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QUINTERO RIVERA, Angel G. Salsa, sabor y control!: sociología de la música “tropical”. México: Siglo Veintiuno, 1998. 390 p.

Vencedor do prestigioso prêmio de Musicología Casa de las Américas 1998, este alentado volume aporta um sopro renovador aos estudos de música popular em língua espanhola e de modo muito especial, aos estudos da sociologia da cultura. Seu autor, conhecido sociólogo e pesquisador da Universidad de Puerto Rico, acresce à sua extensa bibliografia no campo dos estudos caribenhos, da sociologia urbana e da cultura, o resultado profícuo de um longo e apaixonado investimento no campo da música e dança popular. Como efeito imediato de tanta dedicação registre-se o olhar revitalizado sobre as formações sociais caribenhas, extremamente desafiador de algumas posições empedernidas da sociologia tradicional em relação ao lúdico.

Na linha dos estudos das transformações das sensibilidades contemporâneas, da globalização, do multiculturalisme das identidades múltiplas, estudos marcados pelo impacto desconstrucionista dos “cultural & postcolonial studies” e da crítica a uma visão europeizante do mundo social, Salsa, Sabor y Control pretende contribuir desde o Caribe para o debate sobre a conformação de processos identitários através da música, um tema universal como bem explicita o autor, e que está na pauta das preocupações de cientistas sociais de várias nacionalidades.

Embora o foco analítico-interpretativo do livro recaia sobre as relações entre música e sociedade no Caribe contemporâneo e seus possíveis desdobres no futuro, o plano da obra é perpassado por um jogo de temporalidades ora sequenciadas, ora justapostas que revela a complexa historicidade da criação e difusão de uma miríade de formas e gêneros musicais e relacionamentos sociais constituídos sob a rubrica de música “tropical”. Segundo Quintero, este termo engloba sonoridades do Caribe hispano que se estendem desde o seu centro irradiador – Cuba, República Dominicana e Porto Rico – e atingem regiões do México, Panamá, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, mais a diáspora caribenha nos Estados Unidos, sobretudo na cidade de Nova York. Para abarcar este ambicioso projeto, o livro foi organizado em torno de vários ensaios, alguns inéditos outros extensamente revistos pelo autor, cuja unidade encontra-se na articulação da heterogeneidade dos temas tratados por via de uma mirada sócio-musicológica distribuída por capítulos autônomos, porém inter-relacionados. Amparado em extensa bibliografia e discografia, transcrições musicais (em colaboração com o etnomusicólogo e compositor portoriquenho Luis Manuel Alvarez), encarte fotográfico, análise musical das canções e sociológica de seus textos, o livro revela-se tão denso, quanto prolixo, mormente ao leitor não familiarizado com um certo estilo de scholarship valorizado na academia hispano-americana.

Ao primeiro capítulo – Del Canto, el baile… y el tiempo fica reservada a elaboração teórica da qual se beneficiarão os capítulos posteriores. Manejando com fôlego e desenvoltura uma extensa bibliografia, o autor discute de forma criativa o enquadre das questões musicais caribenhas pela ótica sociológica e vice-versa. No capítulo seguinte, De “el Pablo Pueblo” a “la maestra vida”: mito, historia y cotidianeidad en la expresión salsera, trata o autor das concepções de tempo e espaço vociferadas através da salsa – expressão musical surgida na constante intercomunicação estabelecida entre migrantes caribenhos em Nova York e suas sociedades de origem. Vários exemplos de texto e música são minuciosamente analisados e comentados com o objetivo de mostrar como foram tematizados nesta música abierta formas de sentir e expressar o tempo e os deslocamentos espaciais de uma sociedade em constante fluxo. Para o autor, o movimento salsero interpela de forma original as concepções ocidentais de territorialidade, Estado-nação e cultura nacional graças à dramática experiência da vaga migratória do Caribe para os EUA ao longo deste século.

O capítulo terceiro, El tambor camuflado: la melodización de ritmos y la etnicidad cimarroneada aborda a problemática dos encontros de várias etnicidades no Caribe hispano como base de formação da mestiçagem musical da região, sob a qual se assenta boa parte da música “tropical”. Mais importante ainda, descreve a prática social de camuflagem da identidade afro pela “melodização dos ritmos”, ou seja, por uma espanholização da percussividade afro na harmonia, nos timbres e melodias das formas e gêneros musicais urbanos. Ponce, la danza y lo Nacional, capítulo quarto é uma retomada de estudos anteriores, extensamente revisada pelo autor, que focaliza as relações de classe e a construção da identidade nacional na sociedade portorriqueña. A partir do tripé música-classe-nação o autor explora o significado social do Hino Nacional Portorriqueño, originariamente um gênero de danza popular que apesar das tentativas oficiais para a sua marcialização musical, como é de praxe neste tipo de emblema sonoro da nação, segue sendo executado, no melhor estilo de resistência cultural, como gênero bailable.

O capítulo cinco Lo íntimo y lo social: el bolero; Rafael Hernández, el nomadismo y los tríos entrelaça o tema das transformações advindas da passagem da produção musical doméstica para o controle da nascente indústria musical do rádio, do disco dos anos 20-30 deste século, com a discussão do surgimento do primeiro gênero musical latino-americano – o bolero. O penúltimo ensaio da coletânea, Polirritmo, soneo y descargas: salsa, democracia y la espontaneidad libertaria examina o que o autor considera como as três características fundamentais da salsa caribenha, segundo ele, um modo específico de fazer música, mais do que um gênero propriamente dito, dado o seu caráter de música abierta: livre combinação de formas, virtuosismo musical improvisado (as descargas) e improvisação ao cantar (soneo). A cuidadosa análise das variadas estruturas e práticas de performance da salsa caribenha das últimas três décadas são terreno fértil para sustentar a tese de que as práticas relacionais, dialógicas, libertárias apontadas na manera salsera de hacer música são modelo e valores desejáveis para um projeto de sociedade verdadeiramente democrática.

Finalmente, o ensaio de clausura do livro Soneo en sonata: lo espontáneo y lo elaborado, el desafío salsero en la música “erudita” discute um tema clássico da musicologia, mas sob um novo enfoque, qual seja, a influência da música popular sobre a criação musical erudita desde o ponto de vista de suas práticas, de seus valores sócio-culturais, mais do que dos seus conteúdos.

Assim ao visitar os processos sócio-históricos embutidos nas expressões da música “tropical”, como a dimensão étnica das relações sociais no Caribe, as relações de classe e de gênero, as tensões entre o local, nacional e global Angel Quintero Rivera não acrescenta apenas um título novo à bibliografia anglo/hispânica da “salsologia”; de fato enriquece de modo criativo a reflexão avançada acerca do embricamento de formas expressivas como a música e a dança e o agenciamento social.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 1999
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