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Tolerância zero: a má interpretação dos resultados

Resumos

As estratégias e a realidade do policiamento praticado nas ruas de Nova Iorque têm mudado dramaticamente nos últimos vinte anos. Programas agressivos visando a apreensão de armas e drogas são os principais objetivos das novas estratégias anticrime. Enquanto as taxas de criminalidade têm sido as mais baixas em 30 anos, as prisões por pequenos delitos são as mais altas de todos tempos. Existem poucas evidências para sugerir que o mercado de venda de drogas foi eliminado ou substancialmente reduzido. Esta pesquisa etnográfica explora o impacto destas estratégias de policiamento na qualidade de vida nos bairros da cidade de Nova Iorque. Este trabalho argumenta que para se entender o relacionamento entre o mercado de drogas e os crimes violentos devemos fazer mais do que comparar os números de prisões geradas pelas estratégias empregadas e entender o papel que as drogas ilegais desempenham na política econômica.

crime; drogas; estratégias do policiamento; etnografia urbana; narcóticos; Nova Iorque (cidade); tolerância zero; tráfico de droga; venda de drogas


The strategies and the realities of policing as practiced on the streets of New York City have changed dramatically in the last twenty years. Aggressive programs aimed at taking guns and drugs off the streets were among the main goals of these new anti-crime strategies. At at time when crime is at its lowest level in thirty years, arrests for low-level offences are higher than ever before. There is little evidence to suggest that drug markets have been eliminated or even substantially reduced. This ethnographic research explores the impact of these new policing strategies on the quality of life in the neighborhoods of New York City and argues that an understanding of the complex relationships between drug markets and crime must move beyond simply coparing the numbers of arrests genberated by different policing sterategies to an understanding of the role played by drugs in the wider political eceonomy.

crime; drug distribution; drug trafficking; drugs; narcotics; New York (City); policing strategies; urban ethnography; zero tolerance


ESPAÇO ABERTO

Tolerância zero – A má interpretação dos resultados

Travis Wendel; Ric Curtis

Department of Anthropology, John Jay College of Criminal Justice – Estados Unidos

RESUMO

As estratégias e a realidade do policiamento praticado nas ruas de Nova Iorque têm mudado dramaticamente nos últimos vinte anos. Programas agressivos visando a apreensão de armas e drogas são os principais objetivos das novas estratégias anticrime. Enquanto as taxas de criminalidade têm sido as mais baixas em 30 anos, as prisões por pequenos delitos são as mais altas de todos tempos. Existem poucas evidências para sugerir que o mercado de venda de drogas foi eliminado ou substancialmente reduzido. Esta pesquisa etnográfica explora o impacto destas estratégias de policiamento na qualidade de vida nos bairros da cidade de Nova Iorque. Este trabalho argumenta que para se entender o relacionamento entre o mercado de drogas e os crimes violentos devemos fazer mais do que comparar os números de prisões geradas pelas estratégias empregadas e entender o papel que as drogas ilegais desempenham na política econômica.

Palavras-chave: crime, drogas, estratégias do policiamento, etnografia urbana, narcóticos, Nova Iorque (cidade), tolerância zero, tráfico de droga, venda de drogas.

ABSTRACT

The strategies and the realities of policing as practiced on the streets of New York City have changed dramatically in the last twenty years. Aggressive programs aimed at taking guns and drugs off the streets were among the main goals of these new anti-crime strategies. At at time when crime is at its lowest level in thirty years, arrests for low-level offences are higher than ever before. There is little evidence to suggest that drug markets have been eliminated or even substantially reduced. This ethnographic research explores the impact of these new policing strategies on the quality of life in the neighborhoods of New York City and argues that an understanding of the complex relationships between drug markets and crime must move beyond simply coparing the numbers of arrests genberated by different policing sterategies to an understanding of the role played by drugs in the wider political eceonomy.

Keywords: crime, drug distribution, drug trafficking, drugs, narcotics, New York (City), policing strategies, urban ethnography, zero tolerance.

A política de "tolerância zero" em Nova Iorque tem sido considerada um modelo para outros, mas este sucesso parece ser coincidente com outros fatores sociais e econômicos.

A análise das conseqüências da política de combate à venda de drogas deve ser feita além dos números de prisões efetuadas, para se compreender o papel que as drogas desempenham numa visão mais abrangente da política econômica. Em Nova Iorque, existe pouca evidencia para sugerir que o mercado de drogas foi eliminado ou reduzido pela política de "tolerância zero".

O mercado de drogas foi reconfigurado, em parte devido às táticas agressivas de policiamento, por mudanças ocorridas nos bairros e pela preferência dos consumidores. A "tolerância zero" tem criado um mercado menos visível e mais difícil de ser detectado – entregas a domicílio, vendas "relâmpago" (vendas esporádicas em locais não-estabelecidos) e também vendas franchise (uma forma de organização social de distribuição, em que traficantes fornecem a droga pré-embalada para vendedores independentes, ao invés de contratá-los) – e isso tem-se tornado mais comum que a tradicional venda nas ruas.

A reconfiguração do mercado de drogas em formas menos prováveis de molestar os não-usuários pode ser desejável, mas não e nem de longe o ambicioso objetivo que o prefeito Giuliani traçou para seu segundo mandato.

Nos anos 90, na administração anterior do prefeito Giuliani, o policiamento se tornou um jogo de números. O relatório divulgado no primeiro semestre de 1999 mostrou que o número de prisões efetuadas por causa de drogas foram os mais altos de todos os tempos, fato ocasionado principalmente por uma campanha sem precedentes centrada na prisão de usuários de maconha.

A mudança no caráter socioeconômico de alguns bairros e o agressivo policiamento recapturou e reconfigurou espaços públicos e semipúblicos onde drogas eram vendidas nos anos 70 e 80, mas usuários continuaram a obter heroína, cocaína e maconha sem nenhuma dificuldade. Dependentes mais endinheirados têm suas drogas entregues a domicílio enquanto os menos privilegiados, visivelmente consumidores pertencentes a minorias, compram de traficantes que, discretamente, ainda atuam na rua.

Ocorreram mudanças na parte técnica e social do tráfico de drogas (grandes estruturas empresariais são menos comuns e aparecem apenas no segmento de entrega a domicílio).

As estratégias e a prática de policiamento mudaram drasticamente nos últimos 20 anos em Nova Iorque.

A história da recente interação entre estratégias de policiamento (baseada em conter ou eliminar o mercado de drogas) e a distribuição (baseada na não-alteração dos negócios) pode ser dividida em três períodos distintos.

Afastamento da polícia das operações

Em 1973, o relatório da Comissão Knapp revelou a existência de uma epidemia de corrupção no Departamento de Polícia. Como resultado, policiais uniformizados foram afastados do combate ao tráfico de drogas. Operações policiais foram transferidas para esquadrões especializados, os quais poderiam ser monitorados mais facilmente para evitar corrupção. Entre 1973 e 1983, os mercados de drogas eram operados de maneira relativamente aberta, com pouca interferência da polícia. Índices de criminalidade aumentavam regularmente. Existia o sentimento de que a polícia tinha pouco a fazer a respeito, o que era causado por patologias sociais básicas que eles não tinham poder de mudar.

Esta tendência resultou de residentes estarem tirando proveito da convergência do desenvolvimento na política econômica da cidade de Nova Iorque, incluindo mínimo policiamento em muitas áreas e corte na provisão de serviços básicos. Simultaneamente, a recessão no meio dos anos 70 causou a retirada de capital privado dessas mesmas áreas.

Um vácuo foi criado na administração, o qual foi preenchido pelas organizações de distribuição de drogas. Este processo é reminiscente do surgimento da máfia e outros governos paralelos em áreas onde a autoridade é ausente ou nunca foi estabelecida completamente, como a área rural da Sicília.

Os anos 70, na cidade de Nova Iorque, foram caracterizados pelo sentimento geral de que os problemas urbanos – especialmente crimes – estavam além das possibilidades do governo de solucioná-los.

Pescando peixe em aquário

No meio dos anos 80, o Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD), sob o comando do prefeito Koch, passou a recriminalizar drogas e violência nos bairros onde o controle social formal e informal haviam desaparecido.

A policia iniciou um longo e regular ataque ao comércio de drogas nas ruas, além de outros crimes. O impacto deve ser avaliado de acordo com o que estava acontecendo na cidade naquele momento.

Nos anos 80, a economia de Nova Iorque reviveu, o mercado de ações teve altas regulares, até o crash de 1987.

O mercado imobiliário ganhou força novamente, os investimentos de instituições privadas retornaram, assim como programas do governo nas comunidades renegadas nos anos 70. Ao invés de abandonar suas propriedades e deixá-las serem apropriadas por falta de pagamento de impostos, proprietários começaram a investir. Prédios de apartamentos foram transformados em cooperativas para evitar a lei de estabilização de aluguéis criada pelo governo, tornando-se assim mais rentáveis. A cidade, sob administração do prefeito Koch, começou a renovar um substancial número de prédios adquiridos durante a onda de abandono nos anos 70, e vendeu estes mesmo para empreendedores e antigos donos.

A mudança do poder socioeconômico nos bairros

Todos estes acontecimentos levaram a mudanças substanciais no caráter socioeconômico de muitos bairros. A área do East Village / Lower East Side de Manhattan foi uma das primeiras a ser afetada. O crescimento do mercado de trabalho continuava lento, visivelmente para homens vindos de minorias, mas o crescimento do mercado de serviços derivado da restauração da economia trouxe para os jovens esperanças de ganhar a vida fora do crime.

Quando os policiais uniformizados retornaram às ruas, os traficantes reagiram com muita lentidão. A polícia efetuou um número enorme de prisões e apreendeu grande quantidade de produtos ilícitos. O número total de prisões efetuadas aumentou rapidamente.

A polícia teve menos sucesso na eliminação da venda de drogas, mesmo aquelas em áreas públicas. O mercado de drogas não foi desmantelado, mas relocado para áreas menos influentes. As atividades exercidas no Lower East Side mudaram para o outro lado do rio, Williamsburg no Brooklyn.

Mais tarde, o programa Tatical Narcotics Team (TNT), que atuava em toda a cidade, obteve resultados temporários, entre 1983 e 1993, realizando intervenções intensivas de curto prazo em determinadas áreas. O objetivo era interromper a venda de drogas na região, de forma que esta não pudesse ser reestabelecida com o término da intervenção.

O TNT provou ter conseguido sucesso limitado. Muitos mercados foram dispersados durante as intervenções, mas obteve efeito passageiro nos há muito estabelecidos.

As áreas limitadas de atuação levaram apenas a um deslocamento geográfico - traficantes mudaram seus pontos para poucas quadras distantes do locais de atuação do TNT (às vezes temporariamente).

Esses deslocamentos temporários aconteceram de diferentes formas:

– enquanto o TNT atuava em uma determinada área, as vendas eram suspensas (da mesma forma que os traficantes paravam de vender no horário da saída das escolas, assim as crianças podiam ir para casa sem ver o movimento da venda de drogas). Os traficantes sabiam que o TNT deixaria a área em pouco tempo e as atividades poderiam ser normalizadas.

– distribuidores notaram rapidamente que as intervenções do TNT seguiam um padrão – toda terça-feira ou toda quinta-feira – então eles evitavam trabalhar nos "dias do TNT".

– o TNT raramente realizava operações nos finais de semana, devido à relutância dos investigadores em interferir em suas horas de lazer – os traficantes corresponderam de acordo.

Estas pequenas mudanças no cotidiano tiveram provavelmente pequeno impacto nas vendas de heroína, devido ao padrão observado no seu uso. Maior impacto certamente ocorreu nas vendas de cocaína, porque ela é usada geralmente como droga recreativa, de festa ou de final de semana.

Um distribuidor resumiu a ação do TNT como:

Eles chegam, fazem um estardalhaço, revistam, prendem e depois vão embora. Eles não vêm e ficam. Tudo continua do mesmo jeito e as pessoas continuam vendendo drogas. Eles (os traficantes) ainda estão por aí, por todos os lugares. O movimento nunca diminui, não existiu pressão, você entende? Eles continuam na rua durante o dia, continuam na rua à noite.

Gradualmente, a polícia se tornou mais sensitiva à organização social da distribuição de drogas e tentou desmantelá-la, ao invés de efetuar prisões e apreensões. Esta abordagem, combinada com um número de prisões já grandes e um declínio geral do mercado de drogas (especialmente crack), levou os mercados a se adaptarem. A era da distribuição de drogas nas ruas, feitas por organizações, chegava ao fim.

Batendo na mesma tecla

Neste contexto, em 1994, Rudolph Giuliani começou seu primeiro mandato como prefeito republicano de Nova Iorque, com a decisão de ser inflexível em relação aos crimes.

O novo comandante da polícia, William Bratton, introduziu o mapeamento computadorizado dos crimes e tendências nas prisões efetuadas, o CompStat, o qual possibilitou o departamento de polícia a responsabilizar os comandantes pelos crimes em suas áreas.

Por volta de 1996, os mercados de drogas se mudaram para locais fechados e entregas a domicílio. A polícia continuou com suas táticas que, segundo eles próprios, causaram o declínio do número de crimes cometidos – o policiamento rigoroso de regras sem importância.

Em comunidades formadas principalmente por minorias, os ressentimentos explodiram em protestos após vários incidentes, divulgados incansavelmente, de abusos da polícia contra cidadãos. Moradores que viam traficantes com ódio adotaram similar sentimento para com a polícia.

O dono de um serviço de entrega de maconha a domícilio explicou a reação ao intensificado policiamento da era Giuliani: "Não estamos contratando pessoas de cor porque, basicamente, se alguém é negro em Nova Iorque, pelo menos uma vez por semana ele será barrado pela polícia".

"Não gosto do Giuliani, e é uma coisa totalmente diferente ser uma pessoa de cor em Nova Iorque agora; pois sabe-se, com certeza, que vai ter complicação com a polícia, vai ser revistado, e simplesmente é assim que as coisas são. Infelizmente, tenho que tocar meus negócios. Isso significa que tenho que contratar garotos brancos e com a ficha limpa. Quero dizer, gosto de contratar jovens brancos com aparência de estudantes. Sei que é covardia (não contratar pessoas de cor), mas tem-se que ser realista, estamos no negócio para pagar as contas, entende?"

Após adotar este critério, seu serviço de entrega a domicílio operou por anos sem sofrer nenhuma prisão.

Iniciativas adicionais

Em 1998, o prefeito Giuliani enfatizou que em seu segundo mandato seria ainda mais agressivo nas ações contra as drogas:

Adicionaremos outras cinco ações às quatro já existentes, mais que duplicando os recursos voltados para este fim, desde a divulgação da nossa ação ofensiva em 1º de outubro de 1997. Isto permitirá ao Departamento de Polícia pressionar incansavelmente os traficantes por toda a cidade e direcioná-los para fora dela. Não sobrará lugar para eles se esconderem.

Na mesma época a gentrification – melhoria das condições de vida em bairros – estava acelerada, trazendo moradores com maior poder aquisitivo para a cidade. Com a economia estável e maior policiamento, os índices de criminalidade em geral tinham diminuído para a menor taxa nos últimos 30 anos.

Se a criminalidade tem diminuído por causa do maior policiamento, não pelas ações de combate ao tráfico – o número de prisões por causa de drogas é significativo baixo, mas para outros tipos de crime é o mais alto de todos os tempos.

A exceção neste declínio do número de prisões por causa de drogas é a possessão de maconha. Em 1988, elas tiveram um aumento de 60%, comparadas ao ano de 1997. Oitenta por cento foram feitas por policiais à paisana do Organised Crime Control Bureau – OCCB (Comissão de Controle do Crime Organizado), resultado da centralização dos esforços para a prisão por causa de maconha – 18% em 1993 e 40% em 1998.

Um oficial do OCCB disse a pesquisadores que a maior parte do seu tempo no Brooklyn South Narcóticos (divisão de narcóticos do sul do Brooklyn) foi gasto em investigações relacionadas à maconha. As prisões eram mais fáceis de serem efetuadas do que as relacionadas com drogas as pesadas; e os comandantes queriam apresentar números:

Por um período, estávamos resolvendo casos realmente importantes, concentrados em traficantes de heroína e crack. Mas aí, os números baixavam e os chefes se desesperavam, então voltava-se às ruas para prender pessoas fumando um baseado ou por estarem vendendo insignificância de maconha.

Investigadores experientes do Midtown North Narcotics Zone (divisão de narcóticos da zona centro-norte de Manhattan), pertencentes ao Central Harlem Initiative (Iniciativa do Harlem Central) foram designados para efetuar prisões de usuários de maconha no Central Park. Um detetive deu sua declaração:

Bem, é uma bobagem sem sentido, não é a razão por que me tornei policial. Mas já tenho 17 anos de carreira na polícia. Aposento-me em três anos e não ligo a mínima. No parque venho prendendo yuppies, de terno, pasta de mão, aquela coisa toda. Digo mais, não tenho a mínima dó deles.

Prisioneiros instantâneos

Uma das mudanças na prática de policiamento é que atualmente todos os policiais do New York Police Department – NYPD (Departamento de Polícia de Nova Iorque) podem sentenciar qualquer pessoa a 24 horas de prisão, sem julgamento. O preso não tem contato ou ajuda de nenhuma pessoa a não ser a do NYPD, neste período. A sentença de um dia é o tempo entre a prisão e a aparição diante de um juiz, quando, pela primeira vez, alguém de fora da polícia considera as acusações.

As pessoas ficam presas por 24 horas, aguardando a formalização das acusações, não importando quão pequenas estas sejam. A espera pode ser substancialmente mais longa para presos desobedientes. Os policiais podem "perder" seus arquivos, impedindo os presos de ir a julgamento. Um detetive do departamentos de narcóticos de Manhattan disse: "Não tenho que bater numa pessoa que não está cooperando. Aprendi a ser mais esperto que eles. Não me altero. Mexeu comigo? Peço ao oficial da delegacia que perca sua ficha. Vamos ver quanto tempo vai demorar para ele defrontar-se com um juiz".

Muitos casos não vão a julgamento, Promotores se recusam a processar uma média de 50 casos por dia (18.000 em 1998), o dobro de quatro anos atrás.

A pessoa presa, assim, já foi penalizada e humilhada por 20 ou 30 horas de tédio, perdeu um dia de trabalho e possivelmente o emprego, passou por duas revistas corporais (uma na delegacia e outra quando vai para a cela) e outras coisas mais. Os tribunais proibiram as revistas corporais, a menos que haja uma justa causa, mas todas as pessoas presas por causa de drogas, por menor que seja a acusação, continuam a ser revistadas pelo NYPD.

Por que isto acontece? O NYPD tradicionalmente considera policiais que não efetuam prisões como sendo improdutivos. A obsessão com o CompStat e as estatísticas que medem a produtividade da polícia tem um papel importante. Ironicamente, a eliminação de quotas para avaliar a performance da polícia estava entre as recomendações da Comissão Knapp, em 1973.

O presidente da Associação Benevolente da Polícia, James "Doc" Savage, em entrevista ao jornal The New York Times, disse que os policiais [...] "estão sob constante pressão para aumentar mais e mais os números, prender mais e mais. Ainda que as taxas de criminalidade estejam baixas, eles têm que manter o mesmo nível de atividade".

O grande número de prisões que este enfoque gera, traz conseqüências para os bairros onde elas ocorrem com mais freqüência. Já se disse que as ações da polícia no combate às drogas podem ser o resultado adverso do uso de drogas – uma medida da morbidade social com conseqüências negativas para aqueles detidos no sistema de justiça criminal, mas devem ser vistas também como uma variável independente – agravando muitos problemas sociais e de saúde atribuídos ao uso de drogas.

Um grande número de jovens que vivem em bairros pobres, entram e saem da cadeia cumprindo curtas sentenças. Com poucas ligações com instituições convencionais, oportunidades legítimas são diminuídas enquanto as oportunidades na vida do crime são aumentadas através dos contatos feitos na prisão.

Quando jovens de bairros desprivilegiados tornam-se acostumados aos repetidos contatos com o sistema de justiça criminal, os efeitos que detêm e estigmatizam, diminuem inevitavelmente. Ser preso é visto como um rito de passagem. Isto está acontecendo numa era em que o crime está em declínio.

Afirmações sem efeito

Alguns afirmam que o índice de criminalidade tem diminuído na cidade de Nova Iorque, devido à agressividade da polícia sob a administração de Giuliani. Não menos, o próprio: "uma das principais razões do declínio da criminalidade tão drasticamente em Nova Iorque é que não permitimos mais que os traficantes controlem as ruas da cidade".

Esta afirmação não suporta uma análise mais profunda. Os índices de criminalidade em Nova Iorque começaram a diminuir antes do primeiro mandato de Giuliani, o qual teve início em 1994.

Crimes violentos vêm diminuindo, do elevado número de 2.385,6 por 100.000 habitantes registrado em 1990. Assassinato e roubo, ambos tiveram os maiores índices no mesmo ano e também caíram.

Os crimes contra a propriedade, que tiveram a taxa mais alta em 1998 (durante o terceiro mandato do prefeito Ed Koch) diminuíram desde então. O índice geral de ofensas em toda a cidade também teve o seu pico mais alto neste ano, porque o número de crimes contra a propriedade é mais numeroso que os crimes violentos. Prisões efetuadas por crimes violentos registrou o maior número de casos em 1989, e o número de prisões por esta razão diminuiu significantemente entre 1989 a 1993.

Possivelmente, as mudanças econômicas em Nova Iorque causaram maior diferença do que o policiamento agressivo e a política de "tolerância zero". Áreas onde o crime dominava foram repovoadas por residentes com interesse na participação dos assuntos locais, serviços básicos e patrulhamento foram retomados. Os mercados de drogas refletem a sociedade da qual fazem parte.

Alternativas positivas de policiamento

A política de "tolerância zero" tem suas raízes na "teoria das janelas quebradas", de Wilson e Kelling, a qual argumenta que tolerância e desordem são a semente para a ocorrência de crimes mais sérios, assim como uma janela quebrada dá a impressão de abandono e indiferença e leva à quebra de outras.

A "teoria das janelas quebradas" diz, também, que o policiamento de pequenas infrações e atos de desordem diminuiria a ocorrência de crimes mais sérios. O que implica na volta do patrulhamento a pé, uma estratégia efetiva no controle do crime, e cooperação dos residentes.

A idéia original da teoria incorpora consultas com a comunidade no planejamento de ações e no nível de tolerância dos vários atos de desordem cometidos. Isso não foi implementado em Nova Iorque. As regras estabelecidas ignoraram a participação da comunidade nas decisões. Kelling argumenta que a política de "tolerância zero" distorceu a abordagem de seu plano.

As intervenções da polícia produziram um impacto passageiro no uso de drogas e foi responsável apenas parcialmente nas grandes transformações ocorridas no mercado de drogas nos últimos 15 anos.

Objetivos realísticos

O policiamento tem um papel importante na reforma dos mercados, então, pode a polícia local considerar como objetivos realísticos? O Departamento de Polícia provou que, tendo uma visão mais ampla, envolvendo mudanças nas áreas econômica, social e de policiamento, é possível provocar a diminuição da venda de drogas nas ruas. Eles deveriam continuar seguindo estes passos.

A venda de drogas em locais públicos foi eliminada, na maior parte da cidade de Nova Iorque. Distribuidores e traficantes não controlam mais ruas e bairros inteiros. A violência tem diminuído sensivelmente. Em recente relatório, o escritório do procurador geral do Brooklyn concluiu que 9% dos homicídios, ocorridos em 1999, eram relacionados a drogas, comparados com 25-30% na metade dos anos 90.

As drogas continuam a ser vendidas e usadas em Nova Iorque, mas estas atividades raramente são vistas ou afetam os não-usuários. Porém, os ganhos recentes correm o risco de serem perdidos se a polícia alienar grandes comunidades, aumentando o número de prisões efetuadas – continuando o jogo dos números de maneira brutal.

Os legisladores, cidadãos e policiais, deveriam persistir em um policiamento responsável. O objetivo deveria ser a minimização dos danos causados pelo tráfico, assim como a diminuição no abastecimento de drogas. Nenhum destes objetivos será alcançado pela perseguição aos usuários.

Métodos de pesquisa utilizados

Este artigo é baseado em dados colhidos em pesquisas etnográficas conduzidas dentro do projeto "A heroína no século 21" e do estudo "O tráfico no Lower East Side". Pesquisadores realizaram intensa observação de usuários de drogas e traficantes nos locais onde as atividades são realizadas.

Entrevistas pessoais foram realizadas com participantes e acompanhamento de vários aspectos do mercado de drogas como: atividades, interação com a polícia e outros membros da comunidade. Membros da família e não-participantes do mercado de drogas foram entrevistados, num esforço de uma análise mais profunda do contexto social.

Estes dados etnográficos foram suplementados pelo estudo dos dados e estatísticas oficiais do sistema de justiça criminal, assim como estudos feitos por pesquisadores e jornalistas sobre policiamento, drogas e crime.

O objetivo é retratar a dinâmica e a interação entre policiamento, bairros e mercados de drogas em seu desenvolvimento nos últimos 20 anos.

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  • WILSON J.; KELLING, G. Broken Windows. Atlantic Monthly, n. 249, Mar. 1982.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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