Acessibilidade / Reportar erro

Produção legislativa e mediação política: as indicações na Câmara dos Deputados1 1 1 Agradecimentos aos pareceristas anônimos da revista pelas sugestões e críticas que muito contribuíram para o aprimoramento deste artigo. As falhas remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.

Legislative production and political mediation: indications in the Chamber of Deputies

Producción legislativa y mediación política: nominaciones en la Cámara de Diputados

Production législative et médiation politique: les indications à la Chambre des Députés

Este artigo apresenta uma análise da produção de indicações pelos deputados federais no intervalo 2007-2018. A indicação é um dispositivo legislativo que se caracteriza como sugestão, por meio da qual os parlamentares solicitam ao poder executivo " e outros órgãos administrativos " a realização de obras públicas, a regulação ou a prestação de serviços. Além de apresentar um panorama sobre a produção de indicações no período mencionado, defende-se no artigo a hipótese de que os deputados mobilizam as indicações em busca da distribuição de benefícios concentrados para, com isso, auferir ganhos eleitorais. Defende-se, também, a hipótese de que os deputados governistas, por terem expectativas mais positivas em relação ao acolhimento de suas sugestões pelo governo, são mais profícuos na produção de indicações. Para testar as hipóteses, o artigo conta com 19.058 indicações devidamente categorizadas. Os dados mostram que, de fato, os deputados federais fazem um uso ostensivo das indicações visando transferir benefícios para seus distritos e, ainda, que os deputados governistas são mais propensos a emitir indicações do que os não governistas.

produção legislativa; indicações; Câmara dos Deputados


Abstract

The article analyzes the production of indications by federal deputies from 2007 until 2018. The indication is a legislative measure that is characterized as a suggestion, which parliamentarians use to request that the executive branch " and other public bodies "carry out public works, regulate or provide services. In addition to presenting an overview of the production of indications in the period mentioned, the article defends the hypothesis that deputies use indications to distribute concentrated benefits to obtain electoral gains. It also defends the hypothesis that deputies that support the government, because they have more positive expectations in relation to the acceptance of their suggestions by the government, are more fruitful in the production of indications. To test the hypotheses, the article examined 19,058 properly categorized indications. The data shows that federal deputies make ostensive use of indications to transfer benefits to their districts and that deputies that support the government are more likely to propose indications than deputies that do not.

legislative production; recommendations; Chamber of Deputies

Resumen

El artículo presenta un análisis de la producción de nominaciones por diputados federales en el período 2007-2018. La indicación es un dispositivo legislativo que se caracteriza por ser una sugerencia, a través del cual los parlamentares solicitan al Poder Ejecutivo - y otros organismos públicos - realizar obras públicas, regular o prestar servicios. Además de presentar un panorama de la producción de recomendaciones en el período mencionado, el artículo defiende la hipótesis de que los diputados movilizan indicaciones buscando, principalmente, distribuir beneficios concentrados y con ello obtener ganancias electorales. También defiende la hipótesis de que los diputados de gobierno, por tener expectativas más positivas en relación a la aceptación de sus sugerencias por parte del gobierno, son más fructíferos en la producción de indicaciones. Para probar las hipótesis, el artículo tiene 19.058 recomendaciones debidamente categorizadas. Los datos muestran que, de hecho, los diputados federales hacen un uso ostensible de las indicaciones para transferir beneficios a sus distritos y también que es más probable que los diputados gubernamentales propongan recomendaciones que los diputados no gubernamentales.

producción legislativa; recomendación; Cámara de los Diputados

Résumé

L'article présente une analyse de la production de candidatures par les députés fédéraux au cours de la période 2007-2018. L'indication est un dispositif législatif qui se caractérise comme une suggestion, à travers lequel les parlementaires demandent à l'exécutif - et à d'autres organismes publics - d'exécuter des travaux publics, de réglementer ou de fournir des services. En plus de présenter un état des lieux de la production des nominations au cours de la période évoquée, l'article défend l'hypothèse que les députés mobilisent les nominations principalement en cherchant à répartir des bénéfices concentrés et ainsi obtenir des gains électoraux. Il défend également l'hypothèse selon laquelle les députés du gouvernement, parce qu'ils ont des attentes plus positives par rapport à l'acceptation de leurs suggestions par le gouvernement, sont plus fructueux dans la production de candidatures. Pour tester les hypothèses, l'article a 19 058 indications correctement catégorisées. Les données montrent qu'en fait les députés fédéraux utilisent ostensiblement les candidatures pour transférer des avantages à leurs districts et aussi que les députés du gouvernement sont plus susceptibles de proposer des candidatures que les députés non gouvernementaux.

production législative; les indications; Chambre des Députés

Introdução

A produção de leis é parte essencial das atividades dos deputados federais e tem ocupado uma parcela importante dos estudos sobre a Câmara dos Deputados brasileira (Figueiredo; Limongi, 1994, 1999, 2008; Ames, 1995Ames, B. “Electoral rules, constituency pressure, and pork barrel: bases of voting in the Brazilian Congress”. Journal of Politics, Chicago, vol. 57, nº 2, p. 324-343, 1995.; Amorim Neto; Santos, 2002, 2003; Carvalho, 2003Carvalho, N. R. E no início eram as bases. Rio de Janeiro: Revan, 2003.; Ricci, 2003Ricci, P. “O conteúdo da produção legislativa brasileira: leis nacionais ou políticas paroquiais?”. Dados, Rio de Janeiro, RJ, vol. 46, nº 4, p. 699-734, 2003.; Ricci; Lemos, 2004Ricci, P.; Lemos, L. B. “Produção legislativa e preferências eleitorais na comissão de agricultura e política rural da Câmara”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, SP, vol. 19, nº 55, p. 107-130, 2004.; Araújo, 2009Araújo, P. M. “O bicameralismo no brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho legislativo do Senado Federal (1989-2004)”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.; Darrieux, 2020Darrieux, R. S. P. “Determinantes do sucesso legislativo parlamentar na Câmara de Deputados do Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Rio de Janeiro, 2020.). Nesses estudos, o foco é posto principalmente na produção legislativa típica " leis ordinárias, complementares e emendas constitucionais ", sendo o objetivo captar variáveis político-institucionais que afetam o comportamento dos legisladores enquanto produtores de leis e representantes de territórios, de segmentos sociais específicos e da sociedade como um todo.

No Brasil, pesquisas nesse campo mostram que as instituições políticas nacionais, dentro e fora do parlamento, produzem incentivos contraditórios para os parlamentares. De um lado, há variáveis, como a lista aberta e o voto proporcional, que induzem os deputados a produzir legislação clientelista (Ames, 1986Ames, B. “O congresso e a política orçamentária no Brasil durante o período autoritário”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 29, p. 177-205, 1986.; Santos, 1994Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994.; Lemos, 2001Lemos, L. B. “O Congresso Brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista”. Dados, vol. 44, nº 3, p. 561-630, 2001.; Carvalho, 2003Carvalho, N. R. E no início eram as bases. Rio de Janeiro: Revan, 2003.; Nicolau, 2006Nicolau, J. “O sistema eleitoral de lista aberta no Brasil”. Dados, vol. Rio de Janeiro, RJ, v.49, nº 4, p. 689-720, 2006.). De outro, há a organização parlamentar e a centralidade legiferante do Executivo, que coíbem as tendências distributivas e impelem os deputados federais a produzir legislação regulatória de impacto difuso (Figueiredo; Limongi, 1994, 1999; Amorim Neto; Santos, 2002, 2003; Ricci, 2006; Araújo, 2008Araújo, P. M. A Câmara Alta no Legislativo brasileiro: o desempenho legislativo do Senado entre 1989-2000. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008.).

O diagnóstico dos pesquisadores corrobora ora um lado, ora outro. Afinal, considerada a produção legislativa, o que se pode dizer sobre os deputados federais? São paroquialistas ou preocupados com o bem-estar geral da sociedade? Para responder essa questão, Amorim Neto e Santos (2002) miraram outros tipos de produção legislativa que, embora não tenham a força normativa das leis, têm efeitos políticos relevantes, permitindo compreender melhor o comportamento parlamentar à luz dos incentivos políticos e institucionais que o orientam. A produção em questão é composta por decretos legislativos e resoluções.

Esses instrumentos, que constam no artigo 59 da Constituição e no artigo 109 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), são atribuições exclusivas do Poder Legislativo, não sujeitas a vetos do Executivo. Dada a liberdade que os deputados têm para produzir decretos e resoluções, é de se esperar que tais recursos sejam mobilizados para dar vazão aos pendores legiferantes dos legisladores. De fato, isso se comprova no estudo supracitado, o qual mostra a predileção dos parlamentares por decretos e resoluções que produzem efeitos concentrados, voltados para territórios ou segmentos específicos da sociedade.

Há ainda um tipo de produção legislativa sem força de lei, que nem sequer consta na Constituição, mas é mencionado no artigo 109 do RICD, e funciona como importante mecanismo de sinalização de preferências e de mediação entre os eleitores e o Executivo. Trata-se da indicação, por meio da qual os parlamentares fazem sugestões ao governo ou a outros órgãos públicos para que implementem decisões políticas não facultadas aos legisladores. Às indicações, de praxe, não cabe recusa " são lidas, publicadas e enviadas às instâncias pertinentes. Uma vez que não há restrições quanto à emissão de sugestões e não há custos políticos para sua proposição, é de se esperar que os deputados usem o mecanismo para sinalizar ao governo e a outros órgãos da administração as demandas de suas bases eleitorais, sejam elas paróquias ou segmentos sociais não territorialmente circunscritos. Na literatura especializada, há poucos estudos sobre indicações, todos referentes a municípios ou estados (D'Ávila Filho; Lima; Jorge, 2011, 2014; Rangel, 2014Rangel, A. “Produção parlamentar municipal: os projetos de indicação”. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, Vitória, ES, vol. 2, nº 1, p. 113-132, 2014.; Simões, 2016Simões, J. C. C. “Conexão Eleitoral e Comportamento Parlamentar no Estado do Espírito Santo”. In: Anais do I Seminário de Ciências Sociais PGCS-UFES, Vitória, 2016., 2018Simões, J. C. C. “Conexão eleitoral e comportamento parlamentar: um estudo a partir da Assembleia Legislativa do Espírito Santo entre 1999 e 2010”. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018.). Nenhum estudo até hoje realizado envolve a produção de indicações no plano federal. Este artigo pretende suprir essa lacuna.

Presumindo-se que os legisladores buscam maximizar ganhos eleitorais por meio da atuação legislativa, e que os deputados governistas tendem a construir relações mais sinérgicas com o Poder Executivo, este artigo analisa a produção de indicações e procura testar duas hipóteses. A primeira é a de que os deputados, preocupados em agradar seu eleitorado, mobilizariam esse instrumento legislativo para sinalizar ao Executivo as demandas dos municípios que integram seus distritos eleitorais. Espera-se constatar que as indicações são usadas amplamente e que a maior parte delas mira territórios específicos, não o território nacional. A segunda hipótese tem relação com os cálculos feitos pelos parlamentares para mobilizar o instrumento legislativo: deputados governistas seriam mais propensos a emitir indicações, tendo em vista que, sendo aliados, acreditam ter mais chances de suas demandas serem atendidas " como contraparte do Executivo ao apoio parlamentar que o governo recebe ou espera receber.

O artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. A próxima seção, "Instituições políticas e incentivos à produção legislativa", discute brevemente a literatura sobre esse tema no Brasil, ressaltando seus fundamentos institucionais. A seção seguinte, "Indicações e mediações políticas: os parlamentares entre o Executivo e os eleitores", apresenta a produção de tipos infralegais de elaboração legislativa, aborda as indicações e busca provar que esses instrumentos legislativos induzem os legisladores a propor decisões que geram benefícios concentrados. A terceira seção, intitulada "As indicações na Câmara dos Deputados: um panorama da produção entre 2007 e 2018", discute a produção de indicações, analisando-a no contexto da produção legislativa geral, da qual é parte expressiva. Esta seção corrobora a primeira hipótese, mostrando que as indicações, embora possam ser coletivas, são quase sempre iniciativas individuais e propõem benefícios exclusivos para os distritos eleitorais. Na quarta seção, nomeada "Indicações, partidos, governo e conexões eleitorais", busca-se verificar a pertinência da segunda hipótese, na qual os deputados governistas são os que mais mobilizam as indicações. Encerrando o artigo, são apresentadas as "Considerações finais".

Instituições políticas e incentivos à produção legislativa

Há uma importante literatura na ciência política que interpreta a produção legislativa com base nos incentivos institucionais, os quais afetam o comportamento dos deputados nas arenas eleitoral e parlamentar. São dois campos de estudos distintos, embora interligados, que visam identificar e mensurar as variáveis explicativas do comportamento parlamentar, particularmente no tocante à produção legislativa em conexão com a dinâmica das eleições (Mayhew, 1974Mayhew, D. Congress: The Electoral Connection. Yale: Yale University Press, 1974.; Ames, 1986Ames, B. “O congresso e a política orçamentária no Brasil durante o período autoritário”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 29, p. 177-205, 1986.; Figueiredo; Limongi, 1994, 1999, 2008; Santos, 1994Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994., 2003; Lemos, 2001Lemos, L. B. “O Congresso Brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista”. Dados, vol. 44, nº 3, p. 561-630, 2001.; Carvalho, 2003Carvalho, N. R. E no início eram as bases. Rio de Janeiro: Revan, 2003.; Nicolau, 2004Nicolau, J. Sistemas Eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004., 2006Nicolau, J. “O sistema eleitoral de lista aberta no Brasil”. Dados, vol. Rio de Janeiro, RJ, v.49, nº 4, p. 689-720, 2006.).

Estudos no campo eleitoral põem foco nas regras que conformam os processos eleitorais e fomentam no legislativo comportamentos afinados, em maior ou menor grau, com os interesses e demandas das bases dos representantes (Mayhew, 1974Mayhew, D. Congress: The Electoral Connection. Yale: Yale University Press, 1974.; Ames, 1986Ames, B. “O congresso e a política orçamentária no Brasil durante o período autoritário”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 29, p. 177-205, 1986.; Santos, 1994Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994.; Carvalho, 2003Carvalho, N. R. E no início eram as bases. Rio de Janeiro: Revan, 2003.; Lemos, 2001Lemos, L. B. “O Congresso Brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista”. Dados, vol. 44, nº 3, p. 561-630, 2001.; Nicolau, 2004Nicolau, J. Sistemas Eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004., 2006Nicolau, J. “O sistema eleitoral de lista aberta no Brasil”. Dados, vol. Rio de Janeiro, RJ, v.49, nº 4, p. 689-720, 2006.). Esses estudos concluem, em geral, que a produção legislativa reflete os incentivos oriundos das eleições " incentivos estes que redundam em comportamentos individuais clientelistas e na produção de decisões parlamentares do tipo pork barrel.

Estudos no campo parlamentar miram a organização interna do parlamento e buscam entender como a dinâmica do processo legislativo induz a comportamentos individualistas ou partidários (Krehbiel, 1991Krehbiel, K. Information and legislative organization. Ann Arbor: The University of Chicago Press, 1991.; Cox; McCubbins, 1993Cox, G.; McCubbins, M. D. Legislative leviathan: party govern in the House. Berkeley: University of California Press, 1993.; Figueiredo; Limongi, 1994, 1999, 2008; Pereira; Shepsle; Weingast, 1995Shepsle, K. A.; Weingast, B. R. Positive theories of congressional institutions. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1995.; Mueller, 2000; Santos, 2003; Santos; Almeida, 2005Santos, F.; Almeida, A. "Teoria Informacional e a Seleção de Relatores na Câmara dos Deputados". Dados " Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, RJ, vol. 48, nº 4, p. 693-735, 2005.). Essa literatura, surgida nos Estados Unidos e replicada no Brasil, apresenta três modelos teóricos que postulam diferentes funções para a organização parlamentar: (a) o modelo distributivo, segundo o qual o processo legislativo se organiza de forma a propiciar ganhos de troca individuais e produção de pork; (b) o informacional, conforme o qual a organização parlamentar visa produzir e difundir informações entre os legisladores para minimizar a incerteza e incrementar ganhos coletivos; e (c) o modelo partidário, que professa a primazia dos partidos no processo decisório, caracterizado por estratégias que visam reforçar o label dos partidos frente aos parlamentares e seus eleitores. Essa última vertente, ao colocar ênfase na força parlamentar dos partidos políticos, chega a conclusões diferentes daquelas que focam na arena eleitoral e na performance distributiva do plenário e das comissões.

No Brasil, nas últimas décadas, pesquisadores desses dois campos " o parlamentar e o eleitoral " têm envidado esforços para interpretar a produção legislativa de senadores (Araújo, 2008Araújo, P. M. A Câmara Alta no Legislativo brasileiro: o desempenho legislativo do Senado entre 1989-2000. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008., 2009Araújo, P. M. “O bicameralismo no brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho legislativo do Senado Federal (1989-2004)”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.; Ricci, 2008Ricci, P. Produção legislativa de iniciativa parlamentar no Congresso: diferenças e similaridades entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008.), deputados federais (Figueiredo; Limongi, 1994, 1999, 2008; Amorim Neto; Santos, 2002), deputados estaduais (Santos, 2001Santos, F. O Poder Legislativo nos Estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.; Tomio; Ricci, 2018Tomio, F.; Ricci, P. (Orgs.). Governadores e assembleias legislativas: instituições e política nos estados brasileiros. São Paulo: Alameda, 2018.) e vereadores (D'Ávila Filho; Lima; Jorge, 2011, 2014; Rocha; Kerbauy, 2014Rocha, M. M.; Kerbauy, M. T. M. (Orgs.). Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014.). Os estudos de brasileiros ou de brasilianistas centrados na arena eleitoral buscam mostrar como o sistema de lista aberta, combinado com eleições proporcionais e multipartidarismo, induz a um comportamento individualista e centrífugo no âmbito do parlamento " este se caracterizaria por uma produção legislativa de impacto concentrado, voltado para os redutos eleitorais dos parlamentares. Por essa vertente, o arranjo institucional tem como consequências o estreitamento dos vínculos diretos entre os parlamentares com suas bases, o acirramento da competição eleitoral entre correligionários e a disputa entre parlamentares na arena legislativa (Ames, 1986Ames, B. “O congresso e a política orçamentária no Brasil durante o período autoritário”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 29, p. 177-205, 1986., 1995Ames, B. “Electoral rules, constituency pressure, and pork barrel: bases of voting in the Brazilian Congress”. Journal of Politics, Chicago, vol. 57, nº 2, p. 324-343, 1995., 2000Ames, B. The Deadlock of Democracy in Brazil. Ann Arbor: Michigan University Press, 2000.; Mainwaring, 2001Mainwaring, S. Sistemas Partidários: o caso do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.). Juntos, esses fatores tenderiam a enfraquecer os partidos e a reforçar o poder dos legisladores individuais nas decisões políticas federais, resultando na produção de políticas paroquiais.

Essa visão, entretanto, tem sido em parte contestada por estudos brasileiros com foco na organização parlamentar, em especial pelos estudos que adotam a vertente partidária. No âmbito dessa discussão, essa vertente foi inicialmente defendida por Figueiredo e Limongi (1996, 1999) em pesquisa sobre a Câmara dos Deputados, inaugurando um debate que questionou a explicação centrada no sistema eleitoral e pôs em pauta a discussão sobre a importância dos partidos nas decisões da Câmara. Para os autores, os partidos seriam forças não negligenciáveis no processo decisório intraparlamentar e deteriam, por meio de suas lideranças, poder para induzir os legisladores ao comportamento partidariamente orientado.

Essa literatura também mostra que uma importante especificidade do Brasil em relação aos EUA é a influência do Executivo no trabalho legislativo do Congresso Nacional. Enquanto nesse último país o Poder Executivo é virtualmente destituído do poder de legislar, aqui, ele tem prerrogativas constitucionais exclusivas " a proposição de leis orçamentárias e administrativas ", e ainda compete com os parlamentares nas áreas em que estes podem atuar. Ademais, para viabilizar a implementação de sua agenda, o governo pode lançar mão da urgência, da medida provisória e da troca de cargos no Executivo para conseguir a cooperação de uma maioria. Feitos os acordos, o Poder Executivo passa a contar com o apoio de lideranças partidárias no Congresso Nacional, de modo a ter suas propostas acolhidas, viabilizando, assim, a aprovação de legislação de interesse governamental.

Da parte do legislativo, a ausência de poder dos deputados para legislar em áreas relacionadas ao orçamento federal e à administração pública " campos de políticas cobiçadas pelos deputados " resulta na limitação do potencial legiferante, em particular na capacidade de produzir leis que alocam recursos públicos para suas clientelas em seus redutos eleitorais.

De fato, pesquisas empíricas mostram que, devido às limitações decorrentes desse arranjo político-institucional, a produção legislativa no nível federal não é predominantemente caracterizada por decisões políticas do tipo pork (medidas distributivas com custos difusos e impacto concentrado). Ao contrário, as decisões produzidas são majoritariamente regulatórias, com efeitos difusos e orientadas para políticas de interesse dos partidos e dos governos de plantão.

Não podendo legislar na área de sua predileção " leis distributivas de impacto concentrado ", os parlamentares limitar-se-iam a propor e aprovar a legislação possível. Apontando nessa direção, Ricci (2008Ricci, P. Produção legislativa de iniciativa parlamentar no Congresso: diferenças e similaridades entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008., p. 261) mostrou que, entre 1991 e 2003, cerca de 42% dos projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional eram de amplo impacto. Araújo (2008)Araújo, P. M. A Câmara Alta no Legislativo brasileiro: o desempenho legislativo do Senado entre 1989-2000. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008. analisou a produção legislativa do Congresso Nacional de 1989 a 2000, mostrando que 54,9% dos projetos da Câmara e do Senado eram de cunho social e 60,4% tinham impacto nacional. Amorim Neto e Santos (2002, p. 100-101) também analisaram a produção legislativa do Congresso e mostraram que 46% das leis aprovadas de 1985 a 1999 eram de natureza social e 68% tinham impacto de abrangência nacional. Lemos (2001)Lemos, L. B. “O Congresso Brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista”. Dados, vol. 44, nº 3, p. 561-630, 2001. estudou o período de 1988 a 1994 e verificou que 48% da legislação que tratava de educação e saúde eram de efeito amplo, conforme a autora: "O Congresso, a despeito das críticas, e embora certamente abarque o paroquialismo, atua predominantemente no sentido de difundir benefícios e não de concentrá-los [...]. Não se pode deixar de atribuir tais resultados às regras e aos procedimentos que restringem a atividade particularista" (Lemos, 2001Lemos, L. B. “O Congresso Brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista”. Dados, vol. 44, nº 3, p. 561-630, 2001., p. 595, grifos acrescentados).

Esse fenômeno revela que, diante das limitações que afetam o seu poder de legislar, os parlamentares adaptam suas estratégias para desempenhar sua função representativa. Amorim Neto e Santos observam que, historicamente, o Poder Executivo, nas democracias, foi incumbido de legislação estrutural e de maior amplitude, com sua atuação sendo pautada pelas necessidades do governo de atuar programaticamente. Essa concentração do poder decisório no Executivo "significa que o tratamento fornecido [por ele] à agenda social tende a assumir características mais gerais ou abstratas, pois derivam de programas que não tocam nos problemas concretos e cotidianos dos cidadãos" (Amorim Neto; Santos, 2002, p. 107). Tais problemas, no entanto, precisam ser enfrentados com legislação apropriada. Nesse ponto, entra o Legislativo, regulando aspectos da vida social não contemplados em seus detalhes pela legislação proposta pelo governo central.

O fato é que a limitação constitucional imposta ao parlamento federal para produzir leis que aloquem recursos tem efeito no perfil da produção legislativa, induzindo os parlamentares a produzir leis de um certo tipo: social de impacto difuso. E há mais: uma vez restritas as possibilidades de aprovar sua legislação predileta, deputados e senadores recorrem a outros tipos de proposições legislativas que não os projetos de lei.

Indicações e mediações políticas: os parlamentares entre o Executivo e os eleitores

No Brasil, conforme dito, legisladores são constitucionalmente impedidos de aprovar legislação de sua preferência. Mas a legislação ordinária, a complementar e a emenda constitucional são apenas alguns dos instrumentos dos quais os parlamentares podem lançar mão para manifestar seus interesses e representar suas bases. No Senado e na Câmara, há três outros tipos de proposição no rol de atribuições dos parlamentares que lhes permitem manifestar seu interesse em auferir ganhos políticos, particularmente, distribuindo benefícios concentrados: os decretos legislativos, as resoluções e as indicações3 3 As emendas aos projetos de lei e as propostas de emenda constitucional também podem servir aos parlamentares para direcionar recursos para suas bases, particularmente as emendas a projetos de lei de natureza orçamentária. Efetivamente, os parlamentares lançam mão desse instrumento em volume expressivo (Sobre emendamentos no Senado, ver Araújo, 2015). Essa discussão, no entanto, está fora do escopo deste artigo. . Os dois primeiros tipos, ao serem aprovados no parlamento, geram efeitos que alteram o status quo; o terceiro tipo, o qual não gera tais efeitos e dispensa aprovação, serve como instrumento para os parlamentares sinalizarem ao Executivo, chamando sua atenção para demandas das bases eleitorais.

O art. 10 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece que a Casa "exerce a sua função legislativa por meio de projeto de lei ordinária ou complementar, de decreto legislativo ou de resolução, além da proposta de emenda à Constituição". Tendo em vista que os parlamentares são agentes racionais e se preocupam com a reeleição, depreende-se da norma regimental que eles mobilizam os instrumentos formais disponíveis para atender aos interesses das bases que lhes dão ou podem vir a dar apoio eleitoral. Um volume substantivo de decisões de impacto relevante pode ser produzido por meio dos decretos legislativos e também das resoluções, e esses instrumentos são efetivamente mobilizados pelos parlamentares em prol dos interesses que representam (Amorim Neto; Santos, 2002). Vale uma breve definição de cada um desses instrumentos.

Os decretos legislativos estão previstos no art. 59 da Constituição, inciso VI. Segundo o glossário dos termos legislativos, disponível no site do Congresso Nacional, os decretos legislativos são uma espécie normativa que regula matérias de competência exclusiva do parlamento. Por meio deles, o Congresso Nacional julga as contas do presidente da República; resolve definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais; aprecia atos de concessão ou renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; autoriza o Presidente da República a se ausentar do país por mais de quinze dias; disciplina as relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias não convertidas em lei; escolhe dois terços dos Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU); autoriza referendo e convoca plebiscito; e susta atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do seu poder regulamentar. Importa observar que decretos legislativos se prestam a regular matérias de exclusiva competência do Poder Legislativo, sem a necessidade de sanção do Presidente da República (art. 109, inciso II, RICD).

As resoluções, como os decretos, estão previstas no art. 59 da Constituição, inciso VII. No glossário dos termos legislativos, resoluções são definidas como atos normativos que regulam matérias da competência privativa da Casa Legislativa, de caráter político, processual, legislativo ou administrativo4 4 Disponível em: <https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes/glossario-legislativo>. Acesso em: 27 jun. 2022. . Às resoluções também não cabe sanção presidencial.

Embora pouco estudados, decretos legislativos e resoluções são utilizados com frequência por senadores e deputados. Os decretos são decisões do Congresso Nacional e tramitam bicameralmente ao passo que as resoluções são privativas de cada Casa. Amorim Neto e Santos (2002) informam que, entre 1986 e 1999, o Congresso aprovou 1.176 decretos legislativos, sendo 55,1% de impacto localizado. Segundo os autores, "a tendência central desse tipo de norma é contemplar questões locais, mais especificamente as que giram em torno do acesso aos meios de comunicação nos municípios" (Amorim Neto; Santos, 2002, p. 127).

Com relação às resoluções, também avaliadas no trabalho mencionado, os autores informam que, no período de 1985 a 1999, 1.479 foram aprovadas no Senado, das quais 49,5% produziram impacto local e 33,7%, impacto regional. Isso mostra que parte expressiva das resoluções aprovadas abordou temas caros aos municípios ou aos estados da federação (Amorim Neto; Santos, 2002). No referido estudo, os autores não avaliaram as resoluções aprovadas na Câmara dos Deputados no mesmo período.

Também ficou por ser avaliado o terceiro dispositivo acima citado: a indicação, prevista no art. 113 do RICD. As indicações da Câmara são um tipo de proposição sem força normativa. Segundo o glossário do Congresso Nacional, elas são uma via pela qual os parlamentares, individual ou coletivamente, sugerem a qualquer outro poder a adoção de providência, a realização de ato administrativo ou de gestão, ou o envio (ao Congresso) de projeto sobre matéria de iniciativa exclusiva do poder ao qual a indicação é direcionada. Importa esclarecer que, embora o texto regimental faça referência apenas a "outro Poder", observa-se que na prática as indicações são mobilizadas pelos parlamentares para acionar diversas outras instâncias decisórias, como os governos estaduais, reitores de universidades, presidentes de agências regulatórias e de bancos públicos, secretarias de governo etc. As indicações podem, ainda, ser utilizadas para sugerir a manifestação de uma ou mais comissões da Casa, visando à elaboração de projeto sobre matéria de iniciativa da Câmara5 5 No Senado Federal, a indicação é uma proposição que corresponde à sugestão de senador ou comissão para que o assunto nela focalizado seja objeto de providência ou estudo pelo órgão competente da Casa, com a finalidade de seu esclarecimento ou formulação de proposição legislativa. Porém, desde a promulgação da Resolução do Senado Federal nº 14, de 2019, a indicação passou a ser, também, "uma sugestão a outro Poder para a adoção de providência, a realização de ato administrativo ou de gestão ou o envio de projeto sobre matéria de sua iniciativa exclusiva". (Grifos acrescentados. Disponível em: <https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes/glossario-legislativo/-/legislativo/termo/indicacao>. Acesso em: 29 jun. 2022). .

Assim como ocorre com relação aos decretos legislativos e às resoluções, as pesquisas sobre a produção de indicações são escassas. Os poucos estudos conhecidos analisam o uso desse instrumento apenas nos municípios (D'Ávila Filho; Lima; Jorge, 2014; Rangel, 2014Rangel, A. “Produção parlamentar municipal: os projetos de indicação”. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, Vitória, ES, vol. 2, nº 1, p. 113-132, 2014.; Silva, 2014Silva, B. S. Produção legislativa e relações Executivo-Legislativo no nível local: uma análise das indicações e dos requerimentos na Câmara Municipal de Araraquara " SP. In: Rocha, M. M.; Kerbauy, M. T. M. (Orgs.). Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014.) e nos estados (Simões, 2018Simões, J. C. C. “Conexão eleitoral e comportamento parlamentar: um estudo a partir da Assembleia Legislativa do Espírito Santo entre 1999 e 2010”. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018.). Inexistem estudos sobre a produção de indicações na Câmara ou no Senado. Com relação a essa Casa, essa ausência é compreensível, pois só a partir de setembro de 2019 a definição de indicação foi alterada no Regimento Interno da Casa, tornando-a um meio para a interação dos senadores com o Executivo e outras instâncias decisórias. Na Câmara, no entanto, essa ausência surpreende, já que as indicações estão previstas no Regimento da Casa desde 1991.

Embora as indicações, por não terem poder normativo, possam ser consideradas irrelevantes ou uma mera "perfumaria" legislativa, não se pode negligenciar sua importância como mecanismo de intermediação política (D'Ávila Filho, Lima; Jorge, 2011). Segundo Mayhew (1974)Mayhew, D. Congress: The Electoral Connection. Yale: Yale University Press, 1974., com olhos na reeleição, os parlamentares se engajam em três atividades típicas durante o mandato, de modo a manter a conexão com seus eleitores. São elas: a propaganda (advertising), a tomada de posição (position-taking) e a reivindicação de crédito (credit claiming). Claramente, as indicações são mais relacionadas à terceira. Embora sejam "meras" sugestões, elas podem ser instrumentalizadas pelos deputados para obter reconhecimento pela transferência de benefícios a seus redutos eleitorais. Uma indicação atendida pode permitir ao parlamentar reivindicar o crédito por sua realização, mas mesmo as não atendidas podem ser mobilizadas como sinal de que o representante se preocupa com suas bases e faz o possível para atender suas demandas. Ademais, não se pode ignorar a importância simbólica desse instrumento, o qual pode estreitar os vínculos subjetivos entre os representantes e suas bases.

As indicações não carecem de aprovação, não cabendo sua rejeição. São lidas, publicadas e encaminhadas pela Mesa Diretora ao Poder ou ao órgão ao qual são endereçadas. Sendo uma iniciativa sem custos e sem óbices, é de se esperar que seja utilizada pelos parlamentares para manifestar suas demandas junto às instâncias de interesse " mais comumente ao Poder Executivo, através de seus ministérios. Por se tratar de uma sugestão, não há limites à produção de proposições de cunho distributivo e impacto local, motivo pelo qual se trabalha com a hipótese de que, ao produzir indicações, os parlamentares expressam suas preferências por políticas do tipo pork. Importa reiterar que uma das funções da indicação é sugerir ao outro Poder a adoção de uma providência que, por limite legal ou constitucional, nem o legislador, nem o Legislativo podem adotar diretamente " é o caso, por exemplo, de sugerir ao Poder Executivo a contratação de aprovados em concursos públicos, a construção de hospitais e escolas ou a pavimentação de ruas. Daí se extrai a hipótese de que os parlamentares fazem com as indicações algo que não podem fazer pela via das leis ordinárias ou complementares: a mediação estratégica das relações entre cidadãos e governo, com vistas a promover a transferência concentrada de recursos para seus redutos eleitorais reais ou potenciais.

Há uma segunda hipótese. Por serem um canal privilegiado de contato com o Poder Executivo, espera-se que as indicações sejam mais frequentemente mobilizadas pelos parlamentares que pertencem à base governista, viabilizando as trocas políticas entre o Executivo e os membros da coalizão. Como se trata de uma proposição que carece do acolhimento governamental, é lógico pensar que os membros da base aliada se sintam mais confiantes para sugerir ao Poder Executivo a realização de obras ou serviços nos distritos eleitorais formais (estados) ou informais (municípios). Em tese, os membros da coalizão governista têm mais chances de ser atendidos do que os demais, e esse cálculo supostamente afeta a disposição dos deputados para mobilizar ou não o referido dispositivo legislativo. As indicações consistem, nesse caso, em instrumentos de barganha que, por um lado, viabilizam acordos envolvendo o reforço da base governista e, por outro, permitem aos parlamentares responder a seus distritos para se promoverem eleitoralmente. Em outras palavras, o atendimento às indicações por parte do Poder Executivo pode ser um estímulo adicional à fidelidade dos parlamentares, e supõe-se que isso é mais provável quando eles pertencem à base governista.

Há na literatura especializada argumentos que motivam essa hipótese. Amorim Neto e Santos (2002) afirmam que deputados com mais recursos devem gozar de maior probabilidade de ter seus projetos aprovados do que deputados com menos recursos (p. 110). Os autores não trabalham especificamente com a adesão à base do governo, mas é razoável pensar que a participação na coalizão governista é um ativo político que viabiliza o sucesso de proposições parlamentares, particularmente quando a aprovação de tais proposições depende da anuência do chefe do Executivo. Os deputados governistas não apenas teriam mais chances de aprovar suas proposições, mas, antevendo isso, teriam mais estímulos para apresentá-las. Estudos sobre a relação entre deputados estaduais e governadores também mostram que os deputados governistas não só têm mais incentivos para apresentar projetos como têm mais chances de ver seus projetos aprovados pelo Executivo, que, em última instância, pode vetá-los (Araújo, 2018Araújo, P. M. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais: divisão de poderes, comportamento parlamentar e produção legislativa entre 1995 e 2010. In: Ricci, P.; Tomio, F. (Orgs.). Instituições políticas nos estados brasileiros Governadores e Assembleias Legislativas no Brasil contemporâneo. São Paulo: Alameda Casa Editorial, p. 405-436, 2018.; Rainha, 2018Rainha, J. Espírito Santo: dinâmica partidária, produção legal e relação entre os poderes Executivo e Legislativo entre 2003-2010. In: Tomio, F.; Ricci, P. (Orgs.). Governadores e assembleias legislativas: instituições e política nos estados brasileiros. São Paulo: Alameda, p. 431-465, 2018.).

Isso posto, é razoável supor que os legisladores aliados, por pertencerem à base governista e por se virem favorecidos na interação com o governo, são mais propensos a apresentarem indicações. De um lado, há um Executivo motivado a atender demandas de seus aliados como forma de reforçar seu apoio legislativo. De outro, há deputados que se sentem estimulados a apresentar indicações por pertencerem à base do governo e vislumbrarem mais chances de ser atendidos.

Entende-se que a concentração de poder no Executivo e a impotência dos parlamentares, para favorecer suas bases com a legislação típica, fazem com que eles lancem mão de instrumentos legislativos secundários " como decretos legislativos, resoluções e indicações. O presente artigo trata dessas últimas6 6 Aqui, vale uma palavra sobre eficácia legislativa, no sentido de Volden e Wiseman (2014, 2017), 2017). Nos termos desses autores, a eficácia se relaciona com a capacidade dos parlamentares para aprovar legislação relevante, com base nos ativos políticos que dominam, superando os obstáculos presentes no processo decisório. Em outros termos, "eficácia [...] é o grau de sucesso com que um parlamentar consegue avançar com iniciativas legislativas de sua autoria através do processo legislativo no sentido de torná-las normas jurídicas" (Carvalho; Batista, 2018). Contudo, conforme exposto, as indicações " diferentemente dos projetos de lei e de emenda constitucional " não têm custos políticos, têm custos operacionais mínimos, de modo que não permitem inferências sobre a eficácia dos deputados na aprovação de medidas políticas. Para considerar a eficácia envolvendo as indicações, seria necessário avaliar com que frequência elas são convertidas em decisões políticas ou obras públicas, mas essa avaliação ultrapassa os limites deste artigo. Em tempo: Volden e Wiseman (2017) e Volden (2014) consideram relevantes apenas medidas que têm impacto direto sobre o status quo. Nesse caso, a aprovação de medidas de cunho simbólico " homenagens e condecorações, por exemplo " não seriam indicadores adequados para a eficácia legislativa, visto que não exigem tanto a mobilização dos ativos políticos dominados pelos deputados. O mesmo pode-se dizer das indicações, as quais podem ser apresentadas por qualquer parlamentar, independentemente dos recursos de poder político dos quais dispõe. . A seguir, serão avaliados dados que permitirão verificar até que ponto as expectativas da pesquisa são confirmadas. Começa-se pela apresentação de um panorama geral da produção de indicações do período, para então se avaliar a pertinência das hipóteses apresentadas.

As indicações na Câmara dos Deputados: panorama da produção entre 2007 e 2018[7]

O objeto dessa análise são as 19.058 indicações emitidas pelos deputados federais no intervalo supracitado. O período escolhido para o estudo das indicações abarca três legislaturas (53ª, 54ª e 55ª) e quatro governos: Lula 2, Dilma 1, Dilma 2 e Temer. Esse recorte visou incorporar as mais recentes legislaturas que se completaram, apresentando configurações distintas e governos com diferentes bases de apoio. Ademais, o período inclui o governo Temer, o qual permite um contraponto com os governos do PT, vigente no restante do período considerado. Assim, será possível avaliar a influência da filiação ideológica e da adesão ao governo como estímulo aos deputados para propor indicações.

O Gráfico 1 permite situar a produção de indicações frente às proposições em geral. Ao todo, foram apresentadas 68.097 proposições no período, incluindo projeto de resolução, proposta de emenda constitucional, projeto de lei complementar, projeto de decreto legislativo, requerimento de informação, projeto de lei ordinária e indicação. Compondo 28% das proposições em geral, as indicações foram o segundo tipo mais frequente, ficando abaixo apenas dos projetos de lei ordinária, que abarcam 37,6% do conjunto. O notável volume de indicações sugere que se trata realmente de um tipo de proposição valorizada pelos deputados federais. Não é razoável supor que atores racionais empenharam esforços para a mobilização de um instrumento inócuo como ferramenta política. Conforme previsto, nota-se que as indicações são meios atraentes de sinalização política, motivo pelo qual são largamente utilizadas pelos deputados.

Gráfico 1
: Proposições legislativas na Câmara dos Deputados (2007-2018)

Se os parlamentares sinalizam muito, para onde o fazem? As indicações podem ser utilizadas para sinalizar ao Executivo e seus ministérios, mas também ao Poder Judiciário, aos governos estaduais, aos presidentes de bancos públicos, às agências reguladoras, às secretarias de governo, às reitorias de universidades etc. É interessante, portanto, observar quais são as instâncias mais visadas pelos deputados na apresentação de indicações. O Gráfico 2 fornece essa informação:

Gráfico 2
: Destino das indicações (2007-2018)

Embora possam mobilizar diversos órgãos ou poderes, 97% das indicações são voltadas para o Poder Executivo e seus ministérios. No Gráfico 2, os órgãos e instâncias não ministeriais estão contemplados no item "outras instâncias". Como se vê, mesmo considerados de forma agregada, eles compõem uma parcela muito pequena do todo. Os principais alvos dos parlamentares são, de fato, os ministérios, sendo os ministérios da Saúde, da Educação e das Cidades os que mais receberam sugestões pela via da indicação. É fácil entender o porquê: são ministérios ligados a obras de grande impacto social, com potencial eleitoral evidente. O Ministério da Educação costuma ser incitado a criar escolas e universidades, comprar veículos para transporte escolar e distribuir material didático. O Ministério da Saúde recebe sugestões de compra de equipamentos para hospitais, distribuição de novos remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cobertura para tratamento de doenças, criação de postos de atendimento à saúde e afins. O Ministério das Cidades, por sua vez, recebe sugestões para a construção de casas populares, pavimentação de ruas nos municípios, melhorias em infraestruturas, tais como as de saneamento básico, de iluminação pública etc. Já ministérios como o das Relações Exteriores e o dos Direitos Humanos são pouco mobilizados, provavelmente porque têm atuação restrita no campo das políticas públicas e oferecem pouca possibilidade de exploração eleitoral por parte dos deputados.

A mobilização das instâncias, embora intensa, não é constante. Ela varia ao longo dos anos de acordo com a agenda dos parlamentares, particularmente a agenda eleitoral, conforme se nota no Gráfico 3. Nos anos pares, de eleições, há sistematicamente uma queda, com picos nos anos ímpares, não eleitorais. Isso ocorre, também, com a produção de outros tipos de proposição, como as resoluções e os projetos de lei (Amorim Neto; Santos, 2002; Araújo, 2009Araújo, P. M. “O bicameralismo no brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho legislativo do Senado Federal (1989-2004)”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.). O motivo é que as atividades legislativas caem em anos eleitorais, porque os parlamentares, nessas ocasiões, passam mais tempo em suas bases, desenvolvendo articulações políticas, atividades de pré-campanha e de campanha. Diante disso, pode-se dizer que o ano de 2008 é atípico no período, visto que se destaca pelo grande volume de indicações, aproximando-se dos picos nos anos não eleitorais.

Gráfico 3
: Indicações por ano (2007-2018)

As indicações mensuradas no Gráfico 3 incluem as individuais, de grupo e de comissões, sendo a grande maioria de autoria individual " 95,8% (18.250). As comissões propuseram 3,9% (746) das indicações do período e as proposições coletivas (de dois ou mais deputados) correspondem a apenas 0,3% (62) do total. Embora possam mobilizar o recurso coletivamente, os deputados não o fazem, reafirmando o que se vê na produção de leis ordinárias e complementares, na qual os deputados também atuam, em geral, individualmente (Araújo, 2009Araújo, P. M. “O bicameralismo no brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho legislativo do Senado Federal (1989-2004)”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.) " isso indica que, com a mobilização das indicações, eles buscam ganhos individuais, assim como o fazem com outras formas de proposição legislativa.

A distribuição percentual das indicações por legislatura não é toda homogênea no período " apenas as legislaturas 53ª e 54ª, com 35,4% e 34,9%, respectivamente, apresentam dados semelhantes. A legislatura 55ª fica um pouco abaixo, com 29,7% do total produzido. A Tabela 1 joga mais luz sobre esse fenômeno. Na tabela são consideradas apenas as indicações apresentadas individualmente " indicações coletivas e de comissões não foram computadas.

Tabela 1
: Distribuição das indicações por legislatura (2007-2018)

Uma informação importante revelada na Tabela 1 é a do número de deputados que mobilizaram a indicação em cada legislatura: nem todos o fizeram. Na legislatura 53ª, apenas 330 deputados apresentaram indicações; na legislatura 54ª, apenas 345. A legislatura 55ª tem o maior número de legisladores mobilizados para a proposição das indicações: 4448 8 Interessante observar que 513 é o número de deputados titulares. Considerando que durante a legislatura alguns suplentes assumem o cargo, o número de deputados que tem a possibilidade de apresentar indicações é maior que 513 (titulares mais suplentes). Isso significa que o número de deputados que não utilizam o dispositivo também é maior. . Em todas as legislaturas, a mediana é 3, indicando que pelo menos 50% dos deputados propuseram 3 indicações ou menos durante toda a legislatura. Os valores máximos, por sua vez, mostram uma concentração dessa atividade, já que alguns deputados mobilizam intensamente esse dispositivo num mesmo mandato. O desvio padrão revela o quão heterogêneos são os deputados no tocante ao uso das indicações " na legislatura 53ª, por exemplo, um único deputado, João Bittar (PT), apresentou 840 indicações.

Há outras variações importantes a se considerar. Uma delas é a distribuição da produção por região. Como as regiões não têm o mesmo número de deputados, compará-las apenas em termos de sua produção total seria enganoso. Por esse motivo, será feita uma comparação por média de proposições por deputado " o que permite identificar a variação que existe entre as regiões no tocante ao uso da indicação como recurso legislativo. A Tabela 2 apresenta dados relativos a isso. Cabe ressalvar que os dados só contemplam os deputados que apresentaram pelo menos uma indicação durante o período, e nem todos os deputados fizeram uso do recurso. Entre os que o fizeram, há uma grande variação na quantidade de indicações apresentadas, tanto na média por deputado quanto no total por região.

Tabela 2
: Distribuição das indicações por deputados e região (2007-2018)

Percebe-se, pelos dados da Tabela 2, que o Norte e o Sul encabeçam o ranque com, respectivamente, 28 e 29 indicações em média por deputado. O Sudeste apresentou a menor média: 18. Centro-Oeste e Nordeste apresentam média de 24 indicações por legislador. Interessante notar a forte variação nessa iniciativa entre os deputados conforme as regiões. O desvio padrão é muito alto e as medianas extremamente baixas. O baixo valor da mediana significa que metade dos deputados, em cada região, apresentou um número de indicações igual ou inferior à respectiva mediana. No Nordeste, por exemplo, a mediana 4 significa que pelo menos metade dos 238 deputados nordestinos que atuaram no período propuseram 4 indicações ou menos. Em suma, considerando as Tabelas 1 e 2, pode-se dizer que as indicações são valorizadas pelos parlamentares, mas o quanto elas o são varia consideravelmente, seja entre legislaturas, entre regiões, ou entre os deputados em cada legislatura ou região.

Com relação à tipificação dos temas abordados pelos legisladores, não há consenso na literatura, há diferentes formas de categorização conforme a intenção dos pesquisadores (Figueiredo; Limongi, 1999Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.; Amorim Neto; Santos, 2002; 2003; Araújo, 2009Araújo, P. M. “O bicameralismo no brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho legislativo do Senado Federal (1989-2004)”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.; Sanchez, 2015Sanchez, B. R. “Quem são e o que fazem as parlamentares brasileiras? Uma análise do perfil biográfico e da produção legislativa da bancada feminina”. In: Anais do I Seminário Internacional de Ciência Política, Porto Alegre, 2015.; Rezende, 2017Rezende, D. “Desafios à representação política de mulheres na Câmara dos Deputados”. Estudos Feministas, Florianópolis, SC, vol. 25, nº 3, p. 1199-1218, 2017.). Neste artigo, optou-se por uma definição detalhada para possibilitar uma descrição acurada das diversas áreas de políticas públicas de interesse dos deputados.

Os dados são sugestivos do que interessa aos deputados e a suas bases " nos moldes da representação substantiva discutida por Pitkin (1979)Pitkin, H. O Conceito de Representação. In: Cardoso, F. H.; Martins, C. E. (Orgs.). Política & Sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.. Não podendo atender a esses interesses pela via legislativa ordinária, resta recorrer a indicações ao Poder Executivo e a seus ministérios, sugerindo-lhes o que pode ser feito para atendimento de demandas ou expectativas políticas dos distritos eleitorais.

As áreas mais frequentadas pelos parlamentares, ao formularem suas indicações, são as que dizem respeito a educação, cultura e esportes (20,4%), à saúde (19,4%), à infraestrutura (11,3%) e à administração pública (10,5%). Na educação, há um grande número de sugestões para a criação de universidades, escolas técnicas e bibliotecas; na área da cultura, há pedidos de construção de salas de cinema, criação de espaços culturais e preservação de patrimônio cultural; no esporte, há demandas por criação de estádios, academias populares e políticas de fomento ao esporte. Na saúde, boa parte das sugestões abrange reforma ou instalação de hospitais, compra de equipamentos hospitalares e criação de postos de atendimento. Na infraestrutura, as indicações sugerem políticas voltadas para a construção de terminais rodoviários, modernização de aeroportos e ampliação da rede de saneamento básico. Na administração, são comuns sugestões para o aproveitamento do resultado de concursos públicos; há também sugestões de natureza eminentemente regulatória, como a alteração no regime de trabalho ou de previdência dos servidores públicos. Nas demais áreas, os deputados enviam sugestões de natureza regulatória ou distributiva. Na área das relações internacionais, por exemplo, as proposições são regulatórias na quase totalidade (97,8%), ao passo que na habitação são fundamentalmente distributivas (97,8%).

Gráfico 4
: Temas das indicações (%)

As categorias "regulatória" e "distributiva" foram definidas conforme a proposta de Lowi (1964Lowi, T. “American Business, Public Policy, Case Studies, and Political Thinking”. World Politics, Cambrigde, vol. 16, n. 4, p. 677-705, 1964, 1972Lowi, T. “Four systems of policy, politics and choice”. Public Administration Review, v. 32, n. 4, p. 298-310, 1972.) e adaptada por Santos (1994)Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994. para estudo do caso brasileiro. Neste artigo, são consideradas regulatórias as proposições que visam a regulação da administração pública, da vida social, da economia ou das profissões, por exemplo. São consideradas distributivas, as que propõem a utilização de recursos públicos na forma de benefícios ou de obras para a sociedade como um todo ou parte dela " segmentos sociais, estados, municípios e comunidades. Com relação a isso, o Gráfico 5 permite avançar na discussão:

Gráfico 5
: Indicações por natureza do impacto esperado (%)

Conforme esperado, os deputados usam as indicações na maior parte das vezes para demandar ao Executivo a distribuição de benefícios para suas bases eleitorais reais ou potenciais. O uso para fins regulatórios é mais comedido, provavelmente porque a regulação tem menos apelo eleitoral e porque os limites para o Legislativo legislar afetam mais as políticas distributivas, as quais geram custos ao erário, do que as regulatórias. É possível que as prerrogativas que o Legislativo detém na arena regulatória, ao permitir o atendimento de demandas políticas por meio de legislação direta, dispensem as indicações. Em outras palavras: na arena da regulação, há menor necessidade de mobilizar o Executivo por meio de indicações. Estas são mais mobilizadas na arena em que os legisladores não podem legislar: a distributiva.

Ainda falta conferir as proposições de acordo com a abrangência do seu impacto esperado " se amplo ou restrito " conforme trabalhado na literatura sobre o tema (Di Palma, 1976Di Palma, G. “Rules and legislative outcomes in the Italian Parliament”. Legislative Studies Quarterly, vol. 1, nº 2, p. 147-179, 1976.; Santos, 1994Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994.; Taylor-Robinson; Díaz, 1999Taylor-Robinson, M.; Díaz, C. “Who gets legislation passed in a marginal legislature, and is the label marginal legislature still appropriate?”. Comparative Political Studies, vol. 32, nº 5, p. 598-625, 1999.; Di González, 2001; Amorim Neto; Santos, 2002; Crisp et al., 2004Crisp, B. et al. “Vote-seeking incentives and legislative representation in six presidential democracies”. Journal of Politics, Chicago, vol. 66, nº 3, p. 823-846, 2004.; Juárez, 2019Juárez, S. A. B. “Como evaluar el desempeño legislativo? Una propuesta metodológica para la clasificación de las iniciativas de ley en Mexico y América Latina”. Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales, Ciudad do Mexico, v.64, nº 235, p. 395-426, 2019.). O Gráfico 6 categoriza a produção nesses termos e permite dizer que os deputados federais são fortemente territorialistas, buscando promover o interesse de subterritórios exclusivos dentro do território nacional.

Gráfico 6
: Abrangência dos impactos esperados das indicações (%)

Aqui, vale uma observação a respeito do tipo "pessoal" de indicação, que aparece no gráfico. Em princípio, proposições dessa natureza têm efeitos localizados, uma vez que buscam benefícios para uma ou algumas pessoas situadas dentro de um determinado território. No entanto, optou-se por manter essa categoria a exemplo de estudos que visam destacar certa parcela da produção legislativa voltada à promoção de benefícios centrados em um indivíduo ou em um pequeno grupo de indivíduos (Di Palma, 1976Di Palma, G. “Rules and legislative outcomes in the Italian Parliament”. Legislative Studies Quarterly, vol. 1, nº 2, p. 147-179, 1976.; Santos, 1994Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994.; Taylor-Robinson; Díaz, 1999Taylor-Robinson, M.; Díaz, C. “Who gets legislation passed in a marginal legislature, and is the label marginal legislature still appropriate?”. Comparative Political Studies, vol. 32, nº 5, p. 598-625, 1999.; Amorim Neto; Santos, 2002, 2003; Crisp et al., 2004Crisp, B. et al. “Vote-seeking incentives and legislative representation in six presidential democracies”. Journal of Politics, Chicago, vol. 66, nº 3, p. 823-846, 2004.). Ademais, é comum que proposições voltadas a indivíduos visem efeitos simbólicos e morais, não territoriais nem distributivos. É o caso, por exemplo, da indicação do deputado Rubens Bueno (PPS/PR) sugerindo ao Ministério das Relações Exteriores posicionar-se "contra a condenação à morte por enforcamento da cidadã sudanesa Meriam Yehya Ibrahim".

Dilema similar ocorre com a categorização das propostas "setoriais", muitas das quais visam medidas voltadas para segmentos sociais dispersos no território nacional. É o caso da indicação de Janete Rocha Pietá (PT/SP), propondo à Casa Civil "a criação do Programa de Valorização do Serviço Militar", ou da proposta de Perpétua Almeida (PCdoB/AC), que sugere ao Ministério do Orçamento "a abertura imediata de negociação com os servidores técnico-administrativos em educação das universidades federais". Tais propostas visam certos segmentos da sociedade e não são territorializadas, como aquelas voltadas a municípios e estados ou mesmo regiões do país.

O Gráfico 6 mostra que, das indicações produzidas, 66% são de impacto local, significando que os deputados, de fato, se ocupam em buscar a transferência de benefícios para municípios isolados. Somadas com as proposições que visam produzir impacto regional (em grupos de municípios ou no estado como um todo), o percentual sobe para 74%.

Um dado adicional reforça a percepção de que os deputados se ocupam em agradar seus eleitores reais e potenciais por meio da apresentação de indicações do tipo paroquial (foi considerada paroquial toda indicação voltada a municípios do estado do parlamentar). Para verificar esse fenômeno, levou-se em conta se as indicações de impacto local visavam o distrito do deputado, pois, em tese, elas poderiam ser voltadas para outras localidades ou estados que não os dos deputados proponentes. Observou-se, contudo, que 99,2% de todas as indicações de impacto local (municipal) visaram municípios do estado do proponente; e 92,2% das indicações de impacto regional (estadual) foram para o estado dos parlamentares que as propuseram.

Dados eleitorais ajudam a entender melhor essa dinâmica. A questão é avaliar se os deputados são ecléticos ou têm preferência por uma de duas estratégias: (a) propor indicações em favor dos municípios onde foram mais votados para fidelizar o eleitorado; ou (b) buscar agradar territórios ainda não dominados para conquistar novos votos. Tendo em vista que as indicações não envolvem custos e podem resultar em ganhos, é razoável prever que os parlamentares farão uso delas para os dois propósitos (fidelizar o eleitorado cativo e conquistar eleitores em novos municípios). Essa ideia foi testada com base em uma amostra aleatória com 30% (3.662) das indicações de cunho local apresentadas no período.

Para avaliar se as indicações são ou não direcionadas para os principais redutos dos deputados, foi construído um índice que mensura o quanto o direcionamento das indicações é afetado pelo desempenho eleitoral do parlamentar nos municípios de seu estado. Os municípios foram ordenados (1, 2, 3... n) conforme o volume da votação obtida neles por cada parlamentar. Em seguida, o valor referente a cada localidade foi dividido pelo valor correspondente ao município em que o parlamentar obteve a maior votação. O resultado é uma espécie de "indicador de conexão eleitoral", o qual varia entre os extremos 0 e 1. Zero quer dizer que a indicação visou o município onde o deputado não recebeu nenhum voto; 1 significa que a indicação apresentada visou seu principal reduto, o município em que obteve a maior votação.

Há poucos casos extremos na amostra: apenas 250 (6,8%) das indicações se voltaram para os municípios onde o deputado não obteve qualquer voto; no polo oposto, há mais casos, 365 (9,9%), indicando preferência pelo uso da indicação para agradar seu principal reduto, como meio de retribuição pelos votos recebidos. A distribuição por quartis, a média, a mediana e a variância indicam dispersão: os parlamentares, de fato, transitam entre as duas estratégias, visando agradar os apoiadores e conquistar novos eleitores. Acerca dos quartis, nos extremos, observa-se que 25% das indicações menos "conectadas" têm valor 0,2 ou menor, mostrando que, nestes casos, os parlamentares priorizaram municípios que pouco ou nada contribuíram para sua eleição. No polo oposto, tem-se que, em pelo menos 25% das proposições, os deputados miraram cidades cuja taxa de votação foi mais próxima daquela do maior reduto " o valor do índice alcançado por esses casos é de 0,89 ou mais. O fato é que, na larga maioria dos casos, o deputado mediano preferiu agraciar municípios situados a meio caminho entre o principal reduto e os municípios onde não foi votado9 9 É compreensível a ambiguidade estratégica dos parlamentares sugerida pelo índice, tendo em vista a grande dispersão da votação entre os municípios dos estados respectivos. Em média, os deputados da amostra obtiveram (pelo menos um) voto em 82% dos municípios do estado, sendo inexistentes parlamentares que concentraram votos em um único município. O mais comum é uma dispersão da votação nos diversos municípios do estado. Com isso, torna-se estratégico " e impositivo " que os deputados mirem também territórios em que obtiveram votação reduzida ou intermediária. .

Interessante notar que essas variações não têm conexão com a relação dos deputados com o governo: tanto entre os aliados quanto entre os demais, o índice é de 0,55 (igual à média geral). O teste F de ANOVA não identificou correlação significativa entre ser ou não governista e priorizar ou não seus principais redutos. Já quando se considera a ideologia, o resultado é diferente. O indicador de conexão decresce sistematicamente conforme se muda da esquerda para direita " esquerda, 0,65; centro, 0,57; direita, 0,49. Esses valores indicam que os deputados da esquerda, ao mobilizarem as indicações, tendem a mirar municípios em que foram mais bem votados. Na direita, ocorre o fenômeno contrário: os deputados tendem a priorizar os municípios onde a votação foi reduzida ou nula, como forma de cativar novos eleitores. O índice F de ANOVA confirma uma relação estatisticamente significativa e forte entre ideologia e estratégia de conexão (F: 58,4, sig. ,000). Portanto, nota-se que deputados da esquerda valorizam mais o eleitorado cativo e o apoio recebido, ao passo que os do centro e da direita tendem mais às localidades nas quais receberam poucos votos ou nenhum. Isso pode se dever ao comprometimento maior da esquerda com seus eleitores " particularmente a militância ", que resulta em um estreitamento maior dos laços com as bases eleitorais (Marenco; Serna, 2007), inclusive as bases territorializadas.

Os dados referentes às regiões também mostram diferenças entre elas no tocante à estratégia de conexão adotada pelos parlamentares. O Sudeste revela o valor mais baixo (0,45), seguido pelo Sul (0,54), Centro-oeste (0,57) e Norte (0,56), ao passo que, no Nordeste, os deputados se movem mais na direção do maior reduto (0,62). Em todas as regiões, o índice está distante de 1 e de 0, significando que há uma ampla gama de indicações apresentadas em favor de municípios em que os deputados não foram bem votados, onde tampouco obtiveram votação insignificante. Conclui-se que, em geral, os deputados são ambivalentes em relação ao uso das indicações: buscam conexão com os eleitores reais e também com os potenciais. Em favor da hipótese, cabe ressaltar que tal ambivalência não compromete o argumento geral. Mirando quaisquer municípios de seu distrito (o estado), os deputados podem sinalizar para o eleitorado visando simultaneamente recompensar o apoio passado e promover reconhecimento futuro " já que tais estratégias não são mutuamente excludentes.

Indicações, partidos, governo e conexões eleitorais

Esse tópico investiga possíveis conexões entre a produção de indicações e os partidos e as ideologias aos quais os deputados estão filiados. Também será verificado se o pertencimento do parlamentar à base governista afeta sua disposição para apresentar indicações. Conforme a segunda hipótese, deputados governistas são mais propositivos, porque confiam mais no apoio do Poder Executivo, que objetiva manter sólida sua base no Legislativo.

O Gráfico 7 apresenta a média de indicações por partido e mostra que seu uso varia muito conforme a filiação partidária. O cálculo das médias foi feito considerando-se o número de indicações dividido pelo número de parlamentares de cada partido que apresentaram pelo menos uma indicação no período. A diferença entre os partidos é expressiva, com o PP, o DEM e o MDB ocupando o topo do ranque com quase 40 indicações em média por parlamentar. No final da lista, com médias baixas, estão partidos como PSOL, PSL e PSD. A variação mostrada no gráfico, à primeira vista, parece não indicar qualquer tendência de correlação entre a produção de indicações e o label dos partidos.

Gráfico 7
: Média de indicações por deputado conforme o partido (2007-2018)

No entanto, a primeira impressão é refutada quando se considera a distribuição das indicações por blocos ideológicos10 10 O posicionamento ideológico dos partidos segue trabalho de Campos e Machado (2020, p, p. 158). Foram enquadrados na esquerda, PCdoB, PCB, PCO, PDT, PSB, PSOL, PSTU e PT; no centro PHS, PMDB/MDB, PPL, PPS/Cidadania, PSD, PSDB, PV e Rede; na direita, DEM/PSL/União Brasil, Novo, PEN/Patriotas, PL/PR, PMB, PMN, PP, PRB/Republicanos, PROS, PRP, PRTB, PSC, PSDC/DC, PTdoB/Avante, PTB, PTC, PTN/Podemos, SD. . Levando-se em conta a produção como um todo, o percentual de indicações cresce conforme se move da esquerda para a direita " os percentuais são 24,9%, 36,2% e 38,9%, respectivamente. Essa tendência é confirmada quando se considera a média de indicações por deputado conforme mostra a Tabela 3. Deputados de direita e de centro são os que mais contribuíram com as indicações apresentadas no período " médias de 24,5 e 23,7, respectivamente. Deputados de esquerda contribuem menos, com média de 15,3 indicações no período em foco.

Tabela 3
: Indicador de conexão eleitoral

Surpreende que os deputados da esquerda sejam os menos produtivos, visto que na maior parte do tempo os governos foram chefiados pelo PT. Esse dado vai contra a hipótese segundo a qual os deputados governistas apresentam mais indicações. O fato é que, de acordo com os dados, a esquerda parece não valorizar tanto as indicações quanto o centro e a direita, pois, nem mesmo em contexto favorável, os deputados esquerdistas se igualaram aos demais em termos da intensidade no uso desse instrumento legislativo.

Além de se mostrarem mais comedidos na apresentação de indicações, deputados da esquerda reduziram o envio de sugestões ao Executivo ao longo dos governos ou das legislaturas. Vale notar que os governos e as legislaturas convergiram na maior parte do tempo. A 53ª legislatura coincidiu com o segundo governo Lula, a 54ª, com o primeiro governo Dilma e a 55ª, com o segundo governo Dilma " o qual foi interrompido pelo impeachment - mais a subsequente posse de Michel Temer. Essa alternância em meio de mandato (ou de legislatura) permitiu verificar se os parlamentares foram afetados pela mudança ideológica no governo. E foram, ao menos os da esquerda. De acordo com os dados, a média de indicações por deputado desse bloco caiu de 16,4 no governo Lula, para 10 no governo Dilma, caindo ainda mais, sob Temer, para 4,9. Com relação ao centro e à direita, não se nota um padrão: a média dos deputados do centro variou de 12 em Lula, para 20,3 em Dilma e caiu para 16 em Temer. A direita surpreende com uma média de 29,5 no governo Lula " antípoda ideológica ", mas declinou para pouco mais de 13 nos governos subsequentes. Com as variáveis disponíveis, não é possível explicar essas oscilações. Seriam necessárias pesquisas mais detalhadas, inclusive de cunho qualitativo, para esclarecer as variações no uso das indicações por cada parlamentar, e em que situações eles as consideram como estratégicas para o exercício do mandato. Um esforço nessa direção foi feito, mas sem sucesso11 11 Foi elaborado um questionário de survey e enviado para todos os gabinetes dos deputados federais com questões que poderiam ajudar a lançar luz sobre o fenômeno da produção de indicações. Infelizmente, nenhum gabinete respondeu ao contato. .

A variável ideologia se mostra também associada à preferência dos deputados em relação à abrangência do impacto esperado das indicações. A esquerda não só produz menos indicações como produz um número menor de indicações de impacto local. A Tabela 5 apresenta a distribuição das proposições considerando a abrangência do impacto esperado da indicação e a posição ideológica do deputado proponente. Nota-se que 50,1% das indicações dos deputados da esquerda são voltadas às localidades e 14,2% são de impacto nacional. A preferência pelo paroquialismo é maior no centro e na direita, com 71% e 75,6%, respectivamente. Em relação às medidas de impacto nacional, o centro e a direita ficam abaixo da esquerda, com 7,9% e 7,7%, nessa ordem.

Tabela 5
: Indicações por abrangência e ideologia (%)

A distribuição das indicações de impacto regional por blocos ideológicos também distingue os deputados da esquerda dos demais, pois eles apresentam percentuais mais expressivos " 12,9% frente a 7,1% do centro e 5,2% da direita. Somadas as medidas de impacto local com as de impacto regional, a esquerda ainda fica abaixo, com 63% das indicações, ao passo que o centro e a direita ficam com 78% e 83,3%, respectivamente. Interessante observar, ademais, a maior preferência da esquerda por medidas voltadas para segmentos específicos da sociedade (setoriais): 21,5% frente a 13,9% do centro e 11,3% da direita.

Os dados sobre a distribuição das indicações por tipo de impacto e ideologia (Gráfico 8) também trazem informações interessantes sobre a preferência dos deputados. Em todos os blocos ideológicos, nota-se a predileção por propostas de cunho distributivo, mas a esquerda, comparada aos outros dois campos ideológicos, é a que menos usa as indicações para propor distribuição concentrada de benefícios (56,6%), e mais para propor regulação (43,4%).

Gráfico 8
: Indicações por tipo de impacto e ideologia (%)

O centro e a direita são praticamente iguais na preferência por distribuição concentrada, na casa dos 73% frente a 26% de propostas regulatórias. Parte da explicação para essa diferença está no fato de que deputados da esquerda são os que menos apresentam indicações de abrangência local (conforme Tabela 4), e estas são mais associadas a propostas do tipo distributivo. Os dados mostram que 81,2% das propostas de cunho local são distributivas, ao passo que apenas 18,8% são regulatórias. Portanto, no geral, a esquerda se mostra mais comprometida com interesses amplos, visando a sociedade como um todo ou segmentos sociais que perpassam estados e municípios do país. No tocante ao tipo de proposição, constatou-se que a esquerda tem maior tendência a apresentar medidas regulatórias do que o centro e a direita.

Tabela 4
: Média de indicações por deputado conforme filiação ideológica (2007-2018)

A preferência da esquerda por medidas de alcance setorial pode estar relacionada à trajetória e à carreira dos seus deputados, mais ligados a movimentos e grupos sociais, como mostra estudo de Marenco e Serna (2007). É razoável esperar que, no poder, parlamentares de esquerda se esforcem para mediar as relações entre o governo e os segmentos sociais com os quais se envolveram ao longo de sua trajetória política. Esse pode ser o motivo pelo qual a esquerda apresenta preferencialmente proposições que visam impacto não territorializado, conformado aos interesses da população como um todo ou de segmentos populacionais transterritoriais. Por sua vez, a preferência por medidas de cunho regulatório está relacionada precisamente à preferência por medidas setoriais. Segundo os dados, medidas setoriais tendem a ser de cunho regulatório: 63% das medidas do tipo setorial foram regulatórias e 37% foram distributivas. As normas de tipo setorial e regulatório são de teor variado: regulação de profissões, normatização de setores do serviço público, criação de normas que favorecem segmentos específicos da sociedade, como os portadores de deficiência, regulamentação do ensino em cursos universitários específicos etc.

Até aqui, os dados mostram que a ideologia afeta a disposição dos deputados federais para apresentar indicações, mostrando também que deputados da esquerda propõem, mais do que os do centro e da direita, indicações que solicitam medidas de impacto setorial. Os deputados da esquerda também propõem, mais do que os do centro e da direita, indicações do tipo regulatório, uma vez que, conforme dito, há correlação entre as duas variáveis: indicações setoriais tendem a ser regulatórias.

O Gráfico 9 e a Tabela 6 permitem novas considerações. Eles trazem dados importantes para a segunda hipótese, a qual postula que deputados governistas tendem a recorrer mais às indicações, tendo em vista a proximidade com o Executivo e a expectativa de que esse vínculo leve o governo a atender as demandas dos integrantes da base. De fato, nota-se que os deputados pertencentes à base governista são mais empenhados no uso das indicações. Considerados todos os governos, com variações relativamente pequenas, o percentual de proposições dos deputados não aliados gira em torno dos 30% enquanto o percentual dos deputados governistas fica na casa dos 60%. Precisamente, os não aliados foram responsáveis por 37% da produção enquanto os aliados responderam por 63%.

Gráfico 9
: Proposição de indicações versus pertencimento à base governativa (%)

Tabela 6
: Número de indicações e a média de indicações por deputado, aliado ou não aliado

Mas esse dado pode ser enganoso. Se os deputados que compõem a base governista somarem maior número do que os que não a compõem, é de se esperar que eles apresentem um número maior de indicações. Por isso, a forma mais correta de atestar a hipótese é considerando a média de proposições por deputado. A Tabela 6 mostra o número de deputados, o número de indicações e a média de indicações por parlamentar conforme a filiação ou não à base governista; a Tabela 7 distingue a produção média por deputado conforme o governo. Os dados favorecem a hipótese.

Tabela 7
: Média de indicações por deputado conforme pertencimento ou não à base governista

No período, os deputados aliados representaram 58% do total, mas foram responsáveis por 67% das indicações emitidas. Cada deputado apresentou, em média, 22,5 indicações. Os não aliados, por sua vez, representaram 42% do todo, mas foram responsáveis por apenas 33% das indicações, com média de 15,2 indicações por deputado. Considerados os governos em separado12 12 Dados sobre as coalizões governamentais e os respectivos partidos são disponibilizados pelo CEBRAP, e são liberados ao acesso público. Disponível em: <https://bancodedadoslegislativos.com.br/>. Acesso em: 24 ago.2023. , conforme a Tabela 7, nota-se que, em todos os governos, os aliados se empenharam mais na apresentação de indicações.

Destaca-se a diferença entre o governo Lula e os demais, sugerindo que o estilo adotado pelo chefe do Executivo para interagir com o parlamento afeta a disposição dos deputados. As conhecidas dificuldades da presidente Dilma em lidar com o Congresso pareceram refletir-se no comportamento parlamentar, levando a uma redução na média de indicações por deputado ao longo de seus dois mandatos " em Dilma 1, a média caiu mais de 5 pontos em relação a Lula 2; em Dilma 2, caiu mais de 5 pontos em relação a Dilma 1, não apenas pela interrupção do mandato, mas também pelo desgaste que precedeu o impeachment. Mesmo no governo Temer, ideologicamente distinto dos anteriores, a tendência se confirmou, visto que a média referente aos deputados governistas foi quase duas vezes a média dos não governistas, embora os polos ideológicos tenham se invertido " os não governistas passam a coincidir com a esquerda e os governistas com o centro e a direita. Isso só reforça a ideia de que ser governista, independentemente do perfil ideológico de quem chefia o governo, implica mais disposição para a apresentação de indicações.

Não obstante a diferença de médias na direção esperada (última coluna das Tabelas 6 e 7), o teste da média geral não se revelou significante estatisticamente (F 1.610, sig. 0,205). No entanto, vale observar que os dados em tela não constituem uma amostra, mas o universo da produção de indicações apresentadas pelos deputados no período visado. Não há necessidade de inferência com base em um conjunto de dados menor (amostra) para um conjunto maior (universo). Com isso, pode-se considerar que o resultado vai na direção da hipótese, mostrando que, considerado o total das indicações apresentadas, os deputados governistas se revelaram mais empenhados em produzi-las13 13 Foi tentado um modelo estatístico mais robusto, buscando identificar linearidade na relação entre ser ou não governista (variável independente) e número de indicações por deputado (variável resposta), adotando-se como variáveis de controle as legislaturas, os governos, as regiões de atuação dos deputados e a filiação ideológica. O resultado, no entanto, não foi satisfatório, em função das características da variável resposta, que não atende aos requisitos (normalidade dos resíduos) para o teste de correlação. .

Outra forma de avaliar a questão é permitida pela Tabela 8, que apresenta a média de indicações propostas conforme a ideologia do deputado e sua relação com o governo. Também assim, deputados governistas se mostraram mais afeitos à apresentação de indicações do que os não governistas " membros dos partidos aliados demonstraram mais que o dobro de empenho em produzir indicações do que os membros da oposição. Confirma-se que a esquerda é a que menos utiliza o instrumento, não obstante se mostre mais empenhada em produzir indicações quando participa da base governista. Esse dado reforça a hipótese 2, a qual prevê a proeminência dos deputados aliados.

Tabela 8
: Média de indicações por deputado conforme posição ideológica e relação com o governo

Se a produção por partidos antes mostrada apresentou uma variação aparentemente sem lógica, ao se agregar os dados por posição ideológica e participação na base aliada, nota-se que a dinâmica do presidencialismo de coalizão afetou a disposição dos aliados de centro e esquerda para a proposição de indicações: há mais empenho na proposição de indicações por quem é governista. Isso vale inclusive para os deputados da esquerda, que propõem menos indicações, mas investem o dobro nelas quando estão no governo. A direita difere da esquerda e do centro, porque seus deputados não mudaram o comportamento conforme transitaram da oposição para a base do breve governo Temer (aliados ou não, representantes da direita apresentaram média de 22). Os motivos desse padrão são uma incógnita e pedem estudos mais aprofundados. Não obstante, considerando o centro e a esquerda, pode-se afirmar que a relação com o governo afeta o volume de indicações apresentadas, porém a menor disposição da esquerda para produzir indicações é, de fato, diferenciada: provavelmente, porque seus deputados estabelecem não só um padrão diferente de relação com o Executivo, mas também com suas bases eleitorais. Essa posição diferenciada dos deputados da esquerda deve estar associada ao fato de que tais parlamentares valorizam mais medidas de cunho regulatório voltadas para categorias sociais com as quais têm vínculo, em contraposição aos demais parlamentares, que preferem medidas distributivas voltadas para localidades específicas. Iniciativas regulatórias são menos frequentes na produção por serem menos demandadas pela sociedade, já que, em algum momento, a necessidade de regulação se esgota, diferentemente das iniciativas que propõem distribuição exclusiva dos recursos públicos, cuja demanda é potencialmente ilimitada. Isso explicaria por que a esquerda produz menos: seus membros preferem regulação, cuja demanda surge mais em setores sociais (62%) do que em distritos eleitorais (38%).

Enfim, os dados confirmam pesquisas nacionais e estrangeiras que comprovam os interesses dos parlamentares em promover medidas legislativas que favoreçam seus redutos eleitorais " o que é chamado, por vezes, de pork barrel, clientelismo, paroquialismo. Este artigo traz como novidade a confirmação da relevância das indicações como instrumento legislativo na Câmara dos Deputados, mostrando a importância de levá-las em conta para a compreensão do comportamento dos deputados federais. Não obstante as indicações sejam destituídas de poder normativo, são meios estratégicos mobilizados pelos deputados para mediar a relação entre o Poder Executivo e os eleitores. Como já visto nos níveis municipal e estadual, no nível federal, as indicações se mostraram uma importante saída para a impotência dos parlamentares para promover diretamente decisões de sua preferência: legislação ordinária e complementar que distribui benefícios de forma concentrada, supostamente na busca de ganhos eleitorais " impossibilitados de produzir leis de impacto paroquial, os deputados sugerem ao Poder Executivo que o faça. Quanto ao desempenho da esquerda, como a produção de leis de impacto setorial e cunho regulatório é possível pela via da legislação ordinária, e como os deputados do bloco dão prioridade a esse tipo de proposição, entende-se por que eles mobilizam menos as indicações e " supostamente14 14 Logicamente, esta é uma afirmação hipotética que carece de teste apropriado. " movimentam mais a apresentação de projetos de lei ordinária ou complementar.

Considerações finais

Este artigo apresentou uma pesquisa inédita sobre indicações, instrumento legislativo que serve à manifestação de interesses dos deputados federais, bem como a mediação das relações entre eles, o governo e os redutos eleitorais. No período estudado, a produção de indicações foi abundante e ressaltou o individualismo dos parlamentares: embora possam ser proposições coletivas, a quase totalidade (96%) das indicações é apresentada por deputados individualmente, o que indica que o instrumento é utilizado para maximizar e fidelizar o apoio dos eleitores reais ou potenciais.

Um ponto a ser ressaltado é o volume das indicações apresentadas. Não obstante a importância estratégica do instrumento para promover a conexão eleitoral, os dados mostraram que seu uso não é homogêneo " diverge entre deputados, blocos ideológicos, regiões e partidos. A variação entre os blocos ideológicos é a mais intrigante. Considerada a média de sugestões emitidas por deputado conforme a filiação ideológica, foi notado que deputados dos partidos de esquerda são menos propensos a mobilizar o dispositivo legislativo, se comparados aos deputados dos partidos de centro e de direita. Esse dado se mostrou contraintuitivo, tendo em vista que os partidos de esquerda fizeram parte das coalizões governistas durante quase todo o período " caracterizado por governos do PT " e, em tese, teriam mais estímulos para apresentar sugestões ao governo e seus ministérios. Mas, se a esquerda é mais comedida na apresentação de indicações do que os outros blocos, isso não altera a tendência dos governistas de serem mais propositivos: a média de indicações por deputado da esquerda mais que dobra quando o bloco é parte da coalizão de governo.

Com relação ao destino das indicações, foi notado que elas são direcionadas particularmente para ministérios como o da Saúde, da Educação e das Cidades, associados a campos de políticas públicas eleitoralmente promissoras " que geram custos difusos e benefícios concentrados. Na outra ponta, estão os ministérios dos Direitos Humanos e das Relações Exteriores, menos mobilizados pelos deputados, possivelmente por não atuarem em áreas de políticas públicas que rendam votos. Em relação aos temas abordados, destacaram-se "educação, cultura e esportes", bem como "saúde" e "infraestrutura", os quais são campos profícuos para a geração de benefícios exclusivos " como a construção de escolas, de casas populares, de hospitais e a pavimentação de ruas.

Para além de mostrar um panorama da produção de indicações no período, o artigo visou testar duas hipóteses, tendo por base a literatura especializada. Ambas foram corroboradas, no limite da possibilidade dos dados. Em relação à primeira hipótese, esperava-se que os deputados fizessem amplo uso das indicações para contornar o veto constitucional à transferência concentrada de benefícios por meio de legislação parlamentar. De fato, as indicações não só se revelaram abundantes no período, como se mostraram majoritariamente voltadas para a transferência concentrada de recursos para municípios do estado do proponente (74%).

Sobre os municípios preferidos pelos deputados, o artigo buscou verificar se as indicações visavam os redutos eleitorais onde eles foram mais bem votados ou, inversamente, aqueles onde obtiveram baixa votação e esperam receber apoio eleitoral no futuro. A partir de uma amostra com 30% das indicações que propuseram transferência concentrada de recursos, foi constatado que os deputados utilizaram as indicações simultaneamente em duas estratégias: solicitar benefícios para os municípios em que receberam mais votos e defender os interesses de municípios do estado nos quais não foram bem votados. Portanto, é plausível supor que, com as indicações, os parlamentares pretendem prestar contas por promessas passadas e reivindicar créditos mirando eleições futuras " com isso, eles reforçam suas bases atuais de apoio e podem ampliá-las em novos pleitos. Diferentemente de certa noção estrita de conexão eleitoral " que prevê que os deputados se ocupam em agradar os redutos onde mais receberam votos ", os deputados federais brasileiros se esforçaram para estreitar conexões não apenas com os eleitores fiéis, mas também com aqueles que podem ser conquistados. Portanto, no tocante à produção de indicações, os legisladores se mostraram não exclusivistas, mas "expansionistas", visto que se esforçaram para cativar novos municípios e ampliar o apoio eleitoral em todo o distrito, ou seja, o estado.

Isso não contradiz a expectativa de conexão eleitoral, mas suscita reflexão acerca do conceito, que foi construído com base na dinâmica eleitoral dos Estados Unidos. No Brasil, o sistema eleitoral é proporcional com distritos multinomiais e difere do sistema majoritário com distritos uninominais vigente nas eleições americanas. Não obstante, a existência da lista aberta introduz na política brasileira estímulo para o cultivo do voto pessoal (Nicolau, 2006Nicolau, J. “O sistema eleitoral de lista aberta no Brasil”. Dados, vol. Rio de Janeiro, RJ, v.49, nº 4, p. 689-720, 2006.) e estimula os deputados a proporem políticas do tipo pork, como ocorre nos EUA. A julgar pelos dados, as eleições proporcionais em distritos de média ou alta magnitude não inibem o paroquialismo, visto que os deputados tendem a tomar decisões em benefício de quaisquer dos municípios de seu estado, no interior do qual podem obter votos.

A segunda hipótese diz respeito ao efeito de ser governista sobre a disposição para apresentação de indicações: deputados aliados seriam mais propensos ao uso das indicações, uma vez que esperariam reconhecimento pelo apoio parlamentar dado ao governo. Confiantes no acolhimento de suas sugestões pelo Poder Executivo, os deputados da coalizão teriam mais incentivos do que os demais para apresentar indicações. A hipótese foi corroborada. Durante todos os governos do período " Lula 2, Dilma 1, Dilma 2 e Temer ", os deputados governistas foram responsáveis por 67% das indicações apresentadas. Mesmo a esquerda, que se distingue dos demais blocos, se mostrou mais empenhada em produzir indicações enquanto integrava a base governista. O fato é que, consideradas as indicações apresentadas, a média dos não governistas é inferior à dos governistas em todos os blocos ideológicos. No teste das médias, essa diferença não se mostrou estatisticamente significativa, mas, considerando que se trata do total de dados e não de uma amostra, a tendência observada no período expressa uma diferença real entre governistas e não governistas na proposição de indicações.

Pelo exposto, é válido afirmar que as indicações são um instrumento útil para a análise da produção legislativa e de suas conexões com os interesses políticos que pautam os mandatos. De acordo com as teorias mobilizadas, os deputados visam estreitar contatos com as bases. Para isso, eles encaminham indicações ao invés de projetos de lei, como forma de contornar o veto constitucional à iniciativa parlamentar de legislação que afeta o orçamento federal. Dadas as restrições enfrentadas pelos parlamentares para propor e aprovar projetos de lei do tipo distributivo, uma forma de manter vivos os vínculos eleitorais (simbólicos ou objetivos) é sinalizar para os órgãos do governo as demandas das bases na expectativa de agradar os eleitores e estreitar vínculos com o distrito.

Embora este artigo tenha desvendado alguns aspectos da produção de indicações na Câmara dos Deputados, são necessários mais estudos para uma compreensão mais abrangente e profunda dessa dinâmica no contexto do presidencialismo brasileiro. Seria particularmente interessante considerar a convergência (ou não) entre o partido do proponente e o partido do ministro para o qual a indicação foi enviada. Seria importante também, para se avaliar o potencial de eficácia das indicações, considerar a frequência com que elas são convertidas em decisões políticas. Devido ao grande volume de dados necessários para verificar essas questões, tais esforços ficam para o futuro.

Agradecimentos

1 Agradecimentos aos pareceristas anônimos da revista pelas sugestões e críticas que muito contribuíram para o aprimoramento deste artigo. As falhas remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.

Referências bibliográficas

  • Ames, B. “O congresso e a política orçamentária no Brasil durante o período autoritário”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 29, p. 177-205, 1986.
  • Ames, B. “Electoral rules, constituency pressure, and pork barrel: bases of voting in the Brazilian Congress”. Journal of Politics, Chicago, vol. 57, nº 2, p. 324-343, 1995.
  • Ames, B. The Deadlock of Democracy in Brazil. Ann Arbor: Michigan University Press, 2000.
  • Amorim Neto, O., Santos, F. A Produção Legislativa no Congresso: entre a Paróquia e a Nação. In: Vianna, L. W. (Org.). A Democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
  • Amorim Neto, O., Santos, F. O Segredo Ineficiente Revisto: o que propõem e o que aprovam os Deputados brasileiros. Dados, Rio de Janeiro, vol. 46, n. 4, pp. 661-697, 2003.
  • Araújo, P. M. A Câmara Alta no Legislativo brasileiro: o desempenho legislativo do Senado entre 1989-2000. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008.
  • Araújo, P. M. “O bicameralismo no brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho legislativo do Senado Federal (1989-2004)”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
  • Araújo, P. M. “Processo legislativo e emendamento no Senado Brasileiro”. Revista Agenda Política, São Carlos, SP, vol. 3, nº 1, p. 203-231, 2015.
  • Araújo, P. M. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais: divisão de poderes, comportamento parlamentar e produção legislativa entre 1995 e 2010. In: Ricci, P.; Tomio, F. (Orgs.). Instituições políticas nos estados brasileiros Governadores e Assembleias Legislativas no Brasil contemporâneo. São Paulo: Alameda Casa Editorial, p. 405-436, 2018.
  • Araújo, V. “Mecanismos de alinhamento de preferências em governos multipartidários: controle de políticas públicas no presidencialismo brasileiro”. Opinião Pública, Campinas, vol. 23, nº 2, p. 429-458, 2017.
  • Campos, L. A.; Machado, C. Raça e Eleições no Brasil. Porto Alegre: Editora Zouk, 2020.
  • Carvalho, L.; Batista, M. “Influência parlamentar: aspectos individuais e institucionais que contribuem para a eficácia legislativa dos deputados federais em projetos de lei em saúde”. Revista Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, MG, vol. 26, nº 1, 2018.
  • Carvalho, N. R. E no início eram as bases Rio de Janeiro: Revan, 2003.
  • Cox, G.; McCubbins, M. D. Legislative leviathan: party govern in the House. Berkeley: University of California Press, 1993.
  • Crisp, B. et al. “Vote-seeking incentives and legislative representation in six presidential democracies”. Journal of Politics, Chicago, vol. 66, nº 3, p. 823-846, 2004.
  • Darrieux, R. S. P. “Determinantes do sucesso legislativo parlamentar na Câmara de Deputados do Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Rio de Janeiro, 2020.
  • D'ávila Filho, P. M.; Lima, P. C. G. C.; Jorge, V. L. "Produção legislativa e intermediação de interesses: uma análise das Indicações na Câmara Municipal do Rio de Janeiro". In: Anais do 35º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2011.
  • D'ávila Filho, P. M. "Indicação e intermediação de interesses: uma análise da conexão eleitoral na cidade do Rio de Janeiro, 2001-2004". Revista de Sociologia e Política, Curitiba, PR, vol. 22, nº 49, p. 39-60, 2014.
  • Di Palma, G. “Rules and legislative outcomes in the Italian Parliament”. Legislative Studies Quarterly, vol. 1, nº 2, p. 147-179, 1976.
  • Figueiredo, A.; Limongi, F. "O processo legislativo e a produção legal no congresso pós-constituinte". Novos Estudos " CEBRAP, São Paulo, nº 38, p. 24-37, 1994.
  • Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
  • Figueiredo, A.; Limongi, F. Política orçamentária no presidencialismo de coalizão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
  • González Tule, L. “Representación política en Mexico: ¿qué intereses priman los diputados en los proyectos de ley que impulsan?”. Tesis de maestría. Instituto Iberoamerica, Universidad de Salamanca, Salamanca, 2011.
  • Juárez, S. A. B. “Como evaluar el desempeño legislativo? Una propuesta metodológica para la clasificación de las iniciativas de ley en Mexico y América Latina”. Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales, Ciudad do Mexico, v.64, nº 235, p. 395-426, 2019.
  • Krehbiel, K. Information and legislative organization. Ann Arbor: The University of Chicago Press, 1991.
  • Lemos, L. B. “O Congresso Brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista”. Dados, vol. 44, nº 3, p. 561-630, 2001.
  • Lowi, T. “American Business, Public Policy, Case Studies, and Political Thinking”. World Politics, Cambrigde, vol. 16, n. 4, p. 677-705, 1964
  • Lowi, T. “Four systems of policy, politics and choice”. Public Administration Review, v. 32, n. 4, p. 298-310, 1972.
  • Mainwaring, S. Sistemas Partidários: o caso do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
  • Marenco dos Santos, A.; Serna, M. “Por que carreiras políticas na esquerda e na direita não são iguais? Recrutamento legislativo em Brasil, Chile e Uruguai”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, SP, vol. 2, nº 64, p.93-113, 2007.
  • Marques, D.; Lima, B. “Estranhas no ninho: uma análise da atuação parlamentar de homens e mulheres na Câmara dos Deputados”. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, MG, vol. 26, nº 2, p. 93-125, 2018.
  • Mayhew, D. Congress: The Electoral Connection. Yale: Yale University Press, 1974.
  • Nicolau, J. Sistemas Eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
  • Nicolau, J. “O sistema eleitoral de lista aberta no Brasil”. Dados, vol. Rio de Janeiro, RJ, v.49, nº 4, p. 689-720, 2006.
  • Pereira, C.; Mueller, B. “Uma teoria da preponderância do Poder Executivo: O sistema de comissões no Legislativo brasileiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, SP, vol. 15, nº 43, p. 45-67, 2000.
  • Pitkin, H. O Conceito de Representação. In: Cardoso, F. H.; Martins, C. E. (Orgs.). Política & Sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.
  • Rainha, J. Espírito Santo: dinâmica partidária, produção legal e relação entre os poderes Executivo e Legislativo entre 2003-2010. In: Tomio, F.; Ricci, P. (Orgs.). Governadores e assembleias legislativas: instituições e política nos estados brasileiros. São Paulo: Alameda, p. 431-465, 2018.
  • Rangel, A. “Produção parlamentar municipal: os projetos de indicação”. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, Vitória, ES, vol. 2, nº 1, p. 113-132, 2014.
  • Rezende, D. “Desafios à representação política de mulheres na Câmara dos Deputados”. Estudos Feministas, Florianópolis, SC, vol. 25, nº 3, p. 1199-1218, 2017.
  • Ricci, P. “O conteúdo da produção legislativa brasileira: leis nacionais ou políticas paroquiais?”. Dados, Rio de Janeiro, RJ, vol. 46, nº 4, p. 699-734, 2003.
  • Ricci, P. Produção legislativa de iniciativa parlamentar no Congresso: diferenças e similaridades entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. In: Lemos, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal " Unilegis, 2008.
  • Ricci, P.; Lemos, L. B. “Produção legislativa e preferências eleitorais na comissão de agricultura e política rural da Câmara”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, SP, vol. 19, nº 55, p. 107-130, 2004.
  • Rocha, M. M.; Kerbauy, M. T. M. (Orgs.). Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014.
  • Sanchez, B. R. “Quem são e o que fazem as parlamentares brasileiras? Uma análise do perfil biográfico e da produção legislativa da bancada feminina”. In: Anais do I Seminário Internacional de Ciência Política, Porto Alegre, 2015.
  • Santos, F. “Teoria das decisões legislativas: os microfundamentos do clientelismo político no Brasil”. Tese de Doutorado em Ciência Política. IUPERJ, Rio de Janeiro, 1994.
  • Santos, F. O Poder Legislativo nos Estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
  • Santos, F.; Almeida, A. "Teoria Informacional e a Seleção de Relatores na Câmara dos Deputados". Dados " Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, RJ, vol. 48, nº 4, p. 693-735, 2005.
  • Silva, B. S. Produção legislativa e relações Executivo-Legislativo no nível local: uma análise das indicações e dos requerimentos na Câmara Municipal de Araraquara " SP. In: Rocha, M. M.; Kerbauy, M. T. M. (Orgs.). Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014.
  • Shepsle, K. A.; Weingast, B. R. Positive theories of congressional institutions. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1995.
  • Simões, J. C. C. “Conexão Eleitoral e Comportamento Parlamentar no Estado do Espírito Santo”. In: Anais do I Seminário de Ciências Sociais PGCS-UFES, Vitória, 2016.
  • Simões, J. C. C. “Conexão eleitoral e comportamento parlamentar: um estudo a partir da Assembleia Legislativa do Espírito Santo entre 1999 e 2010”. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018.
  • Taylor-Robinson, M.; Díaz, C. “Who gets legislation passed in a marginal legislature, and is the label marginal legislature still appropriate?”. Comparative Political Studies, vol. 32, nº 5, p. 598-625, 1999.
  • Tomio, F.; Ricci, P. (Orgs.). Governadores e assembleias legislativas: instituições e política nos estados brasileiros. São Paulo: Alameda, 2018.
  • Volden, C.; Wiseman, A. The Lawmakers: Legislative Effectiveness in the US Congress. Nueva York: Cambridge University Press, 2014.
  • Volden, C. “Legislative Effectiveness in the United States Senate”. In: Anais the 2017 Annual Meetings of the Midwest Political Science Association, p. 01-44, 2017.
  • 3
    As emendas aos projetos de lei e as propostas de emenda constitucional também podem servir aos parlamentares para direcionar recursos para suas bases, particularmente as emendas a projetos de lei de natureza orçamentária. Efetivamente, os parlamentares lançam mão desse instrumento em volume expressivo (Sobre emendamentos no Senado, ver Araújo, 2015Araújo, P. M. “Processo legislativo e emendamento no Senado Brasileiro”. Revista Agenda Política, São Carlos, SP, vol. 3, nº 1, p. 203-231, 2015.). Essa discussão, no entanto, está fora do escopo deste artigo.
  • 4
  • 5
    No Senado Federal, a indicação é uma proposição que corresponde à sugestão de senador ou comissão para que o assunto nela focalizado seja objeto de providência ou estudo pelo órgão competente da Casa, com a finalidade de seu esclarecimento ou formulação de proposição legislativa. Porém, desde a promulgação da Resolução do Senado Federal nº 14, de 2019, a indicação passou a ser, também, "uma sugestão a outro Poder para a adoção de providência, a realização de ato administrativo ou de gestão ou o envio de projeto sobre matéria de sua iniciativa exclusiva". (Grifos acrescentados. Disponível em: <https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes/glossario-legislativo/-/legislativo/termo/indicacao>. Acesso em: 29 jun. 2022).
  • 6
    Aqui, vale uma palavra sobre eficácia legislativa, no sentido de Volden e Wiseman (2014, 2017)Volden, C.; Wiseman, A. The Lawmakers: Legislative Effectiveness in the US Congress. Nueva York: Cambridge University Press, 2014., 2017). Nos termos desses autores, a eficácia se relaciona com a capacidade dos parlamentares para aprovar legislação relevante, com base nos ativos políticos que dominam, superando os obstáculos presentes no processo decisório. Em outros termos, "eficácia [...] é o grau de sucesso com que um parlamentar consegue avançar com iniciativas legislativas de sua autoria através do processo legislativo no sentido de torná-las normas jurídicas" (Carvalho; Batista, 2018)Carvalho, L.; Batista, M. “Influência parlamentar: aspectos individuais e institucionais que contribuem para a eficácia legislativa dos deputados federais em projetos de lei em saúde”. Revista Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, MG, vol. 26, nº 1, 2018.. Contudo, conforme exposto, as indicações " diferentemente dos projetos de lei e de emenda constitucional " não têm custos políticos, têm custos operacionais mínimos, de modo que não permitem inferências sobre a eficácia dos deputados na aprovação de medidas políticas. Para considerar a eficácia envolvendo as indicações, seria necessário avaliar com que frequência elas são convertidas em decisões políticas ou obras públicas, mas essa avaliação ultrapassa os limites deste artigo. Em tempo: Volden e Wiseman (2017) e Volden (2014) consideram relevantes apenas medidas que têm impacto direto sobre o status quo. Nesse caso, a aprovação de medidas de cunho simbólico " homenagens e condecorações, por exemplo " não seriam indicadores adequados para a eficácia legislativa, visto que não exigem tanto a mobilização dos ativos políticos dominados pelos deputados. O mesmo pode-se dizer das indicações, as quais podem ser apresentadas por qualquer parlamentar, independentemente dos recursos de poder político dos quais dispõe.
  • 7
    Informes sobre os dados e sua categorização: quase todas as informações foram extraídas do site da Câmara dos Deputados. Para cada proposição, a Câmara informa a data de apresentação, o autor, seu partido, o estado que representa, a ementa e o destino da indicação (para qual órgão a indicação foi remetida). Há também uma justificativa, na qual o parlamentar apresenta o pedido ou faz a sugestão, bem como expõe as razões do contato e os interesses envolvidos na solicitação. Com base nessas informações, foram criadas as categorias avaliadas ao longo do artigo. Primeiramente, foi considerada a ementa, que, em geral, contém uma síntese do conteúdo do documento, permitindo a categorização; quando isso não foi possível, recorreu-se à justificativa. Assim, foi possível, para cada uma das indicações apresentadas no período, definir seu tema (se cultural, econômico, administrativo etc.), a abrangência de seus impactos esperados (se local, regional, nacional) e sua natureza (se regulatória ou distributiva). A relação do parlamentar com o governo foi identificada com base no partido do proponente e na data da proposição. Essas informações foram relacionadas com dados disponibilizados pelo Cebrap sobre a composição das coalizões governamentais. O volume da produção inviabiliza, para este artigo, a introdução de outras variáveis que poderiam ser esclarecedoras, como o partido do ministro para o qual a indicação foi enviada " isso lançaria luz no papel dos partidos e nos efeitos da coalizão sobre a produção parlamentar.
  • 8
    Interessante observar que 513 é o número de deputados titulares. Considerando que durante a legislatura alguns suplentes assumem o cargo, o número de deputados que tem a possibilidade de apresentar indicações é maior que 513 (titulares mais suplentes). Isso significa que o número de deputados que não utilizam o dispositivo também é maior.
  • 9
    É compreensível a ambiguidade estratégica dos parlamentares sugerida pelo índice, tendo em vista a grande dispersão da votação entre os municípios dos estados respectivos. Em média, os deputados da amostra obtiveram (pelo menos um) voto em 82% dos municípios do estado, sendo inexistentes parlamentares que concentraram votos em um único município. O mais comum é uma dispersão da votação nos diversos municípios do estado. Com isso, torna-se estratégico " e impositivo " que os deputados mirem também territórios em que obtiveram votação reduzida ou intermediária.
  • 10
    O posicionamento ideológico dos partidos segue trabalho de Campos e Machado (2020, pCampos, L. A.; Machado, C. Raça e Eleições no Brasil. Porto Alegre: Editora Zouk, 2020., p. 158). Foram enquadrados na esquerda, PCdoB, PCB, PCO, PDT, PSB, PSOL, PSTU e PT; no centro PHS, PMDB/MDB, PPL, PPS/Cidadania, PSD, PSDB, PV e Rede; na direita, DEM/PSL/União Brasil, Novo, PEN/Patriotas, PL/PR, PMB, PMN, PP, PRB/Republicanos, PROS, PRP, PRTB, PSC, PSDC/DC, PTdoB/Avante, PTB, PTC, PTN/Podemos, SD.
  • 11
    Foi elaborado um questionário de survey e enviado para todos os gabinetes dos deputados federais com questões que poderiam ajudar a lançar luz sobre o fenômeno da produção de indicações. Infelizmente, nenhum gabinete respondeu ao contato.
  • 12
    Dados sobre as coalizões governamentais e os respectivos partidos são disponibilizados pelo CEBRAP, e são liberados ao acesso público. Disponível em: <https://bancodedadoslegislativos.com.br/>. Acesso em: 24 ago.2023.
  • 13
    Foi tentado um modelo estatístico mais robusto, buscando identificar linearidade na relação entre ser ou não governista (variável independente) e número de indicações por deputado (variável resposta), adotando-se como variáveis de controle as legislaturas, os governos, as regiões de atuação dos deputados e a filiação ideológica. O resultado, no entanto, não foi satisfatório, em função das características da variável resposta, que não atende aos requisitos (normalidade dos resíduos) para o teste de correlação.
  • 14
    Logicamente, esta é uma afirmação hipotética que carece de teste apropriado.
  • 1
    1 Agradecimentos aos pareceristas anônimos da revista pelas sugestões e críticas que muito contribuíram para o aprimoramento deste artigo. As falhas remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2022
  • Aceito
    16 Mar 2023
Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitária 'Zeferino Vaz", CESOP, Rua Cora Coralina, 100. Prédio dos Centros e Núcleos (IFCH-Unicamp), CEP: 13083-896 Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521-7093 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: rop@unicamp.br