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LAGRANGE, Hugues; LHOMOND, Brigitte (Dir.). L’Entrée dans la sexualité: le comportement des jeunes dans le context du sida. Paris: La Découverte, 1997. 464 p. (Collection Recherches).

LAGRANGE, Hugues; LHOMOND, Brigitte. L’Entrée dans la sexualité: le comportement des jeunes dans le context du sida. 1997. Paris: La Découverte, 464. (Collection Recherches)

A obra de Hugues Lagrange, de Brigitte Lhomond e da equipe de pesquisadores colaboradores é um trabalho marcante. Esta pesquisa sobre os jovens de 15 a 18 anos, realizada em 1994, inscreve-se no dispositivo francês de pesquisas qualitativas sobre os comportamentos sexuais.

Mas L’Entrée dans la sexualité é, sobretudo, o resultado de um projeto original, remarcadamente coerente de ponta à ponta. O fio condutor desta pesquisa é de que a sexualidade dos adolescentes deve ser considerada como uma elaboração progressiva dos interessados e entendida no próprio processo de sua construção. É explicitamente rejeitada a idéia segundo a qual o acesso dos jovens à sexualidade se daria pela reprodução de um modelo de comportamento prescrito pela sociedade adulta. Mais que buscar uma relação entre as “determinações herdadas” dos indivíduos (origem social, lugar de residência, grupo etnocultural, etc.) e as práticas no momento da enquete – como se elas fossem fixas e definitivas –, os autores descrevem os encaminhamentos, isto é, as vias, as experiências conduzidas ou não, as tentativas, os avanços e paradas na construção de si através da sexualidade; estes encaminhamentos são relacionados às “determinações adquiridas” dos jovens (classe escolar, nível de prática religiosa, nível de ambição escolar, ligações com a cultura “jovem”, etc.) bem como às características e transformações de suas redes de sociabilidade.

Os autores não limitam a descrição da passagem à sexualidade genital àquela da primeira relação sexual no sentido estrito. As etapas anteriores são reconstituídas e datadas – primeira masturbação, primeiro beijo de língua, primeiras carícias genitais, primeiro coito – na medida em que elas constituem “as marcas mais acessíveis da emergência da vida afetiva e sexual” (p. 29); o desenvolvimento das primeiras relações sexualizadas que inaugura o primeiro coito é igualmente reconstituído. Esta pesquisa é uma verdadeira enquete biográfica retrospectiva, na qual as pessoas entrevistadas encontram-se ainda bastante próximas dos acontecimentos que são convidadas a descrever.

A obra se divide em três grandes partes: a primeira descreve os processos que precedem e preparam a entrada na sexualidade genital, a segunda trata das relações que os jovens estabelecem no momento e no seguimento de suas primeiras relações sexuais, e a terceira diz respeito aos riscos e modos de adaptação ao risco da Aids.

As escolhas metodológicas dos responsáveis pela pesquisa devem ser consideradas em relação às especificidades da população de 15 a 18 anos. Para construir uma amostra representativa e viabilizar a enquete, os responsáveis apoiaram-se sobre uma característica dessa população: o fato de os jovens serem, em sua maioria, escolarizados em liceus nesse momento de sua vida. Disso resulta que os collégiens de 15 anos (dois quintos dos jovens dessa idade) e os estudantes de 18 anos (17% do grupo de idade) estão excluídos da população estudada, o que não é sem consequências: eles possuem, provavelmente, algumas características específicas ligadas ao tema abordado (os étudiants são menos precoces sexualmente).

Apesar disso, é preciso louvar os responsáveis pela enquete por terem investido esforços na constituição de uma amostra complementar de jovens saídos do sistema escolar, na medida em que pode-se supor – o que a enquete confirmou – que esses jovens teriam comportamentos sensivelmente diferentes, especialmente em matéria de risco.

A pesquisa se caracteriza igualmente pela qualidade e originalidade do questionário. Ele se adapta bem, por sua própria construção, às características da população adolescente, e permanece em perfeita adequação com os princípios teóricos proclamados e os objetivos da demanda social. Um princípio chave, presente em todas as pesquisas sobre sexualidade, é que as questões colocadas aos entrevistados devem estar estritamente relacionadas às experiências vividas.

O principal objetivo da pesquisa é observar o processo de construção progressiva da conduta sexual na adolescência. O caráter gradual da passagem à sexualidade genital é, segundo os autores, uma novidade contemporânea, que justifica o interesse por este grupo de idade e pelas atividades pré-genitais. A idade da primeira relação sexual dos indivíduos de uma geração está hoje contida num intervalo de tempo bastante curto (2 ou 3 anos, ao invés de 6 ou 7 anos antes), mas, para cada indivíduo em particular, a transição à sexualidade genital, que tradicionalmente era feita sem uma verdadeira preparação, está alongada: a exploração física do outro – desde os primeiros beijos aos primeiros atos genitais, passando pelas carícias do corpo – despende hoje tempo (três anos e meio entre o primeiro beijo de língua e o primeiro coito, segundo a enquete). Além disso, esta entrada na vida sexual não é mais determinada por prescrições da sociedade adulta, mas por normas e modelos de conduta autoproduzidos: “libertando-se desta maneira do controle da geração adulta, inclusive dos pais, [os adolescentes] são submetidos a fortes e difusas pressões que vêm dos pares e dos mídias de massa” (p. 14).

Uma dupla abordagem descritiva está, assim, presente ao longo da obra. Em uma orientação que poderíamos qualificar de biográfica, é o tempo, as datas, os intervalos e as sequências de acontecimentos que são privilegiados. Em uma orientação relacional, a análise centra-se sobre a rede – estruturada ou não – de amigos, pares e parceiros de saída, e as formas de influência que pode-se exercer sobre o comportamento sexual e as decisões de passagem ao ato. Uma articulação das duas abordagens é buscada pelos autores quando relacionam a passagem biográfica da primeira relação sexual com as transformações na estrutura da rede (capítulo 3: Sociabilidade e sexualidade).

A descrição e interpretação das vias de entrada na sexualidade genital (p. 125) fornecem um bom exemplo do método e dos resultados dos autores. Para lhes definir, são considerados três atos – primeiro beijo, primeiras carícias corporais e primeiras relações sexuais –, bem como o fato de os parceiros mudarem ou permanecerem os mesmos de um ato a outro. As vias de entrada correspondem às diferentes situações: o fato de permanecer com o mesmo parceiro todo tempo, o fato de mudar após o primeiro beijo, o fato de mudar a cada ato inaugural. Às diversas vias correspondem calendários, comportamentos e atitudes típicas. Assim, os jovens que entram tarde na fase liminar, beijos-carícias, declaram tê-lo feito por amor (decisão mais madura) e tendem a passar rapidamente com o mesmo parceiro as etapas da sexualidade genital. É, especialmente, o caso das jovens que possuem parceiros sensivelmente mais velhos. Inversamente, um primeiro beijo precoce, “por curiosidade”, conduz, frequentemente, a mudar de parceiro várias vezes e a não ser, necessariamente, muito precoce no primeiro coito: para esses adolescentes, “a entrada na sexualidade seria o tempo dos encontros, eles não são apressados em encontrar uma realização genital”(p. l45).

Uma reinterpretação do significado dado ao sentimento amoroso pelos jovens, na narrativa retrospectiva de suas relações, é proposta: “O sentimento amoroso não explicaria o fato de se ter permanecido com o mesmo parceiro, mas antes, o fato de ter permanecido unido conduziria a pensar que se estivesse amoroso…” (p. 145). A referência ao amor é o código que autoriza a ir mais longe e a aprofundar as relações físicas. Definido dessa forma, o sentimento amoroso não é mais uma paixão incontrolável; mas ao contrário, o vetor de relações que se pretendem racionais, duráveis e equilibradas.

Estas descrições estimulantes e rigorosas respondem ao desafio de dar conta de comportamentos que estão em movimento com a idade, mesmo porque os indivíduos entrevistados, que possuem entre 15 e 18 anos, não passaram todas as etapas da transição. É verdade, entretanto, que foi “selecionada” uma amostra um pouco mais precoce sexualmente que a média: a obra descreve melhor, sem dúvida, a experiência daqueles que entraram cedo na sexualidade do que daqueles que entraram tardiamente.

A sociologia dos comportamentos sexuais não pode e não deve ser separada dos outros capítulos fundamentais da sociologia, especialmente aqueles que dizem respeito à construção das identidades sociais. Assim, por se tratar de uma pesquisa sobre a sexualidade, essa enquete é um trabalho sobre a construção das relações entre sexo, bem como sobre as formas sociais de elaboração das personalidades adolescentes. As determinações que pesam sobre a formação das identidades adolescentes não assumem mais diretamente a forma de injunções inscritas nas heranças socioculturais (origem social, grupo etnocultural). O processo de socialização faz surgir novas inscrições e pertencimentos, que expressam, a seu modo, os caminhos sociais dos indivíduos. Essas determinações adquiridas são os quadros reais nos quais se definem as condutas sexuais dos adolescentes: a obra analisa, particularmente, a influência das classes escolares e a influência do grupo de pares.

O pertencimento a uma classe escolar é o indício de uma trajetória social pessoal, mas assinala também o pertencimento a um meio de vida e de sociabilidade temporária, quadro de encontros e de difusão de normas e experiências.

A entrada na sexualidade fornece ainda uma descrição fina e precisa, especialmente nos capítulos 3 e 5, da estrutura do funcionamento dos grupos de pares e das redes de amigos, no momento da transição genital. A idéia de pares como o conjunto de amigos do mesmo sexo, da mesma idade e escolarizados no mesmo estabelecimento corresponde a uma realidade bastante masculina; as jovens possuem redes mais diversificadas. A transição para a sexualidade genital não acarreta apenas novas formas de encontros ligadas à procura de parceiros. Ela provoca uma reorganização profunda da sociabilidade: a rede dos meninos abre-se para as meninas, alargando-se também no espaço geográfico, enquanto que o círculo das meninas se masculiniza mais ainda com a modificação do espectro de idades (recrutamento de parceiros mais velhos).

Na construção das personalidades adolescentes, os autores dão importância a duas atitudes típicas, a transgressão e a hesitação. A atitude transgressiva, apreendida aqui pelo fato de ter fumado haxixe, tabaco e pelo gosto por músicas “rebeldes” (músicas negras, afro-caribenhas, hard rock) está fortemente ligada a uma primeira relação sexual precoce, tanto para os meninos como para as meninas. Mas a eficácia preditiva das variáveis ditas de transgressão é largamente absorvida, em um modelo de regressão logística, pelas variáveis de experiência sexual dos pares. É, portanto, prudente, como propõem os autores, interpretar o comportamento em questão em termos de “transgressão conformista”.

A adolescência é também uma idade de incerteza e hesitação, tanto quanto às escolhas futuras como em relação às preferências presentes. A grande originalidade do capítulo “Atrações e práticas homossexuais” é a de conferir um papel central à questão do sexo das pessoas pelas quais os jovens são atraídos, mais do que à questão das práticas homossexuais, aliás pouco “produtiva” nessa pesquisa. Aqueles que não se declaram atraídos exclusivamente pelo sexo oposto são considerados “não decididos” (atraídos por homens e mulheres), e não como já tendo feito uma escolha homossexual clara. Um elemento de socialização frequente entre aqueles que possuem uma atração homossexual é o fato de terem vivido em internato ou foyer. O fenômeno de atração pelo mesmo sexo na adolescência é levado a sério e não sobre interpretado: conforme o caso e por vezes simultaneamente, é o indício de uma fase de hesitação adolescente, ou é já o início de uma atitude original em relação à sexualidade, que se atualizará, frequentemente, sobre outras formas que não as práticas homossexuais.

Por fim, esta obra constitui um aporte teórico-empírico importante para a sociologia da construção biográfica das relações de sexo. Novamente, esta construção resulta menos das injunções externas do que de uma forma de auto-elaboração. A maneira pela qual se constituem as redes de sociabilidade dos meninos e das meninas é exemplar. É preciso, por outro lado, considerar um aspecto fundamental da relação social que se estabelece entre meninos e meninas nesse momento da vida: a diferença de idade entre parceiros, cujas consequências sobre o funcionamento do mercado dos encontros adolescentes, bem como sobre o vivido e a sequência biográfica das primeiras relações são bastante importantes. O problema se resume assim: “As meninas de 15 a 18 anos selecionam principalmente seus parceiros de coito entre os meninos de 15 a 21 anos, enquanto que as [meninas] parceiras desses meninos de 15 a 18 anos pertencem a um mesmo espectro de idade [desses]” (p. 182). Simplificando ainda, pode-se dizer que entre 15 e 18 anos existe uma menina para dois meninos.

O problema da diferença de idade entre cônjuges e entre parceiros é, de uma maneira geral, difícil de explicar (ver Bozon, 1990a1 BOZON, M. Les femmes et l’écart d’âge entre conjoints. Une domination consentie I. Population, n. 2, p. 327-360, 1990a., 1990b2 BOZON, M. Les femmes et l’écart d’âge entre conjoints. Une domination consentie II. Population, n. 3, p. 121-150, 1990b.). Os autores assinalam sem aprofundar que ele corresponde sem dúvida à vontade de uma parte das meninas de se voltarem a meninos mais velhos. A consequência é dupla. Os meninos, mergulhados num “universo de raridade”, têm dificuldades de encontrar meninas acessíveis e não podem se fazer de “difíceis”. As meninas, ao contrário, possuem aparentemente o poder de decidir sobre o momento e a pessoa. Elas precisam “instalar elas próprias os princípios de escolha do parceiro que, na essência, assume a forma de seleção pelo sentimento amoroso” (p. 178). Inversamente, a raridade dos investimentos amorosos dos meninos no início de sua vida sexual deve, necessariamente, ser relacionada, em algum momento, com esse “déficit” do número de meninas.

A entrada na sexualidade, especialmente para as meninas, não se apresenta, entretanto, sempre como o efeito de uma decisão e de uma escolha. Entre as pessoas que já tiveram relações sexuais, 15,4% das meninas e 2,3% dos meninos declaram terem sido submetidos a relações forçadas. Essas relações forçadas foram impostas às meninas, em três quartos dos casos, por jovens que, em geral, elas conheciam. Essa violência de homens jovens sobre meninas jovens (a maioria delas, 51%, tem entre 15 e 16 anos) expressa a persistência perigosa, em um nível elevado, de um modo de apropriação arcaica das mulheres pelos homens. A sexualidade feminina juvenil se caracteriza por sua dupla face de atividade regulada pelo código amoroso e potencialmente submetida à violência.

A diferença de idade entre os parceiros é relacionada, igualmente, à maneira como se organizam os primeiros anos de vida sexual após as primeiras relações, num contexto em que o casamento deixou de ser um horizonte próximo e universal da sexualidade juvenil. Existe um modelo feminino em que os primeiros anos de vida sexual são ocupados por relações sentimentais e duráveis; a solidão é rara, e a primeira relação é, frequentemente, mais longa que a segunda. Já o modelo masculino de inicio da vida sexual passa por relações mais rapidamente sexualizadas e curtas, com um grande número de parceiras e longos intervalos sem atividade sexual. Os primeiros anos de vida sexual deixam as meninas com uma maior experiência relacional que os meninos que tiveram, antes, experiências sexuais pontuais. Em geral, a experiência relacional para os meninos só ocorre após alguns anos de uma sexualidade de experimentação. Apenas escapam deste modelo os meninos que conhecem uma iniciação sexual tardia e, inversamente, as meninas “precoces”.

O fato de que poucas questões aprofundadas tenham sido colocadas sobre as relações com os pais não permite esclarecer totalmente o problema das influências diferenciadas que esses podem ter sobre a socialização sexual de seus filhos, meninos ou meninas. O simples fato, para os pais, de restringir a mobilidade de seus filhos ou suas possibilidades de saída pode conduzir estes últimos a entrar em relações precoces “libertadoras”; menos limitados em seus movimentos, os meninos não são tentados a inscrever tão rápida e definitivamente sua exploração da sexualidade em relações estáveis.

Um traço remarcável da L’Entrée dans la sexualité é o cuidado conferido pelos autores à escrita, escolha do vocabulário, fórmulas e conceitos utilizados. Essa busca de coerência da linguagem e da explicitação “literária” dos resultados deveria fazer parte de todo trabalho científico; ela é aqui perseguida com determinação. Paradoxalmente, a originalidade mesma desse trabalho faz com que seja difícil comparar seus dados com aqueles de outras pesquisas: assim, a definição da primeira relação é própria da enquete e não é a mais frequente na literatura.

Terminaremos por uma recomendação de utilização desse livro. Mais que buscar nele cifras, é preciso voltar e procurar nele as análises e descrições de processos. Os autores souberam acionar um uso compreensivo (qualitativo) dos dados quantitativos, tentativa hoje ainda bastante rara. Essa enquete estatística tem a ambição de uma pesquisa antropológica.

Referências

  • 1
    BOZON, M. Les femmes et l’écart d’âge entre conjoints. Une domination consentie I. Population, n. 2, p. 327-360, 1990a.
  • 2
    BOZON, M. Les femmes et l’écart d’âge entre conjoints. Une domination consentie II. Population, n. 3, p. 121-150, 1990b.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 1998
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