Acessibilidade / Reportar erro

A banalização da Aids* * Com a colaboração dos bolsistas: Carlo Roberto da Cunha, Cleusa Pratis, Fernanda Picollo, Luciana de Pauli, Neiva Garcia, Sati Mahmud e Thiago Machado.

Resumo

O presente trabalho objetiva discutir o impacto da incidência dos casos de Aids nas representações e práticas da população, ou seja, em que medida o aumento do número de pessoas infectadas e a familiaridade com a doença modificam as representações e as práticas associadas à Aids. Tomamos por universo de investigação o bairro que concentra o maior número absoluto de registros de mortalidade por Aids da cidade de Porto Alegre. Neste contexto, a Aids não pode, ao menos não tão facilmente, ser pensada como algo distante. Sua grande incidência faz dela uma “coisa normal”, que passa a ser incorporada ao cotidiano. Assim, a familiaridade com a doença, que poderia gerar uma maior “conscientização” para a prevenção, acaba por produzir sua banalização. Esta por sua vez pode acarretar o descrédito de toda e qualquer atitude preventiva e retardar a procura da medicina como recurso terapêutico, seja pela minimização da gravidade da doença ou pela experiência de pessoas próximas para as quais “nada adiantou”.

Abstract

This paper discusses the impact of the AIDS epidemic in the social representations and behavior of a population living in the neighborhood (bairro) that concentrates the highest mortality rates for AIDS in Porto Alegre, Brazil. We suggest that, with the increased number of infected individuals, there is a familiarization with the disease that affects social representations and practices associated with AIDS. In this case, the high incidence turns AIDS into something “normal”, even banal, part of people’s everyday lives. We argue that such “familiarity”, instead of increasing awareness and preventive attitudes, ends up producing the opposite effect. It may result in lack of credibility for preventive action and, in some cases, procrastinate the seeking of medical support and therapy either because people tend to minimize the threat of the problem itself, or because they have seen cases where “nothing can actually be done to avoid it”.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Referências

  • 1
    AERTS, D. Mortalidade por Aids em Porto Alegre . Trabalho apresentado. Seminário Aids, Qvo Vadis. Porto Alegre: Nupacs: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1997.
  • 2
    ARIES, P. L’Homme devant la mort . Paris: Seuil, 1975.
  • 3
    BARBOSA, M. R.; VILLELA, W. V. A trajetória feminina da Aids. In: PARKER, R.; GALVÃO, J. (Org.). Quebrando o silêncio: mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Abia: IMS/UERJ, 1996.
  • 4
    BARDET, J. P. et al. Peurs et terreurs face à la contagion: choléra, tuberculose syphilis XIXe-XXe siécles. Paris: Fayard, 1988.
  • 5
    BILAC, E. Famílias de trabalhadores: estratégias de sobrevivência. São Paulo: Símbolo, 1978.
  • 6
    BOURDELAIS, P. Contagions d’hier et d’aujourd’hui. Sciences Sociales et Santé , v. 7, n. l, p. 7-20, févr. 1989.
  • 7
    BOURDIEU, P. La misère du monde . Paris: Seuil, 1993.
  • 8
    DOZON, J. P.; FASSIN, D. Raison épidémiologique et raisons d’Etat: Les enjeux socio-politique du SIDA en Afrique. Sciences Sociales et Santé , v. 7, n. l, p. 21-36, févr. 1989.
  • 9
    DUARTE, L. F. D. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras . Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
  • 10
    DURHAM, E. R. A caminho da cidade . São Paulo: Perspectiva, 1973.
  • 11
    FARMER, P. AIDS and accusation: Haiti and the geography of blame. Berkeley: University of California Press, 1992.
  • 12
    FIGUEIREDO, M. Le role socio-economique des femmes chefs-de-familles. Tiers Monde , v. 21, n. 84, 1980.
  • 13
    FONSECA, C. La violence et la rumeur: le code d’honneur dans un bidonville brésilien. Les Temps Modernes , n. 455, juin 1984.
  • 14
    FONSECA, C. Valeur marchande, amour maternel et survie: aspects de la circulation des enfants dans un bidonvílle Brésilien. Annales ESC , v. 40, n. 5, p. 991-1022, sept./oct, 1985.
  • 15
    FONSECA, C. Alliés et ennemis en famille. Les Temps Modernes , n. 499, févr. 1988.
  • 16
    FONSECA, C. Cavalo amarrado também pasta: honra e humor em um grupo popular brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais , v. 6, n. 15, p. 27-39, 1991.
  • 17
    FONSECA, C. Crime, corps, drame et humor: famille et quotidien dans les couches populaires brésiliennes. Tese (Doutorado)–Université de Nanterre, Nanterre, 1993.
  • 18
    FONSECA, C.; BRITES, J. Batismo em casa: uma prática popular no Rio Grande do Sul. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social , Porto Alegre: UFRGS, n. 14, 1988.
  • 19
    GOLDSTEIN, D. O lugar da mulher no discurso sobre Aids no Brasil. In: PARKER R.; GALVÃO, J. (Org.). Quebrando o silêncio: mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Abia: IMS/UERJ, 1996.
  • 20
    GUIMARÃES, C. D. Mulheres, Homens e Aids: o visível e o invisível. In: PARKER, R. et al. A Aids no Brasil . Rio de Janeiro: Relume Dumará: Abia: IMS/UERJ, 1993.
  • 21
    GUIMARÃES, C. D. “Mas eu conheço ele”! Um método de prevenção do HIV/Aids. In: PARKER R.; GALVÃO, J. (Org.). Quebrando o silêncio: mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Abia: IMS/UERJ, 1996.
  • 22
    HERZLICH, C.; PIERRET, J. Une maladie dans 1’espace public. Le Sida dans six quotidians français. Anuales ESC , v. 43, n. 5, p. 1109-1134, sept./oct. 1988.
  • 23
    KNAUTH, D. R. Os caminhos da cura: sistema de representações e práticas sociais sobre doença e cura em uma vila de classes populares. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1991.
  • 24
    KNAUTH, D. R. Une maladie pas comme les autres: une maladie des autres. In: LEAL, O. F.; FACHEL, J. (Org.). Body, sexuality and reproduction: a study of social representations (Project 91378 BSDA). Relatório final de pesquisa apresentado ao Special Programme of Research, Development and Research Training in Human Reproduction da Organização Mundial de Saúde. Porto Alegre: Nupacs/UFRGS, 1995.
  • 25
    KNAUTH, D. R. Le Sida chez les femmes: maladie et quotidien dans les groupes populaires au Brésil. Tese (Doutorado em Antropologia)–École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris, 1996.
  • 26
    KNAUTH, D. R. O vírus procurado e o vírus adquirido. Estudos Feministas , v. 5, n. 2, 1997.
  • 27
    LEAL, O. F.; FACHEL, J. (Org.). Body, sexuality and reproduction: a study of social representations (Project 91378 BSDA). Relatório final de pesquisa apresentado ao Special Programme of Research, Development and Research Training in Human Reproduction da Organização Mundial de Saúde. Porto Alegre: Nupacs/UFRGS, 1995.
  • 28
    LEAL, O. F.; LEWGOY, B. Aborto: uma contribuição antropológica à discussão. Porto Alegre: L&PM, 1998. (Filosofia Política: Nova Série, v. 2).
  • 29
    LEIBOWITCH, J. Un virus etrange venu d’ailleurs . Paris: Grasset, 1984.
  • 30
    LOYOLA, M. A. Aids e prevenção da Aids no Rio de Janeiro. In: LOYOLA, M. A.; GIAMI, A. Aids e sexualidade: o ponto de vista das ciências humanas. Rio de Janeiro: Relume Dumará: UERJ, 1994.
  • 31
    MONTAGNIER, L. Le SIDA: problème medical et problème de société. Revue des Sciences Morales et Politiques , n. 4, 1990.
  • 32
    PARKER, R. A construção da solidariedade . Rio de Janeiro: Relume Dumará: Abia: IMS/UERJ, 1994.
  • 33
    ROCHE, S. Expliquer le sentiment d’insécurité: pression, exposition, vulnerabilité et acceptabilíté. Revue Française de Science Politique , v. 48, n. 2, p. 274-305, 1998.
  • 34
    SALEM, T. Mulheres faveladas: com vendas nos olhos. In: FRANCHETTO, B.; CAVALCANTI, M. L.; HEILBORN, M. L. (Org.). Perspectivas antropológicas da mulher, 1 . Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 49-99.
  • 35
    SARTI, C. A família como ordem moral. Cadernos de Pesquisa , São Paulo, n. 91, p. 46-53, 1994.
  • 36
    SARTI, C. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. Campinas: Autores Associados, 1996.
  • 37
    SCHEPER-HUGHES, N. Death without weeping: the violence of everyday life in Brazil. Berkeley: University of California Press, 1992.
  • 38
    VÍCTORA, C. Mulher, sexualidade e reprodução: representações de corpo em uma vila de classe populares em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1991.
  • 39
    VÍCTORA, C. Images of the body: lay and biomedical views of the reproductive system in Britain and Brazil. Tese (Doutorado em Antropologia)–Brunei University, London, 1996.
  • 40
    VÍCTORA, C. “Agora me fala da tua família”: uma abordagem etnográfica à estrutura familiar e à composição da unidade doméstica no Brasil e na Inglaterra. 1998. Trabalho apresentado. XXII Reunião da ANPOCS, Caxambu, 1998. Não publicado.
  • 41
    WALLE, E. The social impact of AIDS in Sub-Saharan Afrique. The Milbank Quarterly , v. 68, suppl. l, 1990.
  • 42
    WOORTMAN, K. A família das mulheres . Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1987.
  • 43
    ZALUAR, A. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1984.
  • *
    Com a colaboração dos bolsistas: Carlo Roberto da Cunha, Cleusa Pratis, Fernanda Picollo, Luciana de Pauli, Neiva Garcia, Sati Mahmud e Thiago Machado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 1998
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: horizontes@ufrgs.br