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História social da borracha, seringueiros do Acre

RESENHAS

Carvalho, Carlos. História social da borracha, seringueiros do Acre. Porto Alegre, 2005. 68 p.

Cornelia Eckert

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil

Imagine-se o leitor um fotógrafo portando câmeras Nikon F3 e Leicas M e R com filmes Kodak Tri-X e Ilford HP5 inserindo-se nas entranhas da Amazônia brasileira para lá encontrar... outros brasileiros.

Marina Silva, a ministra do Meio Ambiente, elabora o prefácio. Conta que Carlos foi para a capital do Acre, Rio Branco, para ficar três meses e lá permaneceu por quatro anos, conhecendo e reconhecendo, nos imponderáveis do extrativismo e no cotidiano dos seringueiros, a história real do país dos tristes trópicos onde vivem... brasileiros.

Pedro Karp Vasquez, o fotógrafo, também introduz o estudo social fotográfico que compõe o livro, tratando da "luz-cidez" das imagens em um cenário onde pulsam pessoas, trabalhadores, gente simples da extração do látex, em território que leva o nome de um herói nacional da luta dos excluídos pelos direitos humanos no Brasil: Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. O fotógrafo prefaciador homenageia o fotógrafo engajado na sua relação com o Outro: os seringueiros, as famílias dos seringueiros, os amigos seringueiros e seus familiares, as gentes dali que vivem "das árvores e entre as árvores". A narrativa visual das pessoas no contexto e do contexto, da condição de trabalho, da extração da natureza, do látex, torna-se, para o autor, na história social da borracha, esse produto transformado no gesto da inventividade industrial que capitaliza a obra humana em sua progressividade civilizatória. O ato paradoxal exclui dos benefícios capitais seu agente primeiro, o seringueiro, em sua saga de trabalhar para sobreviver... no Brasil.

O próprio autor fotógrafo, engajado, solidário e... brasileiro, se incumbe de tecer significativas palavras introdutórias da história social da borracha construída como narrativa visual, concebendo uma foto narrativa da exploração comercial da borracha nativa da Amazônia.

A leitura alude, nas minhas reminiscências, a imagens de uma árvore que sofreu um corte de onde escorre o látex. Eram livros de história do Brasil, da escola ginasial, em que os ciclos da economia do país eram mostrados aos estudantes como estruturas progressistas que construíram o país... Brasil. Há, nessas lembranças, referências aos seringueiros como personagens típicos brasileiros, como lembra Carlos Carvalho, referindo-se aos livros escolares do século passado, em que as imagens de blocos de borracha eram ajustadas, aos olhos dos leitores, às imagens da vitória do banqueiro conquistador, os barões da borracha, que empreenderam sua alma de negócios durante as conjunturas de guerras mundiais nessa inovadora matéria, conquistando, ao país, fortuna e progresso, como buscam comprovar as cartilhas didáticas exibindo fotos do patrimônio arquitetônico esplendoroso, que simbolizam o desejo de consumo dos homens do capital nas capitais... do Brasil.

Essa era a história oficial, que eu lia na época do ginásio e reconhecia como história do Brasil. Carlos Carvalho refere-se a esse determinismo educacional e pergunta aos brasileiros se não é esse o imaginário que persiste. Que olhares temos hoje, na atualidade dos tempos, dessa Amazônia paradoxal, que hospeda a cobiça dos homens na história de selvagerias naturais e "des-naturais", como a do massacre e a da escravidão de índios, de contatos nefastos, de migrações impostas de milhares de brasileiros vindos de regiões vizinhas, transformando-se em seringueiros escravos "pela dívida"? questiona Carlos. O que sabemos das lutas anônimas de resistência aos homens do poder?

A divulgação de atrocidades foi se colocando acidentalmente como uma tarefa de outro tipo de homens, das palavras, das letras, das imagens, da mídia, da ciência, da luta política, do engajamento social, da militância democrática.

Na luta contra o esquecimento ou apagamento que tanto acomete nossa memória social, as imagens nos trazem referências da condição de ser no âmago do território amazonense. A relação do homem com as árvores, diz Carlos, não é novidade para os brasileiros - a própria denominação de brasileiro recorre ao mito de fundação relacionado ao corte do pau-brasil como matéria para escambo e enriquecimento dos primeiros exploradores. As imagens que seguem levantam questões que nos deslocam de um lugar-comum, do conformismo ou da ignorância de não saber e não querer saber, como propõe Carlos Carvalho, de quem são os verdadeiros protagonistas das pequenas histórias da história da humanidade (p. 15).

Títulos temáticos anunciam, então, a lógica narrativa das fotos em encadeamento: A Chegada dos "Paulistas", Aqui tem Gente, O Sistema de Aviamento, O Projeto Seringueiro - Cooperativismo, Educação e Saúde. São imagens em preto-e-branco que mostram estradas, árvores, extração da borracha, pessoas, luzes e sombras, perfis e retratos dessa realidade social.

A essas imagens, seguem as legendas e uma breve sinopse do tempo e do espaço dos acontecimentos que as imagens testemunham.

Sem mais palavras, sugiro o acesso ao livro e a visualização das imagens como estratégia de participar de um processo de construção de memória coletiva sem os filtros dos livros didáticos que suprimem a possibilidade da crítica e do olhar reflexivo de uma história brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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