presenças do SGT10: a redução gradual da participação dos atores sociais" e "Análise da participação dos quatro atores sociais selecionados") examinam documentos do SGT10 do Mercosul com o propósito de analisar a presença e a voz dos atores sociais na agenda desse subgrupo de trabalho. A seção "Análise da participação dos quatro atores sociais selecionados" analisa a participação dos quatro atores sociais mencionados nesta introdução. Por fim, a seção final, intitulada "Discussão dos resultados e considerações finais", tem como propósito discutir as conclusões derivadas da pesquisa empírica do artigo.

Participação, democracia e organizações internacionais

A avaliação da qualidade das democracias envolve tratar os mecanismos internos que possibilitam a livre expressão das preferências, das necessidades e dos interesses dos cidadãos tomados individualmente ou por meio de organizações coletivas. Segundo Schlozman, Brady e Verba (2018), esses mecanismos possibilitam a expressão das demandas e opiniões dos cidadãos aos formuladores de políticas. A expressão de preferências pode ocorrer individualmente ou por meio de organizações politicamente ativas. Além disso, a participação dos cidadãos organizados coletivamente pode contribuir para o desenvolvimento e o aprimoramento de mecanismos de controle das democracias contemporâneas, com o objetivo de tornar os formuladores de política mais accountable perante as populações afetadas por suas decisões políticas. Para Dahl (2005)Dahl, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. , é importante que as democracias estabeleçam meios pelos quais as preferências dos cidadãos sejam consideradas igualmente na conduta do governo, sem quaisquer discriminações decorrentes do seu conteúdo ou da fonte dessas preferências.

Nessa direção, Verba e Nie (1972Verba, S.; Nie, N. H. Participation in America - political democracy and social equality. Chicago: The Chicago University Press, 1972. , p. 2) estavam interessados na avaliação da participação além do processo eleitoral e procuraram identificar e analisar os meios utilizados pelos indivíduos para expressar suas preferências. Por isso, sugeriram uma definição de participação mais estreita, pois estavam focados nos atos cujo objetivo é influenciar o governo ou afetar as escolhas das pessoas encarregadas das decisões políticas. De forma mais específica, pretenderam estudar as atividades de participação para analisar o comportamento real dos cidadãos nas suas tentativas de influenciar o governo ( Verba; Nie, 1972Verba, S.; Nie, N. H. Participation in America - political democracy and social equality. Chicago: The Chicago University Press, 1972. , p. 3). Os autores destacaram, também, a necessidade de analisar as preferências que são contempladas pelos responsáveis pela decisão política e os mecanismos a partir dos quais os policy-makers se conscientizam dessas preferências e se comportam de acordo com elas quando estão envolvidos na tomada de decisão. Para Verba e Nie, o sistema de participação política é um dos principais mecanismos pelos quais as preferências dos cidadãos são reconhecidas e consideradas no processo decisório.

Para Julian Borba (2012)Borba, J. “Participação política: uma revisão dos modelos de classificação”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 27, n° 2, p. 263-288, 2012. , a definição de Verba e Nie tratou a tentativa de influência como único repertório político entendendo o governo como destinatário do ato político. A literatura de movimentos sociais, por sua vez, ampliou de forma significativa os repertórios políticos ultrapassando essa definição mais estreita sugerida por Verba e Nie (1972). Para Borba, faz mais sentido tratar a participação de acordo com Booth e Seligson (1978)Booth, J.; Seligson, M. A. Political participation in Latin America. Vol. 1: Citzen and State. New York: Holmes & Meyer Publishers, 1978. , segundo os quais ela envolveria um comportamento cujo objetivo seria influenciar ou tentar influenciar a distribuição de bens públicos. Borba destaca, ainda, o estudo realizado por Verba, Schlozman e Brady (1995), que desenvolveram o modelo do voluntarismo cívico segundo o qual o processo de engajamento político estaria baseado na relação entre custos e recursos, sendo que esses últimos envolveriam principalmente tempo, dinheiro e habilidades ( Borba, 2012Borba, J. “Participação política: uma revisão dos modelos de classificação”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 27, n° 2, p. 263-288, 2012. , p. 272). Verba, Schlozman e Brady (1995) destacaram o contato com agentes públicos como uma modalidade de participação relevante. Essa modalidade é observada na experiência dos atores sociais no SGT10 do Mercosul, que está apresentada mais adiante neste artigo.

Em outro estudo já citado, Schlozman, Brady e Verba (2018) manifestaram preocupação com as "desigualdades da voz política", isto é, com o fato de que os cidadãos não são igualmente capazes ou propensos a fazer esforços para tornar conhecidas suas preferências e opiniões por parte dos funcionários públicos. Para os autores, os interesses organizados revelam maior aptidão para comunicar informações detalhadas nos contatos que estabelecem com os funcionários públicos. As desigualdades observadas por eles afetam a exigência mínima da democracia, postulada por Robert Dahl (2005)Dahl, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. , segundo a qual as preferências de todos os cidadãos deveriam ser consideradas na formulação de políticas. Para os autores, é necessário tratar da participação política do público e dos interesses organizados como faces da mesma moeda. Eles entendem as organizações politicamente ativas, responsáveis pela condução dos interesses organizados, como sendo variadas, contemplando tipos como: as associações de membros de indivíduos, entre as quais os sindicatos; as associações profissionais e os grupos de cidadãos; associações comerciais que agrupam diferentes empresas de um setor; organizações, tais como corporações, hospitais e universidades que reúnem conjuntos importantes de partes interessadas (Schlozman; Brady; Verba, 2018, p. 7-8).

Graham Smith (2009)Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. e Claudia Feres Faria e Uriella Coelho Ribeiro (2011) chamaram a atenção para um elemento importante sobre a participação: as variáveis institucionais e como elas podem impactar "as dinâmicas participativas, deliberativas e representativas dessas instituições" ( Faria; Ribeiro, 2011Faria, C. F.; Ribeiro, U. C. Desenho institucional: variáveis relevantes e seus efeitos sobre o processo participativo. In: Pires, R. R. C. (org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação, vol. 7. Brasília: IPEA, p. 126-135, 2011. , p. 127). Smith, por sua vez, interessado na avaliação do potencial democrático de diferentes desenhos institucionais, analisou as "inovações democráticas", que correspondem às "instituições que foram projetadas especificamente para aumentar e aprofundar a participação cidadã no processo de decisão política" (Smith, 2009, p. 1, tradução livre). Essas inovações, situadas além das formas institucionalizadas de participação cidadã, como as eleições e os mecanismos de consulta, devem, segundo o autor, ser avaliadas de acordo com sua capacidade de realizar determinados bens das instituições democráticas, entre os quais: inclusão, controle popular, julgamento ponderado e transparência ( Smith, 2009Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. , p. 1).

O controle popular envolve a capacidade dos participantes de influenciar diferentes aspectos do processo decisório. O julgamento ponderado contempla investigar o entendimento dos cidadãos sobre os detalhes técnicos de um determinado tema e as perspectivas dos outros cidadãos a respeito desse tema. A transparência envolve a abertura de procedimentos para os participantes e o público em geral. E a inclusão, por fim, aborda a forma pela qual a igualdade política é realizada por meio de dois elementos principais: a presença e a voz ( Smith, 2009Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. , p. 12). Assim como outros autores (Arend Lijphart, 1997Lijphart, A. "Unequal participation: democracy's unresolved dilemma". American Political Science Review, vol. 91, p. 1-14, 1997. ; e Schlozman; Brady; Verba, 2018), Smith (2009Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. , p. 14) considera problemática a participação desigual, na qual parcelas significativas da população não votam e seus interesses e opiniões não são considerados no processo decisório. Nesse sentido, torna-se relevante verificar como as instituições democráticas, utilizando regras e procedimentos específicos, podem criar meios capazes de potencializar a participação cidadã.

Essas abordagens são apropriadas para o desenvolvimento subsequente deste artigo. Em primeiro lugar, porque o objetivo é tratar a participação de forma mais restrita nos termos de Verba e Nie, isto é, analisando o papel de atores sociais organizados que pretendem influenciar uma organização internacional cujo processo decisório é intergovernamental, conforme apontado na introdução deste artigo. Trata-se, portanto, da influência de atores organizados dentro de um subgrupo de trabalho que assessora decisões com potencial de incorporação nas políticas públicas nacionais dos Estados-membros do Mercosul. A análise aqui se concentra na voz política de organizações ativas nos termos de Schlozman, Brady e Verba (2018) e Graham Smith (2009)Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. , entendendo-as como representantes de interesses organizados das sociedades nacionais, como os empresários e os trabalhadores. Em segundo lugar, a pesquisa empírica concentrou sua abordagem na inclusão , segundo os termos de Smith, por meio da qual é analisada a participação desses atores em dois elementos principais: a capacidade de a organização internacional incorporar os atores organizados em uma instância decisória de proposição e de construção de políticas específicas ( presença ); e o exercício da voz política por meio das intervenções desses atores nas reuniões do SGT10 do GMC/Mercosul5 5 Não se procurou avaliar aqui os resultados da participação por meio da sua materialização em políticas ou decisões específicas do GMC ou dos Estados nacionais, pois essa avaliação corresponderia a uma etapa seguinte da pesquisa, de natureza qualitativa. Essa etapa constitui uma pesquisa exaustiva sobre as resoluções aprovadas no GMC e uma análise subsequente da incorporação dessas resoluções nas políticas públicas nacionais. O objetivo aqui, no entanto, é mais modesto e envolve verificar como a participação ocorre em termos empíricos e não avaliar seus resultados. Essa avaliação, mesmo importante, ultrapassaria o escopo deste artigo. . Smith considera relevante observar se os atores podem apresentar suas demandas e torná-las efetivas no processo de deliberação. Para isso, o desenho institucional necessita ser organizado de modo a permitir a participação dos atores. Nesse sentido, analisar a voz é tão essencial quanto examinar a presença.

Sobre as modalidades de participação política, é possível notar, na análise dos dados empíricos nas próximas seções deste artigo, o predomínio do contato entre os representantes dos atores sociais e os agentes públicos responsáveis pela construção das decisões políticas no Mercosul, conforme indicados pela literatura clássica de participação política ( Milbrath, 1965Milbrath, L. W. Political participation . Chicago: RandMcNally, 1965. ; Verba; Nie, 1972Verba, S.; Nie, N. H. Participation in America - political democracy and social equality. Chicago: The Chicago University Press, 1972. ; Barnes; Kaase, 1979Barnes, S. H.; Kaase, M. (orgs.). Political Action: mass participation in five western democracies. Beverly Hills: Sage, 1979. ; Verba; Schlozman; Brady, 1995; dentre outros). Trata-se, porém, de uma avaliação da participação dentro de organizações internacionais, nas quais os desafios empíricos e práticos são maiores do que aqueles que se observam no contexto interno dos países. Na política internacional, é necessário considerar a natureza e as características do processo decisório das organizações internacionais, que criam dificuldades maiores à participação dos atores sociais, que precisam lidar, ainda, com suas próprias limitações de recursos (como tempo, dinheiro e habilidades técnicas).

Mesmo reconhecendo a natureza específica da participação no contexto internacional, é essencial avaliar essa participação de atores sociais nas organizações e regimes internacionais, como fizeram outros estudos sobre essa temática ( Nanz; Steffek, 2004Nanz, P.; Steffek, J. “Global governance, participation and the public sphere”. Government and Opposition, vol. 39, n° 2, p. 314-335, 2004. ; Kissling; Steffek, 2008Kissling, C.; Steffek, J. CSOs and the democratization of international governance: prospects and problems. In: Steffek, J.; Kissling, C.; Nanz, P. Civil Society participation in European and global governance. London: Palgrave Macmillan, p. 208-218, 2008. ; Mayer, 2008Mayer, P. Civil society participation in international security organizations: the cases of NATO and the OSCE. In: Steffek, J.; Kissling, C.; Nanz, P. Civil society participation in European and Global Governance. London: Palgrave Macmillan, p. 116-139, 2008. ; Steffek; Nanz, 2008Steffek, J.; Nanz, P. Emergent patterns of civil society participation in global and European governance. In: Steffek, J.; Kissling, C.; Nanz, P. Civil society participation in European and global governance. London: Palgrave Macmillan, p. 1-29, 2008. ; Abbott; Gartner, 2012Abbott, K. W.; Gartner, D. “Reimagining participation in international institutions”. Journal of International Law and International Relations, vol. 8, p. 1-35, 2012. ; Bernauer; Kalbhenn; Spilker, 2013; Dany, 2014Dany, C. “Janus-faced NGO participation in global governance: structural constraints for NGO influence”. Global Governance, vol. 20, p. 419-436, 2014. ; dentre outros). Entre esses estudos, é possível identificar a avaliação da participação da sociedade civil organizada, em particular das organizações não governamentais, no processo decisório de organizações internacionais. Foi o que fez, por exemplo, Mayer (2008)Mayer, P. Civil society participation in international security organizations: the cases of NATO and the OSCE. In: Steffek, J.; Kissling, C.; Nanz, P. Civil society participation in European and Global Governance. London: Palgrave Macmillan, p. 116-139, 2008. ao analisar a participação da sociedade civil na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e na Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), duas organizações cuja tarefa é lidar com um dos temas mais sensíveis da agenda internacional (a segurança), no qual Estados prevalecem na tomada de decisões. Ou Steffek e Ehling (2008)Steffek, J.; Ehling, U. Civil society participation at the margins: the case of the WTO. In: Steffek, J.; Kissling, C.; Nanz, P. Civil society participation in European and global governance. London: Palgrave Macmillan, p. 95-115, 2008. , que investigaram o caso dessa participação na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ou, ainda, Abbott e Gartner (2012)Abbott, K. W.; Gartner, D. “Reimagining participation in international institutions”. Journal of International Law and International Relations, vol. 8, p. 1-35, 2012. , que pesquisaram a participação ampliada nas instituições internacionais de saúde, argumentando que essa participação trouxe contribuições para o enfrentamento de desafios globais nessa temática. Os autores destacaram, também, que a demanda por participação da sociedade civil organizada explica a abertura dos espaços institucionais a essa participação, sendo mais frequente em novas organizações e menos nas organizações criadas depois da Segunda Guerra Mundial, como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial.

Além dos pontos observados por essas abordagens, os atores da sociedade civil organizada são responsáveis pela contestação e pelas críticas às práticas e políticas dessas organizações. Porém, eles podem contribuir, também, para: (i) colocar em funcionamento mecanismos de transparência e accountability das OIs (ver, a respeito, Scholte, 2011Scholte, J. A. (ed.). Building global democracy? Civil society and accountable global governance . Cambridge: Cambridge University Press, 2011. ; Pereira et al., 2017Pereira, A. E., et al. “Accountability in international organizations: the case of World Bank Inspection Panel (1993-2015)”. Brazilian Political Science Review, vol. 11, n° 1, p. 1-28, 2017. ); (ii) fornecer conhecimentos técnicos especializados à formulação de políticas globais e regionais ( Jonsson; Tallberg, 2010Jonsson, C.; Tallberg, J. Transnational actors in global governance - patterns, explanations, and implications. Londres: Palgrave Macmillan, 2010. ; Tallberg et al., 2018Tallberg, J.; Bäckstrand, K.; Scholte, J. A. Introduction: legitimacy in global governance. In: Tallberg, J.; Bäckstrand, K.; Scholte, J. A. (eds.). Legitimacy in global governance: sources, processes, and consequences. Oxford: Oxford University Press, p. 3-19, 2018. ); e (iii) os esforços para alcançar legitimidade - conduzidos pelas organizações internacionais na política internacional ( Jonsson; Tallberg, 2010Jonsson, C.; Tallberg, J. Transnational actors in global governance - patterns, explanations, and implications. Londres: Palgrave Macmillan, 2010. ). Considerando essas contribuições, é fundamental avaliar a participação dos atores sociais nas organizações internacionais, participação cuja essência é a consulta e a colaboração técnica na formulação de políticas globais ou regionais, como sugere a análise de Jonsson e Tallberg (2010)Jonsson, C.; Tallberg, J. Transnational actors in global governance - patterns, explanations, and implications. Londres: Palgrave Macmillan, 2010. , e na produção de decisões com impacto nos governos e populações nacionais vinculados a essas organizações.

Esses estudos sobre a participação na política internacional se inserem nas abordagens mais amplas sobre a democracia nas organizações internacionais, que adquiriu proeminência a partir dos anos 1990 (ver, por exemplo, Dahl, 1999Dahl, R. Can international organizations be democratic? A skeptic's view. In: Shapiro, I.; Hacker-Cordón, C. Democracy's edges. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. ; Pevehouse, 2002Pevehouse, J. C. “Democracy from the Outside-In? International organizations and democratization”. International Organization, vol. 56, n° 3, p. 515-549, 2002. ; Grant; Moravscik, 2004Moravscik, A. "Is There a 'democratic deficit' in world politics? A framework for analysis". Government and Opposition - An International Journal of Comparative Politics, vol. 39, n° 2, p. 336-363, 2004. ; Held, 2004Held, D. "Democratic accountability and political effectiveness from a cosmopolitan perspective". Government and Opposition - An International Journal of Comparative Politics, vol. 39, n° 2, p. 364-391, 2004. ; Keohane, 2005; Buchanan; Keohane, 2006Buchanan, A.; Keohane, R. O. “The legitimacy of global governance institutions”. Ethics & International Affairs, vol. 20, n° 4, p. 405-437, 2006. ; Pevehouse; Mansfield, 2006Pevehouse, J. C.; Mansfield, E. D. “Democratization and international organizations”. International Organization, vol. 60, n° 1, p. 137-167, 2006. ; Keohane; Macedo; Moravcsik, 2009; Keohane, 2011Keohane, R. “Global governance and legitimacy”. Review of International Political Economy, vol. 18, n° 1, p. 99-109, 2011. ; Lopes; Casarões, 2019Lopes, D. B.; Casarões, G. “Can international organisations be democratic? A reassessment”. Contexto Internacional, vol. 41, n° 3, p. 481-500, 2019. , dentre outros). Essas abordagens procuraram adaptar conceitos da teoria democrática para o estudo das organizações internacionais, tais como os conceitos de accountability , legitimidade e participação, entendendo que essas organizações são avaliadas pelos públicos interessados e afetados por suas decisões, como ocorre com relação às instituições políticas nas democracias contemporâneas. No entanto, há uma diferença importante: as organizações internacionais operam num contexto caracterizado pela ausência de um governo internacional cujo propósito seria regular e limitar a conduta dos diferentes atores internacionais com base em regras e normas impostas por esse governo. Na ausência desse governo, as organizações internacionais operam dotadas da autoridade que lhes é conferida pelos Estados dentro das respectivas áreas temáticas de sua competência na agenda internacional, mas são contestadas e, ao mesmo tempo, dependentes do apoio das populações afetadas por suas decisões, programas e políticas.

Concluída essa breve apresentação dos referenciais teóricos e analíticos da pesquisa empírica, a próxima seção apresenta brevemente os espaços de participação no Mercosul e suas características institucionais.

Mercosul e participação social: um breve histórico

O Mercosul foi criado em 1991 com o Tratado de Assunção, adquirindo personalidade jurídica e maior institucionalidade com o Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1994. É necessário, contudo, entender o Mercosul como resultado de um processo de aproximação entre Brasil e Argentina que vinha se desenrolando desde 1979 com o Tratado Tripartite ( Vaz, 2001Vaz, A. C. “Mercosul aos dez anos: crise de crescimento ou perda de identidade?”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 44, n° 1, p. 43-54, 2001. ; Almeida, 2011Almeida, P. R. “História do Mercosul: origens e desenvolvimento”. Espaço da Sophia, Jaboti, vol. 5, n° 43, p. 63-79, 2011. ).

Nesse processo, a literatura destaca a diplomacia presidencial como um fator importante para a integração do Mercosul ( Hirst, 1996Hirst, M. “La dimensión política del Mercosur: actores, politización y ideologia”. Estudos Avançados, vol. 10, n° 27, p. 217-250, 1996. ; Danese, 1999Danese, S. Diplomacia presidencial. História e crítica. Rio de Janeiro: TopBooks, 1999. ; Malamud, 2005Malamud, A. “Presidential diplomacy and the institutional underpinnings of Mercosur: an empirical examination”. Latin American Research Review, vol. 40, n° 1, p. 138-164, 2005. ). Dessa forma, os presidentes dos Estados-Partes possuem controle sobre o processo decisório, conferindo ao bloco sua característica essencial baseada no intergovernamentalismo ( Hirst, 1996Hirst, M. “La dimensión política del Mercosur: actores, politización y ideologia”. Estudos Avançados, vol. 10, n° 27, p. 217-250, 1996. ; Malamud, 2011Malamud, A. “Conceptos, teorías y debates sobre la integración regional”. Norteamérica, vol. 6, n° 2, p. 219-249, 2011. ). A participação social ocorre nesse contexto institucional, no qual os governos, especialmente os da Argentina e Brasil, possuem poder de agenda e de condução dos principais assuntos do Mercosul. Dito isso, é pertinente apresentar um breve histórico da participação social no bloco, bem como de seus principais espaços abertos aos atores sociais.

No Tratado de Assunção, a única menção feita à participação dos atores não governamentais aparece no art. 14º, o qual estabelece o formato do Grupo Mercado Comum, facultando-lhe a convocação desse setor para elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento dos trabalhos do órgão. O regimento interno do GMC, estabelecido pela Decisão 04/1991 (CMC, 1991), definiu duas diretrizes importantes. A primeira determinou que os subgrupos e comissões deveriam conduzir suas atividades em duas etapas, sendo a primeira preparatória, enquanto a segunda teria caráter decisório. Aos atores não governamentais ficou reservada a participação na primeira etapa. A segunda diretriz estabeleceu a realização de seminários na etapa preparatória para ampliar a análise dos temas abordados. Tem-se, portanto, a característica consultiva da participação desses atores como regra geral.

A Decisão 45/2015 (CMC, 2015b), que revogou a 04/1991, não alterou essas diretrizes, mas promoveu modificações relevantes, a saber: (i) tornou obrigatória a divisão em duas etapas quando houver participação dos atores não governamentais; (ii) não limitou o número de representantes de interesses organizados das sociedades dos Estados-Partes. Esses representantes eram compreendidos como partes do "setor privado". A Decisão 04/1991 entendia como setor privado "aquele que tem interesse direto em qualquer das etapas do processo de produção, distribuição e consumo" (art. 29º). A Decisão 45/2015, por sua vez, determinou que esses atores seriam aqueles com " representatividade no setor e interesse direto na matéria em discussão nos Grupos, Subgrupos de Trabalho, Grupos Ad Hoc e Reuniões Especializadas" (art. 23º, sem grifos no original). Essa denominação de "setor privado" estabeleceu quem teria direito a participar das discussões promovidas por essas instâncias que assessoravam a tomada de decisões no GMC.

Em 2019, a Resolução nº 53 ( GMC 2019GMC. Resolução 53/2019: Modalidades de Participação do Setor Privado em Reuniões do Mercosul, 2019. Disponível em: < https://www.mercosur.int/documentos-y-normativa/normativa/>. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://www.mercosur.int/documentos-y-no...
) especificou alguns procedimentos para a participação com o propósito de dar maior publicidade às reuniões. Previu, para tanto, que: "os programas de trabalho anuais ou bianuais aprovados pelos órgãos decisórios do Mercosul, bem como as agendas conforme registradas nas atas das reuniões, serão divulgados em seção específica pública do portal eletrônico do Mercosul" (art. 2º). Além disso, o art. 3º delegou aos órgãos subordinados a tarefa de estabelecerem o quantitativo de representantes por setor, deixando evidente a necessidade de convite para a participação.

Outra disposição presente na Resolução 53/2019 é o art. 5º que prevê um "procedimento geral para registro de comentários do setor privado". Tal procedimento foi estabelecido pela Resolução 03/2020 (GMC, 2020), que elaborou um formulário contendo os comentários do setor privado realizados nas reuniões da etapa preparatória a ser preenchido e anexado às atas. Com isso, é possível notar que predomina o elemento consultivo da participação de atores não governamentais. No entanto, eles podem defender seus interesses e realizar propostas na etapa preparatória, expressando suas preferências. Essa característica implica uma influência indireta dos atores sociais, ou seja, eles apresentam seus posicionamentos perante os representantes governamentais que decidem se irão acatá-los ou não.

Com relação aos espaços de participação social, até o Protocolo de Ouro Preto, apenas o Subgrupo de Trabalho nº 11 sobre Assuntos Trabalhistas abria suas reuniões a associações empresariais e sindicatos a partir da Resolução 12/1992. Tal resolução definiu que as organizações fossem convidadas pelos Estados-Partes. Após o Protocolo de Ouro Preto, houve ampliação dos espaços de participação. O principal deles foi o Foro Consultivo Econômico e Social. Essa primeira fase de abertura foi denominada por Martins e Silva (2011)Martins, J. R. V.; Silva, C. A. “Políticas sociais e participação social: a constituição de uma esfera pública regional no Mercosul”. Boletim de Economia e Política Internacional, vol. 5, p. 65-71, 2011. de "primeira geração" e foi composta por instituições de representação parlamentar e de diálogos com associações empresariais e com centrais sindicais. A "segunda geração" ( Martins; Silva, 2011Martins, J. R. V.; Silva, C. A. “Políticas sociais e participação social: a constituição de uma esfera pública regional no Mercosul”. Boletim de Economia e Política Internacional, vol. 5, p. 65-71, 2011. ) insere-se no contexto de regionalismo pós-liberal (Serbin; Martinez; Ramanzini Júnior, 2012) ou hegemônico ( Riggirozzi; Tussie, 2012Riggirozzi, P.; Tussie, D. The rise of post-hegemonic regionalism in Latin America. In: Riggirozzi, P.; Tussie, D. (eds.). The rise of post-hegemonic regionalism: the case of Latin America. London: Springer, p. 1-16, 2012. ) e representou uma proliferação de órgãos abertos à participação social, como as Reuniões Especializadas de Cooperativas, de Juventude e de Agricultura Familiar. Nesse contexto, foram criadas as Cúpulas Sociais do Mercosul nas quais foi possível observar, no seu funcionamento, significativa "heterogeneidade em termos dos movimentos e organizações sociais que participam" dessas Cúpulas (Mercosul, 2015b, p. 83). Elas contam com a presença desses movimentos e organizações que podem estabelecer diálogos entre si e com representantes dos governos nacionais.

Em 2010, ocorreram mudanças importantes como resultado de duas decisões: (i) a Decisão 65/2010, responsável pela criação da Unidade de Apoio à Participação Social (UPS); e (ii) a Decisão 64/2010, cujo propósito foi estabelecer um plano de ação para o desenvolvimento de um Estatuto da Cidadania do Mercosul. Segundo o estudo elaborado pela UPS, esse seria o início da terceira etapa dos mecanismos de participação (Mercosul, 2015a, p. 9). Em 2011, a Decisão 12/2011 estabeleceu o Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul (PEAS). E, um pouco mais tarde, em 2015, a Decisão 10/2015 consolidou normas sobre a participação de organizações e movimentos sociais. Por meio dessas normas, estabeleceu-se um registro desses atores sociais no Mercosul, a ser gerenciado pela UPS (CMC, 2015b).

Como se pode notar, houve uma tentativa de se institucionalizar a participação no Mercosul por meio da proliferação de órgãos e instâncias destinadas a dar voz aos interesses organizados de atores não governamentais dos Estados-membros. O Quadro 1 apresenta uma síntese desses órgãos e instâncias nas quais esses atores podem participar por meio de reuniões, seminários, consultas públicas, entre outras modalidades:

Quadro 1
: Órgãos com instâncias abertas à participação social

Com base no Quadro 1 , é possível notar a abertura de diversos espaços à participação de atores não governamentais no Mercosul, desde, pelo menos, o Protocolo de Ouro Preto. Mariano (2015)Mariano, K. P. Regionalismo na América do Sul: um novo esquema de análise e a experiência do Mercosul. São Paulo: Editora UNESP; Cultura Acadêmica, 2015. chamou a atenção para esse aspecto, mostrando que o predomínio da lógica intergovernamental nos arranjos institucionais do Mercosul não impediu a criação desses espaços de participação política. Dessa forma, a ampliação de instâncias e órgãos para a participação dos atores interessados permitiu o aumento da " accountability e [d]a democracia no seu interior" ( Mariano, 2015Mariano, K. P. Regionalismo na América do Sul: um novo esquema de análise e a experiência do Mercosul. São Paulo: Editora UNESP; Cultura Acadêmica, 2015. , p. 118).

Nesses espaços, a participação dos atores sociais pode ser variada e envolver a presença em reuniões (como as realizadas pelo SGT10) e em seminários (de determinadas áreas temáticas com a participação de Ministros dos Estados-Partes). Pode ser observado, também, que a participação está condicionada às regras e regulamentos institucionais, estabelecidos em cada instância específica que abriga a presença de atores não governamentais. A participação pode ser, também, esporádica, quando os atores são convidados para comparecer às atividades de determinadas reuniões especializadas, como a Reunião Especializada de Juventude (REJ). Por isso, torna-se relevante considerar a ampliação da participação no Mercosul a partir das condições institucionais que podem determinar como os atores não governamentais poderão ou não influenciar as atividades ou as decisões aprovadas nas diversas instâncias abertas à sua participação. Por fim, é interessante observar que a participação desses atores é mais restrita no que se refere aos órgãos decisórios - em especial, o GMC e o CMC -, nos quais se observa a natureza intergovernamental do processo decisório do Mercosul.

Elementos metodológicos do estudo

Para o desenvolvimento do estudo, conforme foi apontado na introdução deste artigo, a primeira parte da pesquisa procurou analisar as listas de presenças com o propósito de identificar quais atores sociais compareceram às reuniões do SGT10. Na segunda parte da pesquisa, optou-se pela análise documental e de conteúdo, utilizada para identificar a participação dos atores não governamentais dentro do SGT10. Para isso, foram analisados as atas e os anexos das 41 reuniões desse subgrupo de trabalho, de suas comissões e de órgãos subordinados no período entre 1995 e 2019 (totalizando 929 documentos), além das decisões do CMC e das resoluções do GMC disponíveis no site do Mercosul (mercour.int).

A voz dos atores, nos termos de Graham Smith (2009)Smith, G. Democratic innovations - designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. , apresentados na seção intitulada "Participação, democracia e organizações internacionais" deste artigo, foi mensurada por meio da análise de conteúdo, com o auxílio do software Atlas.ti. Três categorias foram codificadas nos documentos, cuja unidade de análise corresponde a períodos e trechos dos textos: (i) o ator que fez a intervenção; (ii) o tipo de intervenção; e (iii) o tema tratado. No que se refere à primeira categoria, os atores analisados, conforme mencionado na introdução deste artigo, foram os representantes empresariais e sindicais dos quatro atores selecionados e vinculados à Argentina e ao Brasil. Por conta disso, somente as intervenções desses atores foram tabuladas na segunda parte da pesquisa, cujos resultados são apresentados na seção intitulada "Análise da participação de quatro atores sociais selecionados" deste artigo.

Quanto à segunda categoria, o tipo de intervenção refere-se à qual manifestação o ator realizou nas reuniões. Foram categorizados quatro tipos ( Quadro 2 ). Com isso, foi possível mapear as intervenções dos representantes do setor empresarial brasileiro e argentino, respectivamente CNI e UIA, de um lado. De outro, foi possível identificar as intervenções dos representantes dos trabalhadores brasileiros e argentinos, respectivamente CUT e CGTRA, durante as discussões realizadas dentro do Subgrupo e nas comissões derivadas dele. Desse modo, os temas mais sensíveis a cada um dos atores foram identificados, assim como quais convergências e divergências temáticas existiram entre eles. Suas intervenções nas reuniões foram classificadas conforme o Quadro 2:

Quadro 2
: Classificação das intervenções da sociedade civil no SGT-10

No que se refere à terceira categoria, o tema , procurou-se utilizá-la de maneira mais abrangente para acompanhar as propostas apresentadas nas reuniões sobre determinado assunto, bem como saber a qual temática a intervenção se referia. Após a codificação dos documentos, foram tabuladas as propostas discutidas ao longo do período analisado. Essas propostas incluíram aquelas cuja autoria era de um dos atores estudados e, também, aquelas nas quais esses atores se manifestavam (a favor ou contra). Quando algum dos atores era favorável, seu posicionamento era classificado como 1; se fosse contrário, -1; caso não se manifestasse, 0. Vale destacar, ainda, que algumas propostas se desdobravam em uma série de ações a serem realizadas posteriormente. Por exemplo, as discussões a respeito da Carta de Direitos Fundamentais, considerada como uma proposta em si, desdobravam-se em uma série de ações, tais como: natureza do documento (vinculante ou não); os direitos a serem incluídos; e as formas de aplicação da Carta. Assim, a unidade de análise correspondeu às ações discutidas, não somente às propostas em abstrato. As intervenções dos atores, portanto, diziam respeito, também, às ações.

Ainda com relação às propostas e ações, foi incluída uma variável na tabulação chamada " autoria ", que identificava quem era o propositor. Ele foi classificado da seguinte maneira: 0 quando o propositor não era identificável ou quando era algum Estado e/ou ator não incluído no recorte dos quatro atores sociais selecionados; 1 quando eram os representantes empresariais, seja da Argentina, seja do Brasil; 2 quando eram os sindicatos, independente do país de origem deles; e 3 quando eram ambos, ou seja, propostas conjuntas de representantes empresariais e sindicais.

Na sequência, essas propostas e ações foram classificadas conforme o teor da pauta, por meio de análise em double review, a fim de identificar o impacto potencial da implementação e a relevância do tema para os países membros do Mercosul. Para isso foram considerados, de forma binária, quatro critérios apresentados no Quadro 3 . A somatória dos critérios resultou na variável denominada de " impacto ", a qual poderia variar de 1 a 4. Sendo: 1, impacto muito baixo; 2, baixo; 3, alto; e 4, impacto muito alto. Essa variável permitiu avaliar os conteúdos das propostas apresentadas, discutidas e aprovadas dentro do SGT. Porém, não houve uma avaliação da conversão dessas propostas em decisões aprovadas no GMC, pois o impacto é definido aqui apenas para compreender a natureza e a importância dos conteúdos aprovados no SGT. Dessa forma, o objetivo não foi avaliar os resultados da participação, que poderiam ser mensurados por meio da análise das propostas aprovadas na instância decisória do GMC.

Quadro 3
: Critérios de impacto e relevância das propostas no SGT-10

No caso das ações derivadas das propostas, porém, foi possível fazer uma avaliação para verificar se elas foram ou não acatadas . Foi, portanto, possível estabelecer uma variável dicotômica (0 ou 1), que corresponde se a ação foi realizada (1) ou não (0). Para tanto, as próprias decisões dos órgãos do Mercosul serviram como insumo. Contudo, algumas fontes auxiliares tiveram de ser utilizadas como, por exemplo, o site da Organização Internacional do Trabalho com a lista de ratificações de suas convenções.

A partir desse levantamento, foi aplicada uma regressão logística ( logit ) multivariada, modelo utilizado para variáveis dependentes dicotômicas, nesse caso, a variável "acatada". As variáveis independentes selecionadas foram: posicionamento dos representantes empresariais da Argentina (PEA); posicionamento dos representantes empresariais do Brasil (PEB); posicionamento dos sindicatos da Argentina (PSA); posicionamento dos sindicatos do Brasil (PSB); impacto e autoria. A utilidade da regressão foi ajudar a compreender quais variáveis podem estar mais correlacionadas com o acatamento de determinada proposta e o quanto cada variável contribui para a probabilidade de uma proposta ser aceita. Vale reforçar que o modelo não implica causalidade.

A metodologia, portanto, permitiu a compreensão do funcionamento das partes do processo de proposição e agenda final do SGT10. Além disso, permitiu avaliar a participação dos atores sociais selecionados, bem como o papel desempenhado por eles na formulação e na discussão dos temas da agenda do SGT10 cujo papel é elaborar propostas que serão, mais tarde, apreciadas e aprovadas no GMC.

Análise das listas de presenças do SGT10: a redução gradual da participação dos atores sociais

A primeira reunião na qual houve participação da sociedade civil no SGT10 foi em 1996. Nela estavam presentes 25 representantes de 18 organizações da sociedade civil, desde centrais sindicais (como a CUT e a CGTRA) e associações empresariais (como CNI, Câmara Nacional de Comércio e UIA), até organizações setoriais ( Federación de Obreros y Empleados de Correos y Telecomunicaciones; Federación de la Carne; Sindicato de Obreros Marítimos Unidos ; entre outros). Porém, como pode ser observado no Gráfico 1 , a presença desses atores declina, chegando, na reunião n° 01/2019 a apenas 3 organizações (todas de caráter geral):

Gráfico 1
: Média do número de organizações da sociedade civil presentes por reunião do SGT10

No período de 1995 a 1999, cada reunião do SGT10 contou, em média, com 11 organizações sociais dos quatro Estados-Partes do Mercosul. No último período, 2015 a 2019, esse número foi reduzido para 4. Assim, pode-se falar em uma redução gradual da participação dos atores sociais nessas reuniões. A presença maior ocorreu no momento de aprofundamento e ampliação da agenda do Mercosul, principalmente após 1995, início da segunda fase do bloco, fase de otimismo e de consolidação do processo de integração no discurso diplomático brasileiro ( Onuki, 2006Onuki, J. O Brasil e a construção do Mercosul. In: Oliveira, H. A.; Lessa, A. C. (eds.). Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas, vol.1. São Paulo: Saraiva, p. 299-320, 2006. ). Esse otimismo explicaria, em parte, a maior presença de atores nesse período.

Algumas organizações estiveram presentes em um número maior de reuniões do que outras. Ademais, a intensidade de sua participação, medida pelo número de delegados enviados, apresentou diferenças significativas. O Gráfico 2 demonstra quais organizações sociais dos países do recorte da pesquisa (Argentina e Brasil) estiveram mais próximas do órgão analisado:

Gráfico 2
: Quantidade de representantes vs. quantidade de reuniões com participação da sociedade civil do Brasil e da Argentina

Os atores da Argentina que mais participaram de reuniões foram a CGTRA (trabalhadores) e a UIA (empregadores). Dos representantes dos empregadores brasileiros, a maior presença foi da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Contudo, para manter simetria com a UIA, optou-se por analisar a CNI, já que ela representa, também, interesses da indústria. Do lado dos representantes dos trabalhadores brasileiros, a CUT foi a organização que mais esteve presente. Destaca-se, ainda, a CGTRA, a qual apresenta uma intensidade de participação (quantidade de representantes enviados) superior às demais entidades. Assim, torna-se relevante avaliar qual papel esse ator desempenhou no SGT 10.

Além disso, outro indicador importante do gradual declínio da presença desses atores é visível quando se compara o número de representantes da sociedade civil com o número de representantes dos governos. O Gráfico 3 apresenta a evolução do número de representantes dos governos em relação ao dos atores sociais por quinquênio6 6 A divisão em quinquênios é útil para reduzir pequenas variações de uma reunião para outra, além de permitir uma comparação entre períodos iguais. :

Gráfico 3
: Média do número de atores não governamentais e representantes dos governos por reunião do SGT10

Com base no Gráfico 3 , é possível identificar a queda da média do número de representantes dos atores sociais nas reuniões. Nos primeiros cinco anos (1995 a 1999), esses atores enviaram em torno de 27 delegados, ao passo que entre 2015 e 2019, a média caiu para aproximadamente 7, ou seja, uma queda de 74,9%. Por outro lado, os governos mantiveram o número de delegados enviados em torno de 20.

Outro ponto importante é a diferença de comportamento entre os atores sociais. O Gráfico 4 apresenta a evolução da quantidade dos representantes desses atores divididos em dois grupos: o dos trabalhadores e o dos empregadores.

Gráfico 4
: Média dos números de representantes dos empregadores e dos trabalhadores por reunião do SGT10

Os trabalhadores mantêm, em média, um número maior de representantes do que os empregadores ao longo dos cinco períodos analisados. Os sindicatos chegam a apresentar um crescimento na média entre os dois primeiros períodos. Porém, entre 2005 e 2009, passam a reduzir a sua participação. Os empresários tiveram uma redução constante da sua participação nos períodos em tela. Portanto, o conjunto de atores revela comportamentos diferentes no que diz respeito à intensidade de sua participação, ainda que ambos tenham reduzido sua presença no SGT10 nos últimos anos.

À primeira vista, a partir dos dados coletados, verifica-se uma incongruência entre a ação e o discurso das entidades empresariais, pois, por um lado, distanciam-se da participação dentro do SGT. Por outro, defendem oficialmente a necessidade de maior abertura à sua participação nas pautas negociadoras, tal como demonstram documentos oficiais (CNI, 2019) e notícias vinculadas às entidades sob análise7 7 Um exemplo dessas notícias pode ser observado no jornal argentino La Nación , 1997. .

No que diz respeito às entidades trabalhistas, houve uma atitude defensiva com relação ao processo de integração que, a partir de 1992/1993, principalmente por conta da atuação da CUT-Brasil, transformou-se em um esforço de participação no bloco ( Vigevani; Veiga, 1995Vigevani, T.; Veiga, J. P. Mercosul: interesses e mobilização sindical. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados/USP, p. 1-29, 1995. Disponível em: < http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/mercosul-interesses-e-mobilizacao-sindical>. Acesso em: 10 jan. 2022.
http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos...
). Mais recentemente, verifica-se, novamente, uma atitude defensiva com relação a determinadas ações do bloco, como é o caso do acordo Mercosul-União Europeia, evidenciado no comunicado da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul ( CCSCS, 2019CCSCS. Comunicado da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul sobre o Tratado de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia. 2019. Disponível em: < https://www.cut.org.br/noticias/nota-da-coordenadoria-de-centrais-sindicais-do-cone-sul-sobre-acordo-mercosul-ue-6824>. Acesso em: 14 fev. 2022.
https://www.cut.org.br/noticias/nota-da-...
). Contudo, as centrais sindicais procuraram se manter próximas do Mercosul, demandando maior "participação real e efetiva nas negociações" ( CCSCS, 2019CCSCS. Comunicado da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul sobre o Tratado de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia. 2019. Disponível em: < https://www.cut.org.br/noticias/nota-da-coordenadoria-de-centrais-sindicais-do-cone-sul-sobre-acordo-mercosul-ue-6824>. Acesso em: 14 fev. 2022.
https://www.cut.org.br/noticias/nota-da-...
). Na próxima seção, é analisada a participação específica dos quatro atores sociais selecionados do Brasil e da Argentina.

Análise da participação dos quatro atores sociais selecionados

Num primeiro momento, quando são observadas as intervenções realizadas pelos atores sociais nas reuniões do SGT10, é possível encontrar a evidência de declínio de participação. Ou seja, a redução da participação é marcada não só no aspecto quantitativo (verificado pelas listas de presenças), mas também no qualitativo (registrado nas atas das reuniões). O Gráfico 5 demonstra os resultados da codificação das atas e anexos das reuniões do SGT10 e comissões e órgãos a ele relacionadas. Essa codificação foi baseada no Quadro 2 da seção intitulada "Elementos metodológicos do estudo" deste artigo.

Gráfico 5
: Número de manifestações por tipo de intervenção

À primeira vista, é possível notar considerável redução no número de intervenções realizadas pelos atores sociais da Argentina e do Brasil. As intervenções correspondem aqui ao segundo elemento da inclusão, nos termos de Graham Smith: a voz . Seria compreensível que a redução da presença, mostrada na seção precedente deste artigo, tivesse um reflexo sobre as intervenções dos atores sociais aqui analisados. O número de intervenções totais desses atores reduziu de 105, entre 1995 e 1999, para 18, entre 2015 e 2019. Isto é, uma queda de aproximadamente 83%. Ademais, a redução também é qualitativa. No primeiro período, 60% das intervenções foram realizadas por meio de apresentação ou discussão de propostas, evidenciando uma atuação mais propositiva e interessada dos atores em questão. Contudo, entre 2015 e 2019, essa proporção caiu para 22%.

Outro achado a ser destacado é que há um aumento relativo das intervenções do tipo "informação", ou seja, aquelas em que os atores não governamentais são consultados ou prestam apoio técnico para estudos, por exemplo. Entre 1995 e 1999, a proporção desse tipo de ação era 10%. No período mais recente, passou para 50%. É possível inferir, então, que os atores sociais passam de uma atuação propositiva para uma atuação informativa, de apoio técnico. A demanda do SGT10 por apoio técnico dos atores sociais selecionados corresponde a uma das possibilidades da participação política e envolve a mobilização da expertise e das competências técnicas desses atores na formulação de propostas de decisões dentro do subgrupo de trabalho.

Ao analisar as propostas encontradas e discutidas pelos atores sociais ao longo do período analisado (1995-2019), é possível identificar diferenças no posicionamento de empregadores e trabalhadores. A Tabela 1 consolida o posicionamento de cada ator estudado:

Tabela 1
: Posicionamento dos atores analisados em relação às propostas discutidas no SGT (%) (N=124)

Há relativamente pouca oposição às pautas discutidas no SGT, cuja proporção varia entre 5 e 10%, sendo que os empregadores apresentaram uma tendência de oposição maior do que os trabalhadores. Além disso, os empregadores se abstiverem, em média, em 62% das propostas apresentadas, enquanto esse número para os trabalhadores ficou em 23%. A diferença se reflete no apoio às propostas, que ficou em 29%, em média, para os empregadores, e 71% para os trabalhadores. Esses percentuais indicam maior proximidade da agenda do SGT10 às pautas dos trabalhadores.

Foi possível identificar, também, convergência entre empregadores ou trabalhadores dos dois países. Isso permitiu agregar os posicionamentos. Ou seja: quando algum ator não se posicionava (abstenção), porém o seu homólogo era favorável, considerou-se esta como a posição do setor. A finalidade desse procedimento foi comparar a aprovação das propostas cruzando o posicionamento de cada setor, como aparece na Tabela 2:

Das 124 propostas identificadas, 87 foram aprovadas, isto é, aproximadamente 70%. Nenhuma proposta que contou com a oposição de ambos os setores foi aprovada. Propostas que contaram com o apoio de ambos foram todas acatadas. Encontraram-se nessa situação, 28 propostas. Isso sugere que a convergência dos atores pode ter sido importante tanto para a aprovação, quanto para a reprovação de propostas em discussão. Esse ponto é retomado na próxima seção deste artigo.

Além disso, os atores diferenciam-se no que pode ser entendido como "chance de eficácia da oposição". Das 13 propostas que contaram com oposição dos empregadores, porém apoio dos trabalhadores, 9 foram aprovadas (69%). Ao passo que das 6 propostas que receberam oposição dos trabalhadores, porém apoiadas pelos empregadores, apenas 2 foram acatadas (33%). Nesse sentido, ainda que não se possa estabelecer causalidade, a oposição dos empregadores reduziu a chance de aprovação em 31%, enquanto a dos trabalhadores em 67%.

Continuando a análise das propostas acatadas, buscou-se identificar se havia diferença na taxa de aprovação das propostas com relação à autoria delas. O Gráfico 6 apresenta esses resultados:

Gráfico 6
: Taxa de aprovação por autoria (%)

A maior taxa de aprovação foi encontrada quando a propositura foi de ambos os atores, ou seja, empregadores e trabalhadores em conjunto. O que reforça a ideia de que a atuação convergente favorece a aceitação de determinada proposta. A menor taxa foi encontrada para os empregadores, que ficou em 54%. Das 71 propostas dos sindicatos, 69% delas foram aprovadas, o que ficou próximo à taxa de aprovação total das propostas (70%).

Além da atuação dos atores (posicionamento em relação às propostas) e a autoria delas, as implicações do impacto da aprovação de determinada proposta dentro do SGT10 foram elementos importantes para análise. O Gráfico 7 resume os resultados:

Gráfico 7
: Taxa de aprovação por impacto (%)

É possível identificar que a taxa de aprovação declina à medida que aumenta o impacto da proposta. Aquelas de impacto muito baixo tiveram aprovação de 84%; já as de impacto muito alto , 38%. Ou seja, propostas que demandavam internalização ou alocação de muitos recursos domésticos para sua consecução, mas que implicavam em maior importância para o processo de integração, tiveram menos chances de serem aprovadas. Isto é, nem chegaram a ser debatidas em instâncias superiores do Mercosul, já que não passaram sequer pelo SGT10.

Por fim, para avaliar as variáveis apresentadas, aplicou-se uma regressão logística multivariada, tendo como variável dependente a aprovação, ou não, da proposta, ou seja, 1 para aprovada, 0 para não aprovada. Como preditores, ou variáveis independentes, foram escolhidos os posicionamentos dos empregadores da Argentina e do Brasil, dos trabalhadores da Argentina e do Brasil, a autoria e o impacto da proposta. Os resultados são apresentados na Tabela 3:

Dos seis preditores do modelo, três possuíram alguma relevância estatística. Considerando apenas as variáveis com significância de, no mínimo, 90%, o modelo indica que: (i) o posicionamento favorável dos empregadores da Argentina aumentou a chance de acatamento da proposta em 191%; (ii) o apoio dos trabalhadores desse mesmo país aumentou a chance em 213,7%; e (iii) o aumento marginal do impacto da proposta reduziu a chance de aprovação em 47,5%.

Entende-se, portanto, que a participação dos atores sociais argentinos foi importante para a aprovação das propostas. Contudo, é importante ressaltar que o modelo de regressão não implica causalidade. Ele apenas calcula o impacto de determinada variável nas chances de a variável dependente ser 0 ou 1, mantendo todos os demais preditores constantes.

Vale ressaltar que a variável "autoria" não obteve significância estatística, ou seja, não foi um preditor relevante para se auferir as chances de aprovação. Infere-se, então, que a autoria das propostas não é algo tão relevante para aprovação. Sendo, para tanto, mais importante o impacto da proposta, cujo intervalo de confiança foi maior que 99%.

Discussão dos resultados e considerações finais

Nos dados apresentados nas duas seções precedentes, é possível verificar que houve redução da participação dos atores sociais, se for considerada a presença como um indicador dessa participação. No que se refere à análise específica dos atores sociais dos dois Estados-Partes do Mercosul (Argentina e Brasil), examinados na seção intitulada "Análise da participação dos quatro atores sociais selecionados" deste artigo, é possível verificar que os representantes dos trabalhadores possuem atuação mais propositiva e maior alinhamento com a agenda do SGT10. Os representantes dos empregadores, por sua vez, demonstram uma atuação mais defensiva, caracterizada pela maior incidência de abstenção e oposição às propostas. A maior proximidade da agenda do SGT10 com relação aos trabalhadores se expressa, também, no percentual significativo de propostas apresentadas e aprovadas dentro do SGT10: das 71 propostas dos sindicatos, 69% delas foram aprovadas.

A capacidade de apresentar propostas aprovadas é um indicativo da relevância dos atores sociais, mesmo que não exista um equilíbrio entre eles no que se refere à atuação - mais defensiva ou mais propositiva quando os atores são comparados. De modo geral, é possível notar que a participação desses atores no que se refere à aprovação das propostas mostrou-se relevante. Em certos casos, os atores sociais selecionados neste artigo revelaram um grau significativo de convergência entre eles, demonstrado pelo percentual elevado de aprovação das propostas quando contam com o apoio dos dois setores (empregadores e trabalhadores).

A redução significativa da participação, observada nos dados empíricos da pesquisa, é um ponto importante a ser destacado na análise. Os dados apresentados na seção intitulada "Análise das listas de presenças do SGT10: a redução gradual da participação dos atores sociais" mostra que essa redução ocorreu ao longo dos períodos analisados. Ela é notável no período entre 2015 e 2019, conforme se pode observar pelo número de organizações participantes apresentado no Gráfico 1 . De 2010 a 2014, o total de organizações participantes correspondeu a 6,1 e esse número reduziu para 4,1 no período seguinte, de 2015 a 2019. Essa redução pode ser explicada pela alteração nas orientações políticas e ideológicas dos governos nacionais dos Estados-membros do Mercosul, em particular no Brasil e na Argentina. Esse ponto foi notado por diferentes análises sobre as mudanças recentes observadas no regionalismo sul-americano (ver, por exemplo, Briceño-Ruiz, 2018Briceño-Ruiz, J. “Times of change in Latin American regionalism”. Contexto Internacional, vol. 40, n° 3, p. 573-594, 2018. ; Ramanzini Junior; Luciano, 2021; Mariano; Bressan; Luciano, 2021; Nolte; Weiffen, 2021Nolte, D.; Weiffen, B. “How regional organizations cope with recurrent stress: the case of South America”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 64, n° 2, p. 1-21, 2021. ).

Nolte e Weiffen (2021Nolte, D.; Weiffen, B. “How regional organizations cope with recurrent stress: the case of South America”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 64, n° 2, p. 1-21, 2021. , p. 8), por exemplo, destacaram os impactos das tensões político-ideológicas entre os presidentes dos países latino-americanos. Os autores mostraram que as questões ideológicas restringiram as possibilidades de cooperação regional e consideram que as instituições regionais se tornaram campos de batalha ideológica entre governos nacionais. Para os autores, a preferência por mecanismos institucionais de natureza intergovernamental, nos quais a dinâmica das relações entre os presidentes é essencial, é uma característica do regionalismo latino-americano e do Mercosul. O desenvolvimento desses mecanismos tende a prosperar nos contextos nos quais há liderança presidencial e afinidades ideológicas entre os presidentes, como foi observado na década de 2000 no Mercosul. Ao mesmo tempo, as orientações ideológicas de presidentes mais à direita no espectro ideológico tendem a ocasionar bloqueios e falta de consenso político, gerando restrições às possibilidades de cooperação regional ( Nolte; Weiffen, 2021Nolte, D.; Weiffen, B. “How regional organizations cope with recurrent stress: the case of South America”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 64, n° 2, p. 1-21, 2021. ).

Na análise comparada que fizeram sobre a participação de organizações da sociedade civil no Mercosul e na Southern African Development Community (SADC), Ramanzini Junior e Luciano (2021) argumentaram que essa participação é condicionada pela soberania dos Estados-membros. Os autores procuraram demonstrar empiricamente que a ideologia dos governos nacionais foi o fator explicativo decisivo para o aumento ou para a diminuição da participação social no Mercosul. O envolvimento da sociedade civil nesse bloco foi beneficiado pela ascensão de governos de esquerda e de centro-esquerda nos Estados-membros na década de 2000. Nesse contexto, foi aprovado, por exemplo, o Plano de Ação Social para o Mercosul (PEAS), na Cúpula Social de Córdoba, em 2006. Esse plano envolveu os seguintes objetivos: propostas de erradicação da fome, da pobreza e das desigualdades sociais; proteger os direitos humanos e estimular a igualdade racial e de gênero; e criar condições para a cooperação entre os países com o propósito de gerar e financiar políticas sociais (Ramanzini Junior; Luciano, 2021, p. 24). A cooperação entre os atores da sociedade civil e os governos dentro do Mercosul foi favorecida, segundo os autores, pela ligação histórica desses atores com partidos de esquerda no ambiente doméstico e no contexto dos anos 2000. Essa ligação reforçou a intenção dos governos de apoiar a participação de atores da sociedade civil e foi fundamental para o desenvolvimento de espaços de participação no Mercosul nesse momento, que contrasta com o período mais recente no Brasil e na Argentina a partir de 2015.

A eleição de Mauricio Macri na Argentina e o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil em 2016 (com a consequente ascensão de Michel Temer à presidência da República) determinaram a "desintegração" dos canais de participação da sociedade civil no Mercosul (Ramanzini Junior; Luciano, 2021, p. 30). A evidência dessa "desintegração" foi notada no cancelamento da Cúpula Social de 2017, que seria organizada pela Argentina. Ramanzini Junior e Luciano mostraram que outras mudanças institucionais foram promovidas, como a redução da autonomia da Unidade de Participação Social do Mercosul, que ficou subordinada à Secretaria do Mercosul. Essa Unidade foi essencial no passado, pois era dotada de relativa autonomia para organizar as Cúpulas Sociais até 2017.

Outro ponto destacado pelos autores refere-se ao fato de os governos de direita no Brasil (Michel Temer) e na Argentina (Mauricio Macri) associarem os atores da sociedade civil aos partidos de esquerda, o que explicaria, também, a redução do apoio desses governos à participação desses atores no Mercosul. Esse segundo ponto reforça o argumento de Ramanzini Junior e Luciano sobre o peso decisivo do perfil ideológico dos governos nacionais para o aumento ou a redução da participação social no Mercosul em diferentes períodos.

Assim, se há uma alteração nas orientações políticas dos governos nacionais, como se observou na década de 2010 no regionalismo da América do Sul, pode-se verificar redução da participação, observada nas mudanças do desenho institucional do Mercosul, que favoreceu a participação nos anos 1990 e 2000. A mencionada redução pode ser explicada, também, por outro fator relacionado à ascensão de governos de direita na América Latina: as mudanças de percepção dos governos nacionais a respeito da integração regional, como observaram análises como a de Briceño-Ruiz (2018)Briceño-Ruiz, J. “Times of change in Latin American regionalism”. Contexto Internacional, vol. 40, n° 3, p. 573-594, 2018. e de Mariano, Bressan e Luciano (2021). Assim como Ramanzini Junior e Luciano (2021), essas análises destacaram as mudanças nas orientações políticas e ideológicas dos governos como um fator explicativo para as alterações recentes observadas no regionalismo sul-americano. Mariano, Bressan e Luciano (2021) destacaram que esse regionalismo é dependente da vontade política dos chefes de Estado e está suscetível às mudanças constantes provocadas pelas alternâncias de poder nos governos da região. Briceño-Ruiz (2018)Briceño-Ruiz, J. “Times of change in Latin American regionalism”. Contexto Internacional, vol. 40, n° 3, p. 573-594, 2018. argumentou que os governos mais conservadores de Michel Temer no Brasil e de Mauricio Macri na Argentina fizeram críticas às atividades do Mercosul na década de 2000 e reorientaram o bloco para uma ênfase maior ao livre comércio como questão prioritária da agenda regional. Os dois governos concordaram que seria pertinente transformar o Mercosul em uma área de livre comércio com maior liberdade para negociar com outros países e blocos. Para isso, era necessário, também, eliminar as barreiras comerciais ainda existentes no Mercosul. Foi nesse contexto, em 2017, que se aprofundaram as negociações do Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul, aprovado em 2019, além de outras iniciativas, como o acordo comercial preferencial com a Índia. Essas iniciativas tiveram o apoio dos demais parceiros do bloco, Uruguai e Paraguai, e revelaram a retomada da dimensão comercial com maior prioridade, que caracterizou a primeira fase do Mercosul na década de 1990. Além disso, os governos de Macri e de Temer buscaram estreitar relações com países desenvolvidos, como os Estados Unidos ( Briceño-Ruiz, 2018Briceño-Ruiz, J. “Times of change in Latin American regionalism”. Contexto Internacional, vol. 40, n° 3, p. 573-594, 2018. , p. 587). Por consequência, o Mercosul social e participativo não desapareceu, mas deixou de ser prioritário.

Mariano, Bressan e Luciano (2021), por sua vez, destacaram uma inflexão importante no regionalismo latino-americano como resultante da ascensão de governos de direita na região. Essa inflexão pode ser observada com o surgimento de iniciativas voltadas para a criação de mecanismos de consulta intergovernamental com baixa complexidade em termos de desenho institucional, preservando a autonomia dos governos nacionais e com baixo comprometimento desses governos com políticas e decisões regionais. A criação desses mecanismos convive, atualmente, com projetos de integração regional, como o do Mercosul e da Comunidade Andina, bem como com projetos de cooperação. Exemplos de mecanismos de consulta podem ser localizados no Foro para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL, criado em 2019) e no Grupo de Lima (de 2017). Ambos seriam iniciativas de consulta, de baixa performance e altamente voláteis (Mariano; Bressan; Luciano, 2021, p. 4-5).

Nesse contexto atual, os governos nacionais não se mostraram interessados no aprofundamento de processos de integração regionais como o Mercosul e esse desinteresse resultou no desaparecimento da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), criada em 2008. A ênfase atual está em propostas de liberalização do comércio e de estímulo às negociações extrarregionais, como o Acordo de Associação entre Mercosul e União Europeia mencionado anteriormente. Para os autores, o Mercosul demonstra resiliência diante dos questionamentos que vem sofrendo desde as gestões de Macri e Temer na Argentina e no Brasil, respectivamente, e mesmo no último governo brasileiro que se encerrou no final de 2022.

Esse conjunto de análises contribuiu para explicar os atuais impasses do processo de integração regional do Mercosul, que se mostrou altamente dependente da dinâmica política e das alternâncias de poder nos seus Estados-membros. Nos dados apresentados nas duas seções precedentes deste artigo, é possível notar os dois momentos: especialmente nos anos 2000, a maior participação dos atores da sociedade civil foi favorecida por governos de esquerda nos dois principais países do bloco e constituiu um contexto de desenvolvimento de espaços institucionais de participação social ao lado da maior abertura à presença e à voz desses atores nesses espaços. O momento atual, por sua vez, é caracterizado por uma redução gradual da presença desses atores com consequente diminuição das contribuições apresentadas por eles no SGT10, mas, também, em outras instâncias de participação. Com a mudança de orientação do Mercosul para o livre comércio, apontado pelas análises de Briceño-Ruiz (2018)Briceño-Ruiz, J. “Times of change in Latin American regionalism”. Contexto Internacional, vol. 40, n° 3, p. 573-594, 2018. e Mariano, Bressan e Luciano (2021), ficaram ainda mais reduzidas as possibilidades de os atores da sociedade civil influenciarem, de alguma maneira, a tomada de decisões no Mercosul. Ademais, a agenda social e política perdeu importância pelo fato de os governos nacionais não a entenderem como relevante e privilegiarem a dimensão comercial, como observou Briceño-Ruiz (2018)Briceño-Ruiz, J. “Times of change in Latin American regionalism”. Contexto Internacional, vol. 40, n° 3, p. 573-594, 2018. . Isso explicaria a redução da participação no contexto da década de 2010, especialmente a partir de 2015-2016, quando governos de direita ascendem ao poder no Brasil (em 2016) e na Argentina (em 2015).

Além disso, o desconhecimento sobre o andamento de algumas ações aprovadas no SGT10, as críticas ao esvaziamento de comissões e a falta de envio de comunicados e convites são problemas identificados nas atas. Por um lado, essas lacunas informacionais e participativas ocorreram por falhas de governança institucional frente à multiplicidade temática e complexidade organizacional do SGT10. Por outro, as próprias estruturas e regras institucionais criadas não favoreceram a participação ampla, tendo em vista que as instâncias decisórias do Mercosul não sofreram interferências de interesses difusos, como se nota pela baixa incidência de aprovações de propostas de alto impacto nos dados apresentados na seção "Análise da participação dos quatro atores sociais selecionados" deste artigo.

Outro ponto a ser avaliado diz respeito aos recursos e à qualidade da participação dos atores sociais no Mercosul. A qualidade dessa participação está relacionada ao desenho institucional do Mercosul e à criação e manutenção de suas instâncias de participação. Para avaliar a qualidade da participação, é necessária a realização de entrevistas com atores que participaram das reuniões do SGT10, o que foge ao escopo deste artigo e constitui tema para pesquisas futuras que permitam avaliar essa qualidade a partir da perspectiva desses atores. Numa primeira entrevista já realizada (com um representante da CUT-Brasil), foi possível perceber que há descontentamento quanto aos limites impostos à participação dos atores sociais no SGT. Esses limites foram determinados pelo arranjo institucional do Mercosul estabelecido nas décadas de 1990 e 2000 e verificados nas atas nas quais constam decisões aprovadas sem o consenso de todos os presentes. É relevante lembrar, nesse sentido, que o SGT10 é uma instância que produz propostas de decisões e sua finalidade é assessorar o GMC na tomada de decisões. No entanto, essas decisões são aprovadas por esse órgão decisório - o GMC - que conta, apenas, com a presença e a participação de representantes dos Estados-Partes, a saber dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia e dos Bancos Centrais de cada país. A participação dos atores sociais no SGT tem o papel de fornecer elementos de consulta e colaboração técnica nos termos sugeridos pela abordagem de Jonsson e Tallberg (2010)Jonsson, C.; Tallberg, J. Transnational actors in global governance - patterns, explanations, and implications. Londres: Palgrave Macmillan, 2010. e mencionados na seção "Participação, democracia e organizações internacionais" deste artigo.

Do lado dos atores sociais, existe consenso sobre a necessidade de ampliação da participação e da maior chance de aprovação de propostas em casos de convergência. No entanto, a entrevista com representante da CUT-Brasil mencionada sugere que não há indícios de diálogo entre os atores. Mesmo assim, a convergência entre eles mostrou-se fundamental na aprovação de propostas dentro do SGT10, conforme demonstram os dados disponíveis na Tabela 2 . A possibilidade de se alcançar o consenso em torno das propostas é limitado pela falta de diálogo mais frequente entre os atores, conforme apontado pelo entrevistado. Mas quando esse consenso é alcançado, os atores sociais mostraram-se com condições de interferir na aprovação de propostas condizentes com seus interesses. Ocorreram, também, dificuldades para os atores sociais darem visibilidade às ações realizadas no âmbito do Mercosul, por meio da divulgação aos seus representados. Desse modo, as discussões ficaram restritas às entidades representativas, enquanto os representados, isto é, trabalhadores e empresários, permaneceram distanciados desse processo.

Tabela 2
: Cruzamento da posição dos empregadores e trabalhadores em relação às propostas aprovadas

Por fim, apesar das dificuldades práticas da participação dos atores sociais e das limitações institucionais do Mercosul - que, em certas instâncias, não favorecem a contribuição desses atores no processo decisório do bloco -, é necessário aprofundar as pesquisas sobre essa participação, pois ela pode revelar os limites e as perspectivas de influência de atores não governamentais em processos decisórios de organizações internacionais. Os resultados dessa influência podem variar de acordo com as características do processo político dessas organizações. Mas é salutar investigar esses resultados para verificar se existem mudanças ou novas perspectivas de participação desses atores dentro de organizações internacionais e regionais, como o Mercosul, num momento em que se observa novas mudanças no perfil político e ideológico dos presidentes dos Estados-membros desse bloco.

Tabela 3
: Coeficientes da regressão logit para explicar a aprovação

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  • 4
    Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no 12° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado de forma virtual, de 19 a 23 de outubro de 2020. Essa pesquisa contou com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por meio de concessão de bolsa de demanda social, e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), por intermédio da concessão de bolsa de Produtividade em Pesquisa. Os autores agradecem as recomendações apresentadas pelos pareceristas anônimos da Opinião Pública . Quaisquer problemas que eventualmente persistiram são de inteira responsabilidade dos autores.
  • 5
    Não se procurou avaliar aqui os resultados da participação por meio da sua materialização em políticas ou decisões específicas do GMC ou dos Estados nacionais, pois essa avaliação corresponderia a uma etapa seguinte da pesquisa, de natureza qualitativa. Essa etapa constitui uma pesquisa exaustiva sobre as resoluções aprovadas no GMC e uma análise subsequente da incorporação dessas resoluções nas políticas públicas nacionais. O objetivo aqui, no entanto, é mais modesto e envolve verificar como a participação ocorre em termos empíricos e não avaliar seus resultados. Essa avaliação, mesmo importante, ultrapassaria o escopo deste artigo.
  • 6
    A divisão em quinquênios é útil para reduzir pequenas variações de uma reunião para outra, além de permitir uma comparação entre períodos iguais.
  • 7
    Um exemplo dessas notícias pode ser observado no jornal argentino La Nación , 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2022
  • Aceito
    10 Maio 2023
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