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GUTWIRTH, Jacques. L’Église électronique: la saga des télévangélistes. Paris: Bayard, 1998. 312 p.

GUTWIRTH, Jacques. L’Église électronique: la saga des télévangélistes. 1998. Paris: Bayard, 312

O antropólogo francês Jacques Gutwirth põe à disposição dos leitores de língua francesa seu mais recente livro, fruto de quase vinte anos de pesquisa, que versa sobre um dos fenômenos mais instigantes e caracterizadores do recente e atual panorama do protestantismo norte-americano: o televangelismo. Nele o autor capitaliza, com bastante sucesso, os benefícios produzidos por seu arguto olhar de pesquisador estrangeiro nos Estados Unidos na tarefa de trazer à tona uma série de imbricações entre o televangelismo e a cultura e a sociedade norte-americana.

A maioria dos capítulos, sete precisamente, versam sobre as trajetórias de vida dos sete principais televangelistas norte-americanos: Billy Graham, Oral Roberts, Jerry Falwell, Robert Schuller, Jimmy Swaggart, Jim Bakker e Pat Robertson. Neles, Gutwirth explora minuciosamente os significados e os desfechos de cada ação importante destes personagens, de cada episódio em que se envolveram, buscando assim compreender não só a doutrina que expressam mas suas ações e reações diante dos estímulos sofridos, vendo suas conseqüências para o televangelismo. Ademais, valendo-se de uma metodologia comparativa, aproxima e coteja certos parâmetros nas apresentações dos personagens, tais como: tipos de programas, estilo, controle e financiamento dos mesmos, relações com o público, motivações dos telespectadores, etc.

O autor realiza toda essa análise sem deixar em nenhum momento de relacionar a trajetória dos televangelistas, e o desenvolvimento do televangelismo, com a sociedade e a cultura circundantes. Assim sendo, apresenta um quadro bastante elucidativo de razões que explicam o desenvolvimento desta forma de expressão do protestantismo norte-americano, sem perder de vista o processo histórico mais amplo. As origens do televangelismo, por exemplo, objeto do primeiro capítulo, em momento algum distancia-se da narração do processo mais amplo pelo qual os EUA inaugura e desenvolve seu processo de laicização. É pela liberdade de culto garantida por esta laicização, demonstra o autor, que movimentos revivalistas autônomos e pregadores itinerantes nos séculos anteriores desenvolveram como que o embrião do modelo de evangelização do qual os televangelistas de hoje são tributários.

Num exercício análogo, Gutwirth assinala a estreita relação existente entre o desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação de massa nos EUA e a sua utilização para fins religiosos. Ou seja, o autor mostra como os pregadores evangélicos se apossaram rapidamente dessas tecnologias para uso proselitista, imprimindo nelas marcas nada desprezíveis.

A funcionalidade desse modelo de religiosidade é também outro aspecto através do qual Gutwirth consegue decodificar a atualidade da sociedade americana. Numa sociedade onde a economia de tempo e a valorização do conforto são tendências preponderantes, nada mais funcional do que ter à disposição, dentro do próprio lar, uma extensão virtual de um templo evangélico e isso com todos os requintes que as modernas tecnologias da comunicação podem oferecer. Perde-se, como percebe o autor, a qualidade das relações interpessoais suscitadas pela sociabilidade congregacional do templo mas ganha-se consideravelmente em assistência. Assim, conclui Gutwirth, os EUA tem conseguido manter-se e até revigorar-se como nação cristã, sendo este um dos traços mais caros à identidade nacional americana.

Mas, afinal, quem são esses televangelistas? Gutwirth nos revela, com riqueza de informações e dados informativos, personagens que dramatizaram espetacularmente suas ambições e valores individuais, os mesmos que compõem o velho modo de vida norte-americano. São sujeitos que, vindos de classes populares e médias, forjaram trajetórias a partir de seus talentos, audácias, iniciativas, alianças, carismas, e que, em função de seus sucessos, foram arremessados ao topo da pirâmide social para gerirem impérios religiosos e empresariais impressionantes. São sujeitos que, tal como vários políticos americanos e atores de Hollywood, conheceram a fama e o sucesso em meio a acirradas controvérsias. São, enfim, sujeitos que em virtude do desgaste natural da exposição exaustiva à opinião pública, dos escândalos em que se envolveram, de fracassos e dificuldades empresariais e políticas, desgastaram-se enquanto ícones da mídia e provaram a decadência. Eis a “saga dos televangelistas”.

De fato, Gutwirth nos informa que o apogeu dos grandes televangelistas ocorreu entre os anos 1980 e 1985 e que, depois disso, eles experimentaram um significativo desprestígio. Mas, se os grandes televangelistas provam hoje a decadência, o mesmo não pode ser dito do televangelismo em gerai Segundo o autor, permanece vigorosa nos EUA toda uma rede de canais de televisão e de rádio na qual um televangelismo menos polêmico continua atraindo uma importante audiência.

Para o leitor brasileiro, além da ampla e profunda visão do televangelismo norte-americano – acompanhado de uma vasta bibliografia e de um posfácio em que o autor se engaja numa fina análise sobre as possibilidades, os limites e as especificidades de um televangelismo europeu, mormente francês – o livro de Gutwirth pode ser útil como contraponto comparativo com o que se passa no campo mediático evangélico brasileiro. Assinalamos, de passagem, que enquanto o modelo norte-americano torna os lares, através da TV e do rádio, um lugar privilegiado de vivência da fé evangélica, por aqui a utilização dos meios de comunicação de massa para fins evangelísticos está muito mais orientada para trazer as pessoas para dentro dos templos. Esta é uma das singularidades do “televangelismo à brasileira”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 1998
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