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Políticas migratórias: América Latina, Brasil e brasileiros no exterior

RESENHAS

Thaddeus Gregory Blanchette

Doutorando, Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil

SALES, Teresa; SALLES, Maria do Rosário R. (Org.). Políticas migratórias: América Latina, Brasil e brasileiros no exterior. São Paulo: Sumaré: IDESP, 2002. 198 p.

Políticas Migratórias: América Latina, Brasil e Brasileiros no Exterior é uma tentativa primeira de preencher uma lacuna nos estudos de imigração no Brasil, levando a sério a proposta que as políticas migratórias, e os fluxos que elas buscam regular, não podem, nos dias de hoje, serem analisadas simplesmente a partir de um foco nacional e sincrônico: precisam ser entendidas também como resultados de processos internacionais e históricos. Fruto do Seminário Internacional Políticas Migratórias realizado em junho de 2000 no Instituto de Estudos Econômicos, Políticos e Sociais de São Paulo (IDESP) e organizado pelo Grupo de Trabalho Migrações Internacionais da ANPOCS, Políticas Migratórias reúne textos que lidam com a questão de migrações internacionais no contexto latino-americano e, especialmente, brasileiro, visando a transformação atual dos países da região de importadores a exportadores de imigrantes. O seminário foi o primeiro no Brasil que buscou retratar, conjunta e comparativamente, as políticas migratórias dos países latino-americanos, simultaneamente procurando forjar uma perspectiva diacrônica da história política de migração para e do Brasil. Portanto, o livro é um registro valioso do que há de mais atual e abrangente do pensamento brasileiro e latino-americano acerca de imigração internacional.

Tematicamente, Políticas Migratórias é dividido em quatro seções, cada uma das quais corresponde a uma das mesas componentes do seminário. A introdução (escrita pelas organizadoras da coleção) retrata a mesa de abertura e é especialmente intrigante, pois descreve a interação entre os acadêmicos, funcionários do Estado e representantes de ONGs presentes no seminário, apontando para conflitos de como as políticas migratóriassão percebidas pelos setores diferentes da sociedade brasileira que lidam com elas. Particularmente iluminadoras são as breves exposições das palavras do embaixador Lúcio Amorim, do Ministério das Relações Exteriores, e do Dr. Luiz Paulo Teles Barreto, do Ministério da Justiça, que ofereceram retrospectivas da atuação histórica externa e interna do Estado brasileiro acerca da questão da migração, salientando como essas políticas têm se transformado nos últimos anos para melhor acomodar novas realidades. Essa seção é, infelizmente, breve demais. Todavia, o esboço que Sales e Salles apresentam das exposições desses cavalheiros serve como valioso retrato da visão que dois dos agentes mais atuantes do Estado brasileiro no campo das políticas migratórias têm das últimas décadas de mudanças políticas ocorridas nessa área.

Cada uma das três seções restantes de Políticas Migratórias: América Latina, Brasil e Brasileiros no Exterior contém três artigos escritos por participantes do seminário a partir de suas apresentações. Os textos da primeira seção, Migração Internacional na América Latina, são unidos pela sua ótica mais abrangente, tomando em consideração os grandes fluxos e tendências aparentes em torno da questão de migração internacional na América Latina.

Em Migrações e Política na América Latina: Novos Espaços e Cenários, Lelio Mámora, presidente da Organização Internacional das Migrações para o Cone Sul, busca refletir sobre a multiplicação dos atores envolvidos na formação das políticas migratórias. Ele mostra que essas têm transbordado suas fronteiras originais, sendo vistas hoje não como assuntos propriamente administrados por um setor do estado nacional, e sim como políticas cuja formação é sujeita à atuação de diversos atores, vindos da sociedade civil e do governo, e tanto internacionais quanto nacionais. Neide Patarra, do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, investiga o efeito que a criação do Mercosul teve nos movimentos populacionais dos países. Seu artigo, Migrações Internacionais e Integração Econômica no Cone Sul: Notas para Discussão, focaliza a questão das migrações internacionais nas áreas fronteiriças dos países do Mercosul, situando-as no contexto histórico e econômico da convivência binacional preexistente ao longo dessas fronteiras. O Caminho para o Norte, de Adela Pellegrino, da Universidad de la República, em Montevidéu, fecha a seção, oferecendo ao leitor um panorama bastante completo da migração de latino-americanos aos EUA e Canadá, baseado nos dados do projeto Investigación en Migración Internacional en América Latina das Nações Unidas. Concentrando-se nas cifras das últimas quatro décadas, Pellegrino salienta que essa migração se transformou em um dos fenômenos sociais mais marcantes da segunda metade do século XX, tanto para os Estados Unidos quanto para a América Latina. Mostra que o crescimento dessa migração tem sido acompanhado por uma diversidade maior em suas formas e nas categorias sociais dos migrantes, além de um crescente número de países latino-americanos com contingentes expressivos de cidadãos residentes na América do Norte.

A Parte II, Brasil: País de Imigrantes?, contém artigos de Giralda Seyferth (Museu Nacional, UFRJ), de Oswaldo Truzzi (USP) e Alicia Bernasconi (Centro de Estudios Migratórios Latinoamericanos de Buenos Aires) e da advogada do Centro de Estudos Migratórios de São Paulo, Maritza Feretti. Os três textos formam um conjunto coerente que analisa as políticas brasileiras de imigração em momentos diferentes de história, enquanto mantém o eixo comparativo com outros países da América Latina. O artigo de Seyferth, Colonização e Política Imigratória no Brasil Imperial, situa as raízes da política migratória brasileira da primeira metade do século XX no período imperial, época em que foram estabelecidas as práticas de colonização, baseadas na pequena propriedade familiar, e a valorização de fluxos migratórios europeus, que marcaram as políticas migratórias da República. Feretti, em Direitos Humanos e Imigrantes, analisa criticamente a visão predominante do Brasil como país tolerante à luz da discriminação histórica sofrida pelos estrangeiros frente às políticas mantidas pelo Estado brasileiro. Acaba, portanto, conclamando os interessados na temática de imigração a acompanhar de perto o cumprimento das disposições constitucionais a respeito dos migrantes. Política Imigratória no Brasil e na Argentina nos Anos de 1930: Aproximações e Diferenças, de Bernasconi e Truzzi, mantém o eixo comparativo do seminário. Os autores concluem que, apesar de ambos os países terem erguido barreiras à imigração nos anos 30, a queda bruta na entrada de imigrantes que ambos experimentaram a partir dessa década teve mais a ver com a depressão econômica mundial do que com quaisquer mudanças legais.

A última seção de Políticas Migratórias retrata a situação dos imigrantes brasileiros frente às políticas de outros países nos anos mais recentes. O artigo de Maria Beatriz Rocha-Trindade, da Universidade Aberta de Lisboa, Políticas de Migrações: Portugal e Brasil, analisa o eixo migratório luso-brasileiro de forma holística, apontando a grande aproximação histórica entre os dois países na questão de direitos iguais para os imigrantes lusofalantes e o atual estreitamento das políticas migratórias portuguesas frente às exigências de seus parceiros políticos e comerciais na União Européia. Masato Nimomiya, em Imigrantes Brasileiros frente às Políticas Migratórias – A Presença dos Brasileiros no Japão, descreve o eixo migratório Brasil-Japão em seus dois momentos característicos: o da chegada dos imigrantes japoneses no Brasil antes e depois da Segunda Guerra e o dos dias de hoje, quando números expressivos de brasileiros nipo-descendentes (e seus familiares) têm buscado novas oportunidades de trabalho no país de seus ancestrais. Finalmente, Christopher Mitchell, da New York University, oferece um retrospecto das políticas imigratórias norte-americanas desde a década de 20. Seu artigo, As Recentes Políticas de Imigração dos Estados Unidos e seu Provável Impacto nos Imigrantes Brasileiros, focaliza as mudanças das leis imigratórias que ocorreram a partir de 1990 sob influência de "um forte movimento ‘neo-restricionista’" americano, as reações dos migrantes a essas novas pressões e as perspectivas dos imigrantes brasileiros dentro desse cenário.

Políticas Migratórias é uma valiosa aquisição para a coleção de qualquer interessado na tema de migrações e América Latina. O único problema do livro é o momento em que seus textos foram escritos: justamente um ano antes do estreitamento das políticas migratórias mundiais em reação aos ataques perpretrados contra os EUA no dia 11 de setembro de 2001. Todavia, o tipo da análise histórica, transnacional e total das políticas migratórias, utilizado pelos contribuintes do livro, é mais necessário que nunca num mundo em que o preconceito contra o estrangeiro busca se justificar como necessário em prol da defesa da nação. Lendo os artigos reunidos em Políticas Migratórias, estamos encorajados a lembrar que, nos dias de hoje, as políticas nacionais de imigração não podem ser analisadas a partir do efeito que têm sobre um só país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Jul 2003
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