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Apresentação

Ao publicar este número de Horizontes Antropológicos trazemos aos nossos leitores um conjunto de artigos que acreditamos refletir ênfases e questões que neste momento estão presentes nos estudos sócio-antropológicos da religião.1 1 A organização deste volume contou com a colaboração dos membros do Núcleo de Estudos da Religião (NER), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS-UFRGS).

Os artigos apresentam uma sequência que poderia ser demarcada por três grandes tópicos: 1) a religião como um instrumento de reflexão sobre a realidade moderna globalizada e a elaboração do pensamento antropológico; 2) as religiões afro-americanas: suas relações com a mídia, suas transformações históricas e suas formas de resistência; e 3) o evangélico, nas versões da Igreja Universal do Reino de Deus e do televangelismo nos Estados Unidos. Em Espaço Aberto, apresentamos um ensaio sobre os estudos étnicos no contexto de globalização, reproduzindo uma comunicação de Lívio Sansone, apresentada na mesa redonda “Antropologia brasileira face ao pensamento contemporâneo”, da XXI Reunião da ABA, em Vitória, ES, em 1998.

Peter Beyer (Universidade de Toronto, Canadá) abre o primeiro tópico discutindo a questão da religião em contextos de migração, na sociedade globalizada. Ao enfocar as transformações no âmbito das culturas que recebem os migrantes e das que os perdem, busca romper com lugares-comuns nos estudos das ciências sociais que enfatizam o papel da religião como mecanismo de ajuste à nova cultura ou de continuidade em processos de integração. Para o autor, a migração age no sentido de redefinir as religiões e como espaço privilegiado de construção da religião dos migrantes.

A partir de um diálogo que estabelece com Harold Bloom, e com outros autores que discutem a gnose na atualidade, enquanto um fenômeno que transcende limites institucionais, Otávio Velho (UFRJ/Museu Nacional, Rio de Janeiro) aponta para a importância deste conceito para se pensar não apenas os novos movimentos religiosos, mas também a produção antropológica.

José Jorge de Carvalho (UnB, Brasília) apresenta o esoterismo e a antropologia como duas correntes de pensamento que são ao mesmo tempo herdeiras do projeto da modernidade e críticas do seu sistema de valores. Três conceitos: tradição, iniciação e ciência sagrada são discutidos como parte da experiência religiosa e como manifestações etnográficas, numa perspectiva de reintegração dos saberes humanos.

No seu artigo, A irmã da bruxa, Maria Amélia S. Dickie (UFSC, Florianópolis) mostra que é possível, “desde um ponto de vista do nativo”, associar a experiência esotérica da atualidade (Nova Era) com uma experiência religiosa do século XIX (o movimento Mucker), descobrindo, assim, pontos de identificação entre o esoterismo e o messianismo, enquanto movimentos que se opõem ao projeto racionalista moderno ou cristão institucional.

Ao trabalhar sobre a literatura espírita, sua produção e consumo, Bernardo Lewgoy (UFRGS, Porto Alegre) traz para o debate questões de ponta da antropologia pós-moderna sobre autoria e verossimilhança. As tensões existentes entre mediunidade e psicografia, ou seja, entre o médium que “codifica” a mensagem e o espírito que a “dita”, permitem ao autor jogar um pouco de luz sobre a autoria em contextos etnográficos.

No conjunto de textos que tratam das religiões afro-americanas, Alejandro Frigerio (UCA, Buenos Aires) e Ari Pedro Oro (UFRGS, Porto Alegre) analisam um evento – amplamente divulgado pela mídia brasileira e argentina, qual seja, o suposto assassinato ritual de um menino por parte de um pai-de-santo de uma cidade do litoral paranaense – para pensar a especificidade dos contextos religiosos destes países e as representações mútuas que brasileiros e argentinos mantêm entre si.

Reginaldo Prandi (USP, São Paulo) retraça a démarche das religiões afro-brasileiras, destacando três fases: sincretização, branqueamento e africanização, detendo-se especialmente sobre a última. Tendo como referência o Candomblé, analisa as condições sociais e culturais que estão na base de um processo de afirmação de uma identidade exclusiva pela negação do sincretismo, da incorporação da escrita na transmissão religiosa e da definição cada vez mais precisa de um corpus ritual e doutrinário.

Roberto Motta (UFP, Recife) parte do conceito durkeimiano do sagrado para discutir os processos de iniciação, o sacrifício, a festa, o transe, a comunhão emocional do grupo e a identidade pessoal no Xangô de Pernambuco.

Sérgio Ferreti (UFM, São Luís), tomando como universo o Tambor de Mina, busca interpretar os sentidos objetivos e subjetivos que foram associados a esta prática religiosa a partir das raízes históricas do sincretismo que se constitui tanto pela resistência simbólica ao catolicismo, enquanto religião dominante, quanto pela experiência armada dos quilombos.

Os textos concernentes ao campo evangélico centram suas análises sobre o milagre na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e o espetáculo mediático no televangelismo norte-americano. Com efeito, André Corten (Universidade de Montreal, Canadá) vê no uso que a IURD faz do milagre uma banalização que estaria em contradição com uma definição clássica de milagre, onde este aparece como um fato extraordinário que não se explicaria por causas naturais. Para o autor, o milagre, no contexto da IURD, se banalizou pela repetição, retirando sua verossimilhança do próprio relato, e não mais de uma autoridade externa.

Jacques Gutwirth (CNRS, França), em seu artigo sobre o televangelismo, discute as relações dos televangelistas com seu público e com as redes televisivas, ao mesmo tempo que busca associar o televangelismo com os traços dominantes do modo de vida americano.

Em Espaço Aberto, Livio Sansone (Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro) traz um importante debate sobre as questões levantadas hoje pelos estudos étnicos no Brasil, tendo como contexto o processo de globalização e a internacionalização das culturas negras. O autor aponta para novas formas de negritude que estariam questionando o prisma interpretativo das relações raciais, definido dentro do mundo anglo-saxônico.

Ari Pedro OroCarlos Alberto Steil

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    A organização deste volume contou com a colaboração dos membros do Núcleo de Estudos da Religião (NER), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS-UFRGS).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 1998
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