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O dito e o feito: ensaios de Antropologia dos Rituais

RESENHAS

Fernando Pereira Paetzel

Mestrando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil

PEIRANO, Mariza (Org.). O dito e o feito: ensaios de Antropologia dos Rituais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ, 2002. v. 12 (Coleção Antropologia da Política). 228 páginas.

Apresentando diferentes temáticas em mais um livro da Coleção Antropologia da Política, O Dito e o Feito, organizado por Mariza Peirano, traz uma coletânea de ensaios sobre rituais, pensados através de trabalhos do antropólogo Stanley Tambiah, e de referenciais lingüísticos, em autores como Austin, Peirce e Jakobson. Três características de Tambiah, presentes no ensaio de Peirano sobre A Análise Antropológica de Rituais, na primeira parte do livro, atravessam os demais: os ensaios se conjugam na discussão do ritual como instrumental analítico e manifestação nativa, que deve ser percebida pelo antropólogo e por uma tradição de renovação da antropologia pelo diálogo com as etnografias clássicas e referenciais teóricos diversos.

Em seguida, dois ensaios compõem a segunda parte, intitulada Ensaios Analíticos, trabalhados a partir da Lingüística de Charles S. Peirce e Roman Jakobson, utilizando os estudos lingüísticos como recursos para a análise dos rituais. No primeiro dos ensaios, Ana Flávia M. dos Santos analisa um drama teatral de Nelson Rodrigues, O Beijo no Asfalto, trazendo ao leitor um "complexo jogo dialógico, por meio do qual se caracterizam os personagens". Em conjunto com Peirce, a autora centra o texto no movimento dialético, proposto pelo antropólogo Vincent Crapanzano, visualizado por um personagem que tem uma ação essencializada através de um ato lingüístico convencionado. O outro ensaio analítico, curiosamente intitulado Jakobson a Bordo da Sonda Espacial Voyager, de Jayme Moraes A. Filho, assim como o ensaio que o antecede, escapa à análise do político, tendo como tema um projeto para o estabelecimento de contato com seres extraterrestres, o SETI@HOME. Como o título já manifesta, Roman Jakobson é referência para se pensar uma tentativa de comunicação com um outro hipotético, não-presente, assim como nos exemplos de procedimentos mágicos referidos em diversas descrições antropológicas, em que "... o fiel está convencido de sua existência, e somente um observador exterior, ceticamente encharcado de niilismo, pode dela duvidar".

Tambiah (1997) chama a atenção sobre a importância de Durkheim nos estudos de rituais como atos de sociedade, "meios pelos quais o grupo social se reafirma periodicamente" (Durkheim, 1996, p. 422). Podemos pensar a terceira parte do livro como acontecimentos exemplares, atos de sociedade que são acessados empiricamente na linguagem, ritualizações de disputas e acusações diversas da política, por exemplo. Nos quatro capítulos que compõem esta parte, narrativas de construção da nação, bravatas, marchas e reuniões camponesas são exemplos de uma abordagem que privilegia os rituais, não apenas como momentos de liminaridade, mas também como estados da arte de cosmologias locais, nacionais e globais.

Encerrando o livro, a última parte é dedicada a uma expressão que se consolidou nos estudos antropológicos da política no Brasil, os estudos do tempo da política, termo de Moacir Palmeira e Beatriz Heredia para descrever as mudanças cotidianas dos processos políticos institucionais. O ensaio de abertura da quarta parte do livro, intitulada Clima de Tempos, é uma nota exploratória, uma retomada e, por que não, um refinamento da gênese do conceito de tempo, um retorno de Moacir Palmeira a seus relatos de campo para elucidar a pertinência de uma recorrência entre a associação de política e eleições, por exemplo, e de repensar sua eficácia em um momento que o tempo da política é referência constante nos textos de antropologia da política. O segundo ensaio troca os palanques das eleições no Brasil pelos bastidores da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), tempo de disputa por diferentes e numerosos cargos, que envolvem negociações travadas em festas oferecidas por diplomatas, que desempenham função análoga a de parlamentares nos parlamentos nacionais. Ressaltando as especificidades de um organismo internacional, Paulo G. Filho descreve todas as etapas de uma eleição na ONU, vista como um ritual que elabora um "sistema de comunicação simbólica", vivido por atores limitados por um modo compartilhado de comportamentos, experiências e regras, eventos significativos de um organismo que tem em sua "missão" a pretensão ao universal. O último ensaio, uma análise de Carlos Steil sobre a etnicização da política, vista através de um grupo de remanescentes quilombolas em percurso a Brasília, na luta por direitos constitucionais pela posse de terras em Rio das Rãs, no interior do estado da Bahia, demonstra como uma caravana que se dirige a um centro de poder e reivindicação joga com suas figuras centrais e com os aparatos políticos buscados e suas lideranças em diferentes órgãos públicos, no que o autor chama de ritualização dos conflitos.

O Dito e o Feito abre espaço para um público mais amplo pensar e trabalhar com um referencial dos estudos de rituais, muitas vezes centrados nos cursos acadêmicos, em clássicos insubstituíveis, como Victor Turner e Arnold Van Gennep, mas que podem ser pensados à luz de antropólogos como Stanley Tambiah e toda a possibilidade lingüística que este autor proporciona, aqui ressaltados pela antropologia da política.

Referências bibliográficas

TAMBIAH, Stanley J. Continuidade, integração e horizontes em expansão. Mana, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, out. 1997. Entrevista concedida à Mariza Peirano.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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